A controvérsia história da Bola de Ouro
O comentário de Cristiano Ronaldo em uma
cerimônia de premiação de futebol em Dubai, onde ele afirmou que Vinícius
Júnior (Real Madrid e Brasil) merecia ganhar a Bola de Ouro sobre Rodri
(Manchester City e Espanha) e chamou isso de “injusto”, me fez pensar em
algumas análises que fiz alguns meses atrás sobre a história da Bola de Ouro e
a sub-representação de jogadores africanos e afrodescendentes. Embora a
declaração de Ronaldo possa ter sido um gesto de cortesia para seus anfitriões,
em vez de uma demonstração de ativismo pela justiça racial, ela chamou a
atenção para uma questão importante. Então, lá vamos nós, para emprestar o
bordão de Fabrizio Romano.
Em resumo, a história do prêmio foi marcada
por mudanças nas regras de elegibilidade, mudanças nas eras do futebol e
reconhecimento gradual, mas significativo, de talentos africanos e
afrodescendentes na Europa (cuja mídia e clubes de futebol dominam globalmente).
Primeiro, o contexto: a Bola de Ouro foi
originalmente criada pela revista de futebol francesa France Football.
O vencedor é escolhido por um painel internacional de jornalistas das 100
principais nações classificadas pela FIFA. Até 1995, o prêmio era restrito a
jogadores europeus, pois era inicialmente conhecido como o prêmio “Jogador de
Futebol Europeu do Ano”, o que significa que apenas jogadores ativos em clubes
europeus eram elegíveis. Pelé e Maradona, os melhores de suas eras, nunca
ganharam a Bola de Ouro. Em 1995, a France Football expandiu
os critérios de elegibilidade para incluir jogadores do mundo todo, desde que
jogassem por clubes europeus.
O primeiro prêmio masculino, concedido em
1956, foi para o jogador britânico Stanley Matthews. Isso foi mais um reflexo
da visão estreita da mídia europeia do que do estado do futebol em outros
lugares, especialmente o futebol sul-americano. A posição controversa de
Matthews sobre o apartheid sul-africano e o esporte durante o apartheid, onde
jogou em ligas segregadas e foi treinador lá, mais tarde levantou
questionamentos. A pesquisa do estudioso de futebol Chris Bolsmann conclui que
Matthews se beneficiou do apartheid, mas também aparentemente se opôs ao
sistema.
Em 1958, Pelé era o melhor jogador do mundo
(ele havia vencido a Copa do Mundo com o Brasil), mas jogou pelo Santos no
Brasil e não era europeu. Raymond Kopa, da França, venceu. Dois argentinos de
ascendência europeia — Alfredo Di Stefano e Omar Sivori — que jogaram futebol
de clube e seleção nacional na Espanha e na Itália e obtiveram cidadania lá,
respectivamente, entraram na lista.
O primeiro jogador de ascendência africana a
participar da votação da Bola de Ouro foi Eusébio, do Benfica, em Portugal.
Nascido na colônia de Moçambique, Eusébio tinha cidadania portuguesa como
membro de seu império. Ele terminou em segundo em 1962, atrás de Masopust, da
Tchecoslováquia.
Eusébio ganhou o prêmio em 1965 (ainda no
Benfica) e terminou em segundo em 1966, atrás do britânico Bobby Charlton, com
o alemão Franz Beckenbauer em terceiro.
O próximo jogador de ascendência africana a
ficar entre os três primeiros foi em 1984. O jogador francês Jean Tigana, um
dos meus jogadores favoritos, terminou em segundo atrás de seu companheiro de
equipe Michel Platini e à frente de Preben Elkjær, da Dinamarca. Tigana nasceu
em Bamako, filho de pai malinês e mãe francesa, quando Mali ainda era o Sudão
francês colonial. Em 1984, Tigana jogou pelo clube francês Bordeaux, que havia
vencido a liga naquele ano, e Tigana foi premiado como “Jogador Francês do Ano”.
A seleção masculina francesa também venceu a Eurocopa em 1984.
Diego Maradona foi o melhor jogador do mundo
entre 1986 e 1990, mas não se classificou para o prêmio porque não era europeu.
Em 1987, o jogador holandês Ruud Gullit, cujo
pai era do Suriname, um país de maioria negra na América do Sul, ganhou a Bola
de Ouro. Gullit dedicou o prêmio a Nelson Mandela, que ainda estava preso na
África do Sul. Na época, Gullit era considerado o segundo melhor, atrás apenas
de Maradona. O português Paulo Futre ficou em segundo, e o espanhol Emilio
Butragueño em terceiro.
Em 1988, Gullit terminou em segundo, atrás de
seu companheiro de seleção holandesa, Marco van Basten. Outro jogador de
ascendência africana, Frank Rijkaard (seu pai também era do Suriname), terminou
em terceiro. Os três homens foram companheiros de equipe no AC Milan na Série A
e levaram a Holanda ao título da Euro 88 (os pais de Rijkaard e Gullit migraram
para Amsterdã juntos).
Em 1989, Rijkaard terminou em terceiro, atrás
de Van Basten e do italiano Franco Baresi, na votação da Bola de Ouro. Baresi
também jogou pelo AC Milan na época.
Um ponto de virada significativo veio em
1995, quando a Bola de Ouro foi aberta para jogadores não europeus. George
Weah, da Libéria, se tornou o primeiro jogador africano a ganhar o prêmio,
derrotando o alemão Jürgen Klinsmann (no Tottenham!) e o finlandês Jari
Litmanen (no Ajax).
Em 1996, o afro-brasileiro Ronaldo —
conhecido como “o fenômeno” e o “Ronaldo original”, terminou em segundo lugar,
atrás do alemão Matthias Sammer e à frente do jogador britânico Alan Shearer.
Ronaldo (então em sua última temporada no FC
Barcelona) conquistaria a Bola de Ouro em 1997, superando o montenegrino Pedja
Mijatović (no Real Madrid) e Zinedine Zidane, um jogador francês de ascendência
argelina, então jogando pela Juventus.
Em 1998, Zidane venceu a Copa do Mundo e,
previsivelmente, a Bola de Ouro, terminando à frente de Davor Šuker e Ronaldo.
Outro afro-brasileiro, Rivaldo, jogando no FC
Barcelona, venceu em
1999.
Zidane terminou em segundo em 2000, atrás do
português Luis Figo.
Em 2002, Ronaldo, então na Inter de Milão,
foi a estrela da Copa do Mundo com o Brasil e ganhou a Bola de Ouro, com outro
afro-brasileiro Roberto Carlos (no Real Madrid) terminando em segundo.
Em 2003, Thierry Henry, cuja família emigrou
do Caribe (seu pai é de Guadalupe e sua mãe da Martinica) para a França e que
jogou pelo Arsenal, terminou em segundo lugar, atrás do tcheco Pavel Nedvěd (na
Juventus) e à frente do italiano Paolo Maldini (no AC Milan).
Em 2004, o afro-brasileiro Ronaldinho
terminou em terceiro, com o ucraniano Andriy Shevchenko (que havia terminado em
terceiro em 2000) reivindicando o primeiro lugar. Em 2005, Ronaldinho ganhou a
Bola de Ouro sobre dois meio-campistas britânicos, Frank Lampard e Steven
Gerrard.
Henry terminou em terceiro na Bola de Ouro de
2006, atrás de Fabio Cannavaro e Gianluigi Buffon, dois italianos que tinham
acabado de ganhar a Copa do Mundo.
Em 2015, o afro-brasileiro Neymar terminou em
terceiro em uma era dominada pelos argentinos Lionel Messi (1º) e Cristiano
Ronaldo (2º). Neymar fez isso enquanto jogava ao lado de Messi no FC Barcelona.
Neymar terminou em terceiro novamente em 2017, atrás de Cristiano Ronaldo e
Messi.
Em 2018, o egípcio Mohamed Salah (Liverpool)
foi considerado um dos principais concorrentes, mas não estava entre os três
finalistas. O croata Luka Modrić (no Real Madrid) venceu. Cristiano ficou em
segundo, e Antoine Griezmann (Atlético de Madrid e França) em terceiro.
No ano seguinte, em 2019, o jogador
afro-holandês Virgil van Dijk (sua mãe é do Suriname) terminou em segundo,
atrás de Messi e à frente de Cristiano.
Não houve Bola de Ouro em 2020 devido à
pandemia da COVID-19. Em 2021, Lionel Messi ganhou seu sétimo prêmio, com
Lewandowski (que muitos acreditavam que deveria ter vencido em 2020) terminando
em segundo e o italiano Jorginho (chave para o sucesso da Itália na Euro) em
terceiro. Karim Benzema (francês de ascendência argelina), Kylian Mbappé
(francês de ascendência camaronesa e argelina) e N’Golo Kanté (francês de
ascendência malinês) não ficaram entre os três primeiros.
Em 2022, alguma justiça foi feita quando
Benzema — não particularmente amado pela mídia francesa na época — ganhou a
Bola de Ouro, com o senegalês Sadio Mané (jogando no Liverpool) terminando em
segundo. Ainda não havia lugar para Mohamed Salah ou Kylian Mbappé.
Em 2023, Messi conquistou sua oitava Bola de
Ouro (por causa da Copa do Mundo), com Erling Haaland terminando em segundo e
Mbappé em terceiro.
Em 2024, Vinicius deveria ter vencido.
Fonte: Por Sean Jacobs – Tradução
Priscilla Marques, em Jacobin Brasil
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