O boicote de canadenses a viagens aos EUA:
'Um país hostil'
Muitos
canadenses estão irados com Trump.
Primeiro,
houve ameaças de que o Canadá se tornaria o 51º Estado dos EUA. Depois veio o
anúncio de que ele imporia tarifas sobre produtos
canadenses.
E mais recentemente, a notícia de que uma mulher canadense foi detida por duas
semanas nos EUA e submetida a "tratamento desumano" pelo ICE (Serviço
de Imigração e Alfândega dos EUA).
Esses
acontecimentos não apenas deterioraram o relacionamento entre
os dois países —
uma aliança estável de mais de oito décadas —, como também desencadearam um
grande movimento de cidadãos defendendo um
"boicote" aos EUA.
E uma
das maneiras de fazer isso é parando de viajar para seu vizinho do sul.
A
agência Statistics Canada registrou uma queda de 23% nas viagens de carro de
residentes canadenses para os EUA em fevereiro de 2025, em comparação ao mesmo
mês do ano anterior. Além disso, as viagens aéreas caíram 13%.
A
jornalista canadense Kate Dingwall está entre os canadenses que cancelaram suas
viagens aos EUA.
"Meu
parceiro e eu decidimos não prosseguir com nossas férias planejadas para os EUA
este ano", disse ela.
"Estou
preocupada com a fronteira e por ficar presa lá por algum motivo, especialmente
com Trump sendo tão exigente com o Canadá. Há uma sensação de desconforto em
visitar os EUA agora", ela acrescentou.
Keith
Serry, um escritor e comediante de Montreal, cancelou cinco shows em abril em
Nova York devido à situação política.
"A
verdade é que não me sinto seguro viajando para os EUA agora. Além disso, tenho
uma forte aversão a gastar meu dinheiro de qualquer forma que possa ajudar a
economia de um país hostil", ele escreveu em sua página do Facebook.
Muitos
também optaram por substituir os produtos americanos que costumavam comprar por
produtos canadenses, como mostram centenas de postagens nas redes sociais com a
hashtag #BuyCanadian.
·
Turismo interno
A
decisão de viajantes como Dingwall e Serry está alinhada à mensagem dada pelo
ex-primeiro-ministro Justin Trudeau em resposta ao anúncio de Donald Trump de
que imporia tarifas de 25% sobre produtos canadenses.
"Os
canadenses estão magoados. Os canadenses estão bravos. Vamos escolher não tirar
férias na Flórida ou em Old Orchard Beach, no Maine", disse Trudeau.
"Agora
é a hora de escolher o Canadá. Isso pode significar mudar seus planos de férias
de verão para ficar aqui", disse ele em outra declaração.
Em
2024, o Departamento de Viagens e Turismo dos EUA registrou 20,2 milhões de
visitas de residentes canadenses.
Embora
seja muito cedo para saber quanto esse número diminuirá como resultado do atual
sentimento antiamericano, especialistas preveem um impacto econômico
significativo.
A
Travel Association, organização que representa o setor de turismo dos EUA,
alerta que uma redução de 10% no número de viajantes canadenses significaria
mais de US$ 2 bilhões perdidos anualmente nos EUA e 14 mil empregos perdidos.
·
As medidas e mensagens de Trump
Donald
Trump se referiu ao Canadá como "o 51º Estado" pela primeira vez em
dezembro de 2024, um mês antes de sua posse.
O que
inicialmente parecia uma piada se transformou em uma séria ameaça quando ele
declarou que planejava usar sua "força econômica" para anexar o
Canadá, uma mensagem que naturalmente provocou rejeição dos canadenses.
Dias
depois, foram anunciadas tarifas.
"O
que ele quer é ver um colapso total da economia canadense, porque isso tornará
mais fácil para ele nos anexar", disse Trudeau na época.
Recentemente,
o novo primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, elevou o tom da
discussão, dizendo que o relacionamento
histórico de seu país com os EUA, baseado na cooperação econômica e militar,
"acabou".
Somando-se
às tarifas e à ameaça de anexação está o caso da atriz canadense Jasmine
Mooney, que disse ter sido detida e "algemada" pelo Serviço de
Imigração e Alfândega por 12 dias.
Seu
testemunho deixou muitos canadenses com medo de viajar.
Ryan
Northcott, um canadense que diz ter cancelado sua viagem para Nova York,
afirmou em um vídeo no TikTok: "Eu vi o que aconteceu com Jasmine Mooney e
vi vídeos de quando você vai para a fronteira, eles verificam tudo [...] Há
algo que simplesmente não parece certo para mim, sem mencionar como o Canadá
está sendo tratado."
Além
disso, uma ordem de Trump que afeta diretamente os viajantes canadenses também
gerou reação negativa.
Como
parte de seus planos para "proteger o povo americano da invasão", o
governo dos EUA começou a exigir que viajantes canadenses que entram no país
por terra se apresentem às autoridades após completar 30 dias no país.
Anteriormente,
os canadenses podiam entrar sem registro e permanecer por até seis meses sem
visto.
Agora,
o próprio governo canadense indica em seu último aviso aos viajantes que
"o não cumprimento do requisito de registro pode resultar em penalidades,
multas e processos por contravenções".
·
'Snowbirds'
Os mais
afetados por essa medida foram os snowbirds, apelido dado aos
canadenses, muitos deles aposentados, que viajam todos os anos durante o
inverno para destinos mais quentes, como Flórida ou Arizona, geralmente por
mais de 30 dias.
De
acordo com a Associação Canadense de Snowbirds, esse número é superior a um
milhão.
Em um
grupo do Facebook para canadenses que viajam para o exterior, a irritação com
Donald Trump está por toda parte.
"Não
há como nós, canadenses, continuarmos a nos aglomerar nos EUA durante o
inverno", dizia uma postagem.
"Sou
canadense e não suporto Trump. Eu não culparia nenhum compatriota canadense por
não querer viajar ou tirar férias nos EUA", disse outro.
Stephen
Fine, presidente da Snowbird Advisor, uma empresa dedicada a fornecer
informações e serviços para migrantes sazonais canadenses, disse à BBC News
Mundo (serviço em espanhol da BBC) que, como as relações entre os dois países
se deterioraram com o fim do inverno, não é segredo que menos canadenses estão
indo para os EUA.
No
entanto, "em geral, há um sentimento negativo entre os canadenses que
viajam para o inverno, e alguns dizem que não têm intenção de retornar aos EUA
no ano que vem", diz Fine.
Os
professores Valorie Crooks e Jeremy Snyder, que estudaram o fenômeno dos
migrantes sazonais do Canadá para os EUA, argumentam que "acessibilidade e
facilidade de movimento são dois fatores importantes que permitem viagens
sazonais de longo prazo".
"Portanto,
não é de se surpreender que estejamos ouvindo falar dos 'snowbirds' novamente
em vista dos eventos recentes", acrescentam.
·
Efeito econômico
A
Tourism Economics, empresa especializada em previsões do setor de turismo,
passou de uma previsão de crescimento de 8,8% nas viagens aos EUA em 2025 para
um declínio de 5,1% até 2024.
A
empresa observou que a mudança se deve à "tensão nas relações
diplomáticas" e às "tarifas excessivas".
Para as
companhias aéreas, o impacto da situação atual no relacionamento Canadá-EUA já
parece ser significativo.
De
acordo com Mike Vernot, porta-voz da empresa de análise de dados de aviação
Cirium, "as companhias aéreas reduziram o número de assentos em voos entre
o Canadá e os EUA em aproximadamente 4,4% em abril, maio e junho, em comparação
com suas programações publicadas em 31 de janeiro".
Alguns
destinos nos EUA serão particularmente afetados, de acordo com dados da Cirium.
Em 31 de janeiro, 2.024 voos estavam programados do Canadá para os aeroportos
de Fort Lauderdale e Miami para abril, maio e junho de 2025. Em 25 de março,
esse número caiu para 1.799.
Além
disso, a Flair Airlines, uma companhia aérea canadense de baixo custo, não
operará mais sua rota Toronto-Nashville. E a WestJet, que havia anunciado que
abriria um voo de Calgary para o Aeroporto LaGuardia, em Nova York, confirmou
recentemente que não o fará mais.
E não é
porque os canadenses estão parando de viajar para o exterior. Eles estão apenas
viajando menos para os EUA.
"Recebemos
perguntas de pessoas procurando destinos alternativos para o ano que vem. Os
mais populares são México, Espanha, Portugal e Caribe", disse Stephen
Fine, da Snowbird Advisor.
Diarmaid
O'Sullivan, diretora de vendas e marketing de um hotel nas Bermudas, descreveu
um aumento incomum de clientes canadenses interessados em realocar eventos
que haviam planejado inicialmente nos EUA.
Curiosamente,
tudo isso está acontecendo no momento em que os EUA vivenciavam um crescimento
recorde no setor de viagens e turismo.
De
acordo com um relatório do Conselho Mundial de Viagens e Turismo, a indústria
do turismo dos EUA movimentou US$ 2,26 trilhões, o maior valor do mundo.
"Esses
números nos ajudam a entender a importância do setor nos EUA e demonstram que
um declínio no turismo dos principais países de origem pode prejudicar
significativamente a economia dos EUA", disse Marta Soligo, professora da
Universidade de Nevada, em Las Vegas.
"As
consequências desses problemas podem afetar tanto grandes corporações sediadas
nos EUA quanto pequenas empresas", acrescentou.
O
boicote canadense também acendeu alarmes no setor imobiliário, já que os
canadenses são os maiores compradores estrangeiros de imóveis nos EUA, de
acordo com a Associação Nacional de Corretores de Imóveis.
Amar
Charles Marouf, um cidadão canadense, resume o boicote como uma questão de
valores: "Somos um país que se orgulha, imperfeitamente, mas
intencionalmente, de valores como inclusão, equidade e direitos humanos. Quando
esses valores parecem fora de sintonia com o que está acontecendo do outro lado
da fronteira, fica mais difícil justificar nossa participação lá."
O
Canadá não é o único país que vê as medidas do governo Donald Trump com
desconfiança.
Desde
20 de janeiro, França, Dinamarca, Alemanha, Finlândia e Reino Unido também
emitiram alertas para seus cidadãos que planejam viajar para os EUA.
¨
Jaguar Land Rover
interrompe envio de carros para EUA enquanto Trump pede a americanos que
'aguentem'
A
fabricante britânica de automóveis de luxo Jaguar Land Rover (JLR) informou que
"vai pausar" os envios de veículos para os EUA em abril, enquanto
avalia "os novos termos comerciais" após as tarifas impostas pelo presidente
Donald Trump. O anúncio feito por Washington disparou temores de uma grande guerra comercial mundial.
"Enquanto
trabalhamos para abordar os novos termos comerciais com nossos parceiros
comerciais, estamos tomando algumas medidas de curto prazo, incluindo uma pausa
nos envios em abril, enquanto desenvolvemos nossos planos de médio e longo
prazo", disse a JLR em um comunicado enviado por e-mail à BBC.
A JLR
confirmou a suspensão temporária das exportações depois que a informação havia
sido publicada no jornal britânico The Times.
Esta é
a primeira entre as grandes automotivas mundiais — um dos setores mais afetados
pela medida — que toma a decisão de interromper o envio de seus produtos após o
anúncio do aumento de tarifas por parte dos EUA a mais de 100 países.
De
acordo com o governo Trump, o aumento tarifário tem como objetivo equilibrar a
balança comercial dos EUA com o resto dos países.
No
entanto, para muitos especialistas, a medida não só não ajuda a reduzir o
déficit comercial dos EUA, mas também altera as bases do comércio global
estabelecidas após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Por sua
vez, o presidente americano assinalou, antes de se conhecer a decisão da JLR e
após o anúncio da China de aplicar um aumento de tarifas de 34% aos produtos
provenientes dos EUA, que os próximos meses vão ser "duros", mas os
resultados serão extraordinários.
"A
China e muitas outras nações nos trataram de forma insustentável",
escreveu Trump em sua conta na rede Truth Social.
"Fomos
o 'lugar para chicotear' [do comércio global], tolo e indefeso, mas não
mais".
O
presidente também pediu paciência aos americanos enquanto avança a aplicação
das tarifas.
"Este
governo está comprometido a recuperar empregos e empresas como nunca antes.
Esta é uma revolução econômica e venceremos. Aguentem, não será fácil, mas o
resultado final será histórico", declarou.
¨
'Tesla está em colapso e
pode ser que não se recupere'
As
vendas de carros da Tesla, empresa chefiada
por Elon Musk, despencaram para o
menor nível dos últimos três anos.
A
fabricante de veículos elétricos entregou quase
337 mil unidades nos primeiros três meses de 2025 — uma queda de 13% em relação
ao mesmo período do ano passado.
Após a
divulgação dos baixos números de vendas, as ações da empresa recuaram no início do
pregão de quarta-feira (2/4).
Os
carros da companhia enfrentam uma competição cada vez maior da empresa chinesa BYD, mas especialistas
acreditam que o papel controverso de Musk na administração Donald Trump também tem uma
influência nesse fenômeno.
A
empresa atribuiu a queda nas vendas à transição para uma nova versão de seu
carro mais popular.
No
entanto, alguns analistas apontam o dedo para o próprio Musk.
"Esses
números são péssimos", escreveu no X (antigo Twitter) Ross Gerber, um dos
primeiros investidores da Tesla, do grupo Gerber Kawasaki Wealth and Investment
Management.
"A
Tesla está em colapso e pode ser que não se recupere", acrescentou ele,
que já foi um apoiador de Musk, mas recentemente pediu que o conselho da
empresa removesse o bilionário do cargo de CEO.
·
A 'queda da Tesla'
O
ativismo político de Musk gerou uma onda de protestos e boicotes ao redor do
mundo.
Ele
atualmente lidera a iniciativa do Departamento de Eficiência Governamental
(Doge, na sigla em inglês) do presidente Donald Trump, criada com o objetivo de
cortar gastos e reduzir o volume de servidores federais.
Na
quarta-feira (2/3), o site Politico relatou que Trump teria dito a pessoas de
seu círculo íntimo que Musk se afastaria do governo nas próximas semanas.
Logo
após a publicação da notícia, o preço das ações da Tesla voltou a subir.
A Casa
Branca, no entanto, refutou a reportagem, classificando-a como
"lixo".
Por ser
considerado um funcionário especial do governo, por lei Musk só pode servir no
governo por 130 dias durante o ano, o que significaria que ele teria de deixar
o posto até meados de junho.
O chefe
da Tesla é o homem mais rico do mundo e contribuiu com mais de US$ 250 milhões
(R$ 1,4 bi) para ajudar Trump a ser eleito nas eleições de novembro de 2024.
Nas
últimas semanas, ele investiu mais dinheiro em uma corrida para a Suprema Corte
de Wisconsin, ao apoiar o ex-procurador-geral
republicano Brad Schimel —que acabou derrotado na terça-feira (1/4).
A
reação contra Musk incluiu protestos em concessionárias da Tesla nos Estados
Unidos e na Europa.
Veículos
da empresa também foram vandalizados — e Trump chegou a dizer que o governo
acusaria pessoas que atacassem carros da montadora de "terrorismo
doméstico".
O
gerenciamento de Musk sobre seus negócios, incluindo a Tesla, recebeu uma série
de questionamentos.
Em uma
entrevista recente, ele admitiu que administra seus empreendimentos "com
grande dificuldade".
"Francamente,
não acredito que estou aqui fazendo isso [em referência ao seu trabalho na
atual administração Trump]", acrescentou ele.
As
ações da Tesla perderam mais de um quarto de seu valor desde o início deste
ano, segundo os índices registrados na quarta-feira (2/4).
"Não
vamos olhar para esses números com falso otimismo... Eles representam um
desastre", avalia o analista Dan Ives, da empresa de serviços financeiros
Wedbush, em nota divulgada na quarta-feira.
"Quanto
maior o envolvimento político [de Musk] com a Doge, mais a marca sofre. Não há
discussão sobre isso", pontuou ele.
A Tesla
não respondeu aos pedidos de comentários da BBC, mas declarou em um documento
protocolado na Comissão de Valores Mobiliários dos EUA que os números
divulgados recentemente "representam apenas duas medidas" do
desempenho da empresa e "não devem ser considerados como um indicador de
resultados financeiros trimestrais".
Esses
resultados mais detalhados serão divulgados no dia 22 de abril em um relatório
financeiro completo com dados do trimestre.
Eles
"dependerão de uma variedade de fatores, como preço médio de venda,
custos, movimentos cambiais, entre outros", detalhou a Tesla.
O texto
também observa que a empresa suspendeu temporariamente a produção de veículos
utilitários esportivos do chamado Model Y a partir de janeiro.
Após a
divulgação dos números na quarta-feira, Randi Weingarten, presidente da
Federação Americana de Professores — um dos sindicatos trabalhistas mais
poderosos dos EUA — escreveu a dezenas de fundos de pensão públicos sobre a
situação da Tesla.
Afirmou
que os últimos números de vendas da empresa estavam "se tornando
abismais", instou os fundos de pensão a analisarem de perto as
participações que possuem na empresa e questionou o que gestores financeiros
estão fazendo para "proteger ativos de aposentadoria".
"Essas
quedas parecem ser, em parte, motivados pelo fato de Musk gastar seu tempo em
atividades políticas, algumas das quais parecem estar em conflito com a marca e
os interesses comerciais da Tesla", afirmou Weingarten.
A
Controladoria da cidade de Nova York (New York City Comptroller) já anunciou
que estuda processar a Tesla em nome dos enormes fundos de pensão ligados ao
órgão.
Na
terça-feira (1/4), a instituição divulgou uma perda de mais de US$ 300 milhões
(R$1,6 bi) em três meses por causa da queda do preço das ações da empresa.
"Elon
Musk anda tão distraído que está levando a Tesla para um precipício
financeiro", afirmou em comunicado o atual controlador da cidade, Brad
Lander.
Fonte: BBC News
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