Como
oscilação das bolsas afeta mesmo quem não investe em ações
A
onda sem precedentes de tarifas de
importação anunciada
pelo presidente americano Donald Trump tomou muitos de
surpresa, devido ao seu alcance e amplitude. E as bolsas de valores reagiram
intensamente.
Nos
dois dias que antecederam o anúncio, o índice S&P 500 de Wall Street, que
inclui as maiores empresas americanas, caiu 10%. O mercado não via um
retrocesso desta magnitude desde a pandemia de covid-19, em 2020.
Na
segunda-feira (7/4), foi a vez das bolsas do mundo todo despencarem. Em
seguida, o vaivém de Trump, que nesta quarta-feira (9/4) anunciou redução das tarifas para 10%
a todos os países —
exceto China, México e Canadá — por 90 dias, fez os mercados subirem e dólar cair no Brasil. Uma
oscilação intensa que assusta os investidores.
Os
analistas alertam que as tarifas poderão ter efeito destrutivo sobre a economia global.
"Essencialmente,
os investidores estão preocupados com o forte impacto sobre os lucros
corporativos e a desaceleração em massa do crescimento econômico",
declarou o diretor de investimentos da empresa britânica AJ Bell, Russ Mould.
O banco
de investimentos Goldman Sachs prevê atualmente uma probabilidade de 45% de que
os Estados Unidos entrem em
recessão nos próximos 12 meses, frente a uma estimativa anterior de 35%.
Outras
empresas de Wall Street também revisaram seus prognósticos de recessão, após o
anúncio das tarifas de importação de Donald Trump. O JP Morgan, por exemplo,
considera que há 60% de probabilidade de uma recessão econômica nos Estados
Unidos e em nível mundial.
Frente
a este panorama, os especialistas alertam que o nosso bolso irá sentir as
consequências das tarifas de importação americanas, mesmo entre as pessoas que
não investem em ações.
A
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou que as tarifas
de importação de Donald Trump "encarecerão imediatamente os alimentos,
transporte e os medicamentos". Para ela, as medidas tomadas pelo governo
americano representam um "duro golpe" para a economia global.
Von der
Leyen destacou que o caos tarifário criado pelos Estados Unidos irá afetar não
só os grandes blocos econômicos, mas também os países mais pobres, que
enfrentarão barreiras comerciais ainda maiores aos seus produtos.
"As
empresas multinacionais já falam em cancelamentos de pedidos, mudanças das
cadeias logísticas e aumento de custos", explica o economista e
especialista na bolsa de valores Pablo Gil.
Para
ele, "o impacto sobre os mercados emergentes, especialmente os muito
dependentes das exportações para os Estados Unidos, poderá ser dramático".
É
importante considerar que a bolsa é um indicador antecipado. Ela é um prenúncio
de situações futuras, segundo a perspectiva acertada ou equivocada dos
investidores.
Eles
observam detalhadamente os dados que revelam a saúde da economia (como o nível
de emprego e salários, a inflação e as classes de juros) para decidir o que
fazer com seu dinheiro.
·
A queda das bolsas prejudica toda a economia
Desta
forma, quedas tão intensas nas bolsas (seguidas de fortes altas também) indicam
que veremos meses difíceis para a economia global.
E,
mesmo que não sobrevenha a recessão, já está claro que
a escalada da guerra comercial gera extrema
incerteza sobre o que irá acontecer.
"A
queda da bolsa aparentemente afeta apenas quem investe em ações. Mas, na
realidade, devido às incertezas, ela influencia o comportamento das empresas,
que investem menos, e dos consumidores, que reduzem seus gastos", explica
à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o professor Jordi Fabregat, do
Departamento de Economia e diretor do Mestrado Executivo de Finanças da
instituição de ensino Esade Barcelona, na Espanha.
Ele
explica que isso "nos leva a aceitar que a queda afeta toda a
economia".
Detalhamos
abaixo cinco áreas que poderão sofrer maiores impactos.
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1. Aposentadorias
Muitas
pessoas que não investem na bolsa de valores acreditam que o acontece nos
"mercados" não as afeta diretamente.
Mas
milhões de pessoas possuem planos de aposentadoria, públicos ou privados. E, de
uma ou outra forma, estes fundos de pensão investem na bolsa de valores, seja
em ações ou em ativos mais estáveis, como a dívida dos governos.
No
Brasil, a grande maioria da população tem os valores da aposentadoria
garantidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que não são
aplicados em bolsas de valores.
Mas,
segundo dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi),
cerca de 11,2 milhões de brasileiros tinham algum plano de previdência em 2024.
Esses
planos, de acordo com seus próprios estatutos, podem ter investimentos em ações
de empresas, explica a economista Juliana Inhasz , coordenadora do curso de
economia no Insper, em São Paulo.
"As
pessoas no Brasil nos últimos anos têm se preocupado com as consequências de um
sistema [público] de aposentadoria que vem demonstrando sinais de falência.
Nesse aspecto, quem investiu nesses fundos que são alavancados por
investimentos arriscados em bolsa deve estar preocupado", diz.
Ou
seja, o valor que essas pessoas receberão quando se aposentam será influenciado
pela subida e queda dos mercados.
Em
qualquer das hipóteses, o valor destas economias para a aposentadoria será
afetado pelos rendimentos obtidos pelos investimentos. Por isso, os mercados
são importantes para as aposentadorias futuras.
As
grandes subidas ou quedas da bolsa podem afetar as aposentadorias, mas o
conselho é recordar que as economias para a aposentadoria, como qualquer outro
investimento, costumam ser uma aposta de longo prazo.
Os
especialistas afirmam que os investidores sempre precisaram enfrentar as crises
econômicas. Por definição, os investimentos exigem perspectiva e estratégia de
longo prazo. Por isso, eles aconselham não se deixar levar pelo pânico nessas
circunstâncias, nem tomar decisões precipitadas.
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2. Emprego e investimento das empresas
Para o
professor de economia David Echeverry, da Universidade de Navarra, na Espanha,
neste contexto de guerra comercial, os exportadores enfrentam perdas – e eles
também são responsáveis pela geração de empregos.
Ele
cita como exemplo o mercado das cervejarias europeias. O setor calcula que
poderá perder mais de 10% dos empregos gerados atualmente, devido à redução da
demanda.
O mesmo
irá acontecer com os demais produtos sujeitos a alíquotas de importação. Eles
passarão a ser menos atraentes para o consumidor local.
As
empresas irão passar a vender menos e, consequentemente, reduzirão sua
produção. Com isso, elas precisam reduzir seu quadro de funcionários.
"Além
disso, não podemos ignorar o impacto na Ásia, que é a região mais afetada pelas
tarifas", explica Echeverry.
"Se
os países asiáticos tentarem redirecionar sua produção para a Europa, os
consumidores europeus poderão ser beneficiados, mas isso colocaria os
produtores locais em dificuldades, devido ao aumento da concorrência."
Em
tempos de recessão, como a prevista atualmente pelos economistas, as empresas
costumam suspender seus planos de expansão até que o panorama fique mais claro.
O
professor Omar Rachedi, do Departamento de Economia da Esade, concorda com este
ponto.
Ele
explica que "uma queda abrupta das cotações costuma refletir o receio dos
investidores sobre uma possível recessão, o que é rapidamente percebido pelas
empresas".
"Se
as bolsas anteciparem uma desaceleração, muitas empresas se protegem e
interrompem seus planos de expansão. Isso pode significar a postergação de
contratações, congelamento de projetos de investimentos ou até o anúncio de
cortes."
Para
Rachedi, se as tensões persistirem, é possível que ocorra aumento do desemprego
em diversos países nos próximos trimestres, especialmente nos mais expostos às
oscilações comerciais. Um exemplo é o caso das fábricas voltadas à exportação,
na Ásia e na América Latina.
A
professora Juliana Inhasz, do Insper, explica que, se realmente o cenário de
desacera lação se comprovar, as empresas poderão ter sobra de produtos,
afetando o Brasil.
"Então,
elas jogam a produção eventualmente para baixo e isso faz com que a gente
tenha, eventualmente, desligamentos e aumento do desemprego", diz.
Inhasz
avalia que 2025 já era um ano que estava sendo visto com cautela no Brasil,
diante da desaceleração da geração de empregos e a inflação persistente.
"Quando
a gente adiciona a esse cenário a novo ambiente externo, isso fica bem mais
dramático", avalia.
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3. Redução dos gastos dos consumidores
As
incertezas e os temores em torno do crescimento econômico fazem com que os
consumidores passem a ser mais conservadores e comecem a economizar mais.
As
famílias tendem a priorizar o que é básico e postergar grandes gastos, como a
compra de um automóvel novo ou um período de férias no exterior.
"A
forte queda das bolsas é uma má notícia para todo o mundo", segundo o
Víctor Alvargonzález, diretor de estratégias e sócio fundador da empresa de
assessoria independente Nextep Finance.
"A
economia é um estado de espírito", explica ele. "Se houver um
ambiente de desânimo, as pessoas consomem menos."
"Se
você observar a bolsa caindo, mesmo sem entender, você sabe que algo de ruim está
acontecendo na economia e isso gera medo." E, quando temem o futuro, as
pessoas preferem economizar ou postergar compras importantes.
Para a
economista Juliana Inhasz, ainda são poucos os brasileiros que acompanham de
perto o sobe e desce da bolsa - e assim considerar o cenário no seu
comportamento de consumo.
O
"brasileiro médio", diz Inhasz, vai começar a poupar e evitar
consumir apenas quando perceber a subida dos preços, que pode ser uma
consequência do tarifaço.
"Esse
vai ser o sinal para muita gente falar: 'opa, creio que a coisa está ficando
pior e eu posso não ter emprego amanhã. Então, vou guardar dinheiro hoje",
diz.
Isso
não significa que alguns brasileiros, especialmente os mais ligados no
noticiário econômico, já não estejam já fazendo isso.
A
professora dá o exemplo do Natal de 2014, quando o governo Dilma Rousseff
começou a mostrar sinais de fraqueza. Naquele ano, o comércio teve um péssimo
fim de ano, especialmente devido ao temor dos consumidores pelos anos que
viriam.
O que
ocorre é que até mesmo pessoas que não participam diretamente dos mercados
financeiros podem sofrer perda de confiança generalizada no sistema, o que pode
influir negativamente nas suas decisões e contribuir para o estancamento
econômico.
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4. Crédito
Quando
surgem previsões de que a economia irá piorar, os bancos são mais reticentes na
hora de emprestar dinheiro.
As
incertezas econômicas fazem com que as instituições financeiras passem a ser
mais cautelosas para conceder empréstimos. Por isso, as exigências para a
concessão de crédito para empresas e pessoas físicas aumentam.
A
professora Juliana Inhasz explica que, num cenário de crise e a permanência de
uma taxa juros altos (que já é a realidade atual do Brasil), os bancos também
têm, eles próprios, mais dificuldade de captar recursos.
"E
eles passam o custo desta captação mais difícil para o que eles cobram, e isso
faz claro que o crédito fique mais caro", diz.
Além
disso, uma situação econômica pior vem junto, no geral, com o aumento de
inadimplência.
"Os
bancos sabem que têm mais perdas. Então, eles até emprestam, mas com juros mais
elevados", completa a professora.
O
cenário de crédito mais caro também afeta o varejo. E essa dificuldade de
conseguir recursos pode levar a mais restrições nas compras parceladas no
comércio.
Por
exemplo, uma geladeira que antes era dividida em 12 vezes pode passar a ser
parcelada apenas em seis.
O
credito caro, em geral, limita a capacidade de empresas se expandirem ou até
mesmo de operar normalmente. E esta situação pode gerar demissões e reduções
salariais, prejudicando diretamente os trabalhadores e suas famílias.
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5. Dólar
O dólar
registrou fortes altas no Brasil nesta semana diante das tarifas de Trump - mas
acabou tendo um grande recuo após o
presidente dos EUA suspender as taxas de importação mais elevadas por 90 dias,
nesta quarta-feira.
Mas se
as incertezas dos últimos dias voltarem a derrubar a bolsa brasileira e subir a
cotação do dólar, isso é motivo de preocupação para o consumidor.
Em
geral, as quedas nas bolsas significam que as pessoas estão se desfazendo de
suas ações, levando seu dinheiro para investimentos de menor risco - que
geralmente estão em economias mais estáveis e desenvolvidas do que o Brasil.
"Então,
existe um enfraquecimento das moedas locais. justamente porque o recurso dessas
bolsas acaba migrando para uma renda fixa, indo de forma mais intensa para
países mais ricos", explica a economista Juliana Inhasz.
Para o
consumidor, se o real se enfraquece, tudo que é em dólar fica mais caro.
O
efeito imediato pode ser sentido em passagens aéreas e no turismo, por exemplo.
Mas o
Brasil importa muito daquilo que consome. Ou seja, o aumento da taxa de câmbio
faz com que os produtos que chegam ao país fiquem mais caros.
Além
disso, o país também importa muita matéria-prima, máquinas e equipamentos para
sua própria indústria.
"Então
o custo da produção aqui que também se eleva, encarecendo o preço do produto
final", avalia Inhasz.
·
Por que real vive 'sobe e desce' frente ao dólar
Os
mercados financeiros buscam antecipar acontecimentos futuros para tentar
minimizar perdas ou maximizar ganhos, lembra Alex Agostini, economista-chefe da
Austin Rating.
"Nesse
momento, a mudança da ordem macroeconômica global por meio da aplicação de
tarifas indica para os investidores que há risco de recessão à frente",
diz Agostini.
Esse
risco decorre do aumento esperado do custo de produção nos Estados Unidos, o
que deve elevar a inflação no país, levando os juros a serem mantidos em nível
alto por mais tempo, o que mais à frente pode resultar em retração da atividade
econômica, já que os juros altos tornam mais caro consumir e investir.
Com o
aumento da percepção de risco, os investidores deixam mercados mais arriscados,
como os emergentes, em busca da segurança dos mercados maduros.
No caso
do Brasil, pesa ainda o fato de que o país tem uma entrada e saída de fluxo de
capitais muito fácil (ou seja, pouco taxada e sem muitas travas regulatórias),
observa Agostini.
Então
muitos investidores que estavam aproveitando os juros altos por aqui para obter
ganhos, com a piora de cenário global redirecionam seus recursos para
investimentos considerados mais seguros.
"Agora,
a preocupação do investidor não é ganhar, é perder o menos possível", diz
o analista.
Além da
alta liquidez do mercado brasileiro, há ainda outros dois fatores que pesam
para que o real seja sempre uma das moedas que mais se desvaloriza quando
acontece qualquer evento global de aversão ao risco, segundo Luciano Sobral,
economista-chefe da Neo Investimentos.
Um
deles é o fato de o Brasil ser um país com problemas estruturais, com a questão
do equilíbrio das contas públicas como principal preocupação em anos recentes.
O outro
motivo é termos uma economia muito exposta à China, cujo crescimento pode ser
afetado em meio à guerra comercial, prejudicando a demanda pelas commodities
brasileiras.
"Todas
as moedas que operam em função do yuan e da economia da China se desvalorizaram
[até a terça-feira], e o real entrou nesse meio, por ter uma economia bastante
exposta", diz Sobral.
·
Por que o dólar perde valor em relação a outras moedas
fortes
No
entanto, o movimento de desvalorização de diversas moedas em relação ao dólar
não é generalizado, e divisas fortes como o franco suíço, o iene e o euro têm
ganhado valor ante a moeda americana desde o "tarifaço".
Agostini,
da Austin Rating, explica que, normalmente, os títulos do tesouro americano são
considerados um "porto seguro" por investidores em momentos de
percepção de piora do risco global.
Mas, no
cenário atual, com o temor de recessão ou "estagflação" (inflação com
economia estagnada) nos EUA, os investidores estão vendendo títulos do tesouro
americano e indo para outros países considerados mais seguros.
·
E o que esperar para o dólar à frente
Nesse
cenário volátil, é difícil ter visibilidade sobre o que esperar para o câmbio
no restante do ano, dizem os economistas.
"Enquanto
houver essa queda de braço [entre EUA e China], o mercado deve ficar volátil,
com tendência de desvalorização [do real em relação ao dólar]", diz
Agostini, da Austin Rating.
O
economista, no entanto, não mudou sua projeção de um câmbio a R$ 5,80 ao fim de
2025.
"Isso
dependeria de uma acomodação dos ânimos, com algum entendimento entre as
partes. Pode até ter tarifas, mas não no patamar que estamos vendo hoje, de
mais de 100% de um lado e mais de 80% do outro lado", afirma o analista.
"Ou
seja, precisaria de um recuo da Casa Branca e outro recuo de Pequim, que
beneficiaria a todos."
Sobral,
da Neo Investimentos, também mantém sua projeção para o dólar no fim do ano em
R$ 5,90, mas observa que é difícil fazer previsões num mundo que não para de
surpreender.
"Primeiro,
eu não achava que as tarifas do 'Liberation Day' seriam aquela loucura
completa, depois, eu não achava que a China retaliaria tão rápido, ou que os
Estados Unidos iriam levar a cabo tarifas de mais de 100% contra a China",
enumera Sobral.
"Então
já estamos no território de três camadas de coisas inesperadas que aconteceram
e elas não param de acontecer, então não dá para ter convicção nenhuma quanto a
cenários futuros."
Segundo
Sobral, se China e EUA chegarem a um acordo, deve haver uma descompressão
rápida do mercado cambial, com o real voltando para o patamar de R$ 5,80 ou R$
5,90.
Mas
também pode ser que a situação piore e vejamos uma crise à semelhança da
ocorrida em 2008, com duração mais longa, e que gere mais danos à economia
global, desvalorizando o real.
"Ninguém
achava que uma economia desenvolvida tinha potencial para causar tanto estrago
na economia global por conta da vontade de uma pessoa. Estamos nos deparando
com uma fragilidade do sistema inédita", afirma Sobral.
"Todos
os freios que se achava que Trump iria ter, de Congresso, tecnocracia,
popularidade, por enquanto não estão valendo. Então é um elefante desgovernado.
Fica difícil fazer conta."
Fonte:
BBC News
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