sexta-feira, 11 de abril de 2025

Como oscilação das bolsas afeta mesmo quem não investe em ações

A onda sem precedentes de tarifas de importação anunciada pelo presidente americano Donald Trump tomou muitos de surpresa, devido ao seu alcance e amplitude. E as bolsas de valores reagiram intensamente.

Nos dois dias que antecederam o anúncio, o índice S&P 500 de Wall Street, que inclui as maiores empresas americanas, caiu 10%. O mercado não via um retrocesso desta magnitude desde a pandemia de covid-19, em 2020.

Na segunda-feira (7/4), foi a vez das bolsas do mundo todo despencarem. Em seguida, o vaivém de Trump, que nesta quarta-feira (9/4) anunciou redução das tarifas para 10% a todos os países — exceto China, México e Canadá — por 90 dias, fez os mercados subirem e dólar cair no Brasil. Uma oscilação intensa que assusta os investidores.

Os analistas alertam que as tarifas poderão ter efeito destrutivo sobre a economia global.

"Essencialmente, os investidores estão preocupados com o forte impacto sobre os lucros corporativos e a desaceleração em massa do crescimento econômico", declarou o diretor de investimentos da empresa britânica AJ Bell, Russ Mould.

O banco de investimentos Goldman Sachs prevê atualmente uma probabilidade de 45% de que os Estados Unidos entrem em recessão nos próximos 12 meses, frente a uma estimativa anterior de 35%.

Outras empresas de Wall Street também revisaram seus prognósticos de recessão, após o anúncio das tarifas de importação de Donald Trump. O JP Morgan, por exemplo, considera que há 60% de probabilidade de uma recessão econômica nos Estados Unidos e em nível mundial.

Frente a este panorama, os especialistas alertam que o nosso bolso irá sentir as consequências das tarifas de importação americanas, mesmo entre as pessoas que não investem em ações.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou que as tarifas de importação de Donald Trump "encarecerão imediatamente os alimentos, transporte e os medicamentos". Para ela, as medidas tomadas pelo governo americano representam um "duro golpe" para a economia global.

Von der Leyen destacou que o caos tarifário criado pelos Estados Unidos irá afetar não só os grandes blocos econômicos, mas também os países mais pobres, que enfrentarão barreiras comerciais ainda maiores aos seus produtos.

"As empresas multinacionais já falam em cancelamentos de pedidos, mudanças das cadeias logísticas e aumento de custos", explica o economista e especialista na bolsa de valores Pablo Gil.

Para ele, "o impacto sobre os mercados emergentes, especialmente os muito dependentes das exportações para os Estados Unidos, poderá ser dramático".

É importante considerar que a bolsa é um indicador antecipado. Ela é um prenúncio de situações futuras, segundo a perspectiva acertada ou equivocada dos investidores.

Eles observam detalhadamente os dados que revelam a saúde da economia (como o nível de emprego e salários, a inflação e as classes de juros) para decidir o que fazer com seu dinheiro.

·        A queda das bolsas prejudica toda a economia

Desta forma, quedas tão intensas nas bolsas (seguidas de fortes altas também) indicam que veremos meses difíceis para a economia global.

E, mesmo que não sobrevenha a recessão, já está claro que a escalada da guerra comercial gera extrema incerteza sobre o que irá acontecer.

"A queda da bolsa aparentemente afeta apenas quem investe em ações. Mas, na realidade, devido às incertezas, ela influencia o comportamento das empresas, que investem menos, e dos consumidores, que reduzem seus gastos", explica à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o professor Jordi Fabregat, do Departamento de Economia e diretor do Mestrado Executivo de Finanças da instituição de ensino Esade Barcelona, na Espanha.

Ele explica que isso "nos leva a aceitar que a queda afeta toda a economia".

Detalhamos abaixo cinco áreas que poderão sofrer maiores impactos.

>>> 1. Aposentadorias

Muitas pessoas que não investem na bolsa de valores acreditam que o acontece nos "mercados" não as afeta diretamente.

Mas milhões de pessoas possuem planos de aposentadoria, públicos ou privados. E, de uma ou outra forma, estes fundos de pensão investem na bolsa de valores, seja em ações ou em ativos mais estáveis, como a dívida dos governos.

No Brasil, a grande maioria da população tem os valores da aposentadoria garantidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que não são aplicados em bolsas de valores.

Mas, segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), cerca de 11,2 milhões de brasileiros tinham algum plano de previdência em 2024.

Esses planos, de acordo com seus próprios estatutos, podem ter investimentos em ações de empresas, explica a economista Juliana Inhasz , coordenadora do curso de economia no Insper, em São Paulo.

"As pessoas no Brasil nos últimos anos têm se preocupado com as consequências de um sistema [público] de aposentadoria que vem demonstrando sinais de falência. Nesse aspecto, quem investiu nesses fundos que são alavancados por investimentos arriscados em bolsa deve estar preocupado", diz.

Ou seja, o valor que essas pessoas receberão quando se aposentam será influenciado pela subida e queda dos mercados.

Em qualquer das hipóteses, o valor destas economias para a aposentadoria será afetado pelos rendimentos obtidos pelos investimentos. Por isso, os mercados são importantes para as aposentadorias futuras.

As grandes subidas ou quedas da bolsa podem afetar as aposentadorias, mas o conselho é recordar que as economias para a aposentadoria, como qualquer outro investimento, costumam ser uma aposta de longo prazo.

Os especialistas afirmam que os investidores sempre precisaram enfrentar as crises econômicas. Por definição, os investimentos exigem perspectiva e estratégia de longo prazo. Por isso, eles aconselham não se deixar levar pelo pânico nessas circunstâncias, nem tomar decisões precipitadas.

>>> 2. Emprego e investimento das empresas

Para o professor de economia David Echeverry, da Universidade de Navarra, na Espanha, neste contexto de guerra comercial, os exportadores enfrentam perdas – e eles também são responsáveis pela geração de empregos.

Ele cita como exemplo o mercado das cervejarias europeias. O setor calcula que poderá perder mais de 10% dos empregos gerados atualmente, devido à redução da demanda.

O mesmo irá acontecer com os demais produtos sujeitos a alíquotas de importação. Eles passarão a ser menos atraentes para o consumidor local.

As empresas irão passar a vender menos e, consequentemente, reduzirão sua produção. Com isso, elas precisam reduzir seu quadro de funcionários.

"Além disso, não podemos ignorar o impacto na Ásia, que é a região mais afetada pelas tarifas", explica Echeverry.

"Se os países asiáticos tentarem redirecionar sua produção para a Europa, os consumidores europeus poderão ser beneficiados, mas isso colocaria os produtores locais em dificuldades, devido ao aumento da concorrência."

Em tempos de recessão, como a prevista atualmente pelos economistas, as empresas costumam suspender seus planos de expansão até que o panorama fique mais claro.

O professor Omar Rachedi, do Departamento de Economia da Esade, concorda com este ponto.

Ele explica que "uma queda abrupta das cotações costuma refletir o receio dos investidores sobre uma possível recessão, o que é rapidamente percebido pelas empresas".

"Se as bolsas anteciparem uma desaceleração, muitas empresas se protegem e interrompem seus planos de expansão. Isso pode significar a postergação de contratações, congelamento de projetos de investimentos ou até o anúncio de cortes."

Para Rachedi, se as tensões persistirem, é possível que ocorra aumento do desemprego em diversos países nos próximos trimestres, especialmente nos mais expostos às oscilações comerciais. Um exemplo é o caso das fábricas voltadas à exportação, na Ásia e na América Latina.

A professora Juliana Inhasz, do Insper, explica que, se realmente o cenário de desacera lação se comprovar, as empresas poderão ter sobra de produtos, afetando o Brasil.

"Então, elas jogam a produção eventualmente para baixo e isso faz com que a gente tenha, eventualmente, desligamentos e aumento do desemprego", diz.

Inhasz avalia que 2025 já era um ano que estava sendo visto com cautela no Brasil, diante da desaceleração da geração de empregos e a inflação persistente.

"Quando a gente adiciona a esse cenário a novo ambiente externo, isso fica bem mais dramático", avalia.

>>> 3. Redução dos gastos dos consumidores

As incertezas e os temores em torno do crescimento econômico fazem com que os consumidores passem a ser mais conservadores e comecem a economizar mais.

As famílias tendem a priorizar o que é básico e postergar grandes gastos, como a compra de um automóvel novo ou um período de férias no exterior.

"A forte queda das bolsas é uma má notícia para todo o mundo", segundo o Víctor Alvargonzález, diretor de estratégias e sócio fundador da empresa de assessoria independente Nextep Finance.

"A economia é um estado de espírito", explica ele. "Se houver um ambiente de desânimo, as pessoas consomem menos."

"Se você observar a bolsa caindo, mesmo sem entender, você sabe que algo de ruim está acontecendo na economia e isso gera medo." E, quando temem o futuro, as pessoas preferem economizar ou postergar compras importantes.

Para a economista Juliana Inhasz, ainda são poucos os brasileiros que acompanham de perto o sobe e desce da bolsa - e assim considerar o cenário no seu comportamento de consumo.

O "brasileiro médio", diz Inhasz, vai começar a poupar e evitar consumir apenas quando perceber a subida dos preços, que pode ser uma consequência do tarifaço.

"Esse vai ser o sinal para muita gente falar: 'opa, creio que a coisa está ficando pior e eu posso não ter emprego amanhã. Então, vou guardar dinheiro hoje", diz.

Isso não significa que alguns brasileiros, especialmente os mais ligados no noticiário econômico, já não estejam já fazendo isso.

A professora dá o exemplo do Natal de 2014, quando o governo Dilma Rousseff começou a mostrar sinais de fraqueza. Naquele ano, o comércio teve um péssimo fim de ano, especialmente devido ao temor dos consumidores pelos anos que viriam.

O que ocorre é que até mesmo pessoas que não participam diretamente dos mercados financeiros podem sofrer perda de confiança generalizada no sistema, o que pode influir negativamente nas suas decisões e contribuir para o estancamento econômico.

>>> 4. Crédito

Quando surgem previsões de que a economia irá piorar, os bancos são mais reticentes na hora de emprestar dinheiro.

As incertezas econômicas fazem com que as instituições financeiras passem a ser mais cautelosas para conceder empréstimos. Por isso, as exigências para a concessão de crédito para empresas e pessoas físicas aumentam.

A professora Juliana Inhasz explica que, num cenário de crise e a permanência de uma taxa juros altos (que já é a realidade atual do Brasil), os bancos também têm, eles próprios, mais dificuldade de captar recursos.

"E eles passam o custo desta captação mais difícil para o que eles cobram, e isso faz claro que o crédito fique mais caro", diz.

Além disso, uma situação econômica pior vem junto, no geral, com o aumento de inadimplência.

"Os bancos sabem que têm mais perdas. Então, eles até emprestam, mas com juros mais elevados", completa a professora.

O cenário de crédito mais caro também afeta o varejo. E essa dificuldade de conseguir recursos pode levar a mais restrições nas compras parceladas no comércio.

Por exemplo, uma geladeira que antes era dividida em 12 vezes pode passar a ser parcelada apenas em seis.

O credito caro, em geral, limita a capacidade de empresas se expandirem ou até mesmo de operar normalmente. E esta situação pode gerar demissões e reduções salariais, prejudicando diretamente os trabalhadores e suas famílias.

>>> 5. Dólar

O dólar registrou fortes altas no Brasil nesta semana diante das tarifas de Trump - mas acabou tendo um grande recuo após o presidente dos EUA suspender as taxas de importação mais elevadas por 90 dias, nesta quarta-feira.

Mas se as incertezas dos últimos dias voltarem a derrubar a bolsa brasileira e subir a cotação do dólar, isso é motivo de preocupação para o consumidor.

Em geral, as quedas nas bolsas significam que as pessoas estão se desfazendo de suas ações, levando seu dinheiro para investimentos de menor risco - que geralmente estão em economias mais estáveis e desenvolvidas do que o Brasil.

"Então, existe um enfraquecimento das moedas locais. justamente porque o recurso dessas bolsas acaba migrando para uma renda fixa, indo de forma mais intensa para países mais ricos", explica a economista Juliana Inhasz.

Para o consumidor, se o real se enfraquece, tudo que é em dólar fica mais caro.

O efeito imediato pode ser sentido em passagens aéreas e no turismo, por exemplo.

Mas o Brasil importa muito daquilo que consome. Ou seja, o aumento da taxa de câmbio faz com que os produtos que chegam ao país fiquem mais caros.

Além disso, o país também importa muita matéria-prima, máquinas e equipamentos para sua própria indústria.

"Então o custo da produção aqui que também se eleva, encarecendo o preço do produto final", avalia Inhasz.

·        Por que real vive 'sobe e desce' frente ao dólar

Os mercados financeiros buscam antecipar acontecimentos futuros para tentar minimizar perdas ou maximizar ganhos, lembra Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

"Nesse momento, a mudança da ordem macroeconômica global por meio da aplicação de tarifas indica para os investidores que há risco de recessão à frente", diz Agostini.

Esse risco decorre do aumento esperado do custo de produção nos Estados Unidos, o que deve elevar a inflação no país, levando os juros a serem mantidos em nível alto por mais tempo, o que mais à frente pode resultar em retração da atividade econômica, já que os juros altos tornam mais caro consumir e investir.

Com o aumento da percepção de risco, os investidores deixam mercados mais arriscados, como os emergentes, em busca da segurança dos mercados maduros.

No caso do Brasil, pesa ainda o fato de que o país tem uma entrada e saída de fluxo de capitais muito fácil (ou seja, pouco taxada e sem muitas travas regulatórias), observa Agostini.

Então muitos investidores que estavam aproveitando os juros altos por aqui para obter ganhos, com a piora de cenário global redirecionam seus recursos para investimentos considerados mais seguros.

"Agora, a preocupação do investidor não é ganhar, é perder o menos possível", diz o analista.

Além da alta liquidez do mercado brasileiro, há ainda outros dois fatores que pesam para que o real seja sempre uma das moedas que mais se desvaloriza quando acontece qualquer evento global de aversão ao risco, segundo Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.

Um deles é o fato de o Brasil ser um país com problemas estruturais, com a questão do equilíbrio das contas públicas como principal preocupação em anos recentes.

O outro motivo é termos uma economia muito exposta à China, cujo crescimento pode ser afetado em meio à guerra comercial, prejudicando a demanda pelas commodities brasileiras.

"Todas as moedas que operam em função do yuan e da economia da China se desvalorizaram [até a terça-feira], e o real entrou nesse meio, por ter uma economia bastante exposta", diz Sobral.

·        Por que o dólar perde valor em relação a outras moedas fortes

No entanto, o movimento de desvalorização de diversas moedas em relação ao dólar não é generalizado, e divisas fortes como o franco suíço, o iene e o euro têm ganhado valor ante a moeda americana desde o "tarifaço".

Agostini, da Austin Rating, explica que, normalmente, os títulos do tesouro americano são considerados um "porto seguro" por investidores em momentos de percepção de piora do risco global.

Mas, no cenário atual, com o temor de recessão ou "estagflação" (inflação com economia estagnada) nos EUA, os investidores estão vendendo títulos do tesouro americano e indo para outros países considerados mais seguros.

·        E o que esperar para o dólar à frente

Nesse cenário volátil, é difícil ter visibilidade sobre o que esperar para o câmbio no restante do ano, dizem os economistas.

"Enquanto houver essa queda de braço [entre EUA e China], o mercado deve ficar volátil, com tendência de desvalorização [do real em relação ao dólar]", diz Agostini, da Austin Rating.

O economista, no entanto, não mudou sua projeção de um câmbio a R$ 5,80 ao fim de 2025.

"Isso dependeria de uma acomodação dos ânimos, com algum entendimento entre as partes. Pode até ter tarifas, mas não no patamar que estamos vendo hoje, de mais de 100% de um lado e mais de 80% do outro lado", afirma o analista.

"Ou seja, precisaria de um recuo da Casa Branca e outro recuo de Pequim, que beneficiaria a todos."

Sobral, da Neo Investimentos, também mantém sua projeção para o dólar no fim do ano em R$ 5,90, mas observa que é difícil fazer previsões num mundo que não para de surpreender.

"Primeiro, eu não achava que as tarifas do 'Liberation Day' seriam aquela loucura completa, depois, eu não achava que a China retaliaria tão rápido, ou que os Estados Unidos iriam levar a cabo tarifas de mais de 100% contra a China", enumera Sobral.

"Então já estamos no território de três camadas de coisas inesperadas que aconteceram e elas não param de acontecer, então não dá para ter convicção nenhuma quanto a cenários futuros."

Segundo Sobral, se China e EUA chegarem a um acordo, deve haver uma descompressão rápida do mercado cambial, com o real voltando para o patamar de R$ 5,80 ou R$ 5,90.

Mas também pode ser que a situação piore e vejamos uma crise à semelhança da ocorrida em 2008, com duração mais longa, e que gere mais danos à economia global, desvalorizando o real.

"Ninguém achava que uma economia desenvolvida tinha potencial para causar tanto estrago na economia global por conta da vontade de uma pessoa. Estamos nos deparando com uma fragilidade do sistema inédita", afirma Sobral.

"Todos os freios que se achava que Trump iria ter, de Congresso, tecnocracia, popularidade, por enquanto não estão valendo. Então é um elefante desgovernado. Fica difícil fazer conta."

 

Fonte: BBC News

 

Nenhum comentário: