segunda-feira, 7 de abril de 2025

Tarifas de Trump vão aumentar custo de vida e não baixar inflação, afirma especialista

pacote de tarifas anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta semana “vai aumentar o custo de vida, o que não corresponde à promessa de Trump de abaixar a inflação”. Essa é a avaliação de Rafael Ioris, historiador e professor da Universidade de Denver.

A Opera Mundi, Ioris apontou que o republicano acredita que a medida tarifária é uma “maneira de proteger a indústria e a atividade econômica dos Estados Unidos”, atraindo o “capital e trazer de volta as empresas norte-americanas que foram produzir em outros países ao longo dos últimos 30 anos”.

“Vai levar, provavelmente, à uma guerra comercial que se escala. Não trará, necessariamente, novos empregos, o que pode acontecer em alguns setores, mas, no geral, as medidas vão criar um descontentamento grande por causa do aumento do custo de vida, gerando uma atenção no aumento da inflação que já estava alta nos últimos tempos, e isso deve continuar”, disse.

Ele também destacou o impacto das medidas em um contexto de rivalidade entre os Estados Unidos e a China, afirmando que o Brasil deve enxergar a disputa como uma oportunidade. Em sua avaliação, frente aos ataques, os organismos multilaterais precisam se fortalecer e, neste aspecto, o BRICS tem um papel essencial.

<><> Leia a entrevista:

·        Donald Trump encampou essa campanha tarifária ao voltar para a Presidência dos EUA, falando em fazer justiça à economia do país. Qual o intuito deste tarifaço? O que quer com essas medidas?

Rafael Ioris: é preciso compreender a lógica de Donald Trump. Ela vem dos anos 80, quando ele se torna uma figura pública, celebridade midiática, um empresário e não um político, em um contexto nos Estados Unidos muito baseado no contexto dos anos 80, quando a competitividade tecnológica e industrial do país estava em relativo declínio frente à ascensão da Alemanha e, especialmente, do Japão.

Havia, naquele momento, uma discussão muito forte sobre as tarifas e o protecionismo para defender a indústria nacional norte-americana, que não deu resultado porque no final daquela década começou a se profundar o processo de globalização. Mas existia essa lógica protecionista, particularmente, entre os republicanos.

Naquela época, Trump não era muito ligado ao Partido Republicano, mas, a formação política dele, a sua visão de mundo vem dali. Diversas vezes, durante a campanha, ele disse considerar “charge” [tarifas], a palavra mais bonita da língua inglesa. Ele realmente acha que isso vai ser uma maneira de proteger a indústria e a atividade econômica dos Estados Unidos, de atrair o capital e trazer de volta as empresas norte-americanas que foram produzir em outros países ao longo dos últimos 30 anos.

·        Essa estratégia da guerra tarifária faz sentido para a realidade econômica dos EUA? Ela pode gerar algum benefício real na vida dos trabalhadores empobrecidos que votaram no Trump achando que ele vai recuperar a economia, ou é só pra cumprir uma promessa de campanha sem se importar muito com as consequências a médio ou longo prazo?

Não, assim como não gerou, nos anos 80, a redefinição da economia norte-americana promovida por [Ronald] Reagan, com base em juros altos, que, em última análise, levaria à própria desindustrialização.

Trump não quer o aumento de juros, ele quer o dólar mais barato para exportar mais e trazer os capitais de fora, mas ele acredita que tem de proteger a economia norte-americana, “America First”, e reestabelecer a hegemonia do país frente às mudanças dos últimos anos na economia global e com o processo de ascensão da China como uma grande potência industrial e agora tecnológica.

Existe uma percepção, não só de Trump mas do establishment norte-americano como um todo, político, econômico, das elites empresariais, de que realmente eles estão perdendo a competitividade em setores como o de carros elétricos, como a Tesla do Elon Musk, a última coisa que eles tinham para dizer que era bom, da inteligência artificial, da área de tecnologia digital. A China tem desbancado [os Estados Unidos] em todas essas áreas. Então, há essa percepção de que é preciso reagir.

Trump tem uma visão, que considero anacrônica, porque as empresas norte-americanas estão produzindo fora e elas se beneficiaram com isso. Além disso, nessa economia global, com desemprego e tudo mais, baixou para o consumidor médio norte-americano ter acesso ao iPhone e outras coisas, por exemplo.

Então, além desse impacto, [as medidas] não vão trazer essas empresas de volta e nem reconstruir a base industrial, imagine a GM trazer uma planta inteira do México, por exemplo. Leva anos e envolve muito dinheiro. Trump não terá essa resposta no curto prazo.

Vai aumentar o custo de vida, o que não corresponde à promessa de Trump de baixar a inflação; e vai levar, provavelmente, à uma guerra comercial que se escala. Não trará, necessariamente, novos empregos, o que pode acontecer em alguns setores, mas, no geral, as medidas vão criar um descontentamento grande por causa do aumento do custo de vida, gerando uma atenção no aumento da inflação que já estava alta nos últimos tempos, e isso deve continuar.

Trump vai permanecer martelando que isso é uma coisa boa para a economia. Ele está muito aguerrido nisso. Algumas empresas prometeram que vão voltar e abrir novas plantas, então, alguns empregos, pelo menos até o final do ano, talvez sejam criados. E Trump vai se agarrar nisso para manter esta política.

Mas não acredito em reversão das medidas em curto prazo, a menos que a inflação de fato exploda e que o descontentamento aumente muito rápido. A base trumpista continuará aliada e o apoiando. Trump vai se apegar a essa política. No médio prazo, é muito difícil que ele renuncie a isso, salvo se, de fato, aumentar demais o desemprego, a recessão, o custo de vida e se a bolsa continuar caindo como vem acontecendo, uma queda de 10% a 15% nos últimos dois meses.

Há, portanto, uma preocupação muito grande. A confiança do consumidor está em queda e as pessoas estão muito preocupadas. É contexto político e econômico complicado, mas Trump vai continuar, porque ele está muito apegado a esta ideia.

·        Na quarta, Trump anunciou as tarifas para diversos países e parceiros comerciais. A China foi uma das mais atingidas e prometeu retaliação. O que pode fazer Pequim nesse caso?

O que a China pode fazer? Não sou especialista em China, mas eles prometeram que vão responder à altura. Havia uma expectativa de que os Estados Unidos entrariam em guerra com a China, vista como a grande rival, talvez até inimiga nas próximas décadas, mas Trump, neste caso, desacelera a possibilidade dessa confrontação.

Ele vai promover a guerra comercial, vai bater, mas penso que ele faz isso para tentar negociar com a China. No seu discurso, ele elogiou o Xi Jinping várias vezes. Ele respeita a China por sua ascensão, tem a noção de que o país está indo muito bem. A ideia do “vencedor”, do ganhador, do país emergente, do líder forte, é o que tem de ser admirado. Ele tem essa admiração, acho que genuína, não pela China, mas pela capacidade do Xi Jinping na ascensão chinesa e, inclusive do autoritarismo, da capacidade de mandar na sociedade chinesa de maneira muito clara, sem grandes questionamentos internos.

Ele quer muito negociar com a China, agora, se vai haver negociação e ele bateu muito na China, é uma pergunta. Muita coisa será definida em relação a essa relação bilateral com impacto no mundo. Por um lado negativo, nos países do Sul Global, mas, ao mesmo tempo, isso pode abrir espaços para um país como o Brasil se posicionar nessa disputa e tentar barganhar em ambos os lados.

Em relação à Rússia, por exemplo, existem várias sanções e medidas contra o país colocadas em prática pelos Estados Unidos nos últimos anos. Trump quer ter esse diálogo com Putin também e pelas mesmas razões, penso, pelas quais ele admira, em grande parte, o Xi Jinping. Mas ele quer esse espaço da negociação com a Rússia, porque realmente quer acabar com a Guerra da Ucrânia e ter uma boa relação com o Putin para distanciar a Rússia da China, vista como a grande rival.

Então, não surpreende que ela não tenha sancionado a Rússia, com novas sanções ou tarifas, até porque já existem muitas sanções. Agora, essa história de que Trump é um homem do Putin, não creio que se trate disso, mas sim, é um caso único que precisa ser pensado de uma maneira separada.

·        O Brasil foi taxado em 10% no anúncio do pacote, mas junto tem também as tarifas contra aço e alumínio. Por quais caminhos o governo Lula pode andar? A PL de reciprocidade comercial faz sentido?

É um contexto internacional que está mudando, temos que pensar nisso como um momento difícil, complicado e desafiador, mas também como uma oportunidade, porque nessa rivalidade crescente, econômica e geopolítica, entre China e Estados Unidos, o Brasil não deve tomar lado, mas tomar o seu próprio lado.

A questão da reciprocidade é complicada. Em geral, o Brasil tende diplomaticamente a ter reciprocidade em relação a vistos e tarifas, que parece interessante, em termos de soberania e orgulho nacional, mas é preciso pensar se é realmente a melhor opção você entrar na lógica de uma reciprocidade absoluta, universal, com um país diante do qual você é, de fato, desigual e não tem a mesma capacidade?

A questão do visto, por exemplo, não é mais interessante facilitar a entrada dos norte-americanos no Brasil? O mesmo se estende à questão comercial.

·        Assim como o Brasil, outros países afetados também planejam como se portar diante das medidas. Essa guerra comercial de fato está se instaurando?

A guerra comercial já existe e está crescendo, o que vai gerar reflexões muito importantes para a economia global. O crescimento vai diminuir, se não tivermos mesmo uma recessão da economia global, impactando mais alguns países do que outros, principalmente os países em desenvolvimento. O Vietnã foi muito impactado, um país que vem indo muito bem nos últimos tempos. A Índia também. Isso é muito preocupante porque vai, de fato, recolocar as relações da ordem internacional e não de uma maneira mais inclusiva, como deveria ser.

É um processo preocupante para os organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), onde o Brasil tem uma capacidade grande de defender os seus interesses. Trump parte para o protecionismo, para o unilateralismo, para desconstruir a possibilidade de espaços de diálogo como o G20, a OMC, onde os países em desenvolvimento têm, de fato, espaço para se contrapor às grandes potências econômicas e militares, como Estados Unidos.

É exatamente isso o que o Trump não quer, ele enfraquece os organismos multilaterais. Ameaçou, de forma muito dura, o BRICS. Vamos ter um contexto de relações internacionais muito mais de confrontação. Vai ser muito ruim, mesmo que sejamos críticos à globalização neoliberal. O que precisamos é de mais diálogo entre os países, o G20 e o BRICS, para repensarmos o ordenamento de uma maneira multilateral, não com o protecionismo e unilateralismo como Trump está colocando.

Será muito ruim para a capacidade diplomática do Brasil navegar nisso nos próximos tempos. O papel do BRICS será chave nessa situação e o Brasil terá de ter uma voz muito forte dentro do bloco, porque, por um lado, a China e Rússia apoiam o BRICS, mas se o Trump está em busca de um relacionamento direto bilateral com a Rússia e com a China, isso pode diminuir o interesse desses países no bloco, portanto, é tão chave o Brasil e a Índia defenderem os organismos multilaterais dos países do Sul Global.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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