Pensar a História: Horrores do
apartheid - 65 anos do Massacre de Sharpeville
em 21 de março de 1960, a cidade de
Sharpeville servia de palco para uma das piores chacinas cometidas pelo regime
do apartheid na África do Sul.
Durante um protesto pacífico contra a Lei do
Passe e a legislação segregacionista do país, os policiais sul-africanos
abriram fogo contra os manifestantes, assassinando 69 pessoas e deixando mais
de 180 feridas.
O Massacre de Sharpeville se tornou um
símbolo da violência do regime do apartheid e provocou indignação
internacional. A matança foi seguida pelo aumento da repressão política, mas
também serviu de estopim para o início da luta armada contra o regime.
Desde 1966, o aniversário do massacre é
celebrado como Dia Internacional contra a Discriminação Racial, homenageando as
vítimas de Sharpeville e evocando a memória da luta por igualdade e justiça.
- A
Lei do Passe
Desde o século 18, os governantes da minoria
branca sul-africana promulgavam medidas para restringir o fluxo dos
sul-africanos negros nas cidades do país.
Esse processo se intensificou após 1948,
quando o Partido Nacional instituiu oficialmente a política do apartheid —
violento regime de segregação racial que vigorou por quase cinco décadas,
relegando a maioria negra do país à condição de cidadãos de segunda classe.
Uma das principais ferramentas de controle
social utilizadas pelo apartheid era a Lei do Passe, que obrigava os
sul-africanos negros a portarem uma caderneta onde se registravam informações
pessoais e os locais que estavam autorizados a frequentar. A caderneta limitava
a mobilidade da população negra, restringindo o direito de ir e vir a cidades e
bairros pré-determinados.
Dessa forma, os sul-africanos negros eram
impedidos de trabalhar e de acessar serviços básicos como hospitais ou escolas,
uma vez que as empresas e equipamentos públicos quase sempre se localizavam nos
bairros brancos.
A caderneta também trazia um histórico sobre
as atividades e registros policiais do portador, tornando-se também um
instrumento facilitador de repressão política na África do Sul.
Ao longo da década de 1950, diversos
protestos foram articulados em oposição ao apartheid e à Lei do Passe, muitos
dos quais organizados pelo Congresso Nacional Africano (CNA) — movimento
político fundado em 1912 com objetivo de lutar pelos direitos da população
negra.
- A
manifestação em Sharpeville
Em 1960, a agitação política chegou a
Sharpeville, um subúrbio negro nos arredores de Vereeniging, 80 quilômetros ao
sul de Joanesburgo, na província do Transvaal. Criada a partir da remoção
forçada dos moradores de Topville, a cidade de Sharpeville tinha uma
infraestrutura extremamente precária, marcada pela ausência de serviços
públicos e poucas oportunidades de emprego.
Muito afetada pelas restrições da Lei do
Passe, a comunidade de Sharpeville aderiu em peso às reivindicações por
mudanças. A mobilização na cidade foi articulada por Robert Sobukwe, líder do
Congresso Pan-Africanista, uma dissidência do Congresso Nacional Africano,
fundada em Soweto em 1959.
Sobukwe marcara a manifestação para o dia 21
de março de 1960, tomando o cuidado de enviar uma carta para as autoridades
policiais informando sobre o caráter pacífico da manifestação, como uma
tentativa de diminuir a possibilidade de violência.
No dia do protesto, cerca de 20 mil pessoas
se reuniram em frente à delegacia de polícia de Sharpeville, segurando cartazes
e entoando palavras de ordem contra a Lei do Passe.
Durante o ato, os manifestantes atiraram suas
cadernetas em uma fogueira, como meio de demonstrar sua indignação com as
restrições e com o regime do apartheid.
Apesar do caráter pacífico do ato, os
manifestantes foram insistentemente provocados pelos policiais. Veículos
blindados atravessaram o protesto e aviões caça da Força Aérea da África do Sul
voaram a baixa altitude sobre a multidão, visando intimidar os manifestantes.
- A
matança
Decidido a encerrar a manifestação, um grupo
de aproximadamente 300 policiais armados com rifles e metralhadoras cercou os
manifestantes e ordenou a dispersão do protesto. Os manifestantes se recusaram
a sair e foram agredidos pelos policiais com cassetetes e gás lacrimogêneo. O
tumulto se agravou quando os populares resistiram às ordens de prisão.
No meio da confusão, um policial foi
derrubado e os demais agentes, sem disparar sequer um tiro de advertência,
responderam abrindo fogo contra a multidão. A matança se prolongou por vários
minutos, deixando um saldo de pelo menos 69 manifestantes mortos e outros 186
feridos. Dentre as vítimas, 29 eram crianças.
Comovida e indignada, uma multidão compareceu
ao sepultamento coletivo dos mortos, homenageados em uma cerimônia conduzida
pelo reverendo Philip Finkie Molefe.
A comunidade negra sul-africana respondeu ao
massacre organizando uma série de marchas, protestos massivos e greves em todo
o país — todos igualmente reprimidos com brutalidade pela polícia e pelo
exército sul-africanos.
Em 30 de março de 1960, o governo da África
do Sul declarou estado de emergência e baniu o direito de manifestação. A
proibição vigorou por cinco meses. Ao longo desse período, pelo menos 25.000
pessoas foram presas e a Lei das Organizações Ilegais foi implementada, jogando
grupos como o Congresso Pan-Africanista e o Congresso Nacional Africano na
clandestinidade.
- Após
o massacre
O Massacre de Sharpeville convenceu Nelson
Mandela e as lideranças do Congresso Nacional Africano da necessidade de
enfrentamento armado ao regime do apartheid, levando à criação do “Umkhonto we
Sizwe” — a “Lança da Nação”, como era designado o braço armado do CNA.
Mandela liderou a organização até novembro de
1962, quando foi preso pelo governo sul-africano em uma operação conduzida com
auxílio da CIA. A Lei do Passe permaneceu em vigor até 1986, quando foi
revogada em meio às reformas de distensão do regime do apartheid.
Libertado após 27 anos de prisão e eleito
como primeiro presidente negro da África do Sul, Mandela escolheria o local
onde ocorreu o Massacre de Sharpeville para assinar a primeira Constituição
promulgada após o fim do regime do apartheid, em 1996.
O Massacre de Sharpeville tornou-se um dos
símbolos máximos dos horrores do apartheid e foi objeto de diversos atos de
repúdio internacionais.
A chacina foi condenada pela Organização das
Nações Unidas (ONU) por meio da Resolução 134. A repercussão internacional
reforçou o isolamento diplomático da África do Sul, culminando com a saída do
país da Comunidade das Nações em 1961.
Cinco anos depois, em 1966, a data do
massacre, 21 de março, foi escolhida pela ONU para celebrar o Dia Internacional
contra a Discriminação Racial. Na África do Sul a data também é rememorada como
Dia dos Direitos Humanos.
Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi

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