Dissecar a ansiedade para entendê-la: É como
uma embriaguez de oxigênio, diz psicólogo
O
psicólogo Baltasar Rodero oferece em La ansiedad del esquimal um
guia informativo que busca fornecer ferramentas para enfrentar, com mais
conhecimento, o que acontece em nosso corpo quando essa emoção se manifesta com
uma intensidade, duração e repetição que afetam a vida diária.
Dissecar
a ansiedade em uma sociedade que a “predispõe”. O
psicólogo Baltasar Rodero (Santander, 1977) colocou essa emoção –
que, quando intensa, repetitiva e duradoura, pode levar a um transtorno – sob o
microscópio em La ansiedad del esquimal (Arpa Editores). O
resultado é um guia informativo, com uma linguagem simples, para entender o que
acontece em nosso corpo e ter mais ferramentas para enfrentar os sintomas
físicos. Parte de uma premissa interessante: o que nos causa mais sofrimento
não são tanto as sensações ligadas aos ataques de pânico – a
manifestação mais extrema da ansiedade –, mas sim o desconhecimento sobre o que
está acontecendo. O medo, por exemplo, de sufocar ou de ter um ataque
cardíaco.
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Eis a entrevista.
- Para começar
pelo mais básico, o que é a ansiedade? Sentir isso é sempre um transtorno?
A
ansiedade realmente é uma emoção e, se está em nós, está nas nossas células e
no nosso DNA, é porque tem uma função adaptativa. Ninguém me perguntou na
consulta que seu objetivo é eliminar a tristeza, mas sim a depressão, que
é uma resposta exagerada dessa emoção em termos de intensidade. No entanto,
algumas pessoas vêm com a ideia de que a ansiedade é algo completamente
antinatural e buscam eliminá-la. Assim como a alegria, a tristeza, a raiva ou o
nojo, a ansiedade faz parte de
nós e é bom que seja assim. Por exemplo, como não estou acostumado a falar com
a imprensa, me sinto ansioso. Se eu fizer mais entrevistas, provavelmente
deixarei de sentir isso.
Em
geral, essa emoção aparece quando detectamos uma potencial ameaça e busca nos
fornecer os meios necessários para enfrentá-la da melhor maneira. Pode surgir
em momentos variados, dependendo de onde colocamos a atenção, como fazer uma
publicação nas redes sociais e perceber que ninguém deu 'curtir'.
- Onde está a
linha para considerá-lo um transtorno?
Como
acontece com qualquer transtorno, o distúrbio significa que causa um
deterioramento significativo no nosso dia a dia, por ser uma resposta
excessivamente intensa, frequente e duradoura. Como a dor, que significa que
pode haver uma infecção ou algo quebrado. Nesse caso, quando a
ansiedade se apresenta, é necessário perguntar por que. No livro, cito alguns
exemplos de estudantes com um perfil de muita autoexigência, que acabam tendo
dificuldades para levar uma vida normal (para ir à escola ou até mesmo sair de
casa), e é necessário diminuir o ritmo, porque o que se pretende não é
possível.
- É comum pensar
que, quando temos um ataque de ansiedade, estamos nos afogando ou vamos
ter um ataque cardíaco. Realmente há risco de que isso aconteça?
Eu digo
aos meus pacientes que qualquer pessoa pode ter um ataque de pânico, que é
a manifestação mais intensa da ansiedade. Agora, se soubermos interpretar o que
está acontecendo e entendermos por que temos todos esses sintomas, vamos
evitar sofrimento. Às vezes, o que explica a origem do problema é
justamente essa má interpretação. É a ideia que dá título ao livro: se um
esquimó vier a essas latitudes e pegar uma gripe, ele ficará muito assustado
porque não a conhece. No entanto, nossa sociedade já está acostumada
com esses sintomas. Então, o cerne da questão não é tanto o que acontece, mas a
interpretação do que está acontecendo. O cérebro ama, acima de tudo, segurança,
certeza e rotina. Quando algo interno desconhecido acontece e pode ser uma
ameaça, é natural pensar que é algo ruim e que deve-se buscar uma solução.
- E o que acontece
em nosso corpo, então, quando temos um ataque de ansiedade?
O
síndrome de hiperventilação é muito frequente, por exemplo, em ataques de
pânico. Quando se detecta uma ameaça, meu sistema nervoso simpático entra em
ação com adrenalina, e isso requer muita gasolina. Ou seja, oxigênio, e
começamos a palpitar. Quando inalamos muito desse gás, muda a proporção entre
oxigênio e dióxido de carbono, e isso nos faz
sentir estranhos. É como se estivéssemos embriagados de oxigênio e,
como acontece com o etanol quando bebemos álcool, vamos ver as coisas de uma
maneira alterada. É desconfortável e desagradável, mas não perigoso. Por isso
recomendamos, como já vimos em séries americanas, respirar em um saco ou
respirar sobre nossas mãos fechadas para restabelecer o equilíbrio
químico. Isso permite que respiremos o próprio dióxido de carbono que estamos
expelindo.
- Estar
superativados de esta manera não é prejudicial para a saúde orgânica?
Os
estressores são de tipos muito diferentes: não é o mesmo um estudante que está
muito nervoso por causa de uma prova do que uma pessoa que está passando por um
luto devido a uma separação sentimental ou a um falecimento. Podem ser
mais ou menos intensos, mas normalmente têm um começo e um fim. O que é ruim
para nossa saúde é o que é conhecido como estressor crônico, um estressor que
dura dois, três, quatro anos. Por exemplo, estar sobrecarregado no trabalho por
muito tempo porque deveriam ser cinco pessoas e há três. Nosso organismo está
bem preparado para responder a estressores pontuais de dias, semanas ou meses,
mas não para estar permanentemente ativo, mesmo que em uma intensidade mais
baixa, por muito tempo. Isso é nocivo e pode acabar alterando o sistema
imunológico.
- O cérebro, diz
ele, pode se reescrever e acabar respondendo de maneira neutra a estímulos
que gravamos como perigosos (embora nem sempre o sejam). Como é feita essa
reescrita?
Para
substituir uma experiência traumática, é necessário um conjunto de
experiências, digamos, neutras, nas quais não aconteça nada. Com
a condução, isso fica muito claro: pessoas que dirigem há 20 anos e, em um
dia, sofrem um acidente de trânsito. Provavelmente, essa pessoa, quando
voltar a pegar o carro após três meses, ficará nervosa, porque sua mente não
ficará nas duas décadas em que não aconteceu nada, mas na última experiência.
Na última vez em que entrou no carro, quase não sobreviveu. À medida que continuar
dirigindo e tudo estiver bem, o medo vai diminuir, e aqui será pouco
importante se fizermos isso com ou sem medicação. O cérebro vai
se modificar de qualquer maneira. O que não funciona é tomar medicação e não
dirigir. Aí estamos no mesmo lugar, porque não estamos ensinando ao cérebro que
dirigir não é tão perigoso quanto pensava.
- Ele sugere
exercícios para acelerar o coração ou hiperventilar, até mesmo apertar a
garganta, para emular sintomas típicos de ataques de pânico. Alguns podem
pensar que isso é um pouco masoquista, não?
Eu
comparo com o fisioterapeuta. Quando temos
uma torção ou lesão, muitas vezes recebemos uma massagem
dolorosa, saímos, pagamos e nos dizem que é bom que você vá para casa e
continue fazendo esses outros exercícios. E as pessoas aceitam porque está
cientificamente provado que são bons para melhorar a médio ou longo prazo. Essa
é a chave. Como seres humanos, buscamos o curto prazo, mas problemas complexos
não têm soluções simples. Esses exercícios, como girar, permitem que nosso cérebro reapenda.
Façamos essa reescrita da qual falávamos. Só é possível mudar assim, com
a experiência. Então, inevitavelmente, o tratamento passa por
ensinar ao cérebro que essas sensações que ele interpretou como ameaçadoras não
são. Mas claro, é necessário passar por isso para recuperar
a autonomia e ficar melhor.
- Existem traços
de personalidade que predisponham mais ao sofrimento de problemas de
ansiedade?
Existem
alguns traços ou formas de ser que convivem mais com problemas de
ansiedade.
Um deles é o perfeccionismo, a autoexigência, a competitividade.
Acontece em pessoas que buscam padrões irrealizáveis e estão destinadas a
sofrer bastante. Também ocorre com traços de neuroticismo, ou seja, perfis
emocionalmente mais instáveis, mais impulsivos, mais anárquicos. Para quem
o medo está muito presente, também costuma ser um problema, pois leva
a ser pouco assertivo, a ter dificuldade para impor limites, a dizer não. Isso
também está relacionado com a alta amabilidade, quando há relações de muita
bondade e generosidade de um lado, e isso, por não ser equilibrado, de algum
modo suga a energia. Penso, por exemplo, em mulheres que cuidam, que
preparam comida para toda a família.
Vincular
os transtornos de ansiedade com a maneira como os indivíduos são não pode ser
considerado um pouco reducionista? Ou seja, desvincular as pessoas de seu
contexto para explicar os problemas de saúde mental.
No
livro, dou espaço às variáveis de contexto. O fator do contexto atual em que
vivemos predispõe muita ansiedade. Há alguns anos, tudo estava mais
estabelecido: você nascia em um lugar, os papéis eram mais definidos,
não costumava mudar de lugar. A vida era menos sedentária, mais social,
nos alimentávamos melhor. Não estou falando em termos de se era mais feliz ou
menos, mas de ansiedade. A sociedade que nos cerca é tão exigente e tão
competitiva, tem essa pressão constante pela produtividade que nos leva ao
limite e nos faz potencialmente ter problemas de ansiedade. Precisamos nos
formar mais, viajar mais, ter mais experiências. Estamos permanentemente
sobreestimulados por notificações que nos fazem correr com medo de perder algo.
Há também uma ansiedade financeira
ou econômica:
uma pessoa, para se desenvolver, precisa de uma infraestrutura mínima. São
todas circunstâncias que predispõem as pessoas a estarem insatisfeitas ou
frustradas, e esse estado é um caldo de cultivo para a ansiedade ou para a
má saúde mental de um modo geral.
- Diria então que
a sociedade atual é um gatilho para problemas de ansiedade?
Mais do
que um gatilho, é um fator predisponente, no qual o gatilho pode ser não ter
sido escolhido para essa vaga de emprego ou ter tido uma discussão com o chefe.
Em qualquer caso, esses problemas geralmente são desencadeados pela mistura de
pelo menos duas variáveis: personalidade e contexto.
Existem
estudos que confirmam que os transtornos de ansiedade aumentaram nos
últimos anos e, na Espanha, somos líderes no consumo de benzodiazepinas. Ao mesmo tempo, a
estrutura da saúde pública para oferecer psicoterapia é
escassa.
Isso
não pode ser entendido. Se queremos que uma intervenção seja o mais eficaz
possível, ela também deveria ser o mais precoce possível, porque quanto mais
experiências acumuladas, mais difícil será lidar com isso. Por outro lado,
também entendo os médicos e médicas de família que
prescrevem medicação quando chega um paciente com ataques
de ansiedade que o impedem de levar uma vida normal. Se a pessoa não
trabalhar essas sensações, quando parar de tomar a medicação, elas voltarão a
aparecer.
“Nossa
mente não é nossa amiga nem seu principal objetivo é nos fazer felizes”, diz no
livro.
Tendemos
a interpretar as coisas que nos acontecem com a informação do meio, e no meio
nos falam de uma certa "felicidade", de que há solução para tudo, de
que devemos sempre estar bem. Vemos títulos sugestivos como "o segredo da
felicidade" ou "como fazer para que coisas boas aconteçam com
você" e podemos nos deixar seduzir. Mas, no fundo, estamos buscando coisas
que não são possíveis e isso gera mais insatisfação e mais frustração. Entendo
que essa pessoa colocou o título para vender livros, mas nossa finalidade como
seres vivos não é ser felizes, e sim a sobrevivência. Embora seja verdade
que, no nosso contexto, as ameaças sejam singulares e configuradas pela
sociedade.
Fonte:
Entrevista para Sofía Pérez Mendoza, no El Diario
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