terça-feira, 1 de outubro de 2024

Elizabeth Lopes: ‘Por onde anda a democracia brasileira?’

A democracia brasileira sofre recaídas e oscilações. Essa debilidade se evidencia com maior ou menor intensidade no país, a partir de condições estruturais ou conjunturais que as precipitam. Desde a ditadura militar que dominou o país por 21 anos estamos na corda bamba em nosso incipiente ambiente democrático.

Em períodos de eleição a situação se agudiza como sintoma dessa fragilidade. Entretanto, onde residem as causas do recrudescimento sazonal de nossa democracia? Na tentativa de refletir sobre o tema é necessário que façamos uma incursão nas configurações históricas, sociais, políticas e ético culturais que perpassam o fenômeno democrático num país emergente, mas mergulhado num sistema capitalista periférico e agressivo, onde as contradições emergem em cada composição da sociedade civil e política.

Desde o fim do período imperial, com a proclamação da República em 1889, o país tem mergulhado em algumas fases ditatoriais, com suspensão de eleições, retiradas de direitos fundamentais, interferências e controle das instituições, convulsões internas, engendramentos do imperialismo norte americano nos destinos do país.

O pessimismo da razão e o otimismo da vontade reuniu, em certa medida, as classes antagônicas pela interrupção do período da ditadura militar iniciado em 1964. De um lado, a ditadura deixava de ser vantajosa ao poder econômico dominante, de outro os movimentos sociais, os trabalhadores e demais segmentos progressistas da sociedade mergulharam profundamente ao longo das duas décadas da ditadura, na luta pelo fim do período cruel de opressão, perseguição, censura, mortes, torturas e de absoluta falta do direito de ir e vir e de se expressar.

A enorme crise econômica com o empobrecimento cada vez maior da população desvelava a verdadeira face da imagem habilmente construída pela burguesia do milagre econômico. Essa realidade produziu nos trabalhadores a indignação pelas precárias condições de vida, de saúde e de trabalho, mobilizando-os na busca de seus direitos sociais. O velho Karl Marx nos ensinou que é necessário que os dominados não suportem a situação de dominação para reagirem. Esse combustível de indignação e insuportabilidade moveu a luta pela democracia, por uma sociedade livre do jugo ditatorial e por políticas públicas que pudessem atender, entre outras, as necessidades de trabalho, de educação e saúde da população, numa perspectiva analítica de seus determinantes sociais. Assim eclode a fase da redemocratização com todas as mazelas recorrentes de um período democrático pendular até o presente momento.

Nesse horizonte democrático caótico, a fragilidade se expressa em candidaturas autoritárias, relapsas e absolutamente distantes de proposições verdadeiramente progressistas que respondam às necessidades dos estratos sociais menos favorecidos. O povo marginalizado pela alienação que o cega, mergulha em promessas ilusórias dos falsos encantadores não de animais, mas de pessoas ingênuas e desprovidas de qualquer criticidade da plena consciência de sua real materialidade de vida e de suas inúmeras carências.

As pesquisas têm demonstrado a opereta dos horrores nas eleições municipais relatada no texto que escrevi na semana passada em todas as regiões do país.

Na cidade de São Paulo o cenário é triste e preocupante com Pablo Marçal e seu histórico de vida nada recomendável. Este candidato tem se mantido com uma boa pontuação nas pesquisas de intenção de votos. Em Porto Alegre o atual prefeito Sebastião Melo, o falso capial, desponta no ranking eleitoral com uma inacreditável vantagem sobre as candidatas progressistas, Maria do Rosário e Juliana Brizola. Ironicamente no decorrer da semana a natureza provou mais uma vez o abandono da cidade por Melo, novamente alagada pela absoluta falta de infraestrutura contra enchentes. No Rio de Janeiro, apesar da situação estar mais tranquila, o candidato da extrema direita, delegado Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin conhecido por suas práticas irregulares nessa agência, cresce na disputa pela administração da cidade, certamente apoiado pelos milicianos, amigos e aliados da família bolsonaro.

É imprescindível que a população pense com seriedade sobre a historicidade da democracia brasileira, na medida em que candidatos assustadores figuram na liderança a cargos municipais importantes que impactarão a vida dos brasileiros. Estas figuras grotescas não apresentam propostas que beneficiem as condições materiais de existência, sobretudo, da população desvalida. Para permanecerem no poder eles aliam-se à parte podre da elite econômica, cumprindo religiosamente seus interesses.

Os contrastes das más administrações são evidentes nas cidades. As diferenças da qualidade de vida entre os bairros nobres e os da periferia são abissais. Durante suas campanhas, os vulgos outsiders tentam encantar os pobres com promessas que nunca serão realizadas, fingem arregaçar as mangas pelos marginalizados. No entanto, a situação se repete a cada gestão. O curioso é que conseguem enganar os excluídos, sempre presas fáceis a cada novo pleito.

Vivemos em sobressaltos, desde o período da redemocratização do país, como o que recentemente presenciamos no resgate de práticas fora da curva do Estado de Direito, ocorridas no fim do governo passado e que culminaram na tentativa do golpe do dia 8 de janeiro de 2023.

As lembranças da ditadura militar ainda são cultuadas. Milhares de pessoas convencidas pelos extremistas de direita marcharam em direção aos três poderes da República para alvejarem a liberdade. Após mais de trinta anos dos tempos de chumbo praticados pelo governo militar, o país e sua frágil democracia sofre constantes ataques. É desnudado o radicalismo como opção, o fascismo como alternativa.

Por essas razões e por outras não mencionadas neste simples texto, volto a perguntar por onde anda a nossa democracia com todos os episódios antidemocráticos recorrentes, com candidaturas fascistas e seus desejos de poder e de domínio. Pobre povo pobre. Resta-nos desejar que no dia da votação possamos ver essa nuvem insana se afastar dos eleitores.

Termino esse texto prestando uma breve homenagem a uma admirável socióloga e jornalista que nos deixou precocemente nesta semana. Nathalia Urban foi uma incansável lutadora por um mundo livre de opressões de qualquer natureza e justo para todos, por uma América Latina de veias abertas para a democracia. Sua luta nunca terá sido em vão, pois sua práxis humanizadora estará sempre viva em nossa memória. Na sua breve existência ela fez a diferença e inspirou a todos que conheceram seu nobre e significativo trabalho. Nathalia Urban Presente!

 

•        O que Janio de Freitas viu primeiro, antes do Brasil, sobre Moro. Por Antonio Mello

Um craque do jornalismo, como é o caso de Janio de Freitas, consegue em muitos casos não apenas narrar os fatos, mas antecipá-los.

Em sua coluna na Folha na quinta, 27 de setembro de 2018, a 10 dias das eleições presidenciais daquele ano, Janio escreveu sua preocupação premonitória sobre alguma armação que poderia vir da turma do Moro da Lava Jato ou da PGR, Raquel Dodge.

Antes da coluna de Janio, uma situação das pesquisas para dar uma visão do momento da disputa política.

Até o dia da coluna, pesquisas indicavam uma subida de Haddad, tendo o candidato petista já assumido a liderança da disputa pelos dois institutos mais famosos da época: Datafolha e Ibope. É preciso relembrar ainda que Haddad havia sido confirmado candidato apenas no dia 11 de setembro, o que mostrava que sua subida era consistente.

Agora, trecho inicial da coluna de Janio de Freitas com suas preocupações premonitórias:

* * * * *

 <><> Vitória e derrota

A preocupação com a possibilidade de que militares oponham as armas ao voto encobre, mas não enfraquece, outra possibilidade negativa.

O juiz e os procuradores da Lava Jato, o tribunal federal da região Sul (o TRF-4), o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo já ganharam parte do seu confronto com a maioria do eleitorado, mas as pesquisas comprovam que há dificuldade para ir além. Lula ficou excluído das eleições, no entanto o PT e seu candidato mais do que sobrevivem. Meia vitória é, no mínimo, meia derrota.

Aquelas forças, que já foram chamadas de partido da justiça ou do Judiciário, há semanas mantêm-se como espectadoras. Não é um silêncio confiável, até por não terem experimentado sequer uma derrota nos seus quatro anos, e não se sabe como a receberiam agora. Ou como recebem a perspectiva de tê-la.

Comparados os anos recentes de militares e do sistema judicial, não é na caserna que se encontram motivos maiores de temer pelo estado democrático de direito. Os avanços sobre poderes do Legislativo e do Executivo, os abusos de poder contrários aos direitos civis, ilegalidades variadas contra os direitos humanos —a transgressão da ordem institucional, portanto— estão reconhecidos nas práticas do Judiciário e da Procuradoria da República.

Em tais condições, seria pouco mais do que corriqueiro o surgimento, nos dez dias que nos separam das eleições, de um petardo proveniente de juiz ou procurador para perturbar a disputa eleitoral, na hierarquia a que chegou.

Além disso, as eleições deste ano têm uma peculiaridade: são vistas por muita gente, não como meio de proceder à sucessão democrática de governo, por vitórias e derrotas, mas como oportunidade de fazer o país retroceder ao período pré-Constituinte de 1988 sem, contudo, a caracterização ostensiva de golpe. E nessa corrente não estão só o general Hamilton Mourão e demais apoiadores de Jair Bolsonaro.

* * * * *

Quatro dias após a coluna de Janio, na segunda, dia 1º de outubro, semana final da eleição, realizada no dia 7, o ex-juiz, hoje senador, Sergio Moro tornou pública a delação do ex-ministro Antonio Palocci, exatamente como antecipara Janio de Freitas, com graves acusações contra Lula e o PT.

O Jornal Nacional daquele mesmo dia 1º repercutiu:

O ex-ministro Antonio Palocci disse, em delação à Polícia Federal, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia da corrupção na Petrobras, e que o então presidente encomendou a construção de sondas, para garantir, com recursos ilícitos, o futuro político do Partido dos Trabalhadores e a eleição de Dilma Rousseff. Palocci também disse que as campanhas petistas, de Dilma, de 2010 e de 2014, custaram quase três vezes o que foi declarado.

Uma declaração anterior de Sergio Moro mostra que ele sabia que a divulgação da delação de Palocci iria influir diretamente nas eleições. Anteriormente, Moro havia suspendido as audiências com Lula alegando que ele as estaria usando politicamente:

"Ora, na ação penal 5021365-32.2017.404.7000 suspendi os interrogatórios para evitar qualquer confusão na exploração das audiências, inclusive e especialmente pelo acusado Luiz Inácio Lula da Silva que tem transformado as data de seus interrogatórios em eventos partidários, como se viu nesta e na ação penal 5046512-94.2016.4.04.7000. Realizar o interrogatório dele durante o período eleitoral poderia gerar riscos ao ato e até mesmo à integridade de seus apoiadores ou oponentes políticos."

Realizar interrogatório de Lula "durante o período eleitoral poderia gerar riscos", mas divulgar a bombástica delação de Palocci na semana das eleições, deboas!

O resultado da divulgação da delação de Palocci pelo cínico Sergio Moro, antecipada por Janio, todos sabemos: ao lado dos disparos de centenas de milhões de fake news pelo WhatsApp a delação barrou a subida de Haddad e garantiu a vitória de Jair Bolsonaro e a subsequente nomeação de Moro como ministro da Justiça.

Obs.: Infelizmente, depois de sua coluna e talvez por ela, o número de colunas publicadas por Janio por semana foi diminuído de duas para uma, até que às vésperas do Natal de 2022 a Folha demitiu aquele que talvez seja o mais importante jornalista brasileiro vivo, embora a Folha se beneficie até hoje de Lei assinada pela presidenta Dilma em 2015 que isenta empresas de impostos para que elas mantenham e gerem empregos.

A Folha demitiu Janio, aos 90 anos, após mais de quatro décadas de casa, às vésperas do Natal, com o seguinte comunicado: “O jornalista Janio de Freitas, 90, deixa de publicar sua coluna semanal na Folha a pedido do jornal, por contenção de despesas.”

Contrariando ao mesmo tempo o Jornalismo e a lei aprovada por Dilma que a beneficia para que gere emprego e não os corte.

 

Fonte: Brasil 247/Fórum

 

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