A taxa que encarece produtos destinados a
mulheres
Alguns produtos costumam ser mais caros
quando destinados exclusivamente ao público feminino. Esse fenômeno, que eleva
os valores de itens dependendo do destinatário, conhecido como taxa rosa ocorre
em diversos países inclusive no Brasil.
A taxa rosa é comumente observada em produtos
de higiene e cuidado pessoal, vestuário, medicamentos, e produtos voltados ao
público infantil. O conceito foi abordado pela primeira vez nos EUA na década
de 1990, após uma pesquisa apontar discrepância de preços em serviços como
corte de cabelo, lavanderia, e conserto de roupas.
"A tradução literal do termo seria
imposto rosa. Claro, o ICMS será pago proporcionalmente, mas acho mais adequado
falar custo ou preço rosa", diz Ana Luiza de Holanda Barbosa, pesquisadora
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e membro do Grupo de Estudos
em Economia da Família e do Gênero (GeFaM).
De acordo com a economista, a desigualdade de
gênero no mercado de trabalho já é amplamente discutida por pesquisadores, mas
fala-se pouco na área do consumo. "A mulher também é penalizada no
consumo. São questões estruturais e culturais que começam desde a infância. A
escova de dente do Homem-Aranha custando R$10 e a da Frozen R$14."
• Pelo
mundo
O custo rosa ganhou maior atenção global
quando o Departamento de Assuntos do Consumidor da cidade de Nova York publicou
um estudo, em 2015, comparando cerca de 800 produtos em diferentes categorias.
Na média, os produtos femininos custavam 7% a mais do que os equivalentes
masculinos, sendo a indústria de cuidado pessoal a detentora da maior
diferença.
A Alemanha também já realizou pesquisas sobre
gênero e preço, identificando que 59% dos serviços e 3,7% dos produtos
analisados eram mais custosos para mulheres, embora fossem praticamente
idênticos.
No Brasil, uma pesquisa da FGV de 2020
analisou 138 itens em redes de varejo. O estudo identificou que 28% dos
produtos tinham valores maiores nas versões destinadas ao público feminino. As
camisetas da categoria vestuário adulto apresentaram a maior diferença chegando
a custar 54% a mais nas versões femininas.
"Então as mulheres trabalham mais —
porque muitas fazem mais trabalho doméstico e de cuidado não remunerado —
ganham menos, e pagam mais pelos mesmos produtos", conclui Barbosa.
• O
que diz a lei
Apesar de não existir nenhuma lei coibindo a
prática, ela poderia ser abarcada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
"O código foi feito com princípios abertos justamente para se moldar a
diferentes cenários," afirma a advogada Amanda Cascaes, coordenadora de
Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo
e Comércio Internacional (IBRAC).
Nesse sentido, Cascaes aponta que a taxa rosa
poderia ser entendida como prática abusiva. "A consumidora pode ser
considerada hipervulnerável no mercado de consumo. Também podemos entender que
a diferenciação de preço, sem insumo ou processo produtivo mais oneroso, é
exigir do consumidor uma vantagem excessiva. Ou ainda poderia configurar
elevação do preço sem justa causa ou métodos desleais por parte do
fornecedor", explica.
No entanto, faltam exemplos e casos
judicializados na área: "não tem jurisprudência. Não encontramos ações
individuais ou coletivas discutindo isso".
Em 2023, a Secretaria Nacional do Consumidor
(Senacon), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, editou uma nota
técnica estabelecendo diretrizes para orientar ações e eventuais políticas de
proteção ao direito das mulheres consumidoras. A nota prevê a promoção de
igualdade de gênero e veda a aplicação de preços diferenciados sem
justificativa clara e objetiva.
"A nota tem uma agenda de
conscientização e propõe a vulnerabilidade como referência de aplicação e
interpretação do código do consumidor. Mas é uma soft law, não tem peso de
lei", aponta Cascaes.
Atualmente, existem dois projetos de lei
sobre o assunto, um em tramitação no estado do Rio de Janeiro, e um projeto de
lei para alteração do CDC com a inclusão de um artigo específico sobre o tema.
"Vejo com bons olhos uma legislação a nível nacional. Traria mais
segurança jurídica. Atualmente dependemos de o judiciário encaixar como prática
abusiva", diz a advogada.
• Dispostas
a pagar mais?
Para os especialistas, a taxa rosa é um
comportamento de mercado que revela aspectos culturais sobre o papel das
mulheres ao longo da história. A mulher foi historicamente mais associada ao
consumo de itens entendidos como supérfluos.
"Na Revolução Industrial, houve esse
estímulo ao adereço, elementos de vestuário, tecidos. Para o homem, estar
arrumado basta uma blusa, as mulheres têm de se produzir mais. Além disso,
questões que envolvem só as mulheres, como absorventes, por exemplo, não são
vistas como essenciais", analisa Barbosa.
A mulher também foi, por muito tempo, a única
responsável pelas compras da casa. Com a modernização das famílias, o homem
também assumiu esse papel e se tornou um novo consumidor do varejo.
"Depois da crise de 1929 nos EUA, algumas empresas de varejo começaram a
vender produtos para homens mais baratos no sentido de aquecer o mercado",
complementa a economista.
Para Barbosa, também é interessante analisar
o custo rosa de forma mais ampla: não restrita a produtos iguais, mas aplicada
às pressões de consumo que impactam as mulheres. "A curva de demanda
mostra que a mulher tem disposição a pagar, por exemplo, por um xampu com maior
qualidade. É por que ela tem preferência por ter o cabelo impecável ou porque
precisa tê-lo?"
• O
papel da publicidade
A publicidade também reforça estereótipos de
gênero que associam a mulher à fragilidade, culto à beleza, delicadeza, à
sensibilidade e ao cuidado. E tenta apresentar isso nas embalagens, nome dos
produtos, tipografia. "Produtos como o sabonete, por exemplo, são quase
commodities, mas surge a diferenciação na hora de criar o valor da marca",
diz Letícia Lins, doutora em comunicação e fundadora da consultoria de
estratégias para equidade Chiccas.
"Os estereótipos são mencionados e
reiterados o tempo todo para que o consumidor pense menos quando vê o produto
na gôndola. É para você ver a cor rosa, a flor, a tipografia cursiva —que são
formas de figurativizar o tema da feminilidade —e pensar isso aqui é para mim.
Esse aqui vai ter um cheiro mais suave, mesmo que não exista diferença
funcional", relata Milena Breder, pesquisadora de gênero na publicidade.
"Esses produtos prometem pertencimento, reforço da feminilidade."
Os produtos de higiene pessoal para homens
também apostam em reforçar a masculinidade. "Se eu não comprar o certo
para mim, eu estou colocando em xeque o meu gênero. Se eu sou um homem não
posso comprar o lenço umedecido que tem flor", acrescenta a publicitária.
Fonte: DW Brasil

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