Tarifas de Trump vão aumentar custo de vida e
não baixar inflação, afirma especialista
O pacote de tarifas anunciado pelo
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta semana “vai aumentar o
custo de vida, o que não corresponde à promessa de Trump de abaixar a
inflação”. Essa é a avaliação de Rafael Ioris, historiador e professor da
Universidade de Denver.
A Opera
Mundi, Ioris apontou que o republicano acredita que a medida tarifária é uma
“maneira de proteger a indústria e a atividade econômica dos Estados Unidos”,
atraindo o “capital e trazer de volta as empresas norte-americanas que foram
produzir em outros países ao longo dos últimos 30 anos”.
“Vai
levar, provavelmente, à uma guerra comercial que se escala. Não trará,
necessariamente, novos empregos, o que pode acontecer em alguns setores, mas,
no geral, as medidas vão criar um descontentamento grande por causa do aumento
do custo de vida, gerando uma atenção no aumento da inflação que já estava alta
nos últimos tempos, e isso deve continuar”, disse.
Ele
também destacou o impacto das medidas em um contexto de rivalidade entre os
Estados Unidos e a China, afirmando que o Brasil deve enxergar a
disputa como uma oportunidade. Em sua avaliação, frente aos ataques, os
organismos multilaterais precisam se fortalecer e, neste aspecto, o BRICS tem um papel
essencial.
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Leia a entrevista:
·
Donald Trump encampou essa campanha tarifária ao voltar
para a Presidência dos EUA, falando em fazer justiça à economia do país. Qual o
intuito deste tarifaço? O que quer com essas medidas?
Rafael
Ioris:
é preciso compreender a lógica de Donald Trump. Ela vem dos anos 80, quando ele
se torna uma figura pública, celebridade midiática, um empresário e não um
político, em um contexto nos Estados Unidos muito baseado no contexto dos anos
80, quando a competitividade tecnológica e industrial do país estava em
relativo declínio frente à ascensão da Alemanha e, especialmente, do Japão.
Havia,
naquele momento, uma discussão muito forte sobre as tarifas e o protecionismo
para defender a indústria nacional norte-americana, que não deu resultado
porque no final daquela década começou a se profundar o processo de
globalização. Mas existia essa lógica protecionista, particularmente, entre os
republicanos.
Naquela
época, Trump não era muito ligado ao Partido Republicano, mas, a formação
política dele, a sua visão de mundo vem dali. Diversas vezes, durante a
campanha, ele disse considerar “charge” [tarifas], a palavra mais bonita da
língua inglesa. Ele realmente acha que isso vai ser uma maneira de proteger a
indústria e a atividade econômica dos Estados Unidos, de atrair o capital e
trazer de volta as empresas norte-americanas que foram produzir em outros
países ao longo dos últimos 30 anos.
·
Essa estratégia da guerra tarifária faz sentido para a
realidade econômica dos EUA? Ela pode gerar algum benefício real na vida dos
trabalhadores empobrecidos que votaram no Trump achando que ele vai recuperar a
economia, ou é só pra cumprir uma promessa de campanha sem se importar muito
com as consequências a médio ou longo prazo?
Não,
assim como não gerou, nos anos 80, a redefinição da economia norte-americana
promovida por [Ronald] Reagan, com base em juros altos, que, em última análise,
levaria à própria desindustrialização.
Trump
não quer o aumento de juros, ele quer o dólar mais barato para exportar mais e
trazer os capitais de fora, mas ele acredita que tem de proteger a economia
norte-americana, “America First”, e reestabelecer a hegemonia do país frente às
mudanças dos últimos anos na economia global e com o processo de ascensão da
China como uma grande potência industrial e agora tecnológica.
Existe
uma percepção, não só de Trump mas do establishment norte-americano como um
todo, político, econômico, das elites empresariais, de que realmente
eles estão perdendo a competitividade em setores como o de carros elétricos,
como a Tesla do Elon Musk, a última coisa que eles tinham para dizer que era
bom, da inteligência artificial, da área de tecnologia digital. A China tem
desbancado [os Estados Unidos] em todas essas áreas. Então, há essa percepção
de que é preciso reagir.
Trump
tem uma visão, que considero anacrônica, porque as empresas norte-americanas
estão produzindo fora e elas se beneficiaram com isso. Além disso, nessa
economia global, com desemprego e tudo mais, baixou para o consumidor médio
norte-americano ter acesso ao iPhone e outras coisas, por exemplo.
Então,
além desse impacto, [as medidas] não vão trazer essas empresas de volta e nem
reconstruir a base industrial, imagine a GM trazer uma planta inteira do
México, por exemplo. Leva anos e envolve muito dinheiro. Trump não terá essa
resposta no curto prazo.
Vai
aumentar o custo de vida, o que não corresponde à promessa de Trump de baixar a
inflação; e vai levar, provavelmente, à uma guerra comercial que se escala. Não
trará, necessariamente, novos empregos, o que pode acontecer em alguns setores,
mas, no geral, as medidas vão criar um descontentamento grande por causa do
aumento do custo de vida, gerando uma atenção no aumento da inflação que já
estava alta nos últimos tempos, e isso deve continuar.
Trump
vai permanecer martelando que isso é uma coisa boa para a economia. Ele está
muito aguerrido nisso. Algumas empresas prometeram que vão voltar e abrir novas
plantas, então, alguns empregos, pelo menos até o final do ano, talvez sejam
criados. E Trump vai se agarrar nisso para manter esta política.
Mas não
acredito em reversão das medidas em curto prazo, a menos que a inflação de fato
exploda e que o descontentamento aumente muito rápido. A base trumpista
continuará aliada e o apoiando. Trump vai se apegar a essa política. No médio
prazo, é muito difícil que ele renuncie a isso, salvo se, de fato, aumentar
demais o desemprego, a recessão, o custo de vida e se a bolsa continuar caindo
como vem acontecendo, uma queda de 10% a 15% nos últimos dois meses.
Há,
portanto, uma preocupação muito grande. A confiança do consumidor está em queda
e as pessoas estão muito preocupadas. É contexto político e econômico
complicado, mas Trump vai continuar, porque ele está muito apegado a esta
ideia.
·
Na quarta, Trump anunciou as tarifas para diversos países
e parceiros comerciais. A China foi uma das mais atingidas e prometeu
retaliação. O que pode fazer Pequim nesse caso?
O que a
China pode fazer? Não sou especialista em China, mas eles prometeram que vão
responder à altura. Havia uma expectativa de que os Estados Unidos entrariam em
guerra com a China, vista como a grande rival, talvez até inimiga nas próximas
décadas, mas Trump, neste caso, desacelera a possibilidade dessa confrontação.
Ele vai
promover a guerra comercial, vai bater, mas penso que ele faz isso para tentar
negociar com a China. No seu discurso, ele elogiou o Xi Jinping várias vezes.
Ele respeita a China por sua ascensão, tem a noção de que o país está indo
muito bem. A ideia do “vencedor”, do ganhador, do país emergente, do líder
forte, é o que tem de ser admirado. Ele tem essa admiração, acho que genuína,
não pela China, mas pela capacidade do Xi Jinping na ascensão chinesa e,
inclusive do autoritarismo, da capacidade de mandar na sociedade chinesa de
maneira muito clara, sem grandes questionamentos internos.
Ele
quer muito negociar com a China, agora, se vai haver negociação e ele bateu
muito na China, é uma pergunta. Muita coisa será definida em relação a essa
relação bilateral com impacto no mundo. Por um lado negativo, nos países do Sul
Global, mas, ao mesmo tempo, isso pode abrir espaços para um país como o Brasil
se posicionar nessa disputa e tentar barganhar em ambos os lados.
Em
relação à Rússia, por exemplo, existem várias sanções e medidas contra o país
colocadas em prática pelos Estados Unidos nos últimos anos. Trump quer ter esse
diálogo com Putin também e pelas mesmas razões, penso, pelas quais ele admira,
em grande parte, o Xi Jinping. Mas ele quer esse espaço da negociação com a
Rússia, porque realmente quer acabar com a Guerra da Ucrânia e ter uma boa
relação com o Putin para distanciar a Rússia da China, vista como a grande
rival.
Então,
não surpreende que ela não tenha sancionado a Rússia, com novas sanções ou
tarifas, até porque já existem muitas sanções. Agora, essa história de que
Trump é um homem do Putin, não creio que se trate disso, mas sim, é um caso
único que precisa ser pensado de uma maneira separada.
·
O Brasil foi taxado em 10% no anúncio do pacote, mas
junto tem também as tarifas contra aço e alumínio. Por quais caminhos o governo
Lula pode andar? A PL de reciprocidade comercial faz sentido?
É um
contexto internacional que está mudando, temos que pensar nisso como um momento
difícil, complicado e desafiador, mas também como uma oportunidade, porque
nessa rivalidade crescente, econômica e geopolítica, entre China e Estados
Unidos, o Brasil não deve tomar lado, mas tomar o seu próprio lado.
A
questão da reciprocidade é complicada. Em geral, o Brasil tende
diplomaticamente a ter reciprocidade em relação a vistos e tarifas, que parece
interessante, em termos de soberania e orgulho nacional, mas é preciso pensar
se é realmente a melhor opção você entrar na lógica de uma reciprocidade
absoluta, universal, com um país diante do qual você é, de fato, desigual e não
tem a mesma capacidade?
A
questão do visto, por exemplo, não é mais interessante facilitar a entrada dos
norte-americanos no Brasil? O mesmo se estende à questão comercial.
·
Assim como o Brasil, outros países afetados também
planejam como se portar diante das medidas. Essa guerra comercial de fato está
se instaurando?
A
guerra comercial já existe e está crescendo, o que vai gerar reflexões muito
importantes para a economia global. O crescimento vai diminuir, se não tivermos
mesmo uma recessão da economia global, impactando mais alguns países do que
outros, principalmente os países em desenvolvimento. O Vietnã foi muito
impactado,
um país que vem indo muito bem nos últimos tempos. A Índia também. Isso é muito
preocupante porque vai, de fato, recolocar as relações da ordem internacional e
não de uma maneira mais inclusiva, como deveria ser.
É um
processo preocupante para os organismos multilaterais, como a Organização
Mundial do Comércio (OMC), onde o Brasil tem uma capacidade grande de defender
os seus interesses. Trump parte para o protecionismo, para o unilateralismo,
para desconstruir a possibilidade de espaços de diálogo como o G20, a OMC, onde
os países em desenvolvimento têm, de fato, espaço para se contrapor às grandes
potências econômicas e militares, como Estados Unidos.
É
exatamente isso o que o Trump não quer, ele enfraquece os organismos multilaterais.
Ameaçou, de forma muito dura, o BRICS. Vamos ter um contexto de relações
internacionais muito mais de confrontação. Vai ser muito ruim, mesmo que
sejamos críticos à globalização neoliberal. O que precisamos é de mais diálogo
entre os países, o G20 e o BRICS, para repensarmos o ordenamento de uma maneira
multilateral, não com o protecionismo e unilateralismo como Trump está
colocando.
Será
muito ruim para a capacidade diplomática do Brasil navegar nisso nos próximos
tempos. O papel do BRICS será chave nessa situação e o Brasil terá de ter uma
voz muito forte dentro do bloco, porque, por um lado, a China e Rússia apoiam o
BRICS, mas se o Trump está em busca de um relacionamento direto bilateral com a
Rússia e com a China, isso pode diminuir o interesse desses países no bloco,
portanto, é tão chave o Brasil e a Índia defenderem os organismos multilaterais
dos países do Sul Global.
Fonte: Opera Mundi
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