A surpreendente decisão da Justiça sobre mãe
que escondeu por 25 anos que matou filho
"Quando ouvi falar sobre isso e vi o
nome dela, pensei 'essa não é aquela mulher — essa não é a mesma mulher com a
qual convivemos todos esses anos'."
Foi assim que uma moradora de uma rua sem
saída em Liverpool descreveu o momento em que soube que sua vizinha por mais de
30 anos, Joanne Sharkey, havia sido acusada pelo assassinato de seu próprio
filho em 1998.
Outra vizinha disse que quando a polícia
chegou pela primeira vez à casa geminada "imaculada" da família em
julho de 2023, ela pensou que um dos inquilinos que eles às vezes hospedavam
devia estar com problemas.
Simplesmente não fazia sentido que alguém
como Joanne Sharkey, uma funcionária da prefeitura considerada "gentil,
engraçada e normal", pudesse ter cometido um crime.
Mas a verdade é que os investigadores
finalmente resolveram um caso antigo que permaneceu sem solução por 25 anos nos
arquivos da Polícia de Cheshire, condado situado no noroeste da Inglaterra.
Na sexta-feira (4/4), Sharkey recebeu uma
pena de prisão de dois anos, suspensa por dois anos, depois que um juiz
concluiu que sua depressão pós-parto havia prejudicado sua capacidade de
julgamento tão severamente que o caso "exigia compaixão" em vez de
punição.
Para Sharkey, o último quarto de século foi
gasto, em suas próprias palavras, "esperando aquela batida na porta".
Em março de 1998, um homem passeando com o
cachorro na área de Callands, em Warrington, Cheshire, viu algo embrulhado em
dois sacos de lixo com nós.
Dentro estava o corpo de um menino
recém-nascido, pesando pouco mais de 3 kg.
Sem nenhuma pista imediata de onde ele veio,
a população local lhe deu o nome de Callum, em homenagem à área de Callands
onde ele foi encontrado.
A cerca de 32 km de distância, em Croxteth,
Liverpool, a mãe do menino não contou o ocorrido a ninguém — incluindo seu
marido Neil Sharkey.
Sharkey não apenas escondeu o nascimento e a
morte do bebê Callum, mas ninguém nunca soube que ela estava grávida.
O marido de Sharkey passaria os 25 anos
seguintes alheio ao fato de ter tido um segundo filho.
Nos dias após a descoberta do corpo do bebê
Callum, testes constataram que bolas de papel higiênico haviam sido inseridas
em sua boca e garganta, confirmando que era improvável que tivesse sido um
acidente.
Investigadores forenses encontraram sangue da
mãe do bebê nos sacos de lixo e conseguiram extrair um perfil de DNA completo.
Foi elaborada uma lista de adolescentes que
estavam ausentes de três escolas locais na época da morte de Callum para que
seu DNA pudesse ser testado.
Várias jovens foram até presas depois que
suas famílias sugeriram aos detetives que elas poderiam estar envolvidas.
Mas a investigação original estagnou e os
anos passaram.
Em 2016, a primeira revisão do banco de dados
nacional de DNA foi solicitada, resultando em uma lista de centenas de nomes de
pessoas potencialmente relacionadas.
Algumas tentativas foram feitas para reduzir
a lista de suspeitos até que a detetive Hannah Friend assumiu o caso em 2021.
No início do caso, os detetives ficaram
"emocionados" quando um nome chamou sua atenção. Era alguém que
morava perto de onde Callum foi encontrado e com quem a equipe de investigação
original conversou.
Mas a pessoa não prestou depoimento nem teve
seus detalhes registrados adequadamente.
"Pensamos que talvez fosse alguém que
tivéssemos deixado passar e, no final das contas, não era nada disso", diz
Friend.
"Ficamos todos muito decepcionados
porque pensávamos que tínhamos resolvido o caso."
• Cortina
de fumaça
Depois de dois anos excluindo possíveis
suspeitos da lista original, a detetive tomou a decisão em 2023 de realizar uma
nova pesquisa no banco de dados nacional de DNA.
Ela foi confrontada com uma nova lista de
aproximadamente 500 nomes e, em suas palavras, uma nova busca por "uma
agulha no palheiro".
Mas desta vez foi diferente — entre os nomes
estava Matthew Sharkey.
Inicialmente, seu nome era um entre vários
perfis de DNA de interesse que foram enviados a um cientista forense para uma
comparação mais detalhada com o bebê Callum.
Alguns meses antes de Joanne Sharkey ser
presa, a detetive Friend recebeu um e-mail daquele cientista com o assunto:
"Você está sentada?"
O e-mail confirmava que Matthew Sharkey era
parente direto de Callum, com uma probabilidade em 36 bilhões de ele não ser.
"Conseguimos identificar uma mulher que
pensávamos ser a mãe de Callum — e essa era Joanne Sharkey", lembra a
detetive.
A equipe de investigação se esforçou para ter
a maior certeza possível de que tinha a pessoa certa antes de seguir em frente
— já que a próxima etapa foi devastadora.
"Eu não queria entrar por aquela porta e
destruir a vida daquela pessoas", diz Friend.
Joanne Sharkey estava sentada em um sofá com
um pijama rosa com a palavra "mãe" quando a polícia entrou pela porta
em 28 de julho de 2023.
Imagens de câmeras corporais usadas pelos
policiais mostram ela ouvindo o policial que a prendeu, com os olhos
arregalados, mas quieta e complacente.
Gesticulando em direção ao marido surpreso,
ela disse ao policial que a prendeu: "Ele não sabe nada sobre isso."
Sem nenhuma evidência naquela fase sobre como
Callum havia morrido ou nas mãos de quem, ambos os pais foram presos.
Posteriormente, um tribunal ouviu que, sem
que soubessem, eles foram gravados enquanto estavam sentados na traseira de uma
viatura da polícia a caminho da casa de custódia.
Sharkey disse ao marido: "Eu não... vou
negar nada. É o que é, não é? Eu... fiz isso."
Em horas de entrevistas à polícia, Sharkey
explicou como, no verão de 1998, ela engravidou pela segunda vez.
Diante de uma depressão pós-parto grave, mas
não diagnosticada, após o nascimento de Matthew, ela disse que sua reação foi:
"Não posso fazer isso de novo".
Ela disse à polícia que ficou
"aterrorizada" ao ver a cobertura jornalística sobre o caso, enquanto
pensava "fui eu".
"É assustador, algo em que você pensa
todos os dias", diz ela. "Você tenta afastar os pensamentos, mas eles
sempre voltam."
Logo no início, ela não tinha certeza se
estava grávida, mas não teve mais dúvidas por volta dos cinco meses.
Ela disse à polícia que as longas horas e
turnos de trabalho de seu marido significavam que eles haviam se tornado dois
estranhos e que não tinha sido difícil esconder sua barriga crescente usando
roupas largas.
Em uma declaração marcante lida
posteriormente no tribunal pelo advogado de Joanne Sharkey, o próprio Neil
Sharkey descreveu como ele "não era o melhor marido e pai" e como ele
"se culpava" pelo que havia acontecido.
Sharkey disse à polícia que sua memória
estava cheia de espaços em branco sobre o nascimento de Callum — mas ela se
lembrou de como Neil e Matthew deveriam estar fora de casa.
Ela também não conseguia se lembrar
exatamente do que fez para por fim à vida dele, apenas que sentia que
"precisava acalmá-lo".
Evidências médicas sugerem que Callum
provavelmente foi submetido a alguma forma de asfixia mecânica.
Sharkey descreveu dirigir sem rumo até chegar
ao local próximo ao parque temático Gulliver's World, onde jogou o corpo do
recém-nascido.
• Promessa
cumprida
Mais tarde, descobriu-se que ela foi vista
naquele dia por um homem aposentado que saía para passear e se lembrava de uma
mulher emergindo da floresta parecendo visivelmente chateada.
A partir desse ponto, as dúvidas que ainda
precisavam ser respondidas eram questões jurídicas e médicas complexas.
Joanne Sharkey foi capaz de formar um
julgamento racional quando matou Callum e foi culpada de assassinato ou
homicídio culposo?
Todas as evidências de psiquiatras
encomendadas pela defesa e pela promotoria apontavam para um mesmo caminho: a
doença mental de Sharkey significava que ela tinha uma defesa parcial com
relação ao assassinato.
A inspetora Friend diz: "Minha
responsabilidade como investigadora é seguir as evidências e desenvolvê-las
para que possamos buscar a verdade."
"Meus sentimentos pessoais sobre
[Sharkey]? Você se pergunta, por um lado, como alguém poderia fazer isso com
uma criança linda, uma criança preciosa que merecia viver. Por outro lado, acho
terrível estar nessa situação em que você acredita que esta é a melhor ou a
única opção que você tem."
O destino de Sharkey foi decidido pelo
Tribunal da Coroa de Liverpool na manhã de sexta-feira pela juíza Justice Eady,
que decidiu que o exercício de condenação "exigia compaixão".
Sharkey recebeu uma sentença de dois anos de
prisão, suspensa por dois anos, com a exigência de tratamento de saúde mental.
Para Friend e sua equipe, a promessa feita ao
lado do túmulo de Callum em 2021 foi cumprida.
Ela acrescenta: "Assim que a sentença
for concluída, voltaremos ao túmulo dele para colocar algumas flores e apenas
prestar nossos respeitos e espero que ele descanse em paz."
Fonte: BBC News
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