sábado, 5 de abril de 2025

No meio da guerra comercial global, o Brasil tem tudo para sair no lucro, diz Leonardo Attuch

No tabuleiro geopolítico atual, marcado pela escalada na guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o Brasil está em posição privilegiada para transformar esta turbulência internacional em oportunidade estratégica. Apesar do tarifaço imposto por Washington sobre o aço e o alumínio importados, o Brasil conseguiu negociar condições mais favoráveis do que outros parceiros comerciais. E, se souber jogar com inteligência, pode emergir não apenas praticamente ileso, mas com vantagens competitivas duradouras.

O mérito desta posição relativamente confortável deve-se, em grande medida, à habilidade diplomática do Itamaraty, que fez com o que o Brasil, a despeito das supostas hostilidades entre os governos de Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, saísse quase ileso, com uma taxação extra de 10% – a menor aplicada pelos Estados Unidos.

O resultado é fruto de uma estratégia diplomática sólida, conduzida por uma equipe que alia experiência e pragmatismo. O embaixador Maurício Lyrio, sherpa do G20 e uma das principais figuras da diplomacia econômica brasileira, tem sido uma peça-chave nas articulações internacionais do governo Lula, especialmente na troika do G20, que inclui Brasil, sede do encontro de 2024, África do Sul, sede deste ano, e Estados Unidos, sede do ano que vem. Em Washington, a embaixadora Maria Luiza Viotti exerce com competência sua missão num momento delicado da relação bilateral, enquanto o chanceler Mauro Vieira mantém uma postura que combina serenidade e firmeza. A decisão de não partir para o confronto, mas sim investir em diálogo técnico e reposicionamento estratégico, mostra maturidade.

Se o Brasil se saiu bem até agora, isso se deve, sobretudo, à competência técnica dos quadros do Itamaraty, ainda que nas hostes da extrema-direita circule a versão ridícula, que beira o absurdo, de que o Brasil teria sido ajudado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, autoexilado nos Estados Unidos, quando o interesse óbvio do clã bolsonarista é causar prejuízos econômicos ao País para tentar faturar politicamente. 

Além da tarifa reduzida, o Brasil também negocia a definição de cotas de exportação de aço e alumínio para o mercado estadunidense. Embora qualquer restrição comercial seja, por definição, um entrave, o espaço para exportação com taxa reduzida oferece vantagens reais frente a concorrentes que ficaram à margem dessas tratativas. Como destacou o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, "mesmo a tarifa mínima é ruim", mas ela abre margem de negociação — e o Brasil já tem nova reunião marcada com os Estados Unidos para avançar nesse tema na próxima semana.

¨      Tarifas do 'Dia da Libertação' concentrarão ainda mais a riqueza, afirma Omar Ocampo

As políticas comerciais de Trump têm sido extremamente imprevisíveis nos primeiros dois meses de seu segundo mandato presidencial. Prazos para implementação de tarifas surgiram e foram adiados sem nenhuma lógica aparente, deixando o comércio internacional em suspenso.

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Essa volatilidade foi um pesadelo para os investidores do 1% mais rico, mas eles agora têm um pouco mais de clareza graças à inauguração do chamado “Dia da Libertação” de Trump — um pacote abrangente de tarifas retaliatórias impostas a todos os produtos importados de parceiros comerciais que supostamente prejudicam as exportações dos EUA por meio de seus próprios regimes regulatórios.

Porém, essa classe de indivíduos de alto patrimônio líquido não tem motivos para ficar nervosa ou ansiosa. Eles estão prestes a obter ganhos financeiros de longo prazo porque têm recursos para se adaptar adequadamente e tomar decisões que expandem o seu capital, sem mencionar os benefícios econômicos que receberão do corte de impostos atualmente em discussão na pauta republicana.

O mesmo não pode ser dito sobre a classe trabalhadora. A aplicação indiscriminada de impostos sobre todos os bens importados é um ataque flagrante aos seus padrões de vida.

E isso acontece porque a guerra comercial de Trump é uma guerra de classes, projetada não para revitalizar a manufatura estadunidense, mas para enfraquecer a tributação progressiva.

O governo Trump argumentou que a implementação de tarifas é crucial para inaugurar uma nova era de prosperidade nos EUA. O governo dos EUA espera que o seu regime tarifário gere um enorme aumento na receita fiscal, disponibilizando trilhões de dólares para o governo federal nos próximos anos. O dinheiro arrecadado poderá então ser usado para reduzir o déficit e pagar a nossa dívida nacional sempre crescente.

Os cofres do governo ficarão tão cheios de receita — segundo esse argumento — que o IRS (Receita Federal) poderá ser abolido e substituído por uma nova agência, o Serviço de Receita Externa. Os impostos de renda federais gradualmente se tornarão obsoletos e serão jogados no lixo da história, para nunca mais serem ressuscitados.

Especialistas e observadores já refutaram muitos dos argumentos centrais apresentados por Trump e seus aliados. A aplicação não-estratégica de tarifas não tornará a manufatura estadunidense grande novamente, e a matemática não sustenta as estimativas de receita fantásticas do governo federal.

Para impulsionar a manufatura doméstica, as tarifas precisam ser implementadas e direcionadas a indústrias com demanda relativamente baixa, mas em crescimento. Tecnologias renováveis e veículos elétricos são dois exemplos clássicos. Caso contrário, as tarifas sobre bens altamente competitivos inflacionarão preços e colocarão corporações estadunidenses em desvantagem contra concorrentes estrangeiros.

Além disso, esses impostos de importação não serão pagos por empresas ou países estrangeiros. As tarifas serão pagas por cidadãos e residentes dos EUA, e tornarão uma série de bens de consumo importados mais caros, pressionando ainda mais o orçamento das famílias da classe trabalhadora. Uma estimativa indica que o “Dia da Libertação” reduzirá a renda disponível da família média em pelo menos US$

1.600 ateˊUS$ 2.000. Em resumo, não enriquecerá os nossos cidadãos.

Preços mais altos podem aumentar os lucros corporativos se os níveis de consumo permanecerem constantes, mas não há garantia de que essa receita extra será investida na expansão da capacidade produtiva do país. Os lucros corporativos dispararam nos últimos 50 anos, e esses ganhos não foram investidos na manufatura doméstica, mas sim distribuídos para sustentar remunerações excessivas de executivos, pagamentos de dividendos a acionistas e recompras recordes de ações.

As tarifas, na verdade, exacerbam o problema já existente da desigualdade extrema. Quando a fatia econômica dos ricos aumenta, eles usarão esses novos recursos para extrair mais riqueza da classe trabalhadora por meio da aquisição de ativos críticos, como habitação residencial e infraestrutura essencial — como usinas de energia —, muitas vezes por meio de private equity e gestoras de ativos.

Essas gestoras de investimento raramente melhoram a qualidade dos serviços prestados, mas aumentam os preços para garantir maior rentabilidade a seus clientes ricos.

A única maneira de reverter a deterioração dos nossos padrões de vida e a concentração extrema de riqueza é taxando os ricos e aumentando a disponibilidade e o acesso a bens públicos.

As tarifas implementadas hoje e os cortes de impostos que virão não cumprirão as promessas de Trump de equilibrar o orçamento, impulsionar investimentos na manufatura, aumentar receitas ou criar empregos com salários dignos. Isso não ajuda nem beneficia a classe trabalhadora, mas transferirá ainda mais da sua riqueza e renda arduamente conquistada para o topo.

<><> A retaliação chinesa, as exportações do agro e a reindustrialização nacional

Do outro lado do mundo, a China retaliou com força ao aumento tarifário estadunidense. A imposição de tarifas de 34% sobre todos os produtos dos EUA praticamente inviabiliza parte significativa das exportações agrícolas norte-americanas para o gigante asiático. Esse vácuo abre um horizonte para o agronegócio brasileiro, que já é um player dominante no comércio com a China. A soja, o milho, as carnes e até o algodão brasileiros tendem a ganhar mais espaço no mercado chinês, aumentando as receitas do setor e reforçando a balança comercial nacional.

Os possíveis desdobramentos vão além das exportações. A fragmentação das cadeias globais de valor, acelerada pela guerra comercial e pelo novo contexto geopolítico, tem estimulado a chamada prática de nearshoring — a relocalização de indústrias para países mais próximos aos centros consumidores. O Brasil, com sua infraestrutura industrial instalada, energia renovável abundante, mercado interno robusto e hoje com um governo internacionalmente respeitado, na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apresenta-se como um destino natural para indústrias que buscam um ponto estratégico de produção para abastecer o Brasil, a América Latina e até outras regiões das Américas.

Essa tendência pode funcionar como um gatilho para a tão desejada reindustrialização brasileira, apoiada pelo programa Nova Indústria Brasil. Se bem conduzido, o movimento pode atrair investimentos, gerar empregos e reposicionar o país como protagonista industrial, numa época em que as economias avançadas olham com mais desconfiança para a dependência das cadeias asiáticas.

O cenário global é de guerra comercial, e o instinto imediato seria o de recuo e cautela. Mas o Brasil, com competência diplomática, pragmatismo político e visão estratégica, tem a chance de colher benefícios. Transformar crise em oportunidade é a arte dos que sabem ler o tempo histórico — e, neste momento, o Brasil, como um grande país neutro, tem a rara chance de transformar incertezas em conquistas econômicas.

¨      "Brasil não abre mão da soberania e defenderá empresas e trabalhadores", afirma Lula

Em um discurso marcado pela defesa firme da soberania nacional e pela crítica ao protecionismo internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil tomará todas as medidas necessárias para proteger suas empresas e trabalhadores da nova sobretaxa imposta pelos Estados Unidos a produtos brasileiros. A declaração foi feita nesta quinta-feira (3/4), durante o encerramento do evento “O Brasil dando a volta por cima”, em Brasília. 

“(O Brasil) não bate continência para nenhuma outra bandeira que não seja a bandeira verde-amarela. Fala de igual para igual e respeita todos os países, do mais pobre ao mais rico, mas exige reciprocidade de tratamento”, afirmou Lula, reforçando o posicionamento do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que também divulgaram nota conjunta contra a decisão norte-americana.

<><> Nota oficial e possíveis ações

O governo brasileiro manifestou oficialmente sua insatisfação com a medida adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que iniciou seu segundo mandato em 2025 com políticas comerciais agressivas. Em nota conjunta, os ministérios das Relações Exteriores e do MDIC prometeram consultar o setor privado e avaliar o acionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC) para contestar a sobretaxa.

“O governo do Brasil buscará, em consulta com o setor privado, defender os interesses dos produtores nacionais junto ao governo dos Estados Unidos [...] inclusive recurso à Organização Mundial do Comércio, em defesa dos legítimos interesses nacionais”, diz o comunicado.

A nota também menciona a recente aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei da Reciprocidade Econômica, que está sob análise na Câmara dos Deputados, como instrumento adicional para equilibrar as relações comerciais bilaterais.

<><> Lula faz balanço dos dois primeiros anos e celebra conquistas sociais

Além da defesa da política externa, o presidente Lula aproveitou o evento para apresentar um balanço dos dois primeiros anos de seu terceiro mandato, classificando o período como uma fase de reconstrução nacional após um cenário de “terra arrasada”.

“O Brasil era uma casa em ruínas. Uma terra arrasada. Em apenas dois anos de muito trabalho, nós arrumamos a casa. Refizemos os alicerces, erguemos de novo as paredes. Aramos a terra, semeamos, regamos com carinho, e estamos colhendo os resultados”, declarou o presidente.

Entre os dados apresentados, Lula destacou a retirada de mais de 24 milhões de pessoas da fome, a redução dos índices de pobreza aos menores níveis da história e a queda do desemprego ao menor patamar dos últimos 12 anos. Também ressaltou a volta do Brasil ao grupo das dez maiores economias do mundo e a isenção de imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos — com proposta de estender a isenção para quem ganha até R$ 5 mil.

<><> Investimentos em infraestrutura, indústria e inovação

O presidente ainda comemorou o avanço do Novo PAC, que reúne mais de 20 mil obras em andamento, e os resultados da Nova Indústria Brasil, com crescimento industrial após anos de estagnação. Segundo Lula, os investimentos em inovação são os maiores dos últimos 30 anos.

“Aprovamos com apoio do Congresso a Reforma Tributária. Uma reforma mais justa, aguardada há mais de 40 anos. Isto é investir no futuro”, acrescentou.

Entre os novos anúncios, Lula destacou a ampliação do programa Minha Casa, Minha Vida para a classe média, a atualização do programa Celular Seguro, a chegada da TV 3.0 e a continuidade da expansão de programas sociais como o Farmácia Popular e o Fies.

<><> Voz do povo

O evento também contou com depoimentos de cidadãos beneficiados por políticas públicas do governo. Entre os relatos, estavam o de uma cabeleireira que superou a dependência do Bolsa Família, um advogado que se formou graças ao Fies, uma usuária do Farmácia Popular que economiza R$ 300 mensais com medicamentos, e uma jornalista que contou com o Samu e financiamento estudantil para realizar seus estudos.

<><> Compromisso com o futuro

Ao encerrar sua fala, Lula reafirmou o compromisso com o desenvolvimento econômico aliado à inclusão social, e com a proteção da democracia e da soberania nacional:

“O Brasil está no rumo certo. Gerando renda e oportunidade para quem quer melhorar de vida. Cuidando de todas as pessoas, sobretudo de quem mais precisa. Este é o Brasil que estamos construindo. O Brasil dos brasileiros. O Brasil do futuro.”

 

Fonte: Brasil 247

 

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