quarta-feira, 2 de abril de 2025

Fernando Castilho: Jair - método ou loucura?

Muito antes de se tornar presidente, Jair Bolsonaro, ainda jovem e magrinho, fez uma declaração com a naturalidade de quem estava falando sobre o tempo: disse, sem o menor constrangimento, que a ditadura deveria ter matado 30 mil pessoas. Ah, a franqueza!

Era só o começo de uma longa jornada de elogios ao golpe de 64 e ao torturador Brilhante Ustra, que, para ele, era praticamente um herói nacional. No breve discurso na votação do impeachment de Dilma Rousseff, seu Jair, mais uma vez, exaltou seu ídolo, como se nada de cruel existisse em suas palavras.

E então, como se fosse uma daquelas reviravoltas inesperadas de um filme de suspense, Bolsonaro se elegeu presidente. Quem diria? Seus atos e falas já deixavam claro que o homem não estava exatamente com as engrenagens mentais no lugar certo.

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Mas foi na pandemia que se revelou com uma clareza quase solar, que Bolsonaro não era apenas um psicopata, mas que também possuía um alto grau de esquizofrenia. Sim, pode-se afirmar isso, mesmo sem um diploma de médico, porque, convenhamos, a evidência estava estampada nas telas da TV, de forma até indigesta.

Alguns preferiam minimizar, claro. “Isso tudo não passa de uma estratégia, um método para comandar as massas rumo a uma autocracia futura”, diziam os articulistas mais respeitados bem pagos, como se seu Jair fosse um mestre das marionetes, agindo apenas por cálculo político. Mas quem assistia ao seu comportamento durante a pandemia sabia que aquilo não era apenas um jogo de poder — era uma verdadeira distorção da realidade. Ele menosprezava a Covid-19 com a sordidez de quem não se importa com a vida: imitou pessoas morrendo asfixiadas e afirmou que quem tomasse a vacina viraria jacaré ou gay, como se estivesse lendo um roteiro de uma comédia ruim. Para completar o quadro de loucura, correu atrás das emas do Palácio da Alvorada com caixinhas de cloroquina na mão, o remédio que ele elegeu, contrariamente à ciência, para combater o vírus. Pensando bem, será que faturou algum com sua propaganda?

Enquanto isso, no cercadinho — um palco menor, mas com uma plateia maluca como seu ator — o presidente se esmerava em mentir diariamente aos seus seguidores, sem um pingo de remorso ou constrangimento. Sua maior contribuição para o vocabulário popular? “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Uma frase que é uma antítese de seus discursos e atos: quanto mais falava, mais a verdade se afastava. Ele não só atacava urnas eletrônicas e xingava o ministro Alexandre de Moraes, como também, em um ato de puro delírio, bradou: “Acabou, porra!” — como se fosse o próprio mestre do universo, sem noção alguma de que estava perdendo cada vez mais o controle da narrativa.

O que vinha em seguida? Romper com todos os aliados que começavam a se mostrar como ameaças à sua futura estabilidade — Mandetta, Doria, Bebiano, Mourão… A lista de inimigos era longa, e ele, sem escrúpulos, os afastava sem que seus asseclas mais próximos percebessem que poderiam ser os próximos.

E veio a eleição de Lula e com ela o fatídico quebra-quebra de 8 de janeiro. Bolsonaro, agora réu, faz declarações quase diárias, como se estivesse apenas fazendo um “service” para a sua própria sanidade — ou o que ainda restava dela.

E aí vem o melhor: seus advogados, coitados, tentam manter uma linha de defesa, mas logo depois seu cliente vai à imprensa e desmente tudo aos brados. Numa de suas últimas entrevistas, para o espanto da sua defesa, ele revelou com a mesma naturalidade de quem falava de um almoço de domingo, que imprimiu a minuta do golpe só para ver o que estava escrito nela e que tinha a ideia de decretar estado de sítio e emergência. Mas, para quê? Para impedir a posse de Lula? Seria uma boa pergunta, não é? Pena que nenhum repórter se lembrou de perguntar.

Agora, o advogado Vilardi, coitado, parece um marionetista perdido no palco. Contratado por uma fortuna, vê sua defesa ruir como um castelo de cartas a cada nova entrevista de seu cliente. Pior ainda, dizem que seus honorários estão atrasados — quem sabe ele nem aguente por muito tempo.

O que ninguém pode negar é que Bolsonaro, em sua necessidade patológica de comparações, se tornou o homem que mais fala de Lula. Sempre com aquele bordão: “E o Lula?” O homem, que até outro dia estava no topo do poder, agora está no fundo do poço, réu na justiça e com uma possível condenação de até 40 anos. Não é difícil prever que ele, em sua mente confusa, tentará fugir antes mesmo da condenação. Fugirá, talvez, como quem sai de um filme de ação, mas com a cara de quem nunca soube o que estava fazendo.

Porque, no fim das contas, nunca se tratou de um método. Nunca foi uma estratégia fria e calculada. O que move Bolsonaro é sempre sua mente desordenada, seu ego inflado e uma insegurança que transborda mais rápido que uma torneira furada. A loucura está aí, à vista de todos, e ele, como um bom protagonista de sua própria tragédia, não faz nada além de alimentá-la.

¨      Quase todos os fracassos de Bolsonaro. Por Moisés Mendes

Bolsonaro fracassou nos quartéis como tenente medíocre que sempre foi. Falhou como líder de tentativas de motim e de atentados dentro das Forças Armadas. Fracassou como deputado que nunca fez nada de relevante ou de irrelevante e nem turma tinha na Câmara. Falhou como presidente que não sabia nada de economia e empurrou o país para a estagnação. Fracassou ao tentar criar, como se fosse um negócio, um partido para a família. Fracassou como vendedor de cloroquina como milagre que iria salvar a humanidade. Fracassou ao abrir as portas do governo para o fracasso da quadrilha de coronéis vampiros das vacinas. Falhou ao almejar um segundo mandato e ser o primeiro presidente derrotado na tentativa de reeleição. Falhou ao ser vencido no voto pelo homem que a Lava-Jato prendera para que o próprio Bolsonaro vencesse a eleição de 2018. Fracassou ao inventar que um filho poderia ser embaixador nos Estados Unidos porque fritava hambúrguer. Falhou e não convenceu ninguém ao fingir que o sistema eleitoral brasileiro poderia ser fraudado. Falhou ao articular com os militares um golpe em que todos os chefes fugiriam e deixariam os manés sozinhos para invadir Brasília. Falhou como muambeiro ao tentar vender joias e um cavalo com as patas quebradas que o governo recebera de presente. Falhou ao planejar uma fuga para a Hungria e desistir de fugir. Fracassou ao tentar convencer que havia sido convidado como um dos líderes mundiais do fascismo para a posse de Trump e na verdade ser esnobado pelo neonazista. Falhou ao ver do alto de um caminhão uma aglomeração em Copacabana flopar pela segunda vez. Fracassou ao tentar tirar Moraes, Zanin e Dino do julgamento dos golpistas. Falhou ao perder o controle do próprio bolsonarismo e ver aliados o abandonarem às vésperas da prisão. Fracassou ao ir ao Supremo e achar que iria amedrontar Alexandre de Moraes. Fracassou tanto que não voltou no dia seguinte. Pode fracassar como presidiário, se continuar chorando cada vez que fala do dia em que será preso. E poderá, se morrer na prisão, como diz que pode acontecer, fracassar também como um morto que poucos, incluindo os fascistas, ainda gostariam de ver cambaleando por aí vivo

¨      Com Bolsonaro réu, chega mais perto o esperado momento de sua prisão

26 de março de 2025. Nesta data, pela primeira vez na história do Brasil, lideranças civis e altos escalões militares, participantes de um golpe de Estado, passaram a ser oficialmente acusados em um processo judicial com chances reais de condenação à prisão.

Nesta data, Jair Bolsonaro passou a ser réu junto a outros sete acusados. Foi o que decidiu, por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.

Num país tão marcado por intervenções militares ao longo de sua história, chefes militares golpistas foram enviados ao banco dos réus.

Parece a aproximação de um desejo longamente acalentado.

Neste primeiro grupo de oito acusados, considerado "crucial", viraram réus o general Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), o general Paulo Sérgio Nogueira (ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa), o general Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e o tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro). A eles se juntam Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) e Anderson Torres (ex-ministro da Justiça). Outras levas de acusados, com expressiva presença de hierarcas militares, serão objeto de decisões equivalentes do Supremo no futuro próximo.

A decisão dos ministros da Suprema Corte, ainda inicial, embora seja apenas um princípio, já constitui per se um avanço democrático de relevância simplesmente espetacular.

Ela está escorada em investigações científicas repletas de provas colhidas com excelência pela Polícia Federal, as quais ensejaram denúncia aguda do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e um voto cabal do ministro-relator, Alexandre de Moraes, seguido pelo restante dos ministros.

Agora, recebida a denúncia, começa a fase de exame detalhado de provas e audição criteriosa de acusados e testemunhas, assegurado amplo direito de defesa aos réus.

A transformação de Bolsonaro e seus asseclas em réus trouxe de volta à memória, inclusive em vídeo exibido por Moraes durante seu voto, o pesadelo da escalada golpista, fustigada criminosamente por Bolsonaro desde 2021 até o desfecho fatídico em 8 de janeiro de 2023. A denúncia do Ministério Público não recuou diante de fatos escabrosos. Entre as acusações que deverão ser examinadas em detalhes estão incluídos estarrecedores intentos do grupo golpista de assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do próprio relator dos processos, o ministro Alexandre de Moraes.

Não há dúvida de que Bolsonaro, como diz a denúncia lapidar do procurador-chefe, Paulo Gonet, é o chefe da organização criminosa, engendrada para servir a seus desígnios. O Ministério Público indicou intenções, métodos, hierarquias e crimes que incluíam, como se vê, violência e morte de adversários.

O que se queria era golpear um presidente eleito nas urnas e implantar de volta uma ditadura, evidentemente militar. Corroborando a denúncia e o voto de Moraes, a ministra Cármen Lúcia sintetizou de forma notável a intentona e a reação que ela suscita: "A ditadura mata".

Julgar e condenar Bolsonaro exemplarmente constitui uma obrigação irrecusável da Justiça diante da nação. Que venha uma sentença profilática e pedagógica. Um veredito justo trará consigo a força de alterar a crônica secular de golpes que tantas vezes sacudiram o país, desde o período monárquico até muito recentemente.

O julgamento que agora começa também poderá apurar que instâncias foram responsáveis por frustrar a intentona. Uma tal apuração pode também ser valiosa para apontar atitudes exemplares que possam servir como referência democrática no interior das Forças Armadas.

Bolsonaro réu instaura um salto de qualidade na história e na conjuntura. Já se nota que atores políticos e setores da mídia hegemônica se reposicionam para tentar isentar ou mitigar a situação do acusado odioso.

Este propugna uma "anistia" enquanto tenta vender uma ideia como sendo uma banalidade suas ofertas de "exame de dispositivos constitucionais", estado de defesa, de sítio, artigo 142, GLO, feitas aos comandantes militares e ao alto comando do Exército.

A hora se aproxima. O país passou por uma quadra da maior gravidade. Agora, a marcha da Justiça deve fazer valer, afinal, a lei e virar, quem sabe para sempre, a página dessa extensa crônica golpista. Sem anistia, ou seja, com Jair Bolsonaro na cadeia.

¨      "Ou Bolsonaro vai para a prisão ou vai tentar exílio", diz José Genoino

Em entrevista ao programa Bom Dia 247, o ex-presidente nacional do PT, José Genoino, avaliou que o julgamento dos acusados de planejar e executar a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 marca um divisor de águas na história constitucional do Brasil. A declaração foi feita após a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar por unanimidade a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados, tornando-os réus por crimes contra a ordem democrática.

Genoino elogiou a peça do ministro Alexandre de Moraes que fundamenta a denúncia, destacando sua robustez e clareza ao articular os fatos, provas e conexões políticas entre os envolvidos. “Acho que é uma peça que organiza os fatos, constrói uma narrativa consistente a partir das revelações dos celulares, das mensagens, dos pronunciamentos do Bolsonaro e das responsabilidades do governo”, afirmou.

Ele refutou a tese de que a delação de Mauro Cid seria o eixo principal da acusação: “A delação do Mauro Cid não é o elemento central da denúncia, apesar de alguns juristas afirmarem isso. Não é verdade. Vejo essa denúncia como uma resposta institucional bastante contundente”.

Para o ex-parlamentar, o processo tem um valor inédito e simbólico: “Pela primeira vez na nossa história constitucional se julga uma tentativa de golpe e a ruptura da ordem democrática”. Ele também destacou que as defesas dos acusados não negaram que houve tentativa de golpe: “Nenhuma das defesas questionou a existência do golpe. Cada uma se concentrou em defender seus clientes individualmente, mas não houve contestação sobre o fato em si”.

Genoino sustentou que o movimento golpista foi premeditado: “Aquilo não foi espontâneo, não surgiu do nada. Foi um plano articulado com o objetivo de anular o resultado das eleições e garantir a vitória a qualquer custo”. Segundo ele, a estratégia fracassou por falta de apoio interno e internacional: “Eles não conseguiram construir consenso com a opinião pública, com setores influentes, especialmente nos Estados Unidos, nem superar a divisão interna do próprio grupo. A posse do Lula em 1º de janeiro, com uma grande mobilização popular, também foi um fator decisivo”.

O ex-deputado identificou três grupos distintos no bolsonarismo: “Havia os que defendiam um golpe abertamente, os que esperavam para ver o que aconteceria e os que ofereciam uma resistência tímida, praticamente imóvel”.

Sobre os desdobramentos políticos e jurídicos, Genoino foi direto: “Essa turma ou vai cumprir pena ou vai se exilar. Bolsonaro terá essas duas alternativas: ou será preso ou buscará o exílio”. Ele também prevê uma tentativa de reconfiguração da extrema direita com vistas às eleições de 2026: “O bolsonarismo vai tentar se reciclar, assumir uma nova roupagem para continuar disputando espaço político”.

Essa reconfiguração, segundo Genoino, dependerá de fatores como a popularidade de Lula e a resposta do governo às demandas sociais: “Vai depender de pesquisas, do desempenho do governo Lula, da possibilidade dele ser candidato – o que eu defendo –, e de como vamos nos relacionar com o povo nesses dois próximos anos”.

O petista defendeu que o governo priorize pautas econômicas e sociais: “Temos que avançar na redução da jornada de trabalho, enfrentar a inflação dos alimentos, valorizar os salários, gerar empregos e, principalmente, aprovar a isenção da tabela do imposto de renda. São essas as pautas populares que precisam de atenção, para que o governo não fique preso a uma institucionalidade que, a meu ver, está completamente oligarquizada”.

Ele criticou ainda a atuação do Congresso Nacional, especialmente no que se refere à proposta de anistia aos golpistas: “Estão propondo uma anistia antecipada. Nem foram condenados ainda e já querem perdoar. Isso é parte da tradição do negacionismo e da invisibilização das responsabilidades da classe dominante brasileira”.

Genoino fez um alerta histórico ao lembrar de episódios anteriores: “Foi assim com Juscelino, com o golpe de 64, com a anistia de 79. Agora querem repetir essa farsa. Não dá para repetir. A história, quando se repete, é como farsa ou como tragédia. Nenhuma das duas serve ao Brasil”.

Para ele, é fundamental complementar o julgamento com um debate político sobre o papel das Forças Armadas: “Não podemos agir com pressa ou ansiedade. Precisamos debater. Por que, entre os denunciados, 22 são militares? De onde vieram? Como foram formados?”

Por fim, Genoino advertiu que a extrema direita cria um ambiente de confronto com o Judiciário como parte de sua estratégia global: “A ascensão da extrema direita fascista gera um contencioso com o Judiciário. É o que ocorre nos Estados Unidos, aqui no Brasil, na Argentina e em outros países. Esse embate busca deslegitimar as instituições e leva a um cenário de vale tudo. A história do golpe está bem documentada. Precisamos fazer dessa denúncia uma bandeira política, porque se trata da própria legitimidade do Estado democrático brasileiro”. 

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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