Impopular na França, Macron tenta se passar
por líder mundial
O
retorno de Donald Trump e o choque causado pela reviravolta de Washington na
Ucrânia reavivaram a liderança de Emmanuel Macron — quase como se ele tivesse
esquecido a instabilidade no âmbito nacional. A França entrou em “uma nova era”, disse o presidente
francês durante um recente discurso televisionado à nação pedindo o
rearmamento, mas também que a população tome uma posição diante das ameaças
internacionais. “Faltam quinze
minutos para a meia-noite, mas ainda estamos no controle”, Macron alertou
recentemente.
Por
várias semanas, a comitiva presidencial tem lembrado à imprensa que Macron há
muito apoia uma defesa europeia mais forte e uma soberania europeia
independente de todos os outros poderes. Macron já havia enfatizado essas ideias em
seus simbólicos “discursos da Sorbonne” quando apresentou sua visão sobre
a Europa após chegar
ao poder em 2017. Desde
o choque no Salão Oval entre Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky,
seus assessores nem precisam mais enfatizar a importância desse ponto de
discussão.
Em meio
à desordem internacional na qual os compromissos militares dos EUA parecem
estar diminuindo, os países europeus estão tentando encontrar novas maneiras de
continuar apoiando a Ucrânia. Mais e mais políticos querem usar os € 210 bilhões de
ativos congelados do
Banco Central da Federação Russa para financiar uma ajuda militar à
Ucrânia. Uma resolução para
esse efeito foi adotada pela Assembleia Nacional Francesa, mas
continua dividindo o campo de
Macron,
com alguns temendo que isso ameace a estabilidade financeira da Europa.
Economistas apontaram que apreender ativos soberanos de terceiros países
em euros corre o risco de desencorajá-los de manter reservas na moeda europeia.
Isso poderia desencadear uma venda de títulos denominados em euros, o que
aumentaria suas taxas de juros e depreciaria a moeda.
“Quero deixar claro
aos estadunidenses que o desligamento da Ucrânia não é do interesse deles”, insistiu Macron,
que também propõe abrir uma discussão sobre o papel da dissuasão nuclear
francesa e europeia diante do desligamento dos Estados Unidos na guerra na
Ucrânia. Macron já disse no ano passado que a possibilidade de enviar tropas
ocidentais para solo ucraniano no futuro não deveria “ser excluída”.
O
presidente francês tem estado constantemente ativo na questão da Ucrânia ao
longo das últimas semanas. Ele convidou os líderes de sete países europeus para
Paris em 17 de fevereiro para uma reunião de emergência sobre assistência à
Ucrânia. Então, dois dias depois, organizou outra cúpula de emergência
com onze países antes
de ir a Washington para se encontrar com Trump. Macron também deu as
boas-vindas a líderes militares de cerca de trinta países que se reuniram em
Paris para uma conferência sobre defesa e segurança.
No
entanto, podemos nos perguntar se a França ou a União Europeia (UE) podem
desempenhar algum papel material no conflito — ou se não é mais provável que
Trump imponha a solução independentemente das decisões dos europeus. Isso é
especialmente verdadeiro, dado que divisões significativas permanecem dentro da
UE sobre o envio de tropas para a Ucrânia ou sobre esforços de guerra e gastos
militares.
Macron
também quebrou os códigos tradicionais de comunicação presidencial ao se
dirigir aos franceses diretamente nas redes sociais sem passar por uma grande
mídia. Durante um vídeo ao vivo nas
redes sociais em 20 de fevereiro, por quase uma hora Macron respondeu a
perguntas de espectadores sobre o papel da França no conflito ucraniano.
Macron
buscou afirmar sua posição mostrando que está pronto para pesar no debate
político até 2027, o ano das próximas eleições presidenciais. Seu
partido, Renaissance, pode nunca ter difundido seu nome tão bem,
pois essa posição internacional está de fato ajudando os números de Macron nas
pesquisas. Uma semana após seu discurso aos franceses sobre a Ucrânia, o índice de
confiança de Macron aumentou seis pontos em um mês, um dos maiores
aumentos desde o início de seu primeiro mandato em 2017.
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Imagem
restaurada
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todos os olhos para o cenário internacional é, de fato, uma estratégia que o
presidente francês vem adotando há vários meses — primeiro, com uma forte
presença na mídia internacional. Na CNN, ele fez um tour pelo Palácio
do Eliseu, residência oficial da presidência, e falou sobre arte; já no Financial
Times, ele descreveu o retorno de
Donald Trump como um “eletrochoque”.
Macron,
que não poderá concorrer a um terceiro mandato consecutivo em 2027, está
apostando no cenário internacional para impulsionar seu legado e garantir seu
futuro, com possíveis outras ambições. “Os franceses me
confiaram sua proteção”, disse Macron, durante suas saudações de Ano Novo ao
exército francês. Defesa e diplomacia ainda são as raras áreas em que ele pode
se mostrar influente.
Vimos
isso durante a Artificial Intelligence (AI) Action Summit em
Paris, em fevereiro, onde Macron anunciou um grande investimento de € 109 bilhões de
euros para
o desenvolvimento de IA, mas também durante sua viagem a Beirute após a eleição
do novo presidente libanês, Joseph Aoun. Lá, Macron anunciou que realizaria
uma “conferência internacional para a reconstrução” do Líbano em Paris.
Ele
também recebeu líderes do mundo todo durante os Jogos Olímpicos do ano passado
e a reabertura da icônica Catedral de Notre-Dame em dezembro, onde sua visão
para reconstruir a catedral foi destacada. Ao mesmo tempo, ele também organizou
uma reunião entre Trump e Zelensky.
Todo
esse esforço parece estar dando resultado. Quase metade do país (49%)
acredita que Macron representa
bem a França no exterior, um aumento de seis pontos em um ano, de acordo com
uma pesquisa da Odoxa-Backbone Consulting. Muitos fizeram a comparação com o
ex-presidente francês de centro-esquerda François Hollande, que, após o desastre
político da Loi Travail de 2016 (uma reforma liberalizante do
mercado de trabalho que ocasionou fortes protestos), também se voltou para o
cenário internacional para impulsionar sua posição.
“Ele
deve encontrar sua guerra no Iraque”, disseram outros, ecoando
a aura de outro ex-presidente francês, Jacques Chirac, que enfrentou os Estados
Unidos em 2003 ao rejeitar a invasão — uma nota pungente dirigida ao presidente
americano George W. Bush, que sonhava em derrubar o governo de Saddam Hussein
em Bagdá. No exterior, Chirac continua sendo o presidente que
disse não à guerra no Iraque, um “não” que fortaleceu sua popularidade no
mundo árabe.
·
Ainda
impopular
No
entanto, a popularidade geral de Macron ainda está fraca. Na metade de seu
segundo mandato de cinco anos, Macron atingiu um nível recorde de
impopularidade: apenas 21% dos
franceses dizem estar satisfeitos com suas ações, de acordo com uma
pesquisa recente. De fato, nunca na história da Quinta República, fundada em
1958, um presidente atingiu tal nível de impopularidade.
Essa
virada contra Macron é particularmente disseminada entre aposentados e idosos, uma parte
importante de sua base. Os franceses ainda não entendem sua iniciativa de
dissolver a Assembleia Nacional no ano passado após as eleições europeias.
Longe de dar ao presidente e seus aliados um novo mandato, as eleições
antecipadas levaram à instabilidade política, produziram um governo ainda mais
frágil e quase levaram a extrema direita de Marine Le Pen ao poder.
Para
escapar de um voto de desconfiança, o primeiro-ministro francês François
Bayrou concordou em meados
de janeiro em reabrir as negociações sobre a reforma da previdência para evitar
outro colapso do governo. Essa reforma impopular, buscada por Macron, que
aumentou a idade inicial para se aposentar de sessenta e dois para sessenta e
quatro anos, provocou um poderoso movimento de protesto de rua e greves em
2023. Macron também poderia dissolver a Assembleia Nacional novamente, mas não
antes de meados de 2025, devido à Constituição, que exige um ano entre cada
dissolução. Mas não há garantia de que a votação legislativa resultante permitiria que novos
equilíbrios de poder surgissem.
A
França agora conta com medidas temporárias para evitar a paralisação do governo
em meio a debates orçamentários para ajudar a reduzir o
déficit da França e
permitir despesas importantes, como gastos militares em meio à guerra da Rússia
com a Ucrânia. A opinião pública aceitaria uma eventual necessidade de aumentar
os gastos e a ajuda à Ucrânia quando, por exemplo, a raiva dos fazendeiros
ainda é muito alta na França?
A
onipresença de Macron no cenário internacional também desvia a atenção de um
grande escândalo em curso envolvendo abuso sexual e violência contra alunos na
escola particular Notre-Dame de Bétharram, no sudoeste da França. O caso se
ampliou desde
que o Mediapart destacou a relação próxima do
primeiro-ministro, François Bayrou, com o caso. No Elysée, é reconhecido que, no “nível
nacional, não é provável que muita coisa aconteça” no próximo ano devido às
principais situações internacionais atuais.Macron anunciou planos para
organizar um ou mais
referendos este ano para recuperar alguma legitimidade, a mais de dois anos
do fim de seu mandato de cinco. Os franceses podem ser consultados sobre a
ratificação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul,
representação proporcional nas eleições parlamentares, a lei do fim da vida ou
imigração. O presidente deve, de fato, resistir até as eleições municipais em
março de 2026. Depois disso, a corrida presidencial será aberta e todos os
olhos se desviarão dele.
¨
Capital e trabalho nos
países nórdicos. Por João dos Reis da Silva Júnior
A Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia
parecem resistir às intempéries da exaustão do capitalismo contemporâneo. Muito
embora, tenham trabalhadores do precariado, guardam muito do Estado de
bem-estar-social. As semelhanças residem nesta cultura das relações
capital-Estado-trabalho.
Nesses países nórdicos o acesso a serviços
públicos de qualidade é universal e assegura assistência à saúde, educação e
assistência social. A esfera do trabalho também é um ponto a ser destacado.
Mercado regulado, sindicatos poderosos que, por meio do diálogo entre estado,
capital e trabalho definem as políticas.
No cerne do pilar social está a parceria
tripartite entre o Estado, trabalhadores e sindicatos que incentiva o diálogo
social e a busca por soluções consensuais. Além disso, uma cultura de igualdade
e confiança permeia as relações capital-trabalho, incentivando a
responsabilidade social das empresas e o bem-estar dos trabalhadores.
As semelhanças se põem no que se pode ler
anteriormente, concluindo que os acordos coletivos são sempre garantidos e
respeitados. Há, contudo, diferenças notáveis. A posição do Estado é diferente
em cada país. A Suécia parece favorecer uma intervenção mais ativa, já a
Dinamarca e a Noruega adotam uma abordagem mais facilitadora.
O poder dos sindicatos também difere. Suécia
e Finlândia apostam em maiores taxas de sindicalização. As negociações
coletivas variam no grau de centralização e descentralização. O objetivo
consiste em as políticas públicas refletirem as prioridades nacionais
específicas, como a ênfase da Suécia na igualdade de gênero, a flexibilidade do
mercado de trabalho dinâmico, a gestão de recursos naturais da Noruega e a
importância crescente da Finlândia na inovação.
Frequentemente, essas políticas nacionais
nórdicas em relação ao capital e ao trabalho assumem a forma de um acordo
(decisão conjunta) entre o capital, o Estado e o trabalho. Assim, pode-se dizer
que as relações entre capital e trabalho nesses países nórdicos estão mais
ligadas a uma versão sociológica tripartite de parceria social, em que o
estado, o capital e o trabalho desempenham um papel significativo na tomada de
decisões e nas ações políticas. Este modelo é a base para grande parte da
justificativa para políticas progressivas que visam criar igualdade e um
mercado de trabalho forte.
Existem, no entanto, profundas divergências
nessa ligação entre os seus países, refletindo as particularidades políticas,
históricas e culturais de cada um. A ideia de um precariado nórdico é
multifacetada, com diferenças que importam em cada um dos contextos nacionais.
Apesar da reputação desses países por terem estados de bem-estar social bem
estabelecidos e mercados de trabalho regulados, é inegável que existe uma
classe social marcada pela insegurança no emprego, instabilidade, poucos
direitos e instabilidade na vida. Ou seja, é reconhecido que há uma classe
social que convive com a insegurança no emprego, poucos direitos e
instabilidade na vida.
Na Suécia o precariado se realiza em razão da
fragmentação do mercado de trabalho. Há setores cujos empregos têm direitos
sociais e são bem remunerados. Por outro lado, se pode observar o contrário:
muitos trabalhadores são temporários. Os imigrantes e os jovens compõem a maior
parte do precariado sueco. Destaca-se, portanto, que apesar da herança do
estado de bem-estar social, os trabalhadores suecos têm enfrentado cada vez
mais as filas do precariado.
Na Dinamarca, a flexibilidade do mercado de
trabalho, embora possa facilitar a entrada de trabalhadores, também pode levar
à precarização, com contratos temporários e pouca segurança no emprego.
Trabalhadores de baixa qualificação são mais vulneráveis a essa situação, com
dificuldades para encontrar empregos úteis e bem remunerados. A crise de habitação na
Dinamarca, especialmente em Copenhaga, afeta os trabalhadores precários, que têm
dificuldades para encontrar moradias acessíveis.
Na Noruega, o setor de serviços onde
trabalham muitos jovens e imigrantes, é caracterizado por baixas e condições de
trabalho precárias. O trabalho temporário é comum, especialmente em setores
como turismo e pesca, o que pode levar à precarização e à insegurança no
emprego. Os altos custos de vida na Noruega, especialmente em Oslo, tornam
difícil para muitos trabalhadores precários viver com um salário baixo.
Na Finlândia, o desemprego de longa duração é
um problema que pode levar à precarização e à exclusão social. Jovens
desempregados são um grupo vulnerável, com dificuldades para encontrar o
primeiro emprego e iniciar uma carreira. As regiões menos dirigidas da
Finlândia enfrentam problemas de precarização e falta de oportunidades de
emprego.
Apesar das particularidades de cada país,
alguns desafios são comuns a todos eles. A insegurança no trabalho é um
problema generalizado, com muitos trabalhadores enfrentando contratos
temporários, parciais e com poucos direitos. Os baixos salários são uma
realidade para muitos trabalhadores precários, especialmente em setores como
serviços, turismo e alimentação. A precarização do trabalho pode levar à
exclusão social, com trabalhadores enfrentando dificuldades para participar da
vida social e cultural.
O combate à precarização do trabalho é um
desafio importante para os países nórdicos, que visa garantir um mercado de
trabalho justo e igualitário para todos. As medidas a serem tomadas incluem o
fortalecimento dos direitos dos trabalhadores, a promoção da igualdade de
oportunidades, o combate à discriminação no mercado de trabalho e a regulação
do mercado de trabalho para garantir que os trabalhadores não sejam explorados.
O aumento do precariado colocará em xeque o
poder dos sindicatos, quebrando a relação tripartite. Conforme bem sabemos, os
sindicatos jogam um peso grande nos momentos de negociação de acordos coletivos
e na defesa dos direitos dos trabalhadores. Com a redução da taxa de
sindicalizados, os sindicatos podem ter dificuldades para combater a
precarização e garantir melhores condições de trabalho para todos.
Os algoritmos contestam literalmente não
apenas a representação política, mas também a estrutura de produção bovina; o
capital fictício está adicionando uma nova dimensão de complexidade à constante
luta para combater a crise habitacional (enquanto também armazena valor) e a
contestação do espaço público dentro do modelo nórdico.
O modelo nórdico atribui relevância na
proteção dos trabalhadores, o que pode estar em desacordo com a perda de
direitos e instabilidades ou a precariedade do trabalho, muitas vezes
experimentada como norma agora na economia de plataforma, mediada por algoritmos.
A concentração de poder e riqueza nas mãos de
empresas de tecnologia, impulsionada por algoritmos, aumenta a desigualdade
social e econômica, desafiando a busca por uma distribuição mais igualitária de
renda. O aumento do capital fictício, alimentado pela especulação algorítmica,
pode gerar bolhas financeiras e crises econômicas, com impactos negativos para
o mercado de trabalho e o bem-estar social, representando um risco para a
estabilidade econômica almejada pelo modelo nórdico.
A crise de 2008 revelou o esgotamento do
capitalismo e, assim, atribuiu aos regimes mundiais esse desafio, de modo que o
modelo nórdico deve se adaptar a esses problemas. Investimentos em educação e
requalificação são cruciais para permitir que os trabalhadores atendam às
demandas revisadas do mercado de trabalho. É necessário para todos os
trabalhadores regular a economia gig e o trabalho temporário para garantir que
tenham alguns direitos trabalhistas básicos.
Capital digital e a tributação de corporações
tecnológicas são necessários para financiar o estado de bem-estar social. É
necessário fortalecer a parceria social tripartite com o objetivo de encontrar
consensualmente maneiras de resolver os desafios do mercado de trabalho
digital.
Estas breves notas sobre esses países
nórdicos mostram que o precariado é uma fração de classe, por esta razão parece
furar o legado do Estado de bem-estar social. Os algoritmos, além de atingir de
chofre estes Estados, são fatores fundantes da vulnerabilidade do Capitalismo,
eles contribuem para explodir o capital fictício na forma de ações, títulos,
derivativos que jogam os lucros para o futuro e impõe a produção de valor no
presente que cai nas costas do trabalhador. O precariado tem uma fonte inesgotável
para tornar-se estrutural e em crescimento. Se nesses países nórdicos está
assim, o restante do mundo não está melhor.
Fonte: Por Romain Chauvet – Tradução Pedro
Silva, em Jacobin Brasil/A Terra é Redonda
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