PL avança sobre Comissão de Inteligência em
meio a nova crise na Abin
Enquanto
o governo tenta evitar uma crise diplomática com o Paraguai após um caso de
espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra autoridades do
país vir à tona, a oposição bolsonarista se articula para dominar a única
instância fora dos órgãos de controle apta a fiscalizar as atividades do setor
no Brasil: a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI).
Legalmente, a CCAI pode
obter informações “nas áreas de inteligência, contrainteligência e na
salvaguarda de assuntos sigilosos” da máquina pública brasileira. Caso
órgãos ou seus responsáveis se neguem a prestar informações, a comissão pode
enquadrá-los “na prática de crime de responsabilidade” — o que significa também
ter poder político.
A Agência
Pública apurou que a oposição trabalha para ocupar ao menos metade das 12
vagas da comissão, pressionando assim
o governo em meio ao caso de espionagem contra o Paraguai. A nova
presidência da CCAI já anunciou que irá apurar o ocorrido.
A
movimentação para a oposição tomar conta da comissão envolve, principalmente, a
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara — tanto a
CCAI quanto a CREDN são presididas pelo deputado Filipe Barros (PL-PR), de
oposição ao governo Lula.
Obrigatoriamente,
a CCAI precisa destinar uma de suas vagas para membros da
CREDN, e o ocupante é escolhido por eleição interna na Comissão de Relações
Exteriores. Mesmo após a revelação do caso de espionagem contra o
Paraguai, sob suspeita que a operação perdurou no início da gestão Lula, o
governo ainda não propôs, nem apoiou, uma candidatura da base aliada para
ocupar esta vaga.
Desde
2023, a vaga da CREDN na comissão é ocupada pelo deputado governista Carlos
Zarattini (PT-SP) – que disse à Pública que não vai permanecer como
membro da CCAI.
Até
agora, somente o deputado Eliéser Girão (PL-RN), o General Girão, registrou uma
candidatura para concorrer à vaga da CREDN na CCAI. Em janeiro passado, o militar
bolsonarista foi condenado na Justiça Federal a pagar R$2 milhões por danos
morais coletivos por incentivar atos antidemocráticos durante a crise golpista
de 2022.
Ocupada
tentando barrar a articulação bolsonarista pelo projeto de anistia no
Congresso, a liderança do governo na Câmara, a cargo do deputado Lindbergh
Farias (PT-RJ), não está envolvida na viabilização de uma candidatura contrária
à de Girão, segundo apurado pela Pública.
Do lado
da oposição, o presidente da CCAI e da CREDN disse à reportagem que
“anunciou a abertura do prazo para candidaturas, mas somente [Eliéser] Girão se
inscreveu até agora”. “Vamos fazer a eleição para a CCAI na próxima reunião [da
CREDN], provavelmente no dia 9, com ou sem obstrução por parte do PL”, afirmou
Barros à Pública, logo após o 1º encontro da CCAI
em 2025.
A mesma
regra válida para a CREDN se repete em sua congênere, a Comissão de Relações
Exteriores do Senado (CRE). Presidida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a
CRE ainda não começou a discutir sua eleição interna para sua vaga na CCAI. A
vaga é ocupada atualmente pelo senador Cid Gomes (PSB-CE), da base governista
na Casa, e enquanto não houver eleição na CRE, ele segue na CCAI.
- Presidente da
CCAI confirma encontro com diretor da Abin em meio à crise com Paraguai
Na
manhã desta quinta (3), o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando
Corrêa, foi ao Congresso encontrar-se
com o presidente da CCAI. O encontro não consta na agenda oficial do diretor da
Abin, que desde março passado não divulga publicamente nenhum de seus
compromissos.
Do
outro lado, o deputado Filipe Barros avaliou o encontro com Luiz Fernando
Correa como “positivo” e disse que o caso de espionagem contra o Paraguai não
foi abordado. “Foi um bom encontro, mas não falamos do tema. Foi uma
‘apresentação’, para que eu conhecesse o diretor, já que assumi a CCAI”,
afirmou à Pública.
No dia
anterior, quarta (2), a comissão retomou
suas atividades já
com o escândalo de espionagem contra autoridades do Paraguai na mira. Na
ocasião, um dos parlamentares da oposição, o senador Esperidião Amin (PP-SC),
protocolou pedidos relativos ao escândalo.
Via
CCAI, o senador pediu informações à Abin sobre
relatórios e atividades sobre o Paraguai e a usina hidrelétrica de Itaipu, o
suposto motivo por trás da operação da Abin. Amin também quer convidar o
diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Passos, para prestar
esclarecimentos sobre o caso.
A PF
abriu na última terça (1º) um inquérito
para apurar possível vazamento de informações sobre o caso, que surgiu em meio
às investigações sobre a “Abin Paralela”.
Servidores
da Abin não escondem sua desconfiança quanto ao caso, questionando a origem e o
objetivo do vazamento da operação no Paraguai. Desde a abertura do inquérito
sobre a “Abin Paralela”, em 2023, PF e a Abin têm travado uma disputa nos
bastidores — como já relatado, por exemplo, pelo portal The Intercept Brasil.
O caso
de espionagem contra autoridades paraguaias foi revelado na última segunda (31)
pelo jornalista Aguirre Talento, no portal UOL. Segundo sua
apuração, a operação teve início no governo Bolsonaro e teria sido mantida na
gestão Lula, buscando dados estratégicos do Paraguai sobre o tratado de
Itaipu – tema em negociação até o momento, sobre as tarifas da hidrelétrica
binacional.
- Controle da
inteligência ou do orçamento?
O ato de criação da
CCAI em
2013 mostra que a comissão é a responsável por “todas as ações referentes à
supervisão, verificação e inspeção das atividades de pessoas, órgãos e
entidades relacionados à inteligência e contrainteligência, bem como à
salvaguarda de informações sigilosas” de órgãos de inteligência no Brasil.
Mas, em
geral, a Comissão de Inteligência não se apresenta como uma instância atuante,
seja no controle das atividades de
inteligência no
Brasil, seja no Congresso.
Desde
2017, a CCAI se reuniu apenas 20 vezes, geralmente para
discutir emendas de recomposição do orçamento de órgãos de inteligência, como a
Abin, de órgãos de segurança e forças auxiliares, como as Forças Armadas.
O
número total de reuniões no período revela-se ilusório, porque apenas em 2023
houve sete encontros da CCAI – devido à revelação, naquele ano, da “Abin
Paralela” do governo Bolsonaro.
No ano
seguinte, a comissão reuniu-se pela primeira vez apenas em dezembro, quando
parlamentares usaram o pacote fiscal do governo como razão para cortar verbas
da inteligência em 2025, como noticiado pela Pública.
Mesmo
com poucos encontros nos últimos anos, a comissão já destinou uma verba
bilionária para aparatos de inteligência no Brasil. A Pública revelou que,
entre 2015 e 2024, a CCAI destinou R$1,7 bilhão para a Abin e setores de
inteligência das Forças Armadas.
¨
Governo do Paraguai investiga suposta espionagem da Abin
durante o governo Bolsonaro
O
Ministério Público do Paraguai divulgou, nesta quinta-feira (3/4), que abriu
uma investigação criminal após suspeita de espionagem digital pela Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), que teria como alvo autoridades e agências
do país.
Em
nota, o órgão divulgou que a decisão tem como objetivo "confirmar ou
descartar fatos de relevância criminal em território paraguaio". O
relatório, apresentado pelo subprocurador Manuel Doldán Breuer, destacou o
conteúdo de uma reportagem do Uol, que vincula a Abin a possíveis
invasões ilegais contra autoridades do Paraguai.
"Segundo
relatos, essas ações teriam como objetivo obter informações confidenciais
relacionadas às negociações tarifárias da Usina Hidrelétrica de Itaipu,
afetando supostamente os gabinetes de altos funcionários nacionais, incluindo o
Presidente da República, membros do Congresso, o corpo diplomático e
autoridades da ANDE", diz um trecho do comunicado.
Caso a
denúncia seja confirmada, a Abin pode responder pelos crimes de acesso não
autorizado a dados e acesso não autorizado a sistemas de computador e
interceptação de dados. "A abertura do caso também permitirá avaliar a
pertinência dos pedidos de cooperação internacional, no âmbito da Convenção
sobre Crimes Cibernéticos, assinada pelo Paraguai e pelo Brasil."
O
governo do Paraguai convocou, nesta segunda (1º/4), o embaixador do Brasil em
Assunção, José Antônio Marcondes, para cobrar explicações sobre o
suposto monitoramento da Abin aos sistemas do país.
Conforme
divulgado pelo G1, um funcionário da Abin prestou depoimento à
Polícia Federal, afirmando que a atual gestão do órgão teria mantido operações
de invasão hacker aos sistemas do Paraguai e de autoridades envolvidas nas
negociações da usina de Itaipu.
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Abertura de inquérito
A
Polícia Federal abriu inquérito nesta segunda (31/3) para investigar a
Abin. Um funcionário prestou depoimento, no qual as informações foram
divulgadas pelo Uol.
Segundo
o depoimento, a ação tinha como objetivo acessar dados sigilosos
sobre valores em negociação no Anexo C do Tratado de Itaipu.
O
ataque teria começado ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas que
continuou durante o governo Lula.
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Veja a nota na íntegra:
O
Ministério Público abriu um processo criminal após reportagens na mídia
alegando espionagem digital pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que
teria como alvo autoridades e agências da República do Paraguai.
Por
resolução de 1º de abril de 2025, a promotora adjunta responsável pela Unidade
Especializada em Crimes Cibernéticos, advogada Matilde Moreno, decidiu atribuir
a investigação à Promotora Irma Llano, da Unidade nº 3 da referida
especialidade, com o objetivo de promover os procedimentos correspondentes e
confirmar ou descartar fatos de relevância criminal em território paraguaio.
A
abertura da investigação tem como base um relatório apresentado pelo
subprocurador Manuel Doldán Breuer, chefe da Unidade Especializada em Relações
Internacionais, Extradição e Assistência Jurídica Externa, que destacou o
conteúdo de uma publicação do veículo de comunicação brasileiro UOL que vincula
a ABIN a possíveis invasões ilegais de computadores (hacking) contra
autoridades paraguaias.
Segundo
relatos, essas ações teriam como objetivo obter informações confidenciais
relacionadas às negociações tarifárias da Usina Hidrelétrica de Itaipu,
afetando supostamente os gabinetes de altos funcionários nacionais, incluindo o
Presidente da República, membros do Congresso, o corpo diplomático e
autoridades da ANDE.
De
acordo com a análise preliminar, os incidentes podem constituir os crimes de
acesso não autorizado a dados, acesso não autorizado a sistemas de computador e
interceptação de dados, conforme previsto na legislação penal paraguaia. A
abertura do caso também permitirá avaliar a pertinência dos pedidos de
cooperação internacional, no âmbito da Convenção sobre Crimes Cibernéticos,
assinada pelo Paraguai e pelo Brasil.
O
Ministério Público reafirma seu compromisso com a proteção da soberania
nacional e dos direitos fundamentais contra qualquer forma de interferência
indevida e dará continuidade às investigações na forma da lei.
Fonte: Por Caio de Freitas, da Agencia
Pública/Correio Braziliense
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