Por
que a popularidade do governo Lula não para de cair?
Uma
velha piada dizia que, se um economista precisasse definir a situação econômica
de um país em uma palavra, responderia: "boa". Se desafiado em duas:
"muito boa". Por fim, se pudesse definir em três: "não muito
boa".
Há algo
na piada que ajuda a entender a atual situação do país. Apesar de alguns
índices econômicos estarem com uma relativa melhora, como, por exemplo, o PIB
ou o desemprego, as consecutivas quedas na aprovação do governo Lula estão
colocando o Planalto de cabelo em pé e grande parte dos analistas políticos sem
resposta.
A
pesquisa da Genial/Quaest, realizada no final de março, mostra que a
insatisfação da população com o governo Lula atingiu um novo patamar, com 56%
dos entrevistados desaprovando a maneira como o país está sendo conduzido. Esse
é o pior índice desde o início do mandato e a primeira vez que a reprovação
ultrapassa a marca dos 50%. A aprovação, por sua vez, caiu para 41%, enquanto
3% não souberam ou não quiseram opinar.
Isso
ocorre porque os números, em si mesmos, podem não revelar muita coisa. Ou pior,
podem esconder uma realidade. Para além dos dados, há uma realidade concreta,
que está cada vez menos subterrânea, e só não a vê quem não quer.
Como
explicar o contraste existente entre as taxas de desemprego históricas e os
recorrentes fenômenos no mundo do trabalho que emergem pelos quatro cantos do
país? Quem se apega aos dados e ignora o enorme fenômeno social contra a escala
6x1 não está entendendo nada.
Se isso
ainda era pouco, a enorme quantidade de motocas mobilizados nas principais e
maiores cidades do país – e em outras tantas do interior – lutando por melhores
condições de emprego deveria servir como advertência final.
Pior
ainda são aqueles que se abraçam ao PIB para lançar mistério sobre o que
acontece no país. Como dizia uma famosa economista: "PIB não se
come". Enquanto isso, aquilo que de fato se come, e que está rotulado na
prateleira de cada mercado, varejão, feira ou vendinha, está cada vez mais
caro.
Não é
um acaso que a Genial/Quaest também revele que quase nove em cada dez
entrevistados afirmam que os alimentos estão mais caros, e mais de 80% sentem
que seu poder de compra diminuiu no último ano.
Nem
dizer dos que não viram, ou não quiseram ver, o grande repúdio à violência
policial que ocorreu no final de 2024. Após cenas grotescas, com trabalhador
sendo jogado da ponte, jovem sendo executado por pegar um sabão de lavar
roupas, entre outras tantas, vimos um grande mal-estar social contra a
violência estatal, que talvez não se via desde a morte de Amarildo – um
pedreiro que foi executado e desapareceu pelas mãos da polícia em 2013.
Não
fosse suficiente, estamos vendo um primeiro momento de despertar de importantes
processos de luta das mais diferentes categorias. As universidades federais
marcaram um momento, sucedido de importantes e fortes mobilizações em
petroleiros, na educação, no setor de transportes e nos canteiros de obras.
Várias dessas categorias, vale dizer, votaram em Lula nas últimas eleições.
E
agora, voltando à última pesquisa, um dos sintomas mais expressivos é a queda
em segmentos que eram apoiadores de Lula e que foram decisivos para sua
eleição.
No
Nordeste, a diferença entre aprovação e desaprovação era de 35 pontos em
dezembro de 2024 e agora caiu para 6 pontos. Entre as mulheres, a desaprovação
chegou a 53%, ultrapassando os 43% de aprovação. Entre os brasileiros com renda
de até dois salários mínimos, a diferença entre aprovação e desaprovação, que
era de 43 pontos, foi para 7.
E quais
conclusões podemos tirar desses números?
Que um
dos grandes fatores que explicam a queda da popularidade de Lula são os
resultados dos arranjos e compromissos que ele articulou e construiu em seu
terceiro mandato.
E nunca
é demais lembrar. Todas as reformas e ataques aprovados desde o governo Temer
estão de pé, como a reforma trabalhista que destruiu direitos históricos.
Nem
falar das outras, como a da previdência, a do Ensino Médio, e a própria
proposição do Arcabouço Fiscal, que nada mais é do que uma coleira de
estrangulamento permanente dos recursos públicos.
Esse é
o reflexo concreto da política que denominamos conciliação de classes. Para
receber o apoio de quem recebeu e governar com quem governa, Lula não pode e
não quer mexer nesses pontos. A Frente é Ampla para quem tem muito dinheiro.
Para quem não tem, é reforma e corte de gastos, o que na prática se traduz na
precarização das condições de vida.
A
ironia histórica é que o argumento de que a Frente Ampla varreria o
bolsonarismo está se mostrando o seu contrário. A conciliação de classes
preserva e fortalece esse projeto reacionário, independentemente de ser
Bolsonaro a cabeça dele.
O PAC
do Lula já entregou nada menos do que 10 bilhões para Tarcísio de Freitas, que
vem utilizando essas verbas para atacar serviços públicos e promover
privatizações, como tem levado a frente na cidade de São Paulo. E agora, até
mesmo José Dirceu reconheceu que Tarcísio de Freitas é o preferido das elites,
muito mais do que Bolsonaro, mantendo todo esse projeto reacionário.
Uma
expressão de que o judiciário, mesmo que agora volte suas ações contra
Bolsonaro e seus aliados mais próximos, não só se mostra incapaz de conter o
bolsonarismo, como foi um dos principais responsáveis por sua ascensão – seja
durante o golpe institucional de 2016, seja pela prisão arbitrária de Lula, que
pavimentou o caminho para o avanço da extrema-direita.
Como dissemos ainda em fevereiro, o conjunto da obra
do que vemos hoje no Brasil apresentava elementos de fim de ciclo dos governos
do PT. Tudo isso em um contexto do agravamento da crise do que denominamos
"lulismo senil", em referência não à idade biológica de sua principal
figura, mas à precariedade das condições estruturais de tentar reeditar um
projeto hegemônico como o lulismo em sua versão original.
Trocando
em miúdos, não há boom das commodities nem crédito saindo pelo ladrão. Os
padrões de acumulação de capital não permitem aumentos exponenciais das taxas
de lucro, acompanhados do aumento da massa salarial e do consumo. Ao contrário,
o cenário mundial é de crescente "nacionalismo econômico", com
guerras comerciais e taxações de grande monta que vão atingir com grande força
o país.
Nesse
cenário, é difícil vislumbrar uma possibilidade de reversão dessas tendências,
ainda que ela nunca possa ser descartada. Lula é hábil em tentar alternativas,
por mais estreitas que elas possam ser.
Ao fim
e ao cabo, não dá para ficar de braços cruzados esperando a deterioração desse
governo. Menos ainda aceitar um ciclo de alternância entre governos de
extrema-direita e coalizões ditas democráticas. Por aproximações sucessivas,
quem sempre sai perdendo são as grandes maiorias populares. Só uma saída dos
trabalhadores pode apontar um caminho independente.
¨ A imagem trincada de
Lula
A
última pesquisa divulgada, aponta um salto na reprovação do governo, de 49% a
56%, e a aprovação caiu de 47% para 41%, no curto intervalo de janeiro a
fevereiro. Mas talvez um dos pontos mais importantes seja que a própria força
da imagem de Lula foi questionada.
Dos
entrevistados, 50% acham que as aparições de Lula pioraram a percepção que elas
têm do governo, ante a 31% que dizem ter melhorado a sua percepção e 13% que
não veem melhora nem piora. Um sinal bastante ruim que indica um
enfraquecimento relativo da imagem de Lula perante suas próprias bases, que não
parecem se convencer pelos discursos do presidente.
E não
faltam exemplos de momentos em que Lula gerou desgosto com suas declarações. Como quando falou
sobre o aumento do preço dos alimentos, que bastava a população “não comprar”
quando “desconfia que tal produto está caro”. É um deboche com o desespero das
pessoas de baixa renda que não encontram uma cesta de ovos por menos de R$25,00
ou mais. Para não mencionar as inúmeras declarações machistas, que talvez
expliquem porque as mulheres agora têm maioria de desaprovação do governo,
chegando próximo aos números da rejeição masculina.
Um
enfraquecimento que pode ser mais difícil de reverter do que em outros momentos
da história, como durante o escândalo do mensalão no seu primeiro mandato. Em
2005 Lula e o PT foram capazes de não só evitar uma bancarrota como dar bases
para o lulismo, substituindo o apoio de setores médios pelo de setores mais
precarizados da população, só que em uma conjuntura econômica internacional
muito mais favorável que a de agora.
A idade
avançada de Lula não é a única preocupação em torno da possibilidade dele se
reeleger em 2026, o desgaste da sua figura também é. O que pode representar uma
mudança histórica para o regime político brasileiro, com um dos seus maiores
representantes incapaz de manter o apoio de suas próprias bases.
Ainda
que Lula siga carregando um capital político importante e não está descartado
que possa se recuperar, as próprias políticas do governo para conter a inflação
dos alimentos, gerar crédito ao trabalhador e isentar o imposto para rendas
mais baixas, ou a retomada do Minha Casa MInha Vida e programas de renda como o
Pé de Meia, não estão dando o resultado esperado. Em especial nos setores que
foram base tradicional do lulismo, os índices de desaprovação só crescem, dados
que Danilo Paris analisou com mais detalhes no seu
artigo.
Enquanto
isso, o pacto de Lula com Tarcísio de Freitas, que se materializou em 10
bilhões ao governador paulista em verbas do PAC, usadas para a privatização do
metrô de SP e atacar outros serviços públicos, contribuiu para o fortalecimento
desse asqueroso filhote do Bolsonaro. Tido pelo próprio José Dirceu como o
preferido das elites nas próximas eleições.
Diante
desse cenário, há dois caminhos para a esquerda seguir. Ou o de seguir
apostando na defesa de um “mal menor”, falseando uma imagem positiva do governo
para a população, e até mesmo sendo parte de aplicar seus ajustes, como tem
feito o PSOL. Ou se apoiar em cada demonstração de retomada de aspirações pelos
trabalhadores para erguer uma forte oposição de esquerda ao governo Lula, que
lute pelo fim da escala 6x1 e pela redução da jornada de trabalho para 30h,
assim como pela revogação do Arcabouço Fiscal e todas as reformas neoliberais.
O
fenômeno contra a escala 6x1 é um dos sintomas mais evidentes de que não
importam os índices de baixo desemprego, de aumento do PIB, se o trabalho é
cada vez mais degradante no país. A vitória da luta indígena no Pará, ao lado
dos professores, as greves do funcionalismo, com destaque para a luta na
Petrobrás, mas também com o breque dos aplicativos dessa semana mostrando o
potencial explosivo dos setores mais precarizados da nossa classe, indicam a
força social e política que é precisa se colocar em cena para dar um rumo à
esquerda no cenário político.
¨ Lula conseguirá, por
meio de medidas eleitorais, conter a crise estrutural do seu governo?
No
último período, um dos focos do governo Lula tem sido pensar iniciativas para
combater, em algum nível, as principais causas da queda de sua popularidade,
principalmente em setores que anteriormente lhe garantiam um bom índice de
aprovação, e ficar melhor localizado para as disputas eleitorais de 2026.
No dia
06 de março o governo federal anunciou “seis medidas para reduzir o preço dos
alimentos” com o intuito de zerar as alíquotas de importação de carne, açúcar,
milho, biscoitos, massas, farinha, óleo de cozinha e azeite de oliva. No mesmo
sentido pensaram-se negociações com os governadores dos estados para que o
tributos sobre os alimentos fossem zerados, pois ainda há unidades da federação
que cobram ICMS de alimentos básicos. O governo Lula também planejou editar uma
medida provisória que permite a liberação do FGTS aos trabalhadores que tenham
sido demitidos e que já tenham aderido à modalidade de saque-aniversário e
representar o auxílio-gás no Congresso com o objetivo de fornecer gás
gratuitamente a 22 milhões de famílias, porém a existência da verba para tal
iniciativa está subordinada ao corte de R$7,7 bilhões do Bolsa Família no
Orçamento de 2025.
Tais
iniciativas, dentre outras que serão destacadas neste artigo, não alteram a
estratégia mais profunda seguida por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores: a
conciliação de classes, linha que do ponto de vista estrutural mantém a
sociedade como sempre foi no capitalismo, ganha quem já tem muito e quem tem
pouco batalha a cada dia vendendo sua força de trabalho para sobreviver. Vale
destacar que essa escolha permeou a história política de Lula e grande parte da
trajetória do PT, fato importante para entender todas as ações aparentemente
contraditórias do governo mas que de modo geral estão dentro do que seria,
então, esperado.
Foi
anunciado que o Plano Safra 2025-2026 terá foco no estímulo à produção de
alimentos e no fortalecimento da política de estoques reguladores. Tem-se que
aguardar para ver o quanto essa proposta permitirá algum tipo de retorno para à
população pobre, porém a política que vimos ser levada até agora por Lula foi a
aprovação do maior Plano Safra da história para 2024-2025 com R$300,59 bilhões
disponibilizados para médios e grandes produtores rurais, além do anúncio de
Haddad de crédito extraordinário de R$4 bilhões para resolver impasses de
linhas de crédito subvencionadas do Plano Safra, medidas que atendem aos
interesses dos grandes empresários do agronegócio enquanto possibilita ataques
ao meio ambiente e aos povos originários.
Outra
medida que tem ganhado as capas dos jornais é a tentativa de aprovar a isenção
do imposto de renda para quem ganha até R$5 mil reais mensais. Vale ressaltar
que atualmente quem ganha acima de R$4.664,68 possui um desconto de IR de 27,5%
no salário e não leva-se em consideração que após essa faixa de renda existe
uma enorme diferença nos ganhos mensais nos diferentes setores da população,
pois no Brasil quem ganha mais paga proporcionalmente menos imposto. Tal
aspecto é mais um dos elementos que expressam a desigualdade social do país que
segue existindo por meio das próprias leis e ações dos governos, que trabalham
para atender aos interesses do capital financeiro.
O
Consignado para CLTs é mais uma aposta de Lula para dialogar com o setor que
não está conseguindo arcar com as necessidades financeiras. Em um país onde os
bancos lucram absurdamente todos os anos, e o próprio Lula já disse que em seu
governo os banqueiros e empresários nunca lucraram tanto, refletir medidas de
empréstimos em que os trabalhadores possam pagar juros menores é uma aposta do
governo que há de se ver o quanto irá de fato emplacar. Em relação aos lucros
estrondosos dos bancos nos governos Lula, tal fato não é somente uma fala de
marketing do atual presidente mas é totalmente verdadeira. Realizando
comparações, a partir de levantamento feito pelo jornal Valor Econômico com
base em dados dos 50 maiores bancos, mas que não incluem o primeiro semestre do
governo FHC, os bancos lucraram 279,9 bilhões de reais nos dois primeiros
mandatos do governo Lula nos anos 2000, contra 34,4 bilhões de reais do mandato
do seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, ou seja, 8 vezes mais. Em 2023,
primeiro ano do terceiro mandato de Lula, de acordo com relatório sobre
economia bancária preparada pelo Banco Central, o lucro líquido dos bancos
brasileiros somou cerca de R$144 bilhões, o equivalente a pouco mais de 4%
sobre a quantia obtida no ano anterior, de R$139 bilhões, com o número
representando um novo recorde histórico para o setor. Enquanto isso, a
população amarga com a alta nos preços de itens básicos e trabalha em postos de
trabalho cada vez mais precários.
Outra
medida do governo federal, de acordo com levantamento feito inicialmente pelo
Drive/Poder360 e depois confirmado pela CNN, mostra a injeção de, pelo menos,
R$31,2 bilhões na economia do país até o ano de 2026. Como parte dessa medida
está o Programa Pé-de-meia e a gratuidade dos 41 medicamentos do programa
Farmácia Popular. Tais ações ocorrem no cenário de uma importante crise do
governo Lula que envolve a queda de sua popularidade e da aprovação de seu
governo por causa de uma série de fatores nacionais e internacionais, mas
também construída pelo próprio governo Lula que deferiu até hoje inúmeros
ataques aos trabalhadores e aos setores oprimidos, como o Arcabouço Fiscal que
ataca diretamente à educação e saúde e dá bases para o aumento da privatização
dos serviços públicos, além de não revogar medidas passadas anteriormente como
a Reforma Trabalhista e Lei da Terceirização Irrestrita, aprovadas no governo
do golpe institucional de Michel Temer, e a Reforma da Previdência do governo
Bolsonaro, assim como leva à frente a Nova Reforma do Ensino Médio com mudanças
em um sentido cosmético que não alteram a raiz da Reforma que aprofunda o
sucateamento da educação e dá bases para que governadores bolsonaristas e da
direita se apoiem para atacar os educadores e alunos, como é o caso de Tarcísio
de Freitas (Republicanos) em São Paulo, que já implementa o NEM, institui a
plataformização e privatização das escolas e se sente fortalecido para levar à
frente seu projeto das escolas cívicos militares.
Demandas
como a defesa de um salário mínimo de acordo com o valor estipulado pelo DIEESE
(R$7.156,15 para sustentar uma família de quatro pessoas, de acordo com
cálculos realizados em janeiro de 2025), aumento de salário de acordo com a
inflação, produção de alimentos para atender as necessidades de toda a
população em uma relação harmônica com a natureza, revogação das Reformas que
atacam os trabalhadores e os setores oprimidos e a garantia de quem pague pela
crise capitalista seja quem a criou, ou seja, os grandes empresários e o
conjunto da burguesia, só serão possíveis de ser alcançadas por meio da luta da
classe trabalhadora e dos setores oprimidos de forma independente, sem nenhuma
confiança nos governos e na conciliação de classes que somente fortalece a
burguesia e serve para desarticular a organização de luta da população.
Fonte:
Por Danilo Paris, em Esquerda Diário
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