sábado, 5 de abril de 2025

César Fonseca: Ativo real no cenário protecionista - nova moeda e poder mundial

América do Sul, no cenário do protecionismo trumpista, é a nova rica do mundo.

Falta, apenas, a liderança política para transformar esse fato evidente em realidade insofismável.

O continente sul-americano, no cenário do trumpismo protecionista, caminha para ser a nova potência mundial, porque detém ativos reais que até o momento histórico foram explorados pelos países ricos, imperialistas, por meio da deterioração nos termos de troca imposta pelo poder monetário imperialista.

Por deter a hegemonia da emissão da moeda dominante, os países capitalistas ricos, como Inglaterra, no século 19, e Estados Unidos, no século 20, impuseram a senhoriagem, o privilégio de cobrar por esse poder monetário.

Com ele, compraram matérias primas cotadas a preços baixos, para vender produto manufaturado caro, apropriando da diferença em favor dos seus interesses.

Agora, as mudanças são no sentido oposto: as riquezas financeiras que compravam barato os ativos reais perdem valor e as riquezas reais se valorizam, quando os ricos são obrigados a taxar mercadorias manufaturadas dos concorrentes para proteger os seus mercados.

Brigas, novamente, entre as potências industriais em face da oferta mais que a demanda, potencializada pelo avanço científico e tecnológico colocados a serviço da produção e do lucro.

Nesse contexto, quem detém as matérias primas escassas indispensáveis às manufaturas superabundantes, graças ao desenvolvimento tecnológico que eleva a oferta em relação à demanda, tendem a enriquecer, aproveitando a nova correlação de forças.

CHÁVEZ, PRECURSOR DA NOVA ORDEM

Quem, na América do Sul, começou a colocar em prática o discurso da valorização das matérias primas, como poder monetário, em relação aos produtos manufaturados foi o líder socialista venezuelano, Hugo Chávez

Ele pregou a necessidade de pagar suas contas no comércio internacional com a riqueza nacional do petróleo e defender politicamente essa riqueza com a emancipação política socialista venezuelana.

Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, no auge das sanções comerciais do império americano contra a Venezuela, lançou o Petros, nova moeda nacional, ancorada no petróleo.

Sofreu – e ainda sofre – sanções comerciais imperialistas que vence com luta, suor e sangue, traído por falsos líderes latino-americanos que se põem ao lado do império americano, para não verem florescer na América Latina o discurso do libertador Simon Bolívar.

Os Estados Unidos são os que mais anseiam pela moeda petróleo.

Já em 1974, os americanos firmaram acordo – que duraria 50 anos, até 2024 – com a Arábia Saudita, por meio do qual nascia o Petrodólar, como âncora fundamental da moeda americana, que havia se descolado do padrão-ouro, em 1971, no Governo Nixon.

Os aliados europeus, como França e Alemanha, nessa ocasião, movimentaram-se para sacar suas reservas de ouro depositadas nos Estados Unidos, depois da segunda guerra mundial, como garantias para receberem financiamentos americanos em dólar.

Nixon, sob pressão, descolou o dólar do ouro e deixou a moeda flutuar sem lastro.

Impunha, na sequência, a desregulamentação da economia mundial, para favorecer empréstimos americanos a juros baixos no contexto monetário de abundância de oferta monetária.

PODER MONETÁRIO IMPERIALISTA

Inaugurou-se etapa histórica em que a moeda dominante elevaria a liquidez mundial, até que, nos anos 1980, os Estados Unidos, preocupados com o perigo de inflação, puxou violentamente a taxa de juros americana, de 5% para 21%, ao mesmo tempo em que criava a Consenso de Washington.

Calcado na restrição monetária e fiscal – o famoso arcabouço neoliberal ao qual o Brasil, no momento, está escravizado financeiramente – os Estados Unidos impuseram as novas regras para evitar quebradeira internacional dos devedores em dólar, tomado a juro baixo: metas inflacionárias, superávit fiscal e câmbio flutuante.

Os devedores – diante desse tripé neoliberal – foram proibidos de crescer além dos limites determinados por Washington, cuja prioridade foi cobrar dos devedores pagamento de dívidas aos juros flutuantes, sufocantes.

A moeda imperialista, poder internacional, compra barato na praça global, para sustentar, nos Estados Unidos, juros e inflação baixos, enquanto, no contexto da deterioração dos termos de troca, os devedores passaram a enfrentar o oposto: juros e inflação alta.

Obrigados a entrarem em desvalorizações cambiais intermitentes para elevar exportações para pagar dívidas, os devedores submeteram à lógica perversa imperialista de vender suas matérias primas baratas para comprarem produtos manufaturados caros.

A deterioração nos termos de troca impôs seu preço: renúncia à industrialização e a criação de empregos de qualidade, mercado interno forte, enfim, libertação econômica, soberania.

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Os americanos suavizaram a vida dos aliados ricos, como Europa, Japão e Canadá, que, com moedas desvalorizadas frente ao dólar valorizado, exportaram manufaturados para os Estados Unidos com vantagens comparativas.

A China, como não entrou no jogo do Consenso de Washington, preservando sua soberania, mantendo Estado forte, bancos públicos soberanos e competitividade acelerada ganharam a corrida competitiva em todo o mundo.

Diante desse novo jogo em que o poder financeiro imperialista  se mostrou incontrastável, para alavancar a financeirização, os americanos enfrentaram o seu calcanhar de Aquiles: a desindustrialização e desemprego.

Os empregos, diante da exploração crescente da mais valia nos Estados Unidos, com salários sob pressão da acumulação capitalista sem limites, tornaram-se, cada vez mais precarizados, no compasso da hegemonia monetária, para bancar guerras de dominação nos cinco continentes, expandindo o império americano.

BREQUE DO URSO

O breque nessa situação aconteceu a partir de 2022, com tentativa do governo Biden de vencer a Rússia, com as forças da OTAN, apoiadas pela Europa.

Os russos se aliaram aos chineses, sempre acossados pelos americanos, cada vez mais inferiores na disputa comercial com a China, e nova ordem mundial começou a se esboçar, até que Trump, Republicano, virou o jogo sobre os Democratas, derrotando Joe Biden, o carniceiro da guerra.

Essencialmente, Trump inicia mudança da política econômica imperialista ao abandonar a ordem financista, que empobrece a sociedade, para defender o protecionismo econômico.

O trumpismo busca defender a economia real frente à economia fictícia, especulativa, em nome da recuperação da indústria e dos empregos nos Estados Unidos.

O poder hegemônico da moeda imperialista sem lastro sinaliza decadência para manter a predominância da deterioração dos termos de troca na relação com os parceiros internacionais.

A virada se anuncia, portanto, com a valorização das riquezas reais e a desvalorização das falsas riquezas fictícias.

NACIONALISMO EM ASCENSÃO

Politicamente, o nacionalismo protecionista imperialista põe abaixo o neoliberalismo especulativo que impunha a escravidão financeira do império sobre as colônias e aliados em geral.

Geopoliticamente, os Estados Unidos, com Trump, afasta dos que não tem cacife para bancar a virada econômica, como é o caso dos europeus, destituídos de riquezas reais.

Busca o trumpismo conviver, mesmo que conflituosamente, com quem tem poder real: de um lado, Rússia e seu poder militar, vencedora da guerra na Ucrânia contra a OTAN – americanos e europeus – e, de outro, China, poder econômico e financeiro em ascensão irresistível.

Aliados, China e Rússia impõem o nacionalismo frente ao neoliberalismo especulativo.

Nesse novo contexto, novos horizontes se abrem, especialmente, para a América do Sul, onde o Brasil, maior potência continental, integrante dos BRICS, aliados de China e Rússia, possui a nova riqueza mundial que conta: os ativos reais.

Trump ensaia, como imperador, uma convivência conflitiva, prepotente com os sul-americanos, no novo ambiente internacional, que desperta o nacionalismo continental.

A estratégia imperialista de Trump pode ser imposta com facilidade relativamente aos europeus, que não dispõem de matérias primas indispensáveis à manufatura americana.

Porém, o buraco é mais embaixo em relação à América do Sul, que dispõe da riqueza da qual os Estados Unidos – nem qualquer outro país, nem mesmo a China – não possuem.

Os termos da negociação internacional terão que mudar.

O poder de barganha da América do Sul exigirá seletividade que ganha dimensão global na companhia dos seus aliados no BRICS, novo poder geopolítico internacional etc.

NOVA MOEDA GLOBAL 

A moeda brasileira é diversificada e poderosa.

Em síntese, uma cesta de moedas: petróleo, ouro, minerais raros, meio ambiente capaz de produzir até três safras anuais, energia solar, eólica, biodiversidade infinita, bases da nova industrialização anti-poluente atrativa aos capitais especulativos candidatos à desvalorização diante do protecionismo para serem reciclados na América do Sul.

Sobretudo, o Brasil conseguiu, desde a Era Vargas, de 1930 a 1980, construir base industrial forte com classe empresarial diligente ligada ao Estado nacional que o neoliberalismo procura destruir.

Falta, no entanto, o que determina a Constituição de 1988: prioridade política à união econômica latino-americana que o modelo neoliberal golpista rompeu para impor o rentismo especulativo por meio de ajustes fiscais e monetários anti desenvolvimentistas.

Mudar o rumo dos acontecimentos, no novo cenário inaugurado pelo trumpismo protecionista, portanto, é imperativo categórico kantiano.

Eis o maior desafio do governo Lula nos dois anos que resta do seu terceiro mandato para tentar emplacar o quarto no novo cenário internacional que o protecionismo trumpista inaugura, sem ter a certeza de que triunfará.

¨      Chefe da OMC diz estar profundamente preocupada com tarifas dos EUA

A Diretora-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, expressou profunda preocupação nesta quinta-feira com a queda do comércio global e o risco de uma escalada na guerra tarifária, desencadeada por medidas tarifárias dos Estados Unidos. A informação é da Xinhua.

Em um comunicado, Iweala afirmou que as medidas tarifárias dos EUA terão "implicações substanciais para o comércio global e as perspectivas de crescimento econômico".

A OMC estima que essas novas medidas, somadas às introduzidas desde o início do ano, podem levar a uma contração geral de cerca de 1% nos volumes do comércio global de mercadorias em 2025, uma queda de quase quatro pontos percentuais em relação às projeções anteriores.

"O Secretariado da OMC está monitorando e analisando de perto as medidas anunciadas pelos Estados Unidos em 2 de abril de 2025", disse Iweala, acrescentando que "muitos membros nos procuraram, e estamos ativamente dialogando com eles para responder às suas dúvidas sobre o impacto potencial em suas economias e no sistema comercial global".

A diretora-geral enfatizou que a maior parte do comércio global ainda ocorre sob as regras da cláusula da Nação Mais Favorecida (MFN, na sigla em inglês) da OMC, embora essa participação tenha caído para 74% em comparação com os cerca de 80% no início do ano.

Alertando para possíveis efeitos significativos de desvio de comércio causados pelas recentes medidas, Iweala pediu que os membros da OMC evitem a escalada das tensões comerciais, engajem-se de maneira construtiva e busquem soluções cooperativas.

Na quarta-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou um novo conjunto de tarifas, impondo uma alíquota mínima de 10% sobre todas as importações a partir de 5 de abril e aplicando tarifas recíprocas mais altas para parceiros comerciais com os quais os Estados Unidos possuem "os maiores déficits comerciais", medidas que entrarão em vigor em 9 de abril.

 

Fonte: Brasil 247

 

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