terça-feira, 8 de abril de 2025

Mea culpa: Israel admite erros sobre mortes de médicos em Gaza

O exército de Israel admitiu que seus soldados cometeram erros na morte de 15 trabalhadores de emergência no sul de Gaza em 23 de março.

O comboio de ambulâncias da Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (PRCS), um carro da ONU e um caminhão de bombeiros da Defesa Civil de Gaza foram atacados perto de Rafah.

Inicialmente, Israel alegou que as tropas abriram fogo porque o comboio se aproximou de forma "suspeita" na escuridão, sem faróis ou luzes intermitentes. Israel disse que o movimento dos veículos não havia sido previamente coordenado ou acordado com o exército.

Imagens de celular, filmadas por um dos paramédicos que foi morto, mostraram que os veículos estavam com as luzes acesas quando atenderam a um chamado para ajudar os feridos.

As Forças de Defesa de Israel (IDF) insistem que pelo menos seis dos médicos eram ligados ao Hamas, mas até agora não apresentaram provas. Mas admite que eles estavam desarmados quando os soldados abriram fogo.

O vídeo móvel, originalmente compartilhado pelo New York Times, mostra os veículos parando na estrada quando, sem aviso, começam os disparos pouco antes do amanhecer.

A filmagem continua por mais de cinco minutos, com o paramédico, chamado Refat Radwan, sendo ouvido fazendo suas últimas orações antes de serem ouvidas as vozes de soldados israelenses se aproximando dos veículos.

Um oficial da IDF informou os jornalistas na noite de sábado, dizendo que os soldados haviam disparado anteriormente contra um carro com três membros do Hamas.

Quando as ambulâncias responderam e se aproximaram da área, os monitores de vigilância aérea informaram aos soldados em terra que o comboio estava "avançando de forma suspeita".

Os soldados presumiram que estavam sob ameaça e abriram fogo, apesar de não haver nenhuma evidência de que qualquer membro da equipe de emergência estivesse armado.

Israel admitiu que seu relato anterior, afirmando que os veículos se aproximavam sem luzes, era impreciso, atribuindo o relato às tropas envolvidas.

O vídeo mostra que os veículos estavam claramente identificados e os paramédicos usavam uniformes refletivos de alta visibilidade.

Os soldados enterraram os corpos dos 15 trabalhadores mortos na areia para protegê-los de animais selvagens, disse o oficial, afirmando que os veículos foram movidos e enterrados no dia seguinte para liberar a estrada.

Eles só foram descobertos uma semana após o incidente porque as agências internacionais, incluindo a ONU, não conseguiram organizar uma passagem segura para a área ou localizar o local.

Quando uma equipe de socorro encontrou os corpos, também descobriu o telefone celular de Refat Radwan, que continha imagens do incidente.

O oficial militar israelense negou que qualquer um dos médicos tenha sido algemado antes de morrer e disse que eles não foram executados à queima-roupa, como alguns relatos sugeriram.

No início desta semana, um paramédico sobrevivente disse à BBC que as ambulâncias estavam com as luzes acesas e negou que seus colegas estivessem ligados a qualquer grupo militante.

As IDF prometeram um "exame minucioso" do incidente, dizendo que "entenderiam a sequência de eventos e o tratamento da situação".

O Crescente Vermelho e muitas outras organizações internacionais estão pedindo uma investigação independente.

Israel renovou seu bombardeio aéreo e sua ofensiva terrestre em Gaza em 18 de março, depois que a primeira fase de um acordo de cessar-fogo chegou ao fim e as negociações para uma segunda fase foram interrompidas.

Desde então, mais de 1.200 pessoas foram mortas em Gaza, de acordo com o ministério da saúde do território, administrado pelo Hamas.

O exército israelense lançou uma campanha para destruir o Hamas em resposta a um ataque transfronteiriço sem precedentes em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 foram feitas reféns.

Mais de 50.600 pessoas foram mortas em Gaza desde então, de acordo com o Ministério da Saúde do território.

¨      'Foram atacados um por um e enterrados em vala comum': a indignação da ONU e da Cruz Vermelha com morte de 15 paramédicos

A Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (IFRC, na sigla em inglês) e a Organização das Nações Unidas (ONU) manifestaram sua "indignação" e "horror" diante da morte de 15 profissionais de saúde e socorristas palestinos por forças israelenses no sul de Gaza — e exigiram "respostas e justiça".

As organizações denunciaram que oito médicos palestinos, seis socorristas da Defesa Civil e um funcionário da ONU foram alvo do Exército de Israel quando tentavam resgatar feridos.

Seus corpos, denunciam ambas as organizações, foram enterrados em uma vala comum — e a autorização para acessar o local só foi concedida cinco dias após os acontecimentos.

"Eles foram mortos pelas forças israelenses enquanto tentavam salvar vidas. Exigimos respostas e justiça", denunciou no X (antigo Twitter) Tom Fletcher, chefe de Assuntos Humanitários da ONU.

Cinco ambulâncias, um caminhão dos bombeiros e um veículo das Nações Unidas foram atacados em Al-Hashahin em 23 de março, de acordo com a ONU.

Quinze corpos foram recuperados do local no último domingo (30/3).

O Crescente Vermelho Palestino (PRCS, na sigla em inglês) denunciou o desaparecimento de um nono médico — e acusou Israel de atacar sua equipe.

O Exército israelense alegou que as tropas dispararam contra veículos que avançavam de forma suspeita, sem faróis ou sinais de emergência, e disse que entre os mortos também estavam um agente do Hamas e oito terroristas.

·        'Estavam cuidando dos feridos'

A IFRC declarou no domingo que recuperou os oito corpos dos médicos do Crescente Vermelho Palestino após sete dias de silêncio e sem acesso à região de Rafah, onde foram vistos pela última vez.

A organização identificou os mortos como os profissionais de ambulância Mostafa Khufaga, Saleh Muamer e Ezzedine Shaath, e os voluntários socorristas Mohammad Bahloul, Mohammed al-Heila, Ashraf Abu Labda, Raed al-Sharif e Rifatt Radwan.

E acrescentou que outro profissional de ambulância, Assad al-Nassasra, ainda estava desaparecido.

"Estou arrasado. Esses dedicados profissionais de ambulância estavam cuidando dos feridos. Eram trabalhadores humanitários", disse o secretário-geral da IFRC, Jagan Chapagain.

Chapagain observou que os profissionais de saúde "estavam usando emblemas que deveriam protegê-los" — e "suas ambulâncias estavam claramente identificadas".

"Mesmo nas zonas de conflito mais complexas, existem regras. Estas regras do Direito Humanitário Internacional são claras: os civis devem ser protegidos; os trabalhadores humanitários devem ser protegidos; os serviços de saúde devem ser protegidos", acrescentou.

<><> Recuperados de uma vala comum

O chefe do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) em Gaza, Jonathan Whittall, declarou em uma postagem no X que sua equipe havia ajudado o Crescente Vermelho e a Defesa Civil na recuperação dos corpos de "uma vala comum", que "estava marcada com a luz de emergência de uma das ambulâncias destruídas".

"Os profissionais de saúde nunca deveriam ser um alvo, e aqui estamos hoje escavando uma vala comum de socorristas e paramédicos", denunciou Whittall em um vídeo, enquanto escavadeiras e socorristas procuravam restos mortais humanos em uma vala atrás dele.

O diretor do OCHA em Gaza informou que ambulâncias da Defesa Civil e do Crescente Vermelho Palestino haviam chegado a este local sete dias antes — e ali "foram atacadas uma por uma".

"Seus corpos foram agrupados e enterrados em uma vala comum."

Ele acrescentou que a equipe do OCHA encontrou os veículos parcialmente enterrados, e conseguiu recuperar o corpo de um trabalhador da Defesa Civil debaixo do caminhão dos bombeiros.

"Hoje, no primeiro dia do Eid, voltamos e recuperamos os corpos enterrados de 8 integrantes do PRCS, 6 membros da Defesa Civil e 1 funcionário da ONU. Eles morreram de uniforme. Estavam dirigindo seus veículos claramente identificados. Estavam usando luvas. A caminho para salvar vidas. Isso nunca deveria ter acontecido", ele disse.

O Crescente Vermelho Palestino disse estar devastado pelo "massacre" da sua equipe.

"Os ataques contra os médicos do Crescente Vermelho, apesar do status de proteção de sua missão e do emblema do Crescente Vermelho, só podem ser considerados um crime de guerra punível de acordo com o direito humanitário internacional", declarou a organização em comunicado.

No funeral dos médicos na segunda-feira, o pai de Ashraf Abu Labda, um dos mortos, disse à BBC que as tropas israelenses "atacaram o primeiro veículo, depois o segundo e, na sequência, o terceiro. Eles os mataram a sangue frio".

"Passamos oito dias tentando resgatá-los. Eles se recusaram a se coordenar com o Crescente Vermelho, o OCHA ou a ONU. Ninguém pode responsabilizá-los. Só Deus", afirmou Nasser Abu Labda.

<><> A versão de Israel

As Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram em comunicado que durante uma operação no sul de Gaza em 23 de março, "vários veículos foram identificados avançando de forma suspeita em direção às tropas das FDI sem faróis ou sinais de emergência" — e "seu deslocamento não foi coordenado com antecedência", então "as tropas das FDI abriram fogo contra os veículos suspeitos".

"Após uma avaliação inicial, foi determinado que as forças haviam eliminado um agente militar do Hamas, Mohammad Amin Ibrahim Shubaki, assim como outros oito terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina", acrescentaram.

Eles afirmaram ainda que "após o ataque, as FDI se coordenaram com organizações internacionais para facilitar a retirada dos corpos".

De acordo com uma declaração anterior das forças israelenses sobre o incidente, uma investigação inicial havia determinado que "alguns dos veículos suspeitos que se dirigiam às tropas eram ambulâncias e caminhões de bombeiros".

As FDI também condenaram o que chamaram de "uso reiterado de infraestrutura civil por organizações terroristas", e não comentaram sobre o paradeiro do médico desaparecido.

<><> Investigação dos fatos

A porta-voz do OCHA, Olga Cherevko, pediu uma investigação minuciosa para determinar exatamente o que aconteceu.

"Eles eram trabalhadores humanitários em veículos claramente identificados, por isso é crucial ir ao fundo da questão e apurar todos os fatos", disse ela à BBC.

Questionada sobre as declarações das FDI sobre as mortes de membros do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, ela afirmou:

"Todas as guerras têm certas regras, e é por isso que todas as partes no conflito devem obviamente cumpri-las. E isso é o que sempre dissemos. Mas isso não exclui que os trabalhadores humanitários e as equipes de emergência não devam ser alvo de ataques."

Um alto funcionário do Hamas, Basem Naim, condenou, por sua vez, o ataque.

"O assassinato seletivo de equipes de resgate, protegidas pelo direito humanitário internacional, constitui uma violação flagrante das Convenções de Genebra e um crime de guerra", declarou.

<><> O retorno ao combate

O incidente em al-Hashashin ocorreu no mesmo dia em que as FDI anunciaram que suas tropas tinham cercado a área próxima de Tel al-Sultan, em Rafah, e atacado o que alegavam ser um centro de comando e controle do Hamas.

As FDI emitiram uma nova ordem geral de evacuação para toda a região de Rafah na segunda-feira, pedindo a todos os residentes que se dirijam à zona humanitária de al-Mawasi, nas proximidades, para sua segurança.

O porta-voz árabe das FDI advertiu que eles estavam "voltando ao combate com grande força para eliminar as capacidades das organizações terroristas nestas áreas".

Israel lançou a sua primeira grande operação em Rafah em maio do ano passado, deixando grande parte da cidade em ruínas.

No entanto, durante o recente cessar-fogo de dois meses, dezenas de milhares de pessoas regressaram ao que restava de suas casas na cidade.

Israel retomou os bombardeios aéreos e a ofensiva terrestre em Gaza em 18 de março, após o fim da primeira fase do acordo de cessar-fogo e o impasse das negociações para uma segunda fase.

Desde então, pelo menos 921 pessoas morreram em Gaza, segundo o Ministério da Saúde do território controlado pelo Hamas.

A guerra eclodiu quando o Hamas atacou o sul de Israel em 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1,2 mil pessoas e sequestrando 251 reféns, que foram levados para Gaza.

Em resposta, o Exército israelense lançou uma campanha para destruir o Hamas, na qual mais de 50.270 pessoas foram mortas, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

¨      'Éramos todos civis': o relato do único sobrevivente do ataque que matou 15 socorristas em Gaza e que contradiz versão de Israel

"Sou o único sobrevivente que viu o que aconteceu com meus colegas", diz Munther Abed, enquanto mostra fotos de seus colegas paramédicos no telefone.

Ele sobreviveu ao ataque israelense que matou 15 profissionais de emergência em Gaza na madrugada de 23 de março, ao se jogar no chão na parte de trás da ambulância, enquanto seus dois colegas que estavam na frente foram atingidos pelos disparos.

No ataque, cinco ambulâncias, um caminhão dos bombeiros e um veículo da Organização das Nações Unidas (ONU) foram atacados "um por um" na região de al-Hashashin, no sul de Gaza, informou a ONU.

Os 15 corpos foram recuperados de uma vala comum no último domingo (30/3).

"Saímos da base perto do amanhecer", Munther contou a um dos jornalistas freelancers de confiança da BBC que trabalham em Gaza.

Ele explicou como a equipe de emergência do Crescente Vermelho Palestino, da agência de Defesa Civil de Gaza e da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) se reuniu nos arredores da cidade de Rafah, no sul do país, depois de receber informações sobre tiros e feridos.

"Por volta das 4h30, todos os veículos da Defesa Civil estavam a postos. Às 4h40, os dois primeiros veículos saíram. Às 4h50, chegou o último. Por volta das 5h, o veículo da agência [da ONU] foi alvo de disparos diretos na rua", diz ele.

O Exército israelense afirma que suas forças abriram fogo porque os veículos estavam se movimentando de forma suspeita em direção aos soldados sem coordenação prévia, e com as luzes apagadas. E também alega que nove membros do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina foram mortos no incidente.

Munther contesta esta versão.

"Durante o dia e à noite, é a mesma coisa. As luzes externas e internas ficam acesas. Tudo indica que se trata de um veículo ambulância que pertence ao Crescente Vermelho Palestino. Todas as luzes estavam acesas até que o veículo ficou sob fogo direto", diz ele.

Depois disso, ele contou que foi retirado dos escombros por soldados israelenses, preso e vendado. Ele afirmou que foi interrogado por mais de 15 horas antes de ser liberado.

A BBC apresentou as alegações dele às Forças de Defesa de Israel (FDI), mas ainda não obteve resposta.

"As FDI não atacaram aleatoriamente uma ambulância", afirmou o ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Saar, quando questionado em uma entrevista coletiva de imprensa, ecoando as declarações das FDI.

"Vários veículos descoordenados foram identificados avançando de forma suspeita em direção às tropas das FDI, sem faróis ou sinais de emergência. Os soldados das FDI abriram então fogo contra os veículos suspeitos."

Ele acrescentou que "após uma avaliação inicial, foi determinado que as forças haviam eliminado um terrorista militar do Hamas, Mohammed Amin Ibrahim Shubaki, que participou do massacre de 7 de outubro, junto a outros oito terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica".

O nome de Shubaki não consta da lista dos 15 profissionais de emergência mortos— oito deles eram paramédicos do Crescente Vermelho Palestino, seis eram socorristas da Defesa Civil e um era membro da equipe da UNRWA.

Israel não deu informações sobre o paradeiro do corpo de Shubaki, nem apresentou qualquer evidência da ameaça direta que os profissionais de emergência representavam.

Munther rejeita a alegação de Israel de que o Hamas pode ter usado as ambulâncias como fachada.

"Isso é totalmente falso. Todos nas equipes eram civis", diz ele.

"Não pertencemos a nenhum grupo militante. Nosso principal dever é oferecer serviços de ambulância e salvar vidas. Nem mais, nem menos."

Os paramédicos de Gaza transportaram os corpos de seus próprios colegas para os funerais no início desta semana. Houve um clamor de pesar e apelos por prestação de contas. Um pai enlutado disse à BBC que seu filho foi morto "a sangue frio".

As agências internacionais só puderam acessar a área para recuperar seus corpos uma semana após o ataque. Eles foram encontrados enterrados na areia junto às ambulâncias, o caminhão dos bombeiros e o veículo da ONU destruídos.

Sam Rose, diretor interino do escritório da UNRWA em Gaza, declarou: "O que sabemos é que 15 pessoas perderam a vida, que foram enterradas em covas rasas em um banco de areia no meio da estrada, tratadas com total indignidade e o que parece ser uma violação do direito humanitário internacional".

"Mas somente se realizarmos uma investigação, uma investigação total e completa, é que poderemos chegar ao fundo da questão."

Israel ainda não se comprometeu a realizar uma investigação. De acordo com a ONU, pelo menos 1.060 profissionais de saúde foram mortos desde o início do conflito.

"Sem dúvida, todos os funcionários de ambulância, todos os paramédicos, todos os trabalhadores humanitários dentro de Gaza neste momento se sentem cada vez mais inseguros, cada vez mais frágeis", afirma Rose.

Um paramédico segue desaparecido após o incidente de 23 de março.

"Eles não eram apenas colegas, mas amigos", diz Munther, enquanto passa nervosamente as contas de oração pelos dedos. "Costumávamos comer, beber, rir e fazer piadas juntos... Eu os considero minha segunda família."

"Vou expor os crimes cometidos pela ocupação [de Israel] contra meus colegas. Se eu não fosse o único sobrevivente, quem poderia ter contado ao mundo o que fizeram com eles, quem poderia contar sua história?"

 

Fonte: BBC News

 

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