terça-feira, 1 de outubro de 2024

Neurônios em dia: Chegaremos ao ponto de dizer que todo mundo é portador de pelo menos uma doença?

O termo medicalização define o fenômeno em que um comportamento ou uma condição física ou mental passa a ser tratado como se fosse um problema médico, recebendo um rótulo de doença e opções de tratamento.

O centro da discussão quando se fala em medicalização é a força da indústria farmacêutica nesse processo que impulsiona a sociedade civil, profissionais de saúde, órgãos do governo e a mídia a retroalimentarem a cultura de que todo organismo vivo da espécie sapiens, a princípio, deve ter alguma doença ou precisa de algum remédio. Todos esses atores podem contribuir de alguma forma para esse fenômeno.

Nos EUA, a publicidade de medicações acontece de forma direta com os consumidores com inserções do tipo: “Se você está se sentindo desanimado, pode ser que este antidepressivo seja indicado no seu caso. Converse com seu médico sobre isso”. Calcula-se que cada dólar gasto em publicidade direta ao consumidor dê um retorno de mais de quatro dólares em vendas.

No Brasil, a Anvisa não permite essa abordagem direta e, por isso, o trabalho das indústrias farmacêuticas junto aos médicos deve ser ainda mais intenso para alcançar as metas de vendas, pois são eles que estão na linha de frente. A publicidade dirigida aos médicos inclui as visitas de representantes para oferecer amostras grátis dos últimos lançamentos, propaganda de seus produtos em periódicos destinados à classe médica e patrocínio de eventos científicos.

Grande parte dos médicos especialistas que fazem parte dos painéis que definem os critérios diagnósticos das doenças tem conflitos de interesse. Esses conflitos não são só financeiros, mas também intelectuais, pois o médico pesquisador tem a tendência de querer proteger seus “filhotes científicos”. Uma política exemplar tem o Instituto Nacional de Saúde nos EUA que não permite que o médico que tenha conflitos de interesse com a indústria farmacêutica participe dos painéis decisórios, até mesmo aqueles que simplesmente já tenham declarado um posicionamento intelectual sobre a questão em consideração.

É importante também levar em consideração que o processo de decisão daquilo que é doença e que não é doença pode ser muito mais rico quando a discussão não fica limitada apenas a médicos. A sociedade civil e representantes de tantas outras áreas do conhecimento, como as ciências sociais, são muito bem-vindos nesse debate.

•        Dormir bem reequilibra a atividade dos neurônios

A ciência do sono e da memória deu mais um passo com uma descoberta da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, que esclarece como o cérebro processa e consolida memórias enquanto dormimos. O novo estudo, publicado na revista Sciente, revela um mecanismo crucial pelo qual o hipocampo – uma região vital para o que lembramos — reequilibra sua atividade neural durante o sono, um processo fundamental para a preservação e estabilização do que deve ser guardado.

O estudo, liderado por Azahara Oliva, professora assistente de neurobiologia e comportamento, identificou uma nova atividade neuronal durante o sono, conhecida como barragens de potenciais de ação, ou BARR. Essas BARRs desempenham um papel essencial no reequilíbrio da rede neural do hipocampo, facilitando a consolidação da memória.

Durante a fase de sono sem movimento rápido dos olhos (NREM), os neurônios do hipocampo exibem rajadas curtas de atividade de disparo chamadas ondulações de ondas agudas (SWRs). Esses padrões são conhecidos por serem essenciais para a fixação da memória. O novo estudo revelou que um subconjunto específico de células piramidais CA2 no hipocampo dispara longas barragens de potenciais de ação durante o sono NREM. Essas BARRs ajudam a regular a atividade neuronal no hipocampo, promovendo um nível equilibrado de reativação, que é crucial para a formação de lembranças de longo prazo.

A equipe usou eletrofisiologia em larga escala para examinar a atividade neuronal em várias áreas do hipocampo de camundongos e ratos durante tarefas de aprendizado e durante o sono. Eles descobriram que, após o aprendizado, os neurônios CA1, que haviam aumentado sua atividade enquanto realizava as ações, foram inibidos por essas barragens.

Interromper os BARRs usando manipulação optogenética levou a um desempenho prejudicado na memória, sugerindo que um equilíbrio adequado de reativação neuronal é fundamental para a fixação da memória.

Heitor Éttori, médico fundador e medical board da Neurogram e mestre em neurofisiologia e neuromonitoramento Intraoperatório pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), detalha que os principais mecanismos neurobiológicos que levam à consolidação da memória durante o sono incluem a reativação neuronal, que envolve ondas lentas com capacidade de atingir regiões cerebrais distantes. "Além disso, as oscilações de frequência cerebral facilitam tanto na transferência de informações elétricas do hipocampo para demais regiões, como na reativação de memória dentro do próprio hipocampo."

Segundo Éttori, a plasticidade neuronal também facilita a consolidação da memória. "Os sonhos também estão relacionados a esses processos. Teorias sugerem que eles ajudam o cérebro a digerir informações do dia anterior ou a se preparar para novos eventos. A reativação de memórias recentes no hipocampo para promover o armazenamento em regiões corticais pode ocorrer durante os sonhos."

Além das implicações para a compreensão da consolidação da memória, os autores acreditam que essas descobertas podem ter aplicações significativas em áreas como o tratamento de distúrbios que afetam a lembrança, incluindo a doença de Alzheimer e o transtorno de estresse pós-traumático. A pesquisa sugere ainda que a manipulação desses canais pode ser uma via promissora para o desenvolvimento de novas terapias.

Sergio Jordy, neurologista da Rede D'or, em São Paulo, acredita que, no futuro, haverá medicamentos que induzam o estado regenerativo das células que acontece naturalmente no sono. "É um campo de pesquisa que ainda vai precisar de bastante evolução para conseguirmos um tratamento efetivo para essas doenças. Eventualmente vamos conseguir produzir um descanso desses neurônios de forma induzida, isso talvez possa ajudar a melhorar o metabolismo de alguma forma."

"Durante esse momento, o cérebro é preparado para as memórias do dia seguinte. Atualmente temos compreendido melhor os mecanismos de algumas áreas cerebrais, principalmente as do hipocampo. A partir do momento em que você compreende esses processos, você pode atuar sobre essas áreas", frisou o especialista.

<><> Hobbies dão equilíbrio à saúde mental

O impacto das artes e dos hobbies na saúde mental ganhou destaque com um novo estudo publicado, hoje, na revista Frontiers in Public Health. A pesquisa sugere que se engajar em atividades criativas pode ter um efeito positivo significativo no bem-estar, o que é uma maneira acessível de melhorar a saúde mental pública.

Helen Keyes, cientista da Anglia Ruskin University, na Grã-Bretanha, e principal autora do estudo, afirma que o artesanato e outras atividades artísticas mostraram um efeito significativo na previsão da sensação das pessoas de que sua vida vale a pena. "De fato, o impacto do artesanato foi maior do que de estar empregado." Ela acrescentou que as artes manuais oferecem uma sensação de realização e uma via importante para a autoexpressão, algo que nem sempre é alcançado por meio do trabalho.

A análise focou em como atividades criativas, de baixo custo e amplamente acessíveis, podem contribuir para minimizar a solidão e aumentar o bem-estar. Os cientistas usaram uma amostra de 7.182 participantes, o que permitiu avaliar o impacto geral das artes criativas, além de ofícios específicos, e entender a eficácia dessas atividades fora de um ambiente clínico controlado.

Os participantes foram questionados sobre suas sensações de felicidade, ansiedade, satisfação com a vida e a frequência com que se sentiam solitários. A pesquisa revelou que 37,4% dos entrevistados haviam participado de atividades de artesanato no último ano. Aqueles que se envolveram em artes e hobbies relataram maiores níveis de felicidade e satisfação, além de uma impressão mais forte de que a vida vale a pena. (I.A.)

<><> Coleta seletiva no cérebro

"O cérebro é como um computador, o HD enche, mas conseguimos continuar aprendendo mesmo idosos porque ele não apenas reorganiza informações, mas também joga fora aquilo que não é necessário a longo prazo. A gente acorda bem em alguns momentos para adquirir novas informações e, em outros momentos, não tão bem, isso tem a ver com o silenciamento de área do hipocampo. O hipocampo é divido e a área de entrada de informações no sono profundo é esse local de ondas lentas, elas se refazem, se reorganizam, é como uma limpeza, mandando o que deve ser armazenado e consolidado e o que deve ser deletado." - Andrea Bacelar, neurologista, diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS)

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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