Fernando
Castilho: Jair - método ou loucura?
Muito
antes de se tornar presidente, Jair Bolsonaro, ainda jovem e magrinho, fez uma
declaração com a naturalidade de quem estava falando sobre o tempo: disse, sem
o menor constrangimento, que a ditadura deveria ter matado 30 mil pessoas. Ah,
a franqueza!
Era só
o começo de uma longa jornada de elogios ao golpe de 64 e ao torturador
Brilhante Ustra, que, para ele, era praticamente um herói nacional. No breve
discurso na votação do impeachment de Dilma Rousseff, seu Jair, mais uma vez,
exaltou seu ídolo, como se nada de cruel existisse em suas palavras.
E
então, como se fosse uma daquelas reviravoltas inesperadas de um filme de
suspense, Bolsonaro se elegeu presidente. Quem diria? Seus atos e falas já
deixavam claro que o homem não estava exatamente com as engrenagens mentais no
lugar certo.
Mas foi
na pandemia que se revelou com uma clareza quase solar, que Bolsonaro não era
apenas um psicopata, mas que também possuía um alto grau de esquizofrenia. Sim,
pode-se afirmar isso, mesmo sem um diploma de médico, porque, convenhamos, a
evidência estava estampada nas telas da TV, de forma até indigesta.
Alguns
preferiam minimizar, claro. “Isso tudo não passa de uma estratégia, um método
para comandar as massas rumo a uma autocracia futura”, diziam os articulistas
mais respeitados bem pagos, como se seu Jair fosse um mestre das marionetes,
agindo apenas por cálculo político. Mas quem assistia ao seu comportamento
durante a pandemia sabia que aquilo não era apenas um jogo de poder — era uma
verdadeira distorção da realidade. Ele menosprezava a Covid-19 com a sordidez
de quem não se importa com a vida: imitou pessoas morrendo asfixiadas e afirmou
que quem tomasse a vacina viraria jacaré ou gay, como se estivesse lendo um
roteiro de uma comédia ruim. Para completar o quadro de loucura, correu atrás
das emas do Palácio da Alvorada com caixinhas de cloroquina na mão, o remédio
que ele elegeu, contrariamente à ciência, para combater o vírus. Pensando bem,
será que faturou algum com sua propaganda?
Enquanto
isso, no cercadinho — um palco menor, mas com uma plateia maluca como seu ator
— o presidente se esmerava em mentir diariamente aos seus seguidores, sem um
pingo de remorso ou constrangimento. Sua maior contribuição para o vocabulário
popular? “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Uma frase que é
uma antítese de seus discursos e atos: quanto mais falava, mais a verdade se
afastava. Ele não só atacava urnas eletrônicas e xingava o ministro Alexandre
de Moraes, como também, em um ato de puro delírio, bradou: “Acabou, porra!” —
como se fosse o próprio mestre do universo, sem noção alguma de que estava
perdendo cada vez mais o controle da narrativa.
O que
vinha em seguida? Romper com todos os aliados que começavam a se mostrar como
ameaças à sua futura estabilidade — Mandetta, Doria, Bebiano, Mourão… A lista
de inimigos era longa, e ele, sem escrúpulos, os afastava sem que seus asseclas
mais próximos percebessem que poderiam ser os próximos.
E veio
a eleição de Lula e com ela o fatídico quebra-quebra de 8 de janeiro.
Bolsonaro, agora réu, faz declarações quase diárias, como se estivesse apenas
fazendo um “service” para a sua própria sanidade — ou o que ainda restava dela.
E aí
vem o melhor: seus advogados, coitados, tentam manter uma linha de defesa, mas
logo depois seu cliente vai à imprensa e desmente tudo aos brados. Numa de suas
últimas entrevistas, para o espanto da sua defesa, ele revelou com a mesma
naturalidade de quem falava de um almoço de domingo, que imprimiu a minuta do
golpe só para ver o que estava escrito nela e que tinha a
ideia de decretar estado de sítio e emergência. Mas, para quê? Para impedir a
posse de Lula? Seria uma boa pergunta, não é? Pena que nenhum repórter se
lembrou de perguntar.
Agora,
o advogado Vilardi, coitado, parece um marionetista perdido no palco.
Contratado por uma fortuna, vê sua defesa ruir como um castelo de cartas a cada
nova entrevista de seu cliente. Pior ainda, dizem que seus honorários estão
atrasados — quem sabe ele nem aguente por muito tempo.
O que
ninguém pode negar é que Bolsonaro, em sua necessidade patológica de
comparações, se tornou o homem que mais fala de Lula. Sempre com aquele bordão:
“E o Lula?” O homem, que até outro dia estava no topo do poder, agora está no
fundo do poço, réu na justiça e com uma possível condenação de até 40 anos. Não
é difícil prever que ele, em sua mente confusa, tentará fugir antes mesmo da
condenação. Fugirá, talvez, como quem sai de um filme de ação, mas com a cara
de quem nunca soube o que estava fazendo.
Porque,
no fim das contas, nunca se tratou de um método. Nunca foi uma estratégia fria
e calculada. O que move Bolsonaro é sempre sua mente desordenada, seu ego
inflado e uma insegurança que transborda mais rápido que uma torneira furada. A
loucura está aí, à vista de todos, e ele, como um bom protagonista de sua
própria tragédia, não faz nada além de alimentá-la.
¨ Quase todos os
fracassos de Bolsonaro. Por Moisés Mendes
Bolsonaro
fracassou nos quartéis como tenente medíocre que sempre foi. Falhou como líder
de tentativas de motim e de atentados dentro das Forças Armadas. Fracassou como
deputado que nunca fez nada de relevante ou de irrelevante e nem turma tinha na
Câmara. Falhou como presidente que não sabia nada de economia e empurrou o país
para a estagnação. Fracassou ao tentar criar, como se fosse um negócio, um partido
para a família. Fracassou como vendedor de cloroquina como milagre que iria
salvar a humanidade. Fracassou ao abrir as portas do governo para o fracasso da
quadrilha de coronéis vampiros das vacinas. Falhou ao almejar um segundo
mandato e ser o primeiro presidente derrotado na tentativa de reeleição. Falhou
ao ser vencido no voto pelo homem que a Lava-Jato prendera para que o próprio
Bolsonaro vencesse a eleição de 2018. Fracassou ao inventar que um filho
poderia ser embaixador nos Estados Unidos porque fritava hambúrguer. Falhou e
não convenceu ninguém ao fingir que o sistema eleitoral brasileiro poderia ser
fraudado. Falhou ao articular com os militares um golpe em que todos os chefes
fugiriam e deixariam os manés sozinhos para invadir Brasília. Falhou como
muambeiro ao tentar vender joias e um cavalo com as patas quebradas que o
governo recebera de presente. Falhou ao planejar uma fuga para a Hungria e
desistir de fugir. Fracassou ao tentar convencer que havia sido convidado como
um dos líderes mundiais do fascismo para a posse de Trump e na verdade ser
esnobado pelo neonazista. Falhou ao ver do alto de um caminhão uma aglomeração
em Copacabana flopar pela segunda vez. Fracassou ao tentar tirar Moraes, Zanin
e Dino do julgamento dos golpistas. Falhou ao perder o controle do próprio
bolsonarismo e ver aliados o abandonarem às vésperas da prisão. Fracassou ao ir
ao Supremo e achar que iria amedrontar Alexandre de Moraes. Fracassou tanto que
não voltou no dia seguinte. Pode fracassar como presidiário, se continuar
chorando cada vez que fala do dia em que será preso. E poderá, se morrer na
prisão, como diz que pode acontecer, fracassar também como um morto que poucos,
incluindo os fascistas, ainda gostariam de ver cambaleando por aí vivo
¨ Com Bolsonaro réu,
chega mais perto o esperado momento de sua prisão
26 de
março de 2025. Nesta data, pela primeira vez na história do Brasil, lideranças
civis e altos escalões militares, participantes de um golpe de Estado, passaram
a ser oficialmente acusados em um processo judicial com chances reais de
condenação à prisão.
Nesta
data, Jair Bolsonaro passou a ser réu junto a outros sete acusados. Foi o que
decidiu, por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.
Num
país tão marcado por intervenções militares ao longo de sua história, chefes
militares golpistas foram enviados ao banco dos réus.
Parece
a aproximação de um desejo longamente acalentado.
Neste
primeiro grupo de oito acusados, considerado "crucial", viraram réus
o general Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa), o almirante
Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), o general Paulo Sérgio Nogueira
(ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa), o general Augusto Heleno
(ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e o tenente-coronel Mauro
Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro). A eles se juntam Alexandre Ramagem
(ex-diretor da Abin) e Anderson Torres (ex-ministro da Justiça). Outras levas
de acusados, com expressiva presença de hierarcas militares, serão objeto de
decisões equivalentes do Supremo no futuro próximo.
A
decisão dos ministros da Suprema Corte, ainda inicial, embora seja apenas um
princípio, já constitui per se um avanço democrático de relevância simplesmente
espetacular.
Ela
está escorada em investigações científicas repletas de provas colhidas com
excelência pela Polícia Federal, as quais ensejaram denúncia aguda do
procurador-geral da República, Paulo Gonet, e um voto cabal do
ministro-relator, Alexandre de Moraes, seguido pelo restante dos ministros.
Agora,
recebida a denúncia, começa a fase de exame detalhado de provas e audição
criteriosa de acusados e testemunhas, assegurado amplo direito de defesa aos
réus.
A
transformação de Bolsonaro e seus asseclas em réus trouxe de volta à memória,
inclusive em vídeo exibido por Moraes durante seu voto, o pesadelo da escalada
golpista, fustigada criminosamente por Bolsonaro desde 2021 até o desfecho
fatídico em 8 de janeiro de 2023. A denúncia do Ministério Público não recuou
diante de fatos escabrosos. Entre as acusações que deverão ser examinadas em
detalhes estão incluídos estarrecedores intentos do grupo golpista de
assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do próprio relator
dos processos, o ministro Alexandre de Moraes.
Não há
dúvida de que Bolsonaro, como diz a denúncia lapidar do procurador-chefe, Paulo
Gonet, é o chefe da organização criminosa, engendrada para servir a seus
desígnios. O Ministério Público indicou intenções, métodos, hierarquias e
crimes que incluíam, como se vê, violência e morte de adversários.
O que
se queria era golpear um presidente eleito nas urnas e implantar de volta uma
ditadura, evidentemente militar. Corroborando a denúncia e o voto de Moraes, a
ministra Cármen Lúcia sintetizou de forma notável a intentona e a reação que
ela suscita: "A ditadura mata".
Julgar
e condenar Bolsonaro exemplarmente constitui uma obrigação irrecusável da
Justiça diante da nação. Que venha uma sentença profilática e pedagógica. Um
veredito justo trará consigo a força de alterar a crônica secular de golpes que
tantas vezes sacudiram o país, desde o período monárquico até muito
recentemente.
O
julgamento que agora começa também poderá apurar que instâncias foram
responsáveis por frustrar a intentona. Uma tal apuração pode também ser valiosa
para apontar atitudes exemplares que possam servir como referência democrática
no interior das Forças Armadas.
Bolsonaro
réu instaura um salto de qualidade na história e na conjuntura. Já se nota que
atores políticos e setores da mídia hegemônica se reposicionam para tentar
isentar ou mitigar a situação do acusado odioso.
Este
propugna uma "anistia" enquanto tenta vender uma ideia como sendo uma
banalidade suas ofertas de "exame de dispositivos constitucionais",
estado de defesa, de sítio, artigo 142, GLO, feitas aos comandantes militares e
ao alto comando do Exército.
A hora
se aproxima. O país passou por uma quadra da maior gravidade. Agora, a marcha
da Justiça deve fazer valer, afinal, a lei e virar, quem sabe para sempre, a
página dessa extensa crônica golpista. Sem anistia, ou seja, com Jair Bolsonaro
na cadeia.
¨ "Ou Bolsonaro
vai para a prisão ou vai tentar exílio", diz José Genoino
Em
entrevista ao programa Bom Dia 247, o ex-presidente nacional do PT,
José Genoino, avaliou que o julgamento dos acusados de planejar e executar a
tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 marca um divisor de águas na
história constitucional do Brasil. A declaração foi feita após a Primeira Turma
do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar por unanimidade a denúncia da
Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e
outros sete aliados, tornando-os réus por crimes contra a ordem democrática.
Genoino
elogiou a peça do ministro Alexandre de Moraes que fundamenta a denúncia,
destacando sua robustez e clareza ao articular os fatos, provas e conexões
políticas entre os envolvidos. “Acho que é uma peça que organiza os fatos,
constrói uma narrativa consistente a partir das revelações dos celulares, das
mensagens, dos pronunciamentos do Bolsonaro e das responsabilidades do
governo”, afirmou.
Ele
refutou a tese de que a delação de Mauro Cid seria o eixo principal da
acusação: “A delação do Mauro Cid não é o elemento central da denúncia, apesar
de alguns juristas afirmarem isso. Não é verdade. Vejo essa denúncia como uma
resposta institucional bastante contundente”.
Para o
ex-parlamentar, o processo tem um valor inédito e simbólico: “Pela primeira vez
na nossa história constitucional se julga uma tentativa de golpe e a ruptura da
ordem democrática”. Ele também destacou que as defesas dos acusados não negaram
que houve tentativa de golpe: “Nenhuma das defesas questionou a existência do
golpe. Cada uma se concentrou em defender seus clientes individualmente, mas
não houve contestação sobre o fato em si”.
Genoino
sustentou que o movimento golpista foi premeditado: “Aquilo não foi espontâneo,
não surgiu do nada. Foi um plano articulado com o objetivo de anular o
resultado das eleições e garantir a vitória a qualquer custo”. Segundo ele, a
estratégia fracassou por falta de apoio interno e internacional: “Eles não
conseguiram construir consenso com a opinião pública, com setores influentes,
especialmente nos Estados Unidos, nem superar a divisão interna do próprio
grupo. A posse do Lula em 1º de janeiro, com uma grande mobilização popular,
também foi um fator decisivo”.
O
ex-deputado identificou três grupos distintos no bolsonarismo: “Havia os que
defendiam um golpe abertamente, os que esperavam para ver o que aconteceria e
os que ofereciam uma resistência tímida, praticamente imóvel”.
Sobre
os desdobramentos políticos e jurídicos, Genoino foi direto: “Essa turma ou vai
cumprir pena ou vai se exilar. Bolsonaro terá essas duas alternativas: ou será
preso ou buscará o exílio”. Ele também prevê uma tentativa de reconfiguração da
extrema direita com vistas às eleições de 2026: “O bolsonarismo vai tentar se
reciclar, assumir uma nova roupagem para continuar disputando espaço político”.
Essa
reconfiguração, segundo Genoino, dependerá de fatores como a popularidade de
Lula e a resposta do governo às demandas sociais: “Vai depender de pesquisas,
do desempenho do governo Lula, da possibilidade dele ser candidato – o que eu
defendo –, e de como vamos nos relacionar com o povo nesses dois próximos
anos”.
O
petista defendeu que o governo priorize pautas econômicas e sociais: “Temos que
avançar na redução da jornada de trabalho, enfrentar a inflação dos alimentos,
valorizar os salários, gerar empregos e, principalmente, aprovar a isenção da
tabela do imposto de renda. São essas as pautas populares que precisam de
atenção, para que o governo não fique preso a uma institucionalidade que, a meu
ver, está completamente oligarquizada”.
Ele
criticou ainda a atuação do Congresso Nacional, especialmente no que se refere
à proposta de anistia aos golpistas: “Estão propondo uma anistia antecipada.
Nem foram condenados ainda e já querem perdoar. Isso é parte da tradição do
negacionismo e da invisibilização das responsabilidades da classe dominante
brasileira”.
Genoino
fez um alerta histórico ao lembrar de episódios anteriores: “Foi assim com
Juscelino, com o golpe de 64, com a anistia de 79. Agora querem repetir essa
farsa. Não dá para repetir. A história, quando se repete, é como farsa ou como
tragédia. Nenhuma das duas serve ao Brasil”.
Para
ele, é fundamental complementar o julgamento com um debate político sobre o
papel das Forças Armadas: “Não podemos agir com pressa ou ansiedade. Precisamos
debater. Por que, entre os denunciados, 22 são militares? De onde vieram? Como
foram formados?”
Por
fim, Genoino advertiu que a extrema direita cria um ambiente de confronto com o
Judiciário como parte de sua estratégia global: “A ascensão da extrema direita
fascista gera um contencioso com o Judiciário. É o que ocorre nos Estados
Unidos, aqui no Brasil, na Argentina e em outros países. Esse embate busca
deslegitimar as instituições e leva a um cenário de vale tudo. A história do
golpe está bem documentada. Precisamos fazer dessa denúncia uma bandeira
política, porque se trata da própria legitimidade do Estado democrático
brasileiro”.
Fonte:
Jornal GGN/Brasil 247
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