segunda-feira, 7 de abril de 2025

O boicote de canadenses a viagens aos EUA: 'Um país hostil'

Muitos canadenses estão irados com Trump.

Primeiro, houve ameaças de que o Canadá se tornaria o 51º Estado dos EUA. Depois veio o anúncio de que ele imporia tarifas sobre produtos canadenses. E mais recentemente, a notícia de que uma mulher canadense foi detida por duas semanas nos EUA e submetida a "tratamento desumano" pelo ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA).

Esses acontecimentos não apenas deterioraram o relacionamento entre os dois países — uma aliança estável de mais de oito décadas —, como também desencadearam um grande movimento de cidadãos defendendo um "boicote" aos EUA.

E uma das maneiras de fazer isso é parando de viajar para seu vizinho do sul.

A agência Statistics Canada registrou uma queda de 23% nas viagens de carro de residentes canadenses para os EUA em fevereiro de 2025, em comparação ao mesmo mês do ano anterior. Além disso, as viagens aéreas caíram 13%.

A jornalista canadense Kate Dingwall está entre os canadenses que cancelaram suas viagens aos EUA.

"Meu parceiro e eu decidimos não prosseguir com nossas férias planejadas para os EUA este ano", disse ela.

"Estou preocupada com a fronteira e por ficar presa lá por algum motivo, especialmente com Trump sendo tão exigente com o Canadá. Há uma sensação de desconforto em visitar os EUA agora", ela acrescentou.

Keith Serry, um escritor e comediante de Montreal, cancelou cinco shows em abril em Nova York devido à situação política.

"A verdade é que não me sinto seguro viajando para os EUA agora. Além disso, tenho uma forte aversão a gastar meu dinheiro de qualquer forma que possa ajudar a economia de um país hostil", ele escreveu em sua página do Facebook.

Muitos também optaram por substituir os produtos americanos que costumavam comprar por produtos canadenses, como mostram centenas de postagens nas redes sociais com a hashtag #BuyCanadian.

·        Turismo interno

A decisão de viajantes como Dingwall e Serry está alinhada à mensagem dada pelo ex-primeiro-ministro Justin Trudeau em resposta ao anúncio de Donald Trump de que imporia tarifas de 25% sobre produtos canadenses.

"Os canadenses estão magoados. Os canadenses estão bravos. Vamos escolher não tirar férias na Flórida ou em Old Orchard Beach, no Maine", disse Trudeau.

"Agora é a hora de escolher o Canadá. Isso pode significar mudar seus planos de férias de verão para ficar aqui", disse ele em outra declaração.

Em 2024, o Departamento de Viagens e Turismo dos EUA registrou 20,2 milhões de visitas de residentes canadenses.

Embora seja muito cedo para saber quanto esse número diminuirá como resultado do atual sentimento antiamericano, especialistas preveem um impacto econômico significativo.

A Travel Association, organização que representa o setor de turismo dos EUA, alerta que uma redução de 10% no número de viajantes canadenses significaria mais de US$ 2 bilhões perdidos anualmente nos EUA e 14 mil empregos perdidos.

·        As medidas e mensagens de Trump

Donald Trump se referiu ao Canadá como "o 51º Estado" pela primeira vez em dezembro de 2024, um mês antes de sua posse.

O que inicialmente parecia uma piada se transformou em uma séria ameaça quando ele declarou que planejava usar sua "força econômica" para anexar o Canadá, uma mensagem que naturalmente provocou rejeição dos canadenses.

Dias depois, foram anunciadas tarifas.

"O que ele quer é ver um colapso total da economia canadense, porque isso tornará mais fácil para ele nos anexar", disse Trudeau na época.

Recentemente, o novo primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, elevou o tom da discussão, dizendo que o relacionamento histórico de seu país com os EUA, baseado na cooperação econômica e militar, "acabou".

Somando-se às tarifas e à ameaça de anexação está o caso da atriz canadense Jasmine Mooney, que disse ter sido detida e "algemada" pelo Serviço de Imigração e Alfândega por 12 dias.

Seu testemunho deixou muitos canadenses com medo de viajar.

Ryan Northcott, um canadense que diz ter cancelado sua viagem para Nova York, afirmou em um vídeo no TikTok: "Eu vi o que aconteceu com Jasmine Mooney e vi vídeos de quando você vai para a fronteira, eles verificam tudo [...] Há algo que simplesmente não parece certo para mim, sem mencionar como o Canadá está sendo tratado."

Além disso, uma ordem de Trump que afeta diretamente os viajantes canadenses também gerou reação negativa.

Como parte de seus planos para "proteger o povo americano da invasão", o governo dos EUA começou a exigir que viajantes canadenses que entram no país por terra se apresentem às autoridades após completar 30 dias no país.

Anteriormente, os canadenses podiam entrar sem registro e permanecer por até seis meses sem visto.

Agora, o próprio governo canadense indica em seu último aviso aos viajantes que "o não cumprimento do requisito de registro pode resultar em penalidades, multas e processos por contravenções".

·        'Snowbirds'

Os mais afetados por essa medida foram os snowbirds, apelido dado aos canadenses, muitos deles aposentados, que viajam todos os anos durante o inverno para destinos mais quentes, como Flórida ou Arizona, geralmente por mais de 30 dias.

De acordo com a Associação Canadense de Snowbirds, esse número é superior a um milhão.

Em um grupo do Facebook para canadenses que viajam para o exterior, a irritação com Donald Trump está por toda parte.

"Não há como nós, canadenses, continuarmos a nos aglomerar nos EUA durante o inverno", dizia uma postagem.

"Sou canadense e não suporto Trump. Eu não culparia nenhum compatriota canadense por não querer viajar ou tirar férias nos EUA", disse outro.

Stephen Fine, presidente da Snowbird Advisor, uma empresa dedicada a fornecer informações e serviços para migrantes sazonais canadenses, disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) que, como as relações entre os dois países se deterioraram com o fim do inverno, não é segredo que menos canadenses estão indo para os EUA.

No entanto, "em geral, há um sentimento negativo entre os canadenses que viajam para o inverno, e alguns dizem que não têm intenção de retornar aos EUA no ano que vem", diz Fine.

Os professores Valorie Crooks e Jeremy Snyder, que estudaram o fenômeno dos migrantes sazonais do Canadá para os EUA, argumentam que "acessibilidade e facilidade de movimento são dois fatores importantes que permitem viagens sazonais de longo prazo".

"Portanto, não é de se surpreender que estejamos ouvindo falar dos 'snowbirds' novamente em vista dos eventos recentes", acrescentam.

·        Efeito econômico

A Tourism Economics, empresa especializada em previsões do setor de turismo, passou de uma previsão de crescimento de 8,8% nas viagens aos EUA em 2025 para um declínio de 5,1% até 2024.

A empresa observou que a mudança se deve à "tensão nas relações diplomáticas" e às "tarifas excessivas".

Para as companhias aéreas, o impacto da situação atual no relacionamento Canadá-EUA já parece ser significativo.

De acordo com Mike Vernot, porta-voz da empresa de análise de dados de aviação Cirium, "as companhias aéreas reduziram o número de assentos em voos entre o Canadá e os EUA em aproximadamente 4,4% em abril, maio e junho, em comparação com suas programações publicadas em 31 de janeiro".

Alguns destinos nos EUA serão particularmente afetados, de acordo com dados da Cirium. Em 31 de janeiro, 2.024 voos estavam programados do Canadá para os aeroportos de Fort Lauderdale e Miami para abril, maio e junho de 2025. Em 25 de março, esse número caiu para 1.799.

Além disso, a Flair Airlines, uma companhia aérea canadense de baixo custo, não operará mais sua rota Toronto-Nashville. E a WestJet, que havia anunciado que abriria um voo de Calgary para o Aeroporto LaGuardia, em Nova York, confirmou recentemente que não o fará mais.

E não é porque os canadenses estão parando de viajar para o exterior. Eles estão apenas viajando menos para os EUA.

"Recebemos perguntas de pessoas procurando destinos alternativos para o ano que vem. Os mais populares são México, Espanha, Portugal e Caribe", disse Stephen Fine, da Snowbird Advisor.

Diarmaid O'Sullivan, diretora de vendas e marketing de um hotel nas Bermudas, descreveu um aumento incomum de clientes canadenses interessados ​​em realocar eventos que haviam planejado inicialmente nos EUA.

Curiosamente, tudo isso está acontecendo no momento em que os EUA vivenciavam um crescimento recorde no setor de viagens e turismo.

De acordo com um relatório do Conselho Mundial de Viagens e Turismo, a indústria do turismo dos EUA movimentou US$ 2,26 trilhões, o maior valor do mundo.

"Esses números nos ajudam a entender a importância do setor nos EUA e demonstram que um declínio no turismo dos principais países de origem pode prejudicar significativamente a economia dos EUA", disse Marta Soligo, professora da Universidade de Nevada, em Las Vegas.

"As consequências desses problemas podem afetar tanto grandes corporações sediadas nos EUA quanto pequenas empresas", acrescentou.

O boicote canadense também acendeu alarmes no setor imobiliário, já que os canadenses são os maiores compradores estrangeiros de imóveis nos EUA, de acordo com a Associação Nacional de Corretores de Imóveis.

Amar Charles Marouf, um cidadão canadense, resume o boicote como uma questão de valores: "Somos um país que se orgulha, imperfeitamente, mas intencionalmente, de valores como inclusão, equidade e direitos humanos. Quando esses valores parecem fora de sintonia com o que está acontecendo do outro lado da fronteira, fica mais difícil justificar nossa participação lá."

O Canadá não é o único país que vê as medidas do governo Donald Trump com desconfiança.

Desde 20 de janeiro, França, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Reino Unido também emitiram alertas para seus cidadãos que planejam viajar para os EUA.

¨      Jaguar Land Rover interrompe envio de carros para EUA enquanto Trump pede a americanos que 'aguentem'

A fabricante britânica de automóveis de luxo Jaguar Land Rover (JLR) informou que "vai pausar" os envios de veículos para os EUA em abril, enquanto avalia "os novos termos comerciais" após as tarifas impostas pelo presidente Donald Trump. O anúncio feito por Washington disparou temores de uma grande guerra comercial mundial.

"Enquanto trabalhamos para abordar os novos termos comerciais com nossos parceiros comerciais, estamos tomando algumas medidas de curto prazo, incluindo uma pausa nos envios em abril, enquanto desenvolvemos nossos planos de médio e longo prazo", disse a JLR em um comunicado enviado por e-mail à BBC.

A JLR confirmou a suspensão temporária das exportações depois que a informação havia sido publicada no jornal britânico The Times.

Esta é a primeira entre as grandes automotivas mundiais — um dos setores mais afetados pela medida — que toma a decisão de interromper o envio de seus produtos após o anúncio do aumento de tarifas por parte dos EUA a mais de 100 países.

De acordo com o governo Trump, o aumento tarifário tem como objetivo equilibrar a balança comercial dos EUA com o resto dos países.

No entanto, para muitos especialistas, a medida não só não ajuda a reduzir o déficit comercial dos EUA, mas também altera as bases do comércio global estabelecidas após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Por sua vez, o presidente americano assinalou, antes de se conhecer a decisão da JLR e após o anúncio da China de aplicar um aumento de tarifas de 34% aos produtos provenientes dos EUA, que os próximos meses vão ser "duros", mas os resultados serão extraordinários.

"A China e muitas outras nações nos trataram de forma insustentável", escreveu Trump em sua conta na rede Truth Social.

"Fomos o 'lugar para chicotear' [do comércio global], tolo e indefeso, mas não mais".

O presidente também pediu paciência aos americanos enquanto avança a aplicação das tarifas.

"Este governo está comprometido a recuperar empregos e empresas como nunca antes. Esta é uma revolução econômica e venceremos. Aguentem, não será fácil, mas o resultado final será histórico", declarou.

¨      'Tesla está em colapso e pode ser que não se recupere'

As vendas de carros da Tesla, empresa chefiada por Elon Musk, despencaram para o menor nível dos últimos três anos.

A fabricante de veículos elétricos entregou quase 337 mil unidades nos primeiros três meses de 2025 — uma queda de 13% em relação ao mesmo período do ano passado.

Após a divulgação dos baixos números de vendas, as ações da empresa recuaram no início do pregão de quarta-feira (2/4).

Os carros da companhia enfrentam uma competição cada vez maior da empresa chinesa BYD, mas especialistas acreditam que o papel controverso de Musk na administração Donald Trump também tem uma influência nesse fenômeno.

A empresa atribuiu a queda nas vendas à transição para uma nova versão de seu carro mais popular.

No entanto, alguns analistas apontam o dedo para o próprio Musk.

"Esses números são péssimos", escreveu no X (antigo Twitter) Ross Gerber, um dos primeiros investidores da Tesla, do grupo Gerber Kawasaki Wealth and Investment Management.

"A Tesla está em colapso e pode ser que não se recupere", acrescentou ele, que já foi um apoiador de Musk, mas recentemente pediu que o conselho da empresa removesse o bilionário do cargo de CEO.

·        A 'queda da Tesla'

O ativismo político de Musk gerou uma onda de protestos e boicotes ao redor do mundo.

Ele atualmente lidera a iniciativa do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) do presidente Donald Trump, criada com o objetivo de cortar gastos e reduzir o volume de servidores federais.

Na quarta-feira (2/3), o site Politico relatou que Trump teria dito a pessoas de seu círculo íntimo que Musk se afastaria do governo nas próximas semanas.

Logo após a publicação da notícia, o preço das ações da Tesla voltou a subir.

A Casa Branca, no entanto, refutou a reportagem, classificando-a como "lixo".

Por ser considerado um funcionário especial do governo, por lei Musk só pode servir no governo por 130 dias durante o ano, o que significaria que ele teria de deixar o posto até meados de junho.

O chefe da Tesla é o homem mais rico do mundo e contribuiu com mais de US$ 250 milhões (R$ 1,4 bi) para ajudar Trump a ser eleito nas eleições de novembro de 2024.

Nas últimas semanas, ele investiu mais dinheiro em uma corrida para a Suprema Corte de Wisconsin, ao apoiar o ex-procurador-geral republicano Brad Schimel —que acabou derrotado na terça-feira (1/4).

A reação contra Musk incluiu protestos em concessionárias da Tesla nos Estados Unidos e na Europa.

Veículos da empresa também foram vandalizados — e Trump chegou a dizer que o governo acusaria pessoas que atacassem carros da montadora de "terrorismo doméstico".

O gerenciamento de Musk sobre seus negócios, incluindo a Tesla, recebeu uma série de questionamentos.

Em uma entrevista recente, ele admitiu que administra seus empreendimentos "com grande dificuldade".

"Francamente, não acredito que estou aqui fazendo isso [em referência ao seu trabalho na atual administração Trump]", acrescentou ele.

As ações da Tesla perderam mais de um quarto de seu valor desde o início deste ano, segundo os índices registrados na quarta-feira (2/4).

"Não vamos olhar para esses números com falso otimismo... Eles representam um desastre", avalia o analista Dan Ives, da empresa de serviços financeiros Wedbush, em nota divulgada na quarta-feira.

"Quanto maior o envolvimento político [de Musk] com a Doge, mais a marca sofre. Não há discussão sobre isso", pontuou ele.

A Tesla não respondeu aos pedidos de comentários da BBC, mas declarou em um documento protocolado na Comissão de Valores Mobiliários dos EUA que os números divulgados recentemente "representam apenas duas medidas" do desempenho da empresa e "não devem ser considerados como um indicador de resultados financeiros trimestrais".

Esses resultados mais detalhados serão divulgados no dia 22 de abril em um relatório financeiro completo com dados do trimestre.

Eles "dependerão de uma variedade de fatores, como preço médio de venda, custos, movimentos cambiais, entre outros", detalhou a Tesla.

O texto também observa que a empresa suspendeu temporariamente a produção de veículos utilitários esportivos do chamado Model Y a partir de janeiro.

Após a divulgação dos números na quarta-feira, Randi Weingarten, presidente da Federação Americana de Professores — um dos sindicatos trabalhistas mais poderosos dos EUA — escreveu a dezenas de fundos de pensão públicos sobre a situação da Tesla.

Afirmou que os últimos números de vendas da empresa estavam "se tornando abismais", instou os fundos de pensão a analisarem de perto as participações que possuem na empresa e questionou o que gestores financeiros estão fazendo para "proteger ativos de aposentadoria".

"Essas quedas parecem ser, em parte, motivados pelo fato de Musk gastar seu tempo em atividades políticas, algumas das quais parecem estar em conflito com a marca e os interesses comerciais da Tesla", afirmou Weingarten.

A Controladoria da cidade de Nova York (New York City Comptroller) já anunciou que estuda processar a Tesla em nome dos enormes fundos de pensão ligados ao órgão.

Na terça-feira (1/4), a instituição divulgou uma perda de mais de US$ 300 milhões (R$1,6 bi) em três meses por causa da queda do preço das ações da empresa.

"Elon Musk anda tão distraído que está levando a Tesla para um precipício financeiro", afirmou em comunicado o atual controlador da cidade, Brad Lander.

 

Fonte: BBC News

 

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