Zuzu
Angel e Eunice Paiva: lutas ligadas pelo horror da ditadura no Brasil
A luta
para tentar descobrir o paradeiro de uma pessoa próxima perseguida pela
ditadura militar brasileira, tal como a de Eunice Paiva, personagem vivida pela
atriz Fernanda Torres em “Ainda estou aqui”, ganhador do Oscar 2025 de Melhor
Filme Internacional, também foi enfrentada por uma mineira: a estilista Zuzu
Angel, natural de Curvelo, na região Central do estado – cidade que prepara uma
homenagem à sua trajetória.
Enquanto
Eunice Paiva dedicou parte de sua vida a esclarecer o destino do marido, Rubens
Paiva, preso e morto durante o período sombrio da repressão, Zuzu, cujo nome de
certidão é Zuleika Angel Jones (1921-1976), empregou suas forças na batalha
para encontrar o filho, Stuart Edgard Angel Jones, que desapareceu e foi
assassinado, em maio de 1971, aos 25 anos, pelos órgãos de repressão no auge do
regime ditatorial.
Apesar
da luta, Zuzu morreu sem respostas sobre o filho: sofreu um suposto acidente de
carro, em 14 de abril de 1976, na saída do túnel Dois Irmãos, em São Conrado,
no Rio de Janeiro. Em 1998, o regime militar foi apontado como responsável pela
morte da estilista, após trabalho da Comissão Especial Sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos, por iniciativa de um mineiro, o então deputado federal
Nilmário Miranda, atual assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e
Verdade, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
A
família de Zuzu Angel se mudou de Curvelo para Belo Horizonte quando ela ainda
era criança. Depois, ela se transferiu para o Rio de Janeiro, mas continua
sendo admirada em sua terra natal, tratada como filha ilustre pela fama na
alta-costura e, sobretudo, pela coragem em desafiar a ditadura em plenos “anos
de chumbo”.
Assim
como Eunice Paiva, a estilista mineira teve sua história documentada em filme,
que levou o seu nome. Na produção, ela foi interpretada pela atriz Patrícia
Pilar. Como reconhecimento dos conterrâneos ao seu legado, está sendo preparada
uma homenagem especial para a estilista em Curvelo. Será aberto no município,
no próximo 25 de abril, o evento “Zuzu Angel – Olhares de Liberdade”. A
atividade será na Praça Central do Brasil, no Centro da cidade, em local
aberto, com acesso gratuito.
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• No coração e nas mentes de Curvelo
“O
evento vai apresentar a trajetória da revolucionária estilista Zuzu Angel.
Percebo que ela continua a viver no coração e na memória dos curvelanos”,
afirma o escritor e historiador Newton Vieira, da cidade da região Central do
estado. Também um dos organizadores da homenagem, ele explica que o evento será
aberto com um desfile com réplicas de peças criadas por Zuzu, incluindo roupas
usadas no filme sobre a personagem, dirigido pelo cineasta Sérgio Rezende. No
desfile, também serão exibidos óculos que trarão estampas com a assinatura da
estilista.
No
evento que contará com a presença da jornalista Hildegard Angel, filha da
estilista, também serão prestadas homenagens a mulheres da cidade que se
destacam em diferentes segmentos de atuação. Após o desfile, entre os dias 28 e
30 de abril, acervo digital sobre a trajetória de Zuzu Angel será exibido em
painéis de LED, em espaço anexo à Secretaria Municipal de Cultura, também na
Praça Central do Brasil. Na exposição haverá fotos de momentos marcantes da
luta da estilista, incluindo registros do emblemático “desfile-protesto” que
ela realizou em Nova York, em 1971.
“Considerada a mãe da moda brasileira, Zuzu
Angel nunca perdeu o vínculo com a terra natal. E a cidade, em momento algum,
deixou de reconhecer a sua importância histórica. Ela, por várias vezes,
declarou que preferia sair nos jornais de Minas e de Curvelo a sair no 'New
York Times'”, afirma Newton Vieira.
O
historiador e escritor também relata que, quando Zuzu Angel iniciou sua
verdadeira peregrinação à procura do corpo do filho Stuart, ela contou com a
solidariedade de conterrâneos. Como exemplo, ele cita os discursos inflamados
do ex-deputado federal Dalton Canabrava (1924/2011) em apoio à estilista.
Ressalta que Canabrava, mais de uma vez, entrou na lista dos parlamentares que
seriam cassados por se opor à ditadura e “por muito pouco” não perdeu o
mandato.
“No auge da carreira, Zuzu encomendava
trabalhos de bordadeiras em Curvelo. Queria as origens por perto. No
emblemático desfile-protesto de 1971, em Nova York, Zuzu usou estampa com um
céu de andorinhas, inspirada no céu, às vezes rubro, de Curvelo”, descreve
Newton Vieira.
• “Minha mãe foi uma Tiradentes de saias”
O
divisor de águas na vida de Zuzu Angel ocorreu em maio de 1971, com o
desaparecimento do filho Stuart Edgard Angel Jones, então, com 25 anos,
assassinado pelo regime militar. O rapaz, que era estudante de economia, caiu
na clandestinidade e integrou o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)
antes de ser sequestrado e morto pela máquina da repressão.
“Minha mãe foi uma Tiradentes de saias, e
Minas deve se orgulhar dela, pois foi a única a levantar o queixo e apontar o
dedo, naqueles tempos de medo congelante do (então presidente) Garrastazu
Médici (governo 1969-1974), em que todos caminhavam olhando para o chão. Ela
intimidava os poderosos. Isso foi notável. Meu irmão não levou a vida de
brincadeira, nunca foi festivo, era sério. Era um legítimo idealista
resistente. Aos 18 anos, já dizia: 'Vamos salvar o Brasil'”, testemunha a
jornalista Hildegard Angel,
Em
1971, Zuzu promoveu o “primeiro e único” desfile-protesto de que se tem
notícia, realizado no consulado brasileiro em Nova York. Desde o Ato
Institucional nº 5 (AI-5), datado de 13 de dezembro de 1968, houve um aumento
na censura e na repressão a qualquer forma de crítica ao regime brasileiro.
Mas, no desfile, modelos usaram fitas pretas de luxo nos vestidos. Ao lado dos
bordados costumeiros nas roupas, havia referências como andorinhas pretas, sol
quadrado, canhões atirando e soldados.
• Da primeira-dama a estrelas de Hollywood
Na via
crucis que encarou em busca do filho desaparecido, Zuzu costurou para dona
Iolanda Costa e Silva (1910-1991), viúva do ex-presidente Arthur da Costa e
Silva (1899-1969), proximidade que acabou não ajudando em sua busca. Então,
passou a mimeografar dossiês contendo denúncias sobre o assassinato do filho e
entregá-los a atrizes internacionais, como Kim Novak, Joan Crawford e Liza
Minnelli, além de encaminhá-los ao senador norte-americano Edward Kennedy.
Em
1976, furou o bloqueio da segurança do então secretário de Estado dos Estados
Unidos, Henry Kissinger, em visita ao Brasil, e lhe entregou nova documentação
sobre o desaparecimento do filho, que também era cidadão norte-americano.
“Minha mãe nunca perdoou. Não se conformou com a morte de Stuart. Fez da perda
uma bandeira, não baixou a guarda nem abaixou a cabeça”, afirma Hildegard
Angel. “Meu irmão nunca entregou ninguém, era um ideológico. Minha mãe sabia de
tudo, claro, e sempre foi solidária ao filho”, completou a jornalista.
• Estudante, atleta, revolucionário
Stuart
Angel Jones, o filho de Zuzu desaparecido e morto em 1971, aos 25 anos, vítima
da ditadura brasileira, além de estudante de economia, integrava a equipe de
remo do Flamengo. Após aderir ao Movimento Revolucionário Oito de Outubro
(MR-8), foi acusado pelo regime militar de fazer parte da luta armada e se
envolver no sequestro do embaixador norte-americano no Brasil Charles Burke
Elbrick, em 1969. É o que apontam registros da Comissão Nacional da Verdade
(CNV) nos arquivos “Memórias da ditadura”, do Instituto Vladimir Herzog.
“Stuart
Angel iniciou sua militância política na Dissidência Estudantil do PCB da
Guanabara, depois denominada MR-8, do qual se tornou dirigente em meados de
1969. Documentos da repressão política o apontam como participante de operações
armadas. O relatório do inquérito policial militar (IPM) para investigar o
sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick (...) acusa
Stuart de participar do sequestro. Os agentes de informação identificam o
estudante como 'parte da Frente de Trabalho Armado responsável pelo sequestro
do embaixador norte-americano'”, diz o documento, que pode ser conferido pela
internet no site memoriasdaditadura.org.br.
O filho
de Zuzu Angel morreu após ser torturado por agentes da repressão no Centro de
Investigações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), na Base Aérea do Galeão, no
Rio de Janeiro. O assassinato foi relatado em carta enviada a Zuzu Angel pelo
ex-preso político Alex Polari de Alverga.
Relatório
da Comissão da Verdade revela que o filho de Zuzu Angel foi torturado para que
revelasse o paradeiro do guerrilheiro capitão Carlos Lamarca (1937/1971), um
dos líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), braço da luta armada
contra a ditadura. “Relatos do próprio Polari e de Maria Cristina de Oliveira
Ferreira (outra presa política) dão conta de que Stuart foi barbaramente
torturado até a morte pelos agentes do Cisa, para que revelasse o paradeiro de
Carlos Lamarca – o que não fez”, diz o relato da CNV.
Na
carta a Zuzu, Alex Polari relatou que na manhã de 14 de maio de 1971, dois dias
após ser preso, Stuart foi colocado no porta-malas de um Opala amarelo e levado
para a Base Aérea do Galeão. Afirmou que naquela mesma noite, de uma janela,
pôde ver Stuart, “já com a pele semiesfolada”, ser arrastado de um lado para o
outro do pátio do Cisa, amarrado a uma viatura e com a boca quase colada a um
cano de descarga aberto.
“O Alex
Polari contou que ouvia o barulho da aceleração, com o som do engasgo de uma
pessoa por aspirar os gases tóxicos. Então, provavelmente, foi ali que a morte
dele (Stuart) aconteceu, uma cena aterrorizante”, afirma Nilmário Miranda, que
integrou a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)
quando era deputado federal.
• Zuzu Angel enfrentou militares em busca
do filho
Ela não
pôde segurar o filho morto nos braços, enxugar o suor e o sangue de seus poros
e dar o beijo da despedida. Não jogou flores sobre o caixão, nem teve uma
sepultura para visitar quando a saudade doeu fundo na alma. Até o fim de seus
dias, a mineira de Curvelo Zuleika Angel Jones (1921-1976), que entrou para a
história e o mundo da moda como Zuzu Angel, foi guerreira e lutou com todas as
forças de mãe para encontrar o corpo de Stuart Edgar Angel Jones, assassinado
aos 26 anos, em maio de 1971, pelos órgãos de repressão, no auge da ditadura
militar. No cinquentenário do golpe de 1964, que se completará na próxima
segunda-feira, as lembranças se tornam mais doloridas para a jornalista
Hildegard Angel, residente no Rio de Janeiro (RJ): "Minha mãe foi uma
Tiradentes de saias, e Minas deve se orgulhar dela, pois foi a única, naqueles
tempos de medo congelante, a levantar o queixo e apontar o dedo. Intimidava os
poderosos. Isso foi notável. Meu irmão não deu a vida de brincadeira, nunca foi
festivo. Era um legítimo".
A
estilista que trouxe para o país o termo fashion designer fez moda genuinamente
brasileira e ganhou reconhecimento internacional, com matérias publicadas no
New York Times e Le Monde. "Mas ela sempre dizia que preferia ser citada
no Curvelo Notícias (CN) da terra natal do que em qualquer outro jornal do
mundo", recorda-se Hildegard, que no próximo dia 1º participará em São
Paulo da abertura da mostra Ocupação Zuzu, inteiramente dedicada a todas as
facetas da vida e obra da mineira ilustre. O conterrâneo, diretor-presidente do
CN, Raimundo Martins dos Santos, de 84 anos, também lembra dessa declaração.
"Zuzu era uma pessoa de bem com a vida, mas o fato de não encontrar o
corpo do filho a deixava louca de tristeza."
A
família de Zuzu Angel, nascida Zuleika de Souza Netto, se mudou de Curvelo,
quando ela ainda era criança, para Belo Horizonte, onde ocorreram fatos que
agora são lembrados e divertem Hildegard. "No início da adolescência, foi
expulsa pelas freiras do Sagrado Coração de Jesus por malcriação. Mais tarde,
se sagrou campeã de natação e ‘nadou de braçada’ em tudo o que fazia. Mamãe
sempre foi revolucionária, acho que de origem, e fazia questão de dizer que, em
Curvelo, havia um lugar chamado Revólver Clube, isso bem antes de os Beatles
lançarem um disco chamado Revolver e do surgimento da banda Guns N’
Roses."
Por
volta dos 18, 19 anos, a jovem estava na casa de parentes, na capital, quando
viu pela primeira vez o norte-americano Norman Angel Jones, que comprava
cristais de rocha e pedras de Minas para a embaixada dos Estados Unidos.
"Papai era um galã. Na hora, conforme me contaram, minha mãe, que já
falava inglês, disse às primas e tias que se casaria com aquele homem. E se
casou, nascendo Stuart, Ana Cristina, residente na França desde 1969 e eu, a
caçula."
Em
1947, o casal foi morar no Rio e, mais tarde, nas criações de Zuzu, o Angel
(anjo) do sobrenome passou a ser logomarca.
"Era
uma criadora de moda completa, pois entendia de todo o processo, do corte e
costura à apresentação do produto. Hoje, esse é o conceito mais moderno da
moda." Mesmo que tenha corrido mundo e morado nos Estados Unidos, Zuzu
manteve intacto o amor por Minas: Em 16 de dezembro de 1971, declarou:
"Preciso sempre reabastecer minhas baterias de mineirismo. Quando sinto
que vai acabando, tenho de voltar".
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Sem perdão
A morte
de Stuart Edgar, estudante de economia que caiu na clandestinidade e integrou o
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi um turbulento divisor de
águas na vida de Zuzu Angel. Das profundezas da dor à flor da pele, ela
percorreu, já separada do marido, a sua via-crúcis com destemor, sem jamais
conseguir encontrar o corpo do filho. Em 29 de novembro de 1986, 10 anos depois
da morte de Zuzu, o jornalista José Maurício Vidal Gomes, amigo dela de longa
data, publicou no Estado de Minas a reportagem “O urro de uma leoa em busca do
filho”. Ele escreveu: "Quantas vezes ouvi este grito, onde quer que
estivesse ao lado de Zuzu: ‘Tudo o que quero é meu filho. Já que ele está
morto, quero o seu corpo, quero enterrar com minhas mãos o filho que saiu de
minhas entranhas (…) Para uma mãe, é pedir muito?’”.
Um
companheiro de cela de Stuart relatou que, na manhã de 14 de maio de 1971,
depois de dois dias de tortura, ele foi "colocado no porta-malas de um
Opala amarelo e levado para a Base Aérea do Galeão, no Rio, onde ficava o
Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa)". E mais: à noite, de uma
janela, a testemunha pôde ver Stuart, "já com a pele semiesfolada",
ser arrastado de um lado para o outro do pátio do Cisa, amarrado a uma viatura
e com "a boca quase colada a um cano de descarga aberto, a aspirar gases
tóxicos".
Na
sequência, conta Hildegard, o corpo teria sido jogado no mar. Em depoimento à
Comissão Nacional da Verdade, em agosto de 2013, dois militares perseguidos
pela ditadura confirmaram a cena de horror e as "toxinas do cano de
escapamento".
"Minha
mãe nunca perdoou. Não se conformou com a morte de Stuart. Fez da perda uma
bandeira, não baixou a guarda nem abaixou a cabeça. Foi impávida e altiva até o
final, principalmente no governo Médici, o tempo mais terrível" – o
presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) governou o país de 1969 a 1974,
já no período chamado de anos de chumbo. "Meu irmão nunca entregou
ninguém, era um ideológico. Minha mãe sabia de tudo, claro, e sempre foi
solidária a seu filho", diz a jornalista.
Na
obsessão de encontrar Stuart, Zuzu costurou para dona Yolanda Costa e Silva
(1910-1981), viúva do ex-presidente Artur da Costa e Silva (1899-1969), mas a
proximidade não surtiu o efeito desejado. Então, passou a mimeografar dossiês
contendo as denúncias sobre o assassinato do filho e entregá-los às atrizes Kim
Novak, Joan Crawford e Liza Minelli e encaminhá-los ao senador Edward Kennedy.
Em 1976, furou o bloqueio da segurança do secretário de Estado norte-americano
Henry Kissinger, em visita ao Brasil, e lhe entregou nova documentação sobre o
desaparecimento do filho, que também era cidadão americano.
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Desfile-protesto
Mas foi
em 1971, que Zuzu fez o "primeiro e único" desfile-protesto de que se
tem notícia, realizado no consulado brasileiro em Nova York. Desde o Ato
Institucional nº 5 (AI-5), datado de 13 de dezembro de 1968, estava proibido
falar mal do país no exterior. "Ninguém podia dar qualquer declaração
ofensiva ao governo, do contrário estava fadado a responder processo, ser preso
e torturado. Sendo assim, mamãe fez um desfile comovente, com as modelos usando
fitas pretas de luxo na manga, gola, pala e cintura dos vestidos. Ao lado dos
bordados tão "agradáveis" e costumeiros nas roupas, havia andorinhas
pretas, sol quadrado, canhões atirando e até soldados, que, segundo ele,
"recebiam ordens tirânicas".
Hildegard
não consegue conter as lágrimas ao lembrar que Zuzu, no seu desespero,
envelheceu "20 anos em dois" e só conseguia encontrar alegria na
criação. E a peregrinação continuou acelerada durante anos, mobilizando a
imprensa internacional e fazendo contatos, até que, em 14 de abril de 1976, a
estilista morreu num acidente no Rio de Janeiro: o Karmann Ghia azul que
dirigia derrapou na saída do túnel Dois Irmãos, que depois foi batizado com o
seu nome, bateu na mureta de proteção e caiu numa ribanceira. Uma semana antes,
temendo que lhe ocorresse algo, "como um acidente de automóvel", ela
deixou com o compositor Chico Buarque e outros amigos cartas explicando que a
responsabilidade deveria recair sobre "as mesmas pessoas que mataram o meu
filho".
No ano
seguinte, Chico Buarque e Miltinho, do MPB-4, compuseram Angélica, em homenagem
a Zuzu Angel, num tom de acalanto: “Quem é essa mulher/que canta sempre esse
estribilho?/só queria embalar meu filho/que mora na escuridão do mar/Quem é
essa mulher/que canta sempre esse lamento?/só queria lembrar o tormento/que fez
o meu filho suspirar…" Em 25 de março de 1998, 22 anos depois da morte da
mineira de Curvelo, o governo brasileiro reconheceu que ela fora vítima de
atentado político e não de acidente de carro. O depoimento de dois advogados
residentes em João Pessoa (PB) e que estudavam direito na PUC do Rio, na época,
foi decisivo para a decisão. "Os dois estarão presentes na abertura da
mostra, diz Hildegard.
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Mensagem de vida. Por Anna Marina
Conheci
Zuzu Angel no início dos anos 1960. Ela se hospedava na casa de uma parente que
morava perto de mim, no Bairro Santo Antônio. Estava chegando de Curvelo, onde
nasceu, e seu trabalho como estilista logo chamou minha atenção. A moda
brasileira ainda engatinhava por aqui, mas ela estava muito além do copismo, da
conformação a modelos importados. Já defendia a cultura brasileira, criando
roupas em algodão estampado, florais que lembravam nossas chitas, rendas feitas
à mão e modelagem muito pessoal, sem muitos truques de cortes e recortes. Zuzu
batalhava para colocar no mercado – e na cabeça das brasileiras – um estilo que
tinha muito mais a ver com nosso país tropical do que o das rendas e musselinas
usadas na época. Naquele tempo já fazia da moda uma mensagem de vida.
Sua
originalidade fez sucesso principalmente nos Estados Unidos, quando produziu
vários desfiles e teve coleções vendidas em algumas das principais lojas de
Nova York. Era, para os padrões da época, uma estilista vencedora que,
estimulada, chegou até a abrir uma butique em Ipanema, a ilha da modernidade do
país. Só que, antes disso – anos 1970 –, ela já mostrava uma outra faceta de
seu caráter pioneiro, destemido, defensor de suas crenças. Quando a ditadura se
instalou no país, seu filho Stuart foi um dos presos, torturado e morto no
Galeão, e a família nunca teve acesso ao seu corpo.
Zuzu
mostrou sua força através da moda que fazia. Foi desfilar nos Estados Unidos
sua revolta contra a ditadura, criando estampas com anjos de luto (o anjo era
uma das marcas de suas criações, apoiada em seu nome). Pegou o consulado de
Nova York de surpresa e colocou na passarela uma coleção de protesto. Nas
roupas, as estampas de sua dor de mãe: anjos engaiolados, grandes manchas
vermelhas, motivos bélicos, mensagens políticas que foram amplamente divulgadas
pela imprensa internacional.
Voltando
ao Brasil, ela não se calou, continuou a lutar contra o desaparecimento do
corpo de seu filho Stuart. Incomodou tanto que, em abril de 1976, o carro em
que ia para casa – sozinha e na direção – foi empurrado da Estrada do Joá
abaixo. Zuzu morreu – mas deixou uma imagem tão forte na sua luta contra a
ditadura como deixou com sua moda, orgulhosamente apoiada em suas raízes
brasileiras.
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Homenagem a uma guerreira
Uma
foto da década de 1920 da Rua Primeiro de Maio, hoje Rua Zuzu Angel, no Centro
de Curvelo, será um dos destaques da mostra Ocupação Zuzu, em cartaz de 1º de
abril a 11de maio, dia das mães, em três andares do Itaú Cultural (Avenida
Paulista, 149), em São Paulo (SP). Ao lado desse registro, estará a Matriz de
Santo Antônio, na qual a estilista foi batizada. Os retratos fazem parte do
acervo da prefeitura local, que pretende, futuramente, abrir um espaço para
reverenciar a memória da estilista. A iniciativa, informa o jornalista e
escritor de Curvelo Newton Vieira, é homenagear, depois, outros filhos ilustres
da cidade, entre eles o escritor e primo de Zuzu, Lúcio Cardoso (1913-1968),
autor de Crônica da Casa Assassinada, e o artista gráfico Alceu Penna (1915-1980),
que trabalhou na revista O Cruzeiro e criou As garotas do Alceu.
A
exposição apresentará cerca de 400 itens, incluindo documentos, objetos, fotos,
roupas e textos manuscritos. Na busca pelo filho, a estilista escreveu cartas
de denúncia a amigos e outras mães de desaparecidos, congressistas americanos,
militares brasileiros, entre eles o então presidente Ernesto Geisel
(1907-1996), intelectuais e artistas, a exemplo de Chico Buarque. As mais
importantes correspondências assinadas por ela, documentos (alguns inéditos,
outros, cópia), mensagens para dar coragem ou pêsames, recebidas de amigos, e
artigos publicados sobre a estilista nas mídias nacional e internacional também
poderão ser vistos.
A
exposição traz, ainda, material audiovisual de valor histórico, como trechos do
desfile de protesto, realizado em Nova York, objetos e fotografias do filho
desaparecido – muitos apresentados ao público pela primeira vez. Segundo os
organizadores, o objetivo é mostrar "a criadora, mãe, empresária e
militante".
Ocupação
Zuzu incorpora ainda outros eventos, como uma mostra de cinema, com curadoria
de Eduardo Morettin, professor de História do Audiovisual da Universidade de
São Paulo (USP) e conselheiro da Cinemateca Brasileira, curso ministrado por
João Braga, especialista em história da arte pela Fundação Armando Álvares
Penteado (Faap) e em história da indumentária e da moda pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, além de encontros com os estilistas Ronaldo
Fraga, Isabela Capeto e Gisele Dias, e personalidades que fizeram parte da vida
de Zuzu, como a atriz Elke Maravilha. O evento terá curadoria compartilhada de
Hildegard Angel, criadora do Instituto Zuzu Angel e do Museu da Moda, Itaú
Cultural, via núcleos Áudio Visual e Literatura e Educação e Relacionamento, e
Valdy Lopes Jr, que também assina a direção de arte.
Fonte:
em.com
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