sábado, 5 de abril de 2025

Por que a popularidade do governo Lula não para de cair?

Uma velha piada dizia que, se um economista precisasse definir a situação econômica de um país em uma palavra, responderia: "boa". Se desafiado em duas: "muito boa". Por fim, se pudesse definir em três: "não muito boa".

Há algo na piada que ajuda a entender a atual situação do país. Apesar de alguns índices econômicos estarem com uma relativa melhora, como, por exemplo, o PIB ou o desemprego, as consecutivas quedas na aprovação do governo Lula estão colocando o Planalto de cabelo em pé e grande parte dos analistas políticos sem resposta.

A pesquisa da Genial/Quaest, realizada no final de março, mostra que a insatisfação da população com o governo Lula atingiu um novo patamar, com 56% dos entrevistados desaprovando a maneira como o país está sendo conduzido. Esse é o pior índice desde o início do mandato e a primeira vez que a reprovação ultrapassa a marca dos 50%. A aprovação, por sua vez, caiu para 41%, enquanto 3% não souberam ou não quiseram opinar.

Isso ocorre porque os números, em si mesmos, podem não revelar muita coisa. Ou pior, podem esconder uma realidade. Para além dos dados, há uma realidade concreta, que está cada vez menos subterrânea, e só não a vê quem não quer.

Como explicar o contraste existente entre as taxas de desemprego históricas e os recorrentes fenômenos no mundo do trabalho que emergem pelos quatro cantos do país? Quem se apega aos dados e ignora o enorme fenômeno social contra a escala 6x1 não está entendendo nada.

Se isso ainda era pouco, a enorme quantidade de motocas mobilizados nas principais e maiores cidades do país – e em outras tantas do interior – lutando por melhores condições de emprego deveria servir como advertência final.

Pior ainda são aqueles que se abraçam ao PIB para lançar mistério sobre o que acontece no país. Como dizia uma famosa economista: "PIB não se come". Enquanto isso, aquilo que de fato se come, e que está rotulado na prateleira de cada mercado, varejão, feira ou vendinha, está cada vez mais caro.

Não é um acaso que a Genial/Quaest também revele que quase nove em cada dez entrevistados afirmam que os alimentos estão mais caros, e mais de 80% sentem que seu poder de compra diminuiu no último ano.

Nem dizer dos que não viram, ou não quiseram ver, o grande repúdio à violência policial que ocorreu no final de 2024. Após cenas grotescas, com trabalhador sendo jogado da ponte, jovem sendo executado por pegar um sabão de lavar roupas, entre outras tantas, vimos um grande mal-estar social contra a violência estatal, que talvez não se via desde a morte de Amarildo – um pedreiro que foi executado e desapareceu pelas mãos da polícia em 2013.

Não fosse suficiente, estamos vendo um primeiro momento de despertar de importantes processos de luta das mais diferentes categorias. As universidades federais marcaram um momento, sucedido de importantes e fortes mobilizações em petroleiros, na educação, no setor de transportes e nos canteiros de obras. Várias dessas categorias, vale dizer, votaram em Lula nas últimas eleições.

E agora, voltando à última pesquisa, um dos sintomas mais expressivos é a queda em segmentos que eram apoiadores de Lula e que foram decisivos para sua eleição.

No Nordeste, a diferença entre aprovação e desaprovação era de 35 pontos em dezembro de 2024 e agora caiu para 6 pontos. Entre as mulheres, a desaprovação chegou a 53%, ultrapassando os 43% de aprovação. Entre os brasileiros com renda de até dois salários mínimos, a diferença entre aprovação e desaprovação, que era de 43 pontos, foi para 7.

E quais conclusões podemos tirar desses números?

Que um dos grandes fatores que explicam a queda da popularidade de Lula são os resultados dos arranjos e compromissos que ele articulou e construiu em seu terceiro mandato.

E nunca é demais lembrar. Todas as reformas e ataques aprovados desde o governo Temer estão de pé, como a reforma trabalhista que destruiu direitos históricos.

Nem falar das outras, como a da previdência, a do Ensino Médio, e a própria proposição do Arcabouço Fiscal, que nada mais é do que uma coleira de estrangulamento permanente dos recursos públicos.

Esse é o reflexo concreto da política que denominamos conciliação de classes. Para receber o apoio de quem recebeu e governar com quem governa, Lula não pode e não quer mexer nesses pontos. A Frente é Ampla para quem tem muito dinheiro. Para quem não tem, é reforma e corte de gastos, o que na prática se traduz na precarização das condições de vida.

A ironia histórica é que o argumento de que a Frente Ampla varreria o bolsonarismo está se mostrando o seu contrário. A conciliação de classes preserva e fortalece esse projeto reacionário, independentemente de ser Bolsonaro a cabeça dele.

O PAC do Lula já entregou nada menos do que 10 bilhões para Tarcísio de Freitas, que vem utilizando essas verbas para atacar serviços públicos e promover privatizações, como tem levado a frente na cidade de São Paulo. E agora, até mesmo José Dirceu reconheceu que Tarcísio de Freitas é o preferido das elites, muito mais do que Bolsonaro, mantendo todo esse projeto reacionário.

Uma expressão de que o judiciário, mesmo que agora volte suas ações contra Bolsonaro e seus aliados mais próximos, não só se mostra incapaz de conter o bolsonarismo, como foi um dos principais responsáveis por sua ascensão – seja durante o golpe institucional de 2016, seja pela prisão arbitrária de Lula, que pavimentou o caminho para o avanço da extrema-direita.

Como dissemos ainda em fevereiro, o conjunto da obra do que vemos hoje no Brasil apresentava elementos de fim de ciclo dos governos do PT. Tudo isso em um contexto do agravamento da crise do que denominamos "lulismo senil", em referência não à idade biológica de sua principal figura, mas à precariedade das condições estruturais de tentar reeditar um projeto hegemônico como o lulismo em sua versão original.

Trocando em miúdos, não há boom das commodities nem crédito saindo pelo ladrão. Os padrões de acumulação de capital não permitem aumentos exponenciais das taxas de lucro, acompanhados do aumento da massa salarial e do consumo. Ao contrário, o cenário mundial é de crescente "nacionalismo econômico", com guerras comerciais e taxações de grande monta que vão atingir com grande força o país.

Nesse cenário, é difícil vislumbrar uma possibilidade de reversão dessas tendências, ainda que ela nunca possa ser descartada. Lula é hábil em tentar alternativas, por mais estreitas que elas possam ser.

Ao fim e ao cabo, não dá para ficar de braços cruzados esperando a deterioração desse governo. Menos ainda aceitar um ciclo de alternância entre governos de extrema-direita e coalizões ditas democráticas. Por aproximações sucessivas, quem sempre sai perdendo são as grandes maiorias populares. Só uma saída dos trabalhadores pode apontar um caminho independente.

¨      A imagem trincada de Lula

A última pesquisa divulgada, aponta um salto na reprovação do governo, de 49% a 56%, e a aprovação caiu de 47% para 41%, no curto intervalo de janeiro a fevereiro. Mas talvez um dos pontos mais importantes seja que a própria força da imagem de Lula foi questionada.

Dos entrevistados, 50% acham que as aparições de Lula pioraram a percepção que elas têm do governo, ante a 31% que dizem ter melhorado a sua percepção e 13% que não veem melhora nem piora. Um sinal bastante ruim que indica um enfraquecimento relativo da imagem de Lula perante suas próprias bases, que não parecem se convencer pelos discursos do presidente.

E não faltam exemplos de momentos em que Lula gerou desgosto com suas declarações. Como quando falou sobre o aumento do preço dos alimentos, que bastava a população “não comprar” quando “desconfia que tal produto está caro”. É um deboche com o desespero das pessoas de baixa renda que não encontram uma cesta de ovos por menos de R$25,00 ou mais. Para não mencionar as inúmeras declarações machistas, que talvez expliquem porque as mulheres agora têm maioria de desaprovação do governo, chegando próximo aos números da rejeição masculina.

Um enfraquecimento que pode ser mais difícil de reverter do que em outros momentos da história, como durante o escândalo do mensalão no seu primeiro mandato. Em 2005 Lula e o PT foram capazes de não só evitar uma bancarrota como dar bases para o lulismo, substituindo o apoio de setores médios pelo de setores mais precarizados da população, só que em uma conjuntura econômica internacional muito mais favorável que a de agora.

A idade avançada de Lula não é a única preocupação em torno da possibilidade dele se reeleger em 2026, o desgaste da sua figura também é. O que pode representar uma mudança histórica para o regime político brasileiro, com um dos seus maiores representantes incapaz de manter o apoio de suas próprias bases.

Ainda que Lula siga carregando um capital político importante e não está descartado que possa se recuperar, as próprias políticas do governo para conter a inflação dos alimentos, gerar crédito ao trabalhador e isentar o imposto para rendas mais baixas, ou a retomada do Minha Casa MInha Vida e programas de renda como o Pé de Meia, não estão dando o resultado esperado. Em especial nos setores que foram base tradicional do lulismo, os índices de desaprovação só crescem, dados que Danilo Paris analisou com mais detalhes no seu artigo.

Enquanto isso, o pacto de Lula com Tarcísio de Freitas, que se materializou em 10 bilhões ao governador paulista em verbas do PAC, usadas para a privatização do metrô de SP e atacar outros serviços públicos, contribuiu para o fortalecimento desse asqueroso filhote do Bolsonaro. Tido pelo próprio José Dirceu como o preferido das elites nas próximas eleições.

Diante desse cenário, há dois caminhos para a esquerda seguir. Ou o de seguir apostando na defesa de um “mal menor”, falseando uma imagem positiva do governo para a população, e até mesmo sendo parte de aplicar seus ajustes, como tem feito o PSOL. Ou se apoiar em cada demonstração de retomada de aspirações pelos trabalhadores para erguer uma forte oposição de esquerda ao governo Lula, que lute pelo fim da escala 6x1 e pela redução da jornada de trabalho para 30h, assim como pela revogação do Arcabouço Fiscal e todas as reformas neoliberais.

O fenômeno contra a escala 6x1 é um dos sintomas mais evidentes de que não importam os índices de baixo desemprego, de aumento do PIB, se o trabalho é cada vez mais degradante no país. A vitória da luta indígena no Pará, ao lado dos professores, as greves do funcionalismo, com destaque para a luta na Petrobrás, mas também com o breque dos aplicativos dessa semana mostrando o potencial explosivo dos setores mais precarizados da nossa classe, indicam a força social e política que é precisa se colocar em cena para dar um rumo à esquerda no cenário político.

¨      Lula conseguirá, por meio de medidas eleitorais, conter a crise estrutural do seu governo?

No último período, um dos focos do governo Lula tem sido pensar iniciativas para combater, em algum nível, as principais causas da queda de sua popularidade, principalmente em setores que anteriormente lhe garantiam um bom índice de aprovação, e ficar melhor localizado para as disputas eleitorais de 2026.

No dia 06 de março o governo federal anunciou “seis medidas para reduzir o preço dos alimentos” com o intuito de zerar as alíquotas de importação de carne, açúcar, milho, biscoitos, massas, farinha, óleo de cozinha e azeite de oliva. No mesmo sentido pensaram-se negociações com os governadores dos estados para que o tributos sobre os alimentos fossem zerados, pois ainda há unidades da federação que cobram ICMS de alimentos básicos. O governo Lula também planejou editar uma medida provisória que permite a liberação do FGTS aos trabalhadores que tenham sido demitidos e que já tenham aderido à modalidade de saque-aniversário e representar o auxílio-gás no Congresso com o objetivo de fornecer gás gratuitamente a 22 milhões de famílias, porém a existência da verba para tal iniciativa está subordinada ao corte de R$7,7 bilhões do Bolsa Família no Orçamento de 2025.

Tais iniciativas, dentre outras que serão destacadas neste artigo, não alteram a estratégia mais profunda seguida por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores: a conciliação de classes, linha que do ponto de vista estrutural mantém a sociedade como sempre foi no capitalismo, ganha quem já tem muito e quem tem pouco batalha a cada dia vendendo sua força de trabalho para sobreviver. Vale destacar que essa escolha permeou a história política de Lula e grande parte da trajetória do PT, fato importante para entender todas as ações aparentemente contraditórias do governo mas que de modo geral estão dentro do que seria, então, esperado.

Foi anunciado que o Plano Safra 2025-2026 terá foco no estímulo à produção de alimentos e no fortalecimento da política de estoques reguladores. Tem-se que aguardar para ver o quanto essa proposta permitirá algum tipo de retorno para à população pobre, porém a política que vimos ser levada até agora por Lula foi a aprovação do maior Plano Safra da história para 2024-2025 com R$300,59 bilhões disponibilizados para médios e grandes produtores rurais, além do anúncio de Haddad de crédito extraordinário de R$4 bilhões para resolver impasses de linhas de crédito subvencionadas do Plano Safra, medidas que atendem aos interesses dos grandes empresários do agronegócio enquanto possibilita ataques ao meio ambiente e aos povos originários.

Outra medida que tem ganhado as capas dos jornais é a tentativa de aprovar a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$5 mil reais mensais. Vale ressaltar que atualmente quem ganha acima de R$4.664,68 possui um desconto de IR de 27,5% no salário e não leva-se em consideração que após essa faixa de renda existe uma enorme diferença nos ganhos mensais nos diferentes setores da população, pois no Brasil quem ganha mais paga proporcionalmente menos imposto. Tal aspecto é mais um dos elementos que expressam a desigualdade social do país que segue existindo por meio das próprias leis e ações dos governos, que trabalham para atender aos interesses do capital financeiro.

O Consignado para CLTs é mais uma aposta de Lula para dialogar com o setor que não está conseguindo arcar com as necessidades financeiras. Em um país onde os bancos lucram absurdamente todos os anos, e o próprio Lula já disse que em seu governo os banqueiros e empresários nunca lucraram tanto, refletir medidas de empréstimos em que os trabalhadores possam pagar juros menores é uma aposta do governo que há de se ver o quanto irá de fato emplacar. Em relação aos lucros estrondosos dos bancos nos governos Lula, tal fato não é somente uma fala de marketing do atual presidente mas é totalmente verdadeira. Realizando comparações, a partir de levantamento feito pelo jornal Valor Econômico com base em dados dos 50 maiores bancos, mas que não incluem o primeiro semestre do governo FHC, os bancos lucraram 279,9 bilhões de reais nos dois primeiros mandatos do governo Lula nos anos 2000, contra 34,4 bilhões de reais do mandato do seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, ou seja, 8 vezes mais. Em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula, de acordo com relatório sobre economia bancária preparada pelo Banco Central, o lucro líquido dos bancos brasileiros somou cerca de R$144 bilhões, o equivalente a pouco mais de 4% sobre a quantia obtida no ano anterior, de R$139 bilhões, com o número representando um novo recorde histórico para o setor. Enquanto isso, a população amarga com a alta nos preços de itens básicos e trabalha em postos de trabalho cada vez mais precários.

Outra medida do governo federal, de acordo com levantamento feito inicialmente pelo Drive/Poder360 e depois confirmado pela CNN, mostra a injeção de, pelo menos, R$31,2 bilhões na economia do país até o ano de 2026. Como parte dessa medida está o Programa Pé-de-meia e a gratuidade dos 41 medicamentos do programa Farmácia Popular. Tais ações ocorrem no cenário de uma importante crise do governo Lula que envolve a queda de sua popularidade e da aprovação de seu governo por causa de uma série de fatores nacionais e internacionais, mas também construída pelo próprio governo Lula que deferiu até hoje inúmeros ataques aos trabalhadores e aos setores oprimidos, como o Arcabouço Fiscal que ataca diretamente à educação e saúde e dá bases para o aumento da privatização dos serviços públicos, além de não revogar medidas passadas anteriormente como a Reforma Trabalhista e Lei da Terceirização Irrestrita, aprovadas no governo do golpe institucional de Michel Temer, e a Reforma da Previdência do governo Bolsonaro, assim como leva à frente a Nova Reforma do Ensino Médio com mudanças em um sentido cosmético que não alteram a raiz da Reforma que aprofunda o sucateamento da educação e dá bases para que governadores bolsonaristas e da direita se apoiem para atacar os educadores e alunos, como é o caso de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, que já implementa o NEM, institui a plataformização e privatização das escolas e se sente fortalecido para levar à frente seu projeto das escolas cívicos militares.

Demandas como a defesa de um salário mínimo de acordo com o valor estipulado pelo DIEESE (R$7.156,15 para sustentar uma família de quatro pessoas, de acordo com cálculos realizados em janeiro de 2025), aumento de salário de acordo com a inflação, produção de alimentos para atender as necessidades de toda a população em uma relação harmônica com a natureza, revogação das Reformas que atacam os trabalhadores e os setores oprimidos e a garantia de quem pague pela crise capitalista seja quem a criou, ou seja, os grandes empresários e o conjunto da burguesia, só serão possíveis de ser alcançadas por meio da luta da classe trabalhadora e dos setores oprimidos de forma independente, sem nenhuma confiança nos governos e na conciliação de classes que somente fortalece a burguesia e serve para desarticular a organização de luta da população.

 

Fonte: Por Danilo Paris, em Esquerda Diário

 

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