Os
'golpistas do uísque' que roubaram economias que paciente com câncer terminal
juntou a vida toda
Vítimas
foram enganadas e perderam milhões de libras em um esquema de investimento em
barris de uísque na Escócia, revelou uma
investigação da BBC.
Centenas
de pessoas foram ludibriadas a investir suas economias de vida e aposentadorias
em tonéis que estavam supervalorizados ou sequer existiam, enquanto alguns
barris foram vendidos várias vezes para diferentes investidores.
Entre
as vítimas, está uma mulher com câncer terminal que investiu 76
mil libras (R$ 566 mil) e outra mulher que gastou mais de 100 mil libras (R$
744 mil) em barris que, segundo especialistas, valiam apenas uma fração do
preço pago.
A
polícia está investigando três empresas escocesas de uísque por suspeita de
fraude, com investimentos que somam milhões.
A
popularidade desse mercado cresceu rapidamente nos últimos anos devido a
relatos de retornos lucrativos obtidos com uísques raros.
Os
investidores compram um barril de uísque quando ele é recém-produzido e esperam
que seu valor aumente à medida que a bebida envelhece no tonel.
Demora
três anos para que o destilado se transforme em uísque escocês dentro do
barril, e os investidores são incentivados a manter os tonéis por até 10 anos
ou mais para maximizar os retornos.
Existem
muitas empresas legítimas, mas a falta de regulamentação permitiu que golpistas
explorassem o mercado. Eles usam alegações enganosas e até mesmo falsificações
para atrair investidores desavisados.
Não há
uma autoridade central no Reino Unido que regulamente ou acompanhe a
propriedade dos barris, o que dificulta a verificação das informações.
Como
resultado, muitos investidores se veem presos em disputas legais complexas ou
acabam com ativos que valem muito menos do que lhes foi prometido.
Alison
Cocks, da cidade escocesa de Montrose, investiu 103 mil libras (R$ 767 mil) em
uma empresa chamada Cask Whisky, administrada por um homem que se apresentava
como Craig Arch.
Inicialmente,
ela comprou um único barril de uísque por 3 mil libras (R$ 22 mil), e, a
princípio, tudo parecia legítimo.
Cocks
recebeu certificados, e a empresa forneceu um portal online onde ela podia
acompanhar seu investimento. Seu portfólio parecia crescer – pelo menos no
papel.
Tranquilizada
pelas promessas de retornos projetados, que começavam em 12% e poderiam chegar
a 50% com o tempo, ela foi convencida a investir mais.
Ela
comprou outros três barris por um total de 100 mil libras (R$ 744 mil)
No
entanto, os problemas começaram quando ela informou à empresa que queria
vender.
"De
repente, eles não queriam mais falar comigo. Estavam evitando minhas ligações.
Fiquei realmente em pânico", disse ela.
"Decidi
começar a investigar meus próprios barris."
"Nos
meus certificados, constava onde meus barris estariam, supostamente. Mas quando
entrei em contato com esses armazéns, eles não estavam lá", completou.
Cocks
foi informada por avaliadores independentes de uísque que pagou cinco vezes
mais do que seus barris realmente valiam.
Desde
então, ela conseguiu localizar três dos quatro barris em armazéns, mas nenhum
está em seu nome. Um deles, inclusive, já foi comprado por outra pessoa.
O
barril mais caro que ela adquiriu – pelo qual pagou 49,5 mil libras (R$ 368
mil)– simplesmente não existe.
Alison
Cocks é uma das 200 pessoas que investiram na Cask Whisky e agora tentam
descobrir se realmente possuem os barris que compraram.
A BBC
descobriu que Craig Arch – o CEO da empresa – na verdade é Craig Brooks,
condenado por fraude e proibido de ser diretor de companhias no Reino Unido.
Em
2019, Brooks e seu irmão foram presos por um esquema fraudulento de 6,2 milhões
de libras (R$ 46 milhões), no qual 350 vítimas receberam ligações frias e foram
convencidas a investir em créditos de carbono e "metais de terras
raras".
A
equipe de Crime Organizado e Grave da Polícia da Cidade de Londres está agora
investigando a empresa de uísque de Brooks.
Brooks
também está operando outra empresa de barris de uísque, a Cask Spirits Global,
sob outro nome falso: Craig Hutchins.
Como
foi considerado um "diretor desqualificado" pela legislação do Reino
Unido, Brooks não pode administrar ou controlar uma empresa.
Mesmo
assim, usando o nome Hutchins, Brooks disse a um repórter disfarçado da BBC que
era responsável pela "tomada de decisões" e pelo gerenciamento
financeiro da empresa.
Quando
confrontado, Brooks admitiu que seu nome não era Hutchins, mas insistiu que
todos os barris de uísque que vendeu existiam. Ele também afirmou que nunca
disse ao repórter que tomava as decisões da empresa.
Outra
empresa, chamada Whisky Scotland, também deixou um rastro de investidores
insatisfeitos.
Entre
eles, está Jay Evans, funcionária do serviço público de saúde britânico e
diagnosticada com câncer terminal em 2021. Ela colocou à venda sua casa em
Brighton, na Inglaterra, para fazer investimentos que garantissem a segurança
financeira de seus entes queridos a longo prazo.
Ela
investiu quase 76 mil libras (R$ 566 mil) na Whisky Scotland após promessas de
altos retornos feitas por um diretor da empresa.
Aos 54
anos, Evans vendeu sua casa, mudou-se para a pequena cidade de Peacehaven, e
usou o dinheiro da venda para investir em sete barris.
O
diretor da empresa enviava mensagens de voz de diversas partes do mundo,
dizendo que ela era sua "cliente favorita de todos os tempos" e que
ele "sempre cuidaria dela".
No
entanto, dois dos barris não existiam, e os outros cinco foram vendidos a um
preço muito superior ao seu real valor.
Evans
foi informada de que levaria 25 anos para recuperar o dinheiro investido.
A
empresa e seus diretores desapareceram. O escritório em Glasgow, maior cidade
da Escócia, era apenas um espaço alugado, e um repórter da BBC foi informado de
que eles nunca estiveram lá.
"Eles
tornaram a vida de alguém que já está enfrentando o fim precoce ainda mais
difícil. Mas nada disso importa para pessoas como essas", disse Evans.
Sua
esposa, Susie Walker, afirmou que era "desolador" ver que o dinheiro
pelo qual Evans trabalhou desapareceu da noite para o dia e que agora ela teria
que continuar trabalhando.
O
serralheiro autônomo Geoff Owens, de Wrexham, no País de Gales, investiu todas
as suas economias — mais de 100 mil libras (R$ 744 mil) — na Whisky Scotland.
Agora,
ele e outros investidores estão tentando localizar seus barris e recuperar seus
investimentos.
Owens
garante que não vai parar até descobrir o que aconteceu com seu dinheiro.
"Ninguém
vai me enganar e sair impune. Eu vou te enfrentar", afirmou.
"Vou
reunir um exército de pessoas que vocês enganaram, e vamos tentar fazer algo a
respeito."
A BBC
entrou em contato com diretores da Whisky Scotland, mas não obteve resposta.
Martin
Armstrong administra a Whisky Broker, um armazém em Creetown, na Escócia, que
guarda 48 mil barris.
Ele
afirma que é contatado "quase todos os dias" por investidores
procurando por barris vendidos por empresas inescrupulosas.
Questionado
se imaginava que a fraude poderia se tornar tão comum no setor, ele respondeu:
"Não. Mas eu sabia que era possível".
"Quando
há dinheiro envolvido, tudo pode acontecer."
Kenny
Macdonald, um corretor legítimo de barris de uísque que administra sua própria
empresa, a Dram Mor, disse que também existem "bons profissionais"
atuando no setor.
Ele
afirmou que há "uma grande quantidade de pessoas" buscando lucro
excessivo — mas, nesses casos, pelo menos os investidores recebem um produto
real.
"E
então você tem aqueles que são pura e simplesmente desonestos. Eles vendem um
pedaço de papel para um barril que nunca existiu."
"Os
tubarões estão rondando. Eles sabem que há sangue. Eles podem sentir o
cheiro."
"E,
infelizmente, neste caso, o sangue é uísque."
Fonte: BBC News
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