sábado, 5 de abril de 2025

PL avança sobre Comissão de Inteligência em meio a nova crise na Abin

Enquanto o governo tenta evitar uma crise diplomática com o Paraguai após um caso de espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra autoridades do país vir à tona, a oposição bolsonarista se articula para dominar a única instância fora dos órgãos de controle apta a fiscalizar as atividades do setor no Brasil: a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI).

Legalmente, a CCAI pode obter informações “nas áreas de inteligência, contrainteligência e na salvaguarda de assuntos sigilosos” da máquina pública brasileira. Caso órgãos ou seus responsáveis se neguem a prestar informações, a comissão pode enquadrá-los “na prática de crime de responsabilidade” — o que significa também ter poder político.

A Agência Pública apurou que a oposição trabalha para ocupar ao menos metade das 12 vagas da comissão, pressionando assim o governo em meio ao caso de espionagem contra o Paraguai. A nova presidência da CCAI já anunciou que irá apurar o ocorrido.

A movimentação para a oposição tomar conta da comissão envolve, principalmente, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara — tanto a CCAI quanto a CREDN são presididas pelo deputado Filipe Barros (PL-PR), de oposição ao governo Lula.

Obrigatoriamente, a CCAI precisa destinar uma de suas vagas para membros da CREDN, e o ocupante é escolhido por eleição interna na Comissão de Relações Exteriores. Mesmo após a revelação do caso de espionagem contra o Paraguai, sob suspeita que a operação perdurou no início da gestão Lula, o governo ainda não propôs, nem apoiou, uma candidatura da base aliada para ocupar esta vaga.

Desde 2023, a vaga da CREDN na comissão é ocupada pelo deputado governista Carlos Zarattini (PT-SP) – que disse à Pública que não vai permanecer como membro da CCAI.

Até agora, somente o deputado Eliéser Girão (PL-RN), o General Girão, registrou uma candidatura para concorrer à vaga da CREDN na CCAI. Em janeiro passado, o militar bolsonarista foi condenado na Justiça Federal a pagar R$2 milhões por danos morais coletivos por incentivar atos antidemocráticos durante a crise golpista de 2022.

Ocupada tentando barrar a articulação bolsonarista pelo projeto de anistia no Congresso, a liderança do governo na Câmara, a cargo do deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), não está envolvida na viabilização de uma candidatura contrária à de Girão, segundo apurado pela Pública.

Do lado da oposição, o presidente da CCAI e da CREDN disse à reportagem que “anunciou a abertura do prazo para candidaturas, mas somente [Eliéser] Girão se inscreveu até agora”. “Vamos fazer a eleição para a CCAI na próxima reunião [da CREDN], provavelmente no dia 9, com ou sem obstrução por parte do PL”, afirmou Barros à Pública, logo após o 1º encontro da CCAI em 2025.

A mesma regra válida para a CREDN se repete em sua congênere, a Comissão de Relações Exteriores do Senado (CRE). Presidida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a CRE ainda não começou a discutir sua eleição interna para sua vaga na CCAI. A vaga é ocupada atualmente pelo senador Cid Gomes (PSB-CE), da base governista na Casa, e enquanto não houver eleição na CRE, ele segue na CCAI.

  • Presidente da CCAI confirma encontro com diretor da Abin em meio à crise com Paraguai

Na manhã desta quinta (3), o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, foi ao Congresso encontrar-se com o presidente da CCAI. O encontro não consta na agenda oficial do diretor da Abin, que desde março passado não divulga publicamente nenhum de seus compromissos.

Do outro lado, o deputado Filipe Barros avaliou o encontro com Luiz Fernando Correa como “positivo” e disse que o caso de espionagem contra o Paraguai não foi abordado. “Foi um bom encontro, mas não falamos do tema. Foi uma ‘apresentação’, para que eu conhecesse o diretor, já que assumi a CCAI”, afirmou à Pública.

No dia anterior, quarta (2), a comissão retomou suas atividades já com o escândalo de espionagem contra autoridades do Paraguai na mira. Na ocasião, um dos parlamentares da oposição, o senador Esperidião Amin (PP-SC), protocolou pedidos relativos ao escândalo.

Via CCAI, o senador pediu informações à Abin sobre relatórios e atividades sobre o Paraguai e a usina hidrelétrica de Itaipu, o suposto motivo por trás da operação da Abin. Amin também quer convidar o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Passos, para prestar esclarecimentos sobre o caso.

A PF abriu na última terça (1º) um inquérito para apurar possível vazamento de informações sobre o caso, que surgiu em meio às investigações sobre a “Abin Paralela”.

Servidores da Abin não escondem sua desconfiança quanto ao caso, questionando a origem e o objetivo do vazamento da operação no Paraguai. Desde a abertura do inquérito sobre a “Abin Paralela”, em 2023, PF e a Abin têm travado uma disputa nos bastidores — como já relatado, por exemplo, pelo portal The Intercept Brasil.

O caso de espionagem contra autoridades paraguaias foi revelado na última segunda (31) pelo jornalista Aguirre Talento, no portal UOL. Segundo sua apuração, a operação teve início no governo Bolsonaro e teria sido mantida na gestão Lula, buscando dados estratégicos do Paraguai sobre o tratado de Itaipu – tema em negociação até o momento, sobre as tarifas da hidrelétrica binacional.

  • Controle da inteligência ou do orçamento?

ato de criação da CCAI em 2013 mostra que a comissão é a responsável por “todas as ações referentes à supervisão, verificação e inspeção das atividades de pessoas, órgãos e entidades relacionados à inteligência e contrainteligência, bem como à salvaguarda de informações sigilosas” de órgãos de inteligência no Brasil.

Mas, em geral, a Comissão de Inteligência não se apresenta como uma instância atuante, seja no controle das atividades de inteligência no Brasil, seja no Congresso.

Desde 2017, a CCAI se reuniu apenas 20 vezes, geralmente para discutir emendas de recomposição do orçamento de órgãos de inteligência, como a Abin, de órgãos de segurança e forças auxiliares, como as Forças Armadas.

O número total de reuniões no período revela-se ilusório, porque apenas em 2023 houve sete encontros da CCAI – devido à revelação, naquele ano, da “Abin Paralela” do governo Bolsonaro.

No ano seguinte, a comissão reuniu-se pela primeira vez apenas em dezembro, quando parlamentares usaram o pacote fiscal do governo como razão para cortar verbas da inteligência em 2025, como noticiado pela Pública.

Mesmo com poucos encontros nos últimos anos, a comissão já destinou uma verba bilionária para aparatos de inteligência no Brasil. A Pública revelou que, entre 2015 e 2024, a CCAI destinou R$1,7 bilhão para a Abin e setores de inteligência das Forças Armadas.

¨      Governo do Paraguai investiga suposta espionagem da Abin durante o governo Bolsonaro

O Ministério Público do Paraguai divulgou, nesta quinta-feira (3/4), que abriu uma investigação criminal após suspeita de espionagem digital pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que teria como alvo autoridades e agências do país. 

Em nota, o órgão divulgou que a decisão tem como objetivo "confirmar ou descartar fatos de relevância criminal em território paraguaio". O relatório, apresentado pelo subprocurador Manuel Doldán Breuer, destacou o conteúdo de uma reportagem do Uol, que vincula a Abin a possíveis invasões ilegais contra autoridades do Paraguai. 

"Segundo relatos, essas ações teriam como objetivo obter informações confidenciais relacionadas às negociações tarifárias da Usina Hidrelétrica de Itaipu, afetando supostamente os gabinetes de altos funcionários nacionais, incluindo o Presidente da República, membros do Congresso, o corpo diplomático e autoridades da ANDE", diz um trecho do comunicado. 

Caso a denúncia seja confirmada, a Abin pode responder pelos crimes de acesso não autorizado a dados e acesso não autorizado a sistemas de computador e interceptação de dados. "A abertura do caso também permitirá avaliar a pertinência dos pedidos de cooperação internacional, no âmbito da Convenção sobre Crimes Cibernéticos, assinada pelo Paraguai e pelo Brasil."

O governo do Paraguai convocou, nesta segunda (1º/4), o embaixador do Brasil em Assunção, José Antônio Marcondes, para cobrar explicações sobre o suposto monitoramento da Abin aos sistemas do país. 

Conforme divulgado pelo G1, um funcionário da Abin prestou depoimento à Polícia Federal, afirmando que a atual gestão do órgão teria mantido operações de invasão hacker aos sistemas do Paraguai e de autoridades envolvidas nas negociações da usina de Itaipu. 

<><> Abertura de inquérito

A Polícia Federal abriu inquérito nesta segunda (31/3) para investigar a Abin. Um funcionário prestou depoimento, no qual as informações foram divulgadas pelo Uol

Segundo o depoimento, a ação tinha como objetivo acessar dados sigilosos sobre valores em negociação no Anexo C do Tratado de Itaipu.

O ataque teria começado ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas que continuou durante o governo Lula. 

<><> Veja a nota na íntegra: 

O Ministério Público abriu um processo criminal após reportagens na mídia alegando espionagem digital pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que teria como alvo autoridades e agências da República do Paraguai.

Por resolução de 1º de abril de 2025, a promotora adjunta responsável pela Unidade Especializada em Crimes Cibernéticos, advogada Matilde Moreno, decidiu atribuir a investigação à Promotora Irma Llano, da Unidade nº 3 da referida especialidade, com o objetivo de promover os procedimentos correspondentes e confirmar ou descartar fatos de relevância criminal em território paraguaio.

A abertura da investigação tem como base um relatório apresentado pelo subprocurador Manuel Doldán Breuer, chefe da Unidade Especializada em Relações Internacionais, Extradição e Assistência Jurídica Externa, que destacou o conteúdo de uma publicação do veículo de comunicação brasileiro UOL que vincula a ABIN a possíveis invasões ilegais de computadores (hacking) contra autoridades paraguaias.

Segundo relatos, essas ações teriam como objetivo obter informações confidenciais relacionadas às negociações tarifárias da Usina Hidrelétrica de Itaipu, afetando supostamente os gabinetes de altos funcionários nacionais, incluindo o Presidente da República, membros do Congresso, o corpo diplomático e autoridades da ANDE.

De acordo com a análise preliminar, os incidentes podem constituir os crimes de acesso não autorizado a dados, acesso não autorizado a sistemas de computador e interceptação de dados, conforme previsto na legislação penal paraguaia. A abertura do caso também permitirá avaliar a pertinência dos pedidos de cooperação internacional, no âmbito da Convenção sobre Crimes Cibernéticos, assinada pelo Paraguai e pelo Brasil.

O Ministério Público reafirma seu compromisso com a proteção da soberania nacional e dos direitos fundamentais contra qualquer forma de interferência indevida e dará continuidade às investigações na forma da lei.

 

Fonte: Por Caio de Freitas, da Agencia Pública/Correio Braziliense

 

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