terça-feira, 11 de julho de 2023

Entenda as resistências de Lula ao acordo entre Mercosul e União Europeia

O presidente Lula (PT) tem levado o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia aos holofotes frequentemente desde que voltou à Presidência. Ele insiste que quer assinar o pacto, que já se arrasta há mais de 20 anos, mas repete em seus discursos três principais pontos de resistência.

O petista critica o que chama de "ameaças de sanção" pelo bloco europeu, termos desiguais que levariam o Brasil a ser apenas um "exportador de matérias-primas" e ainda a abertura das licitações públicas a empresas estrangeiras, itens que a seu ver tornam o texto "impossível de ser aceito".

Ele reiterou esses atritos em maio, ao lado do ditador venezuelano Nicolás Maduro; em junho, diante da líder do bloco europeu Ursula von der Leyen e do presidente francês, Emmanuel Macron; e também nesta semana, em frente aos presidentes que integram o Mercosul. Sua posição foi seguida pelo argentino Alberto Fernández, mas contrariada pelo uruguaio Luis Lacalle Pou, que criticou a demora.

Negociado oficialmente desde 1999, o acordo entre os dois blocos foi concluído em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi assinado pelas partes. O principal impasse para isso agora é um adendo ao texto, chamado de "side letter", proposto pelos europeus no início deste ano para reforçar compromissos ambientais.

<<<< Abaixo, entenda cada um dos tópicos que têm criado tensões e travado mais uma vez as discussões.

"PARCEIROS ESTRATÉGICOS NÃO NEGOCIAM COM BASE EM DESCONFIANÇA E AMEAÇA DE SANÇÕES"

A frase dita na última terça (4) por Lula, na cúpula do Mercosul, se refere à tal "side letter" proposta pela UE. Para entender o que esse adendo diz, é preciso voltar e explicar que o acordo de milhares de páginas concluído em 2019 tem um capítulo que se chama Comércio e Desenvolvimento Sustentável.

Esse capítulo prevê que as partes se comprometam a cumprir compromissos ambientais firmados no passado, como o Acordo de Paris, incluindo reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Mas ele é o único que não prevê um mecanismo chamado de "solução de controvérsias", comum nos acordos da UE.

Esse dispositivo faz com que, na prática, os lados possam impor sanções a quem não cumprir o acordo. Diante do aumento da pressão ambiental na Europa e das ameaças vistas no governo Bolsonaro, a UE resolveu propor esse adendo ao capítulo que é confidencial, mas foi vazada por uma ONG ambientalista europeia.

O consultor Pedro da Motta Veiga, membro do Observatório de Comércio e Ambiente da Amazônia (OCAA), acredita, porém, que a proposta da UE é praxe no continente e é mais leve do que parece: "A carta repete artigos do Acordo de Paris, por exemplo, e no final traz um box que propõe que, no futuro, os países sentem para discutir a eventual possibilidade de se prever sanções, sem usar essa palavra".

Ainda assim, o governo brasileiro considerou a proposta uma forma de imposição. "Um parceiro comercial não pode impor condições: 'Se você não fizer tal coisa vou te punir, se você não cumprir o acordo de Paris vou te punir'. Acontece que os países ricos não cumprem nenhum dos acordos", declarou Lula em live na terça.

"NÃO TEMOS INTERESSE EM ACORDOS QUE NOS CONDENEM AO ETERNO PAPEL DE EXPORTADORES DE MATÉRIAS-PRIMAS, MINÉRIOS E PETRÓLEO"

Essa foi outra frase dita por Lula no Mercosul, que reflete sua visão de que o acordo concluído é desequilibrado. O texto prevê que os produtos europeus tenham tarifas de importação reduzidas no Mercosul (principalmente nos setores industrial, agrícola e alimentício) e que as exportações sul-americanas tenham preferência na UE.

Hoje, metade dos produtos exportados pelo Brasil ao bloco são primários, com destaque para óleos brutos, café e soja, e a outra metade tem maior valor agregado, como o farelo de soja. Em troca, o país importa da Europa apenas produtos industrializados, como medicamentos e partes de veículos.

Pedro da Motta Veiga, da OCAA, opina que o Mercosul fez mais concessões porque tem mercados mais fechados. "Qualquer acordo que Brasil e Argentina assinem vai parecer desbalanceado, porque temos tarifas maiores para os produtos", diz. Ele também pondera que o Brasil exporta muito mais matérias-primas à China, nosso maior parceiro comercial, do que à UE quase 80% da exportações ao gigante asiático são primárias.

A discussão é importante porque o bloco europeu ocupa o segundo lugar no mercado brasileiro. Por outro lado, o Brasil responde por 78% do comércio da União Europeia com o Mercosul. Apesar da guerra na Ucrânia e da pandemia, em 2022, o comércio entre ambos atingiu o maior valor nos últimos dez anos, com as nossas exportações ultrapassando as importações.

"SE A GENTE ENTREGAR AS COMPRAS GOVERNAMENTAIS, O QUE VAI SOBRAR PARA A [EMPRESA] PEQUENA E MÉDIA BRASILEIRA?"

Esse é mais um dos argumentos de Lula, dito durante encontro com Nicolás Maduro em Brasília e em outras ocasiões. Ele se refere ao capítulo Compras Governamentais do acordo firmado em 2019, que garante "tratamento doméstico" a fornecedores estrangeiros contratados pelos governos dos países.

Como em qualquer acordo de livre comércio, porém, o dispositivo prevê limites e exceções. A abertura não vale, por exemplo, para compras de órgãos estaduais, municipais, empresas estatais e fundações públicas, além de equipamentos de construção, mineração, acessórios para caminhões, pesticidas, insumos estratégicos do SUS e programas de segurança alimentar.

Ela abarca licitações de bens inicialmente a partir de R$ 2,3 milhões e contratos de serviços de construção e concessões de obras públicas a partir de R$ 55 milhões valores que se reduzem com a vigência do acordo. Alguns defendem que isso não afeta, portanto, pequenas e médias empresas, mas o governo vê prejuízos às indústrias.

Esse é um tema visto como crucial para o Brasil por corresponder a uma parcela significativa do PIB (Produto Interno Bruto) do país e por ser o mecanismo pelo qual o governo pode exercer suas políticas públicas para cumprir objetivos de desenvolvimento e redução de desigualdades.

 

Ø  Lula prioriza viagens ao Nordeste e evita redutos bolsonaristas no Sul e no Centro-Oeste

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva priorizou viagens ao Nordeste, reduto eleitoral petista, e evitou regiões identificadas com o bolsonarismo durante os primeiros seis meses de seu terceiro mandato, de acordo com levantamento feito pelo Estadão.

Entre 1º de janeiro e 4 de julho, Lula foi 11 vezes ao Nordeste. O Estado mais visitado pelo petista (cinco vezes) foi a Bahia, onde ele derrotou o então presidente Jair Bolsonaro com 72,12% dos votos na eleição de 2022. Por outro lado, o petista fez três viagens a região Sul do País – nenhuma delas a Santa Catarina, onde Bolsonaro obteve 69,27% dos votos.

Lula visitou apenas uma vez o Centro-Oeste, região com forte presença do agronegócio. Ao todo, o petista fez 29 viagens pelo País e visitou 31 cidades distribuídas por 13 Estados (veja os números completos nos mapas abaixo).

Já as viagens de Lula a São Paulo (sete vezes) se concentraram na capital, centro financeiro do País. No Estado, Bolsonaro foi mais votado na eleição 55,23%, ante 44,7% do petista.

Lula visitou duas vezes Ceará, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e Roraima. Desde que venceu a eleição em 2022, o petista não cumpriu agendas em: Amapá, Acre, Amazonas, Rondônia, Tocantins, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo e Santa Catarina.

Procurada para comentar a agenda de viagens de Lula, a assessoria da Presidência negou que haja uma preferência pelo Nordeste e disse que o presidente tem planos para cumprir agendas em todos os Estados do País. Questionada especificamente sobre o Centro-oeste, região na qual Lula esteve apenas uma vez, a assessoria do presidente disse que ele teria uma agenda em Rio Verde (GO), para inauguração da Ferrovia Norte-Sul. A viagem foi inviabilizada por causa de uma forte neblina.

Agendas

Nessas 29 viagens, a maioria das agendas cumpridas por Lula envolveu entrega de obras, projetos e encontros com governantes. No dia 14 de fevereiro, por exemplo, em sua primeira viagem do ano à Bahia, Lula esteve em Santo Amaro para lançamento do Minha Casa, Minha Vida, um dos programas mais caros à sua gestão. Ele emendou a viagem com uma visita a Aracaju (SE), onde foi ao canteiro de obras da BR-101 e almoçou com o governador, Fábio Mitidieri (PSD).

Na única vez em que esteve no Centro-Oeste, o programa habitacional também foi a pauta. No dia 3 de março Lula foi a Rondonópolis para a cerimônia de entrega de 1.440 casas do Minha Casa, Minha Vida.

Na semana passada, na sua segunda viagem ao Paraná, Lula participou de um evento na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) no qual se assinou um compromisso de retomada de obras na instituição. No discurso feito durante a cerimônia, o presidente chamou Bolsonaro de “titica”.

‘Eleição permanente’

Para a cientista política e pesquisadora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Carolina de Paula, a agenda Lula nesses primeiros seis meses pode ser interpretada como uma “retribuição do engajamento” desses Estados durante a campanha petista em 2022. “Nesse primeiro momento, é muito comum que isso aconteça.”

Além disso, as viagens, segundo ela, têm outro objetivo. Elas se fazem de uma estratégia de “eleição permanente” do governante. “É como se eles (governantes) estivessem em constante contato com esse eleitor, sempre buscando prestar contas, que é uma atitude necessária, mas também com finalidades eleitorais. Assim, é muito mais fácil, quando se aproximar a eleição, ser lembrado”, afirma a pesquisadora.

Como foi na gestão Bolsonaro?

Para Mayra Goulart, professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Lappcom (Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada), um crivo importante para entender as rotas de Lula pelo País é observar a agenda de viagens da gestão passada.

“Enquanto Bolsonaro viajava para participar sobretudo de atividades militares, Lula está indo para fazer entregas e fazer encontros com políticos locais”, aponta Mayra, que também faz um paralelo da agenda internacional do petista com a do ex-presidente.

“Lula fez mais viagens internacionais, o que mostra uma postura diferente em termos de ganho de ‘soft power’ (habilidades de negociação na política).”

Como a pesquisa foi feita?

O levantamento das viagens feitas pelo presidente foi realizado por meio das agendas disponibilizadas no site oficial do governo. Foram contabilizados apenas os deslocamentos nos quais Lula teve alguma agenda.

Houve, por exemplo, finais de semana nos quais o presidente foi para sua residência em São Paulo. No Carnaval e no Corpus Christi, ele esteve em Salvador, cidade em cujos arredores ele possui uma casa de veraneio. Essas ocasiões não foram contabilizadas no levantamento, pois foram viagens de descanso.

A respeito da duração, viagens nas quais o presidente foi e voltou no mesmo dia foram contabilizadas como um dia de viagem. Nos casos em que Lula esteve em mais de uma cidade no mesmo dia, foi contabilizado apenas um dia de viagem.

A somatória das cidades visitadas teve apenas uma exceção. No dia 9 de abril, Lula sobrevoou as cidades maranhenses de Babacal, Pedreira e Trizidela do Vale, atingidas por uma inundação. Foram três locais visitados e apenas uma viagem.

 

Fonte: Folhapress/Agencia Estado

 

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