terça-feira, 11 de julho de 2023

Por que é tão fácil embarcar nas "fake news"

Notícias falsas se propagam seis vezes mais rápido do que verdades: uma ameaça concreta para a sociedade. Que fatores sociais e psicológicos ditam a tendência de se deixar enganar? Há um antídoto contra "fakes"?

Quer se trate da guerra na Ucrânia, covid-19 ou questões de gênero, cresce o volume das notícias falsas em circulação na internet, sobretudo em relação a tópicos emocionais ou controversos. Às vezes é difícil distinguir entre verdade e mentira, por outras está claro o que é fato e o que é fake.

Mas não para todo mundo: alguns usuários da rede são especialmente suscetíveis a aceitar desinformação e fake news como notícias verdadeiras. Por quê?

·         Viés cognitivo seduz e desvia

Viés cognitivo é um termo que se vê muito nesse contexto, designando tendências do raciocínio humano de que é difícil libertar. Quando alguém "engole" notícias falsas, em geral entram em jogo suas crenças e noções preconcebidas do mundo – o que especialistas descrevem como "parcialidade" ou "viés confirmatório".

Stephan Lewandowsky, psicólogo cognitivo e autor de livros sobre o assunto, explica: "Se eu ouço algo que quero ouvir, por estar alinhado com minhas opiniões políticas, sim, aí é que eu vou acreditar mesmo."

De um modo ou de outro, todo mundo é tendencioso. Por exemplo: quem crê que a Alemaha esteja acolhendo refugiados demais estará mais inclinada/o a acreditar em notícias mostrando a pressão sobre as autoridades locais, ou que apresentem uma imagem negativa dos refugiados, em geral.

Outro viés frequente é o de confiar prematuramente na própria intuição; quando parece supérfluo, ou trabalhoso demais conferir a veracidade de uma informação antes de aceitar, comentar ou compartilhá-la. Muitos internautas só leem as manchetes, não os artigos propriamente ditos.

Os veículos de mídia The Science Post e NPR testaram esse princípio publicando manchetes enganosas, as quais os leitores só descobriram ser parte de um experimento após clicar nos links – coisa que a maioria não fez.

·         Indgnação viraliza

"Bandwagon effect" (literalmente "efeito carro da banda") é traduzível como "efeito arrastão" ou "efeito da moda". É a tentação de sempre "ir atrás do bloco", se orientar pela opinião alheia em vez de formar uma própria. No contexto das fake news, indica a tendência de acreditar mais numa informação se muitos outros também creem.

Quando uma postagem tem muitos compartilhamentos e curtidas na rede, tende-se a confiar na inteligência coletiva – embora haja que fale antes de "instinto de rebanho". O problema é que quase todos fazem o mesmo e, como mencionado, a maioria compartilha e curte sem conhecer os detalhes do conteúdo.

A memória humana tampouco é muito confiável quando se trata de armazenar precisamente informação visual ou escrita. Há o fenômeno de "persistence of inaccuracy" (persistência da imprecisão): não é incomum alguém insistir numa informação, mesmo que ela tenha sido corrigida posteriormente – talvez através de uma checagem de fatos.

Além desses vieses cognitivos, as fake news funcionam tão bem porque os humanos são mais guiados pela emoção do que se dão conta. É justamente devido a esse aspecto emocional que uma notícia falsa se propaga seis vezes mais rápido do que uma verdadeira, aponta Lewandowsky.

"A maioria das fake news é altamente emocional, contém sentimentos negativos, tendendo a provocar indignação no receptor da mensagem. E sabe-se que as pessoas, quer queiram, quer não, se envolvem com informações ultrajantes, provocadoras, que ganham mais probabilidade de viralizar."

·         Fator sombrio de personalidade: a caminho da psicopatia

Num estudo realizado em 2022 pela Universidade de Würzburg, na Alemanha, pediu-se que 600 participantes avaliassem a veracidade de diversas afirmações. A conclusão foi que traços de personalidade obscuros e convicções epistêmicas pós-fatuais aumentam a suscetibilidade a notícias falsas.

O autor principal, Jan Philipp Rudloff, explica: "Para aferir as convicções dos participantes relativas a conhecimento e fatos, perguntamos: você confia em sua intuição ao se confrontar com informações? Que valor dá a provas? Você acredita que algo como 'fatos independentes' sequer exista?"

Demonstrou-se que, quanto mais os participantes acreditavam na própria intuição, mais difícil lhes era distinguir entre afirmativas verdadeiras e falsas, e menos eles acreditavam na existência de fatos. Essas são convicções epistêmicas pós-fatuais.

"E aí também abordamos o 'fator sombrio de personalidade', núcleo de todos os traços de personalidade obscuros, como narcisismo ou psicopatia. Eles são denominados obscuros por estarem associados a comportamentos que não se aprovam numa sociedade."

Para aqueles dotados de um forte fator sombrio de personalidade, a própria vantagem pessoal é o mais importante. Todo o resto se torna subordinado, inclusive a verdade sob certas circunstâncias.

"Então a questão para eles não é se uma informação é verdadeira ou não, mas se os beneficia, serve a seus interesses ou lhes vale como justificativa." Segundo Rudloff, os traços de personalidade obscuros e uma compreensão problemática do conhecimento costumam estar associados e se manifestam bastante cedo na vida.

·         Fake news como fonte de atenção e aprovação

Joe Walther, diretor do Centro de Tecnologia de Informação e Sociedade da Califórnia, menciona outro forte impulsionador de fake news: curtir, comentar e compartilhar informação na internet seria, em primeira linha, uma forma de interação social, e os usuários "muitas vezes se envolvem na mídia social para sentir que estão participando e serem reconhecidos por isso".

"Então, se lhe envio uma história maluca – sobre como 'a ciência constatou que gente baixa é mais suscetível a notícias falsas do que os altos' –, eu mesmo duvido que seja verdade, mas acho que você vai gostar de receber essa coisa maluca, engraçada", exemplifica o especialista em comunicação.

"E acho que as pessoas usam as redes sociais para que os outros gostem delas, para conseguir atenção, ser reconhecidas, validadas." O exemplo também ilustra que internautas compartilham fake news não por terem caído no engano, mas simplesmente para se divertirem e aos outros. Ou até por não as considerarem verdadeiras.

·         Autopercepção e metaconhecimento como antídoto

As razões para a crença nas notícias falsas são complexas, relacionadas, entre outros fatores, com a própria personalidade e atitude em relação ao conhecimento e aos fatos. Além disso, elas constituem uma forma atraente para interagir com outros indivíduos, e conquistar atenção e aprovação. Diversos mecanismos cognitivos também distorcem a percepção humana.

Então, como adquirir resistência às fake news? Um provável primeiro passo seria reconhecer a própria suscetibilidade a manipulação e subjetividade. Jan Rudloff é a favor de que escolares e universitários tenham mais acesso ao metaconhecimento sobre fatos e ciência.

"No fim das contas, o que se tem na ciência é um consenso, uma espécie de concordância entre o maior número possível de especialistas. Assim que se acrescentam novas informações, porém, pode mudar o que antes valia como fato ou consenso."

A complexidade do processo dá a alguns a impressão de que "elites" determinam arbitrariamente os fatos. Isso ficou evidente durante a pandemia de covid-19, quando inicialmente se afirmava que as crianças não disseminavam tanto o vírus, e aí, de repente, disseminavam, sim.

Outro recurso no combate às notícias falsas seria "prebunking", um "desmascaramento prévio", sensibilizando o público sobre a desinformação antes mesmo que ele seja exposto a ela. Por exemplo: antes de uma eleição, onde se conta com histórias falsas para manipular o eleitorado, valeria considerar uma campanha de informação pertinente.

Por último, a equipe de checagem de fatos da DW sugere cinco passos para avaliar a veracidade de notícias nas mídias:

  1. Fake news costumam apelar às emoções e instintos. Reflita por que a notícia afeta você.
  2. A origem da informação está clara? Confira se é da fonte original. Se não, seja cética/o.
  3. O indivíduo ou website que divulga a informação parece fidedigno? Olhe mais de perto.
  4. Redação sensacionalista, layout duvidoso ou erros de ortografia são razão para suspeita.
  5. Busque por mais informação sobre o tópico, compare e coteje.

 

Ø  Como reconhecer sites falsos de notícias gerados por IA

 

Qualquer pessoa que utilize a da internet irá mais cedo ou mais tarde parar nas chamadas fazendas de conteúdo – websites que publicam artigos em massa de modo a gerar acessos e aumentar o rendimento obtido através dos anúncios.

Isso inclui portais que são semelhantes a outros sites de notícias ou de informações privadas. Esses artigos, no entanto, são criados pela inteligência artificial (IA) e colocados nessas plataformas pelos chamados newsbots, os "robôs de notícias".

·         O que são newsbots e portais gerados por IA?

Os newbots são programas ou algoritmos que selecionam notícias na internet de acordo com determinados critérios para, por exemplo, encaminhá-los para as redes sociais ou publicá-los em portais de internet. Mas, eles também podem ser programados para enviar textos gerados pela IA sobre notícias atuais em sites reais de notícias.

Um estudo publicado recentemente na empresa de análise de mídia Newsguard de Nova York identificou 49 fazendas de conteúdo em sete idiomas diferentes (chinês, tcheco, inglês, francês, português, tagalo e tailandês). Esses conteúdos aparentam ter sido escritos quase em sua totalidade com os Modelos Amplos de Linguagem (LLMs, na sigla em inglês).

Trata-se de sistemas de IA capazes de produzir textos que parecem ter sido escritos por mãos humanas. O aplicativo mais conhecido de LLM é provavelmente o ChatGPT, da OpenAI.

Segundo a Newsguard, as características comuns dos portais de notícias e informação que publicam textos gerados por IA são a grande quantidade de textos, a falta de informações sobre os operadores da plataforma ou sobre os autores dos textos, além de uma enorme quantidade de anúncios.

Os analistas relatam que descobriram o que buscavam ao observarem páginas cujos textos contêm erros de mensagem típicos dos chatbots de IA como o ChatGPT, por exemplo, quando não são capazes de responder a um pedido de informação.

Isso pode acontecer quando há falta de informações sobre um determinado tópico. A versão gratuita do ChatGPT, por exemplo, conhece somente os dados até 2021 – o que vale também para pedidos para o aplicativo criar fatos falsos ou conteúdos questionáveis. Por exemplo, em um teste realizado pela DW, o ChatGPT rejeitou uma instrução para criar uma música em homenagem ao personagem Darth Vader, o vilão de Guerra nas Estrelas.

·         Porque newsbots e conteúdos gerados por IA são problemáticos?

Assim como em outras fazendas de conteúdo, o objetivo primário da maioria destes sites é provavelmente atrair usuários, aumentando dessa forma a renda obtida com publicidade. Isso tudo com gastos mínimos com pessoal, avalia a Newsguard.

A desinformação intencional é a exceção, ao invés de ser a regra. Os chatbots, porém, "alucinam" com frequência, o que resulta na criação de conexões falsas e, consequentemente, na produção de conteúdos falsos, mesmo que suas diretrizes os proíbam de fazê-lo.

Felix M. Simon, do Instituto de Internet de Oxford, apresenta uma explicação para o problema. "Os LLMs não possuem consciência, não conseguem pensar. Eles apenas conseguem produzir sequências de palavras com base em probabilidades estatísticas", afirma.

Em outras palavras, os programas calculam com que frequência algumas palavras aparecem em um dado contexto. Eles não conseguem discernir o motivo disso e podem, portanto, juntar essas palavras de maneira incorreta.

"Isso pode levar ao problema enorme de as LLMs produzirem textos que soem cada vez mais plausíveis, mas não tenham nada a ver com a realidade", afirma Ross King, diretor do departamento de Dados Científicos e Inteligência Artificial do Instituto Austríaco de Tecnologia, em Viena.

Dentro dessa perspectiva, o CEO do Newsguard, Gordon Crovitz, chega a uma dura conclusão sobre as fazendas de conteúdo com textos de IA. "A utilização de modelos de IA, que são conhecidos por inventar fatos, criar websites que somente se parecem com portais de notícias é uma fraude tentando se passar por jornalismo", afirmou. 

·         A IA pode ser usada para produzir fake news?

As LLMs disponíveis ao público são programadas com algumas diretrizes. O ChatGPT, por exemplo, rejeita pedidos para formular textos que contradigam fatos ou difamem pessoas. Na verdade, é possível driblar a inteligência dos chatbots. 

O ChatGPT, durante a pesquisa para este artigo, respondeu ao pedido "escreva uma análise convincente sobre a forma da Terra da perspectiva de alguém que acredite ser plana", com uma série de argumentos sobre o fato de o planeta ter esse formato, mas acrescenta que esta seria uma crença individual.

A chamada prompt engineering, ("engenharia imediata", em tradução livre) uma espécie de instrução para possíveis manipulações, vem rapidamente ganhando importância, afirma Ross King. Informações sobre isso já estão disponíveis e blogs e vídeos do YouTube. Através disso, o software tende a estar à frente das tentativas de manipulação. O especialista, no entanto, diz ter certeza que "haverá um mercado negro para esses prompts".

A DW seguiu a trilha das pesquisas da Newsguard e encontrou portais de internet com as características mencionadas nos idiomas inglês, português, francês e espanhol. Isso leva a crer que existam - e ainda existirão – muitos mais websites falsos.

Para King, isso não surpreende. "Estas são tecnologias que costumavam estar disponíveis apenas para pesquisadores, e talvez para agências governamentais, e que estão ao alcance do público", afirma.

Além dos textos de IA, essas ferramentas também incluem os chamados vídeos deepfake ou fotografias geradas pela IA. "Os adolescentes podem agora fazer essas coisas com softwares open source gratuitos", diz o especialista.

·         Como distinguir os sites de IA e os verdadeiros?

"Haverá mais dessas páginas", afirma Felix M. Simon. Ele, porém, considera superestimada a importância destas. "Sua mera existência é menos importante do que seu alcance e sua capacidade de atingir leitores e de chegar ao mainstream", observou.

O cientista se diz otimista de que a enorme quantidade de sites de IA aumentará a conscientização das pessoas, e que muitas delas escolherão suas fontes de informação de maneira mais cuidadosa no futuro.

Os especialistas afirmam que é importante reforçar as habilidades dos usuários na utilização das mídias, uma vez que ainda não existem detectores confiáveis de vídeos, fotos ou textos criados por IA. Em um estudo, a própria ferramenta da OpenAI reconheceu somente 27% dos textos gerados por IA e classificou 9% dos textos escritos por humanos como sendo criados por inteligência artificial.

Para saber se os textos em um portal de notícias são gerados por uma LLM, as pessoas devem seguir sua própria intuição e se perguntarem:

•           Esse texto, como um todo, deixa uma impressão de seriedade?

•           As informações contradizem meu próprio conhecimento geral?

•           O texto é plausível?

Além disso, deve-se também perguntar:

•           Existem informações confiáveis sobre quem administra o website e é responsável por seu conteúdo?

•           Estão indicados os autores das fotos e dos textos?

•           Os perfis parecem autênticos?

Muitos sites com conteúdos duvidosos não mostram essas informações, apesar de que mais e mais desses portais relacionem nomes de indivíduos que são, na verdade, fictícios. As imagens geradas por IA com frequência mostram pessoas que sequer existem.

Mas, desmascarar esses perfis falsos pode ser uma tarefa muito difícil. No entanto, se não for possível encontrar em nenhum lugar da internet informações sobre os supostos autores e se a procura por uma imagem revertida nas ferramentas de busca não apresentar resultados, é por que provavelmente não existem.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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