César Fonseca: Ativo real no cenário
protecionista - nova moeda e poder mundial
América do Sul, no cenário do protecionismo
trumpista, é a nova rica do mundo.
Falta, apenas, a liderança política para
transformar esse fato evidente em realidade insofismável.
O continente sul-americano, no cenário do
trumpismo protecionista, caminha para ser a nova potência mundial, porque detém
ativos reais que até o momento histórico foram explorados pelos países ricos,
imperialistas, por meio da deterioração nos termos de troca imposta pelo poder
monetário imperialista.
Por deter a hegemonia da emissão da moeda
dominante, os países capitalistas ricos, como Inglaterra, no século 19, e
Estados Unidos, no século 20, impuseram a senhoriagem, o privilégio de cobrar
por esse poder monetário.
Com ele, compraram matérias primas cotadas a
preços baixos, para vender produto manufaturado caro, apropriando da diferença
em favor dos seus interesses.
Agora, as mudanças são no sentido oposto: as
riquezas financeiras que compravam barato os ativos reais perdem valor e as
riquezas reais se valorizam, quando os ricos são obrigados a taxar mercadorias
manufaturadas dos concorrentes para proteger os seus mercados.
Brigas, novamente, entre as potências
industriais em face da oferta mais que a demanda, potencializada pelo avanço
científico e tecnológico colocados a serviço da produção e do lucro.
Nesse contexto, quem detém as matérias primas
escassas indispensáveis às manufaturas superabundantes, graças ao
desenvolvimento tecnológico que eleva a oferta em relação à demanda, tendem a
enriquecer, aproveitando a nova correlação de forças.
CHÁVEZ, PRECURSOR DA NOVA ORDEM
Quem, na América do Sul, começou a colocar em
prática o discurso da valorização das matérias primas, como poder monetário, em
relação aos produtos manufaturados foi o líder socialista venezuelano, Hugo
Chávez
Ele pregou a necessidade de pagar suas contas
no comércio internacional com a riqueza nacional do petróleo e defender
politicamente essa riqueza com a emancipação política socialista venezuelana.
Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, no auge
das sanções comerciais do império americano contra a Venezuela, lançou o
Petros, nova moeda nacional, ancorada no petróleo.
Sofreu – e ainda sofre – sanções comerciais
imperialistas que vence com luta, suor e sangue, traído por falsos líderes
latino-americanos que se põem ao lado do império americano, para não verem
florescer na América Latina o discurso do libertador Simon Bolívar.
Os Estados Unidos são os que mais anseiam
pela moeda petróleo.
Já em 1974, os americanos firmaram acordo –
que duraria 50 anos, até 2024 – com a Arábia Saudita, por meio do qual nascia o
Petrodólar, como âncora fundamental da moeda americana, que havia se descolado
do padrão-ouro, em 1971, no Governo Nixon.
Os aliados europeus, como França e Alemanha,
nessa ocasião, movimentaram-se para sacar suas reservas de ouro depositadas nos
Estados Unidos, depois da segunda guerra mundial, como garantias para receberem
financiamentos americanos em dólar.
Nixon, sob pressão, descolou o dólar do ouro
e deixou a moeda flutuar sem lastro.
Impunha, na sequência, a desregulamentação da
economia mundial, para favorecer empréstimos americanos a juros baixos no
contexto monetário de abundância de oferta monetária.
PODER MONETÁRIO IMPERIALISTA
Inaugurou-se etapa histórica em que a moeda
dominante elevaria a liquidez mundial, até que, nos anos 1980, os Estados
Unidos, preocupados com o perigo de inflação, puxou violentamente a taxa de
juros americana, de 5% para 21%, ao mesmo tempo em que criava a Consenso de
Washington.
Calcado na restrição monetária e fiscal – o
famoso arcabouço neoliberal ao qual o Brasil, no momento, está escravizado
financeiramente – os Estados Unidos impuseram as novas regras para evitar
quebradeira internacional dos devedores em dólar, tomado a juro baixo: metas
inflacionárias, superávit fiscal e câmbio flutuante.
Os devedores – diante desse tripé neoliberal
– foram proibidos de crescer além dos limites determinados por Washington, cuja
prioridade foi cobrar dos devedores pagamento de dívidas aos juros flutuantes,
sufocantes.
A moeda imperialista, poder internacional,
compra barato na praça global, para sustentar, nos Estados Unidos, juros e
inflação baixos, enquanto, no contexto da deterioração dos termos de troca, os
devedores passaram a enfrentar o oposto: juros e inflação alta.
Obrigados a entrarem em desvalorizações
cambiais intermitentes para elevar exportações para pagar dívidas, os devedores
submeteram à lógica perversa imperialista de vender suas matérias primas
baratas para comprarem produtos manufaturados caros.
A deterioração nos termos de troca impôs seu
preço: renúncia à industrialização e a criação de empregos de qualidade,
mercado interno forte, enfim, libertação econômica, soberania.
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS
Os americanos suavizaram a vida dos aliados
ricos, como Europa, Japão e Canadá, que, com moedas desvalorizadas frente ao
dólar valorizado, exportaram manufaturados para os Estados Unidos com vantagens
comparativas.
A China, como não entrou no jogo do Consenso
de Washington, preservando sua soberania, mantendo Estado forte, bancos
públicos soberanos e competitividade acelerada ganharam a corrida competitiva
em todo o mundo.
Diante desse novo jogo em que o poder
financeiro imperialista se mostrou incontrastável, para alavancar a
financeirização, os americanos enfrentaram o seu calcanhar de Aquiles: a
desindustrialização e desemprego.
Os empregos, diante da exploração crescente
da mais valia nos Estados Unidos, com salários sob pressão da acumulação
capitalista sem limites, tornaram-se, cada vez mais precarizados, no compasso
da hegemonia monetária, para bancar guerras de dominação nos cinco continentes,
expandindo o império americano.
BREQUE DO URSO
O breque nessa situação aconteceu a partir de
2022, com tentativa do governo Biden de vencer a Rússia, com as forças da OTAN,
apoiadas pela Europa.
Os russos se aliaram aos chineses, sempre
acossados pelos americanos, cada vez mais inferiores na disputa comercial com a
China, e nova ordem mundial começou a se esboçar, até que Trump, Republicano,
virou o jogo sobre os Democratas, derrotando Joe Biden, o carniceiro da guerra.
Essencialmente, Trump inicia mudança da
política econômica imperialista ao abandonar a ordem financista, que empobrece
a sociedade, para defender o protecionismo econômico.
O trumpismo busca defender a economia real
frente à economia fictícia, especulativa, em nome da recuperação da indústria e
dos empregos nos Estados Unidos.
O poder hegemônico da moeda imperialista sem
lastro sinaliza decadência para manter a predominância da deterioração dos
termos de troca na relação com os parceiros internacionais.
A virada se anuncia, portanto, com a
valorização das riquezas reais e a desvalorização das falsas riquezas
fictícias.
NACIONALISMO EM ASCENSÃO
Politicamente, o nacionalismo protecionista
imperialista põe abaixo o neoliberalismo especulativo que impunha a escravidão
financeira do império sobre as colônias e aliados em geral.
Geopoliticamente, os Estados Unidos, com
Trump, afasta dos que não tem cacife para bancar a virada econômica, como é o
caso dos europeus, destituídos de riquezas reais.
Busca o trumpismo conviver, mesmo que
conflituosamente, com quem tem poder real: de um lado, Rússia e seu poder
militar, vencedora da guerra na Ucrânia contra a OTAN – americanos e europeus –
e, de outro, China, poder econômico e financeiro em ascensão irresistível.
Aliados, China e Rússia impõem o nacionalismo
frente ao neoliberalismo especulativo.
Nesse novo contexto, novos horizontes se
abrem, especialmente, para a América do Sul, onde o Brasil, maior potência
continental, integrante dos BRICS, aliados de China e Rússia, possui a nova
riqueza mundial que conta: os ativos reais.
Trump ensaia, como imperador, uma convivência
conflitiva, prepotente com os sul-americanos, no novo ambiente internacional,
que desperta o nacionalismo continental.
A estratégia imperialista de Trump pode ser
imposta com facilidade relativamente aos europeus, que não dispõem de matérias
primas indispensáveis à manufatura americana.
Porém, o buraco é mais embaixo em relação à
América do Sul, que dispõe da riqueza da qual os Estados Unidos – nem qualquer
outro país, nem mesmo a China – não possuem.
Os termos da negociação internacional terão
que mudar.
O poder de barganha da América do Sul exigirá
seletividade que ganha dimensão global na companhia dos seus aliados no BRICS,
novo poder geopolítico internacional etc.
NOVA MOEDA GLOBAL
A moeda brasileira é diversificada e
poderosa.
Em síntese, uma cesta de moedas: petróleo,
ouro, minerais raros, meio ambiente capaz de produzir até três safras anuais,
energia solar, eólica, biodiversidade infinita, bases da nova industrialização
anti-poluente atrativa aos capitais especulativos candidatos à desvalorização
diante do protecionismo para serem reciclados na América do Sul.
Sobretudo, o Brasil conseguiu, desde a Era
Vargas, de 1930 a 1980, construir base industrial forte com classe empresarial
diligente ligada ao Estado nacional que o neoliberalismo procura destruir.
Falta, no entanto, o que determina a
Constituição de 1988: prioridade política à união econômica latino-americana
que o modelo neoliberal golpista rompeu para impor o rentismo especulativo por
meio de ajustes fiscais e monetários anti desenvolvimentistas.
Mudar o rumo dos acontecimentos, no novo
cenário inaugurado pelo trumpismo protecionista, portanto, é imperativo
categórico kantiano.
Eis o maior desafio do governo Lula nos dois
anos que resta do seu terceiro mandato para tentar emplacar o quarto no novo
cenário internacional que o protecionismo trumpista inaugura, sem ter a certeza
de que triunfará.
¨
Chefe da OMC diz estar
profundamente preocupada com tarifas dos EUA
A Diretora-Geral da Organização Mundial do
Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, expressou profunda preocupação nesta
quinta-feira com a queda do comércio global e o risco de uma escalada na guerra
tarifária, desencadeada por medidas tarifárias dos Estados Unidos. A informação
é da Xinhua.
Em um comunicado, Iweala afirmou que as
medidas tarifárias dos EUA terão "implicações substanciais para o comércio
global e as perspectivas de crescimento econômico".
A OMC estima que essas novas medidas, somadas
às introduzidas desde o início do ano, podem levar a uma contração geral de
cerca de 1% nos volumes do comércio global de mercadorias em 2025, uma queda de
quase quatro pontos percentuais em relação às projeções anteriores.
"O Secretariado da OMC está monitorando
e analisando de perto as medidas anunciadas pelos Estados Unidos em 2 de abril
de 2025", disse Iweala, acrescentando que "muitos membros nos
procuraram, e estamos ativamente dialogando com eles para responder às suas
dúvidas sobre o impacto potencial em suas economias e no sistema comercial
global".
A diretora-geral enfatizou que a maior parte
do comércio global ainda ocorre sob as regras da cláusula da Nação Mais
Favorecida (MFN, na sigla em inglês) da OMC, embora essa participação tenha
caído para 74% em comparação com os cerca de 80% no início do ano.
Alertando para possíveis efeitos
significativos de desvio de comércio causados pelas recentes medidas, Iweala
pediu que os membros da OMC evitem a escalada das tensões comerciais,
engajem-se de maneira construtiva e busquem soluções cooperativas.
Na quarta-feira, o presidente dos EUA, Donald
Trump, anunciou um novo conjunto de tarifas, impondo uma alíquota mínima de 10%
sobre todas as importações a partir de 5 de abril e aplicando tarifas
recíprocas mais altas para parceiros comerciais com os quais os Estados Unidos
possuem "os maiores déficits comerciais", medidas que entrarão em
vigor em 9 de abril.
Fonte: Brasil 247
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