A
misteriosa ligação entre herpes e o mal de Alzheimer
Você já
pode ter tido uma infecção por herpes em algum momento: pequenas bolhas que
aparecem na área dos lábios, secam e desaparecem depois de alguns dias, e
misteriosamente reaparecem mais ou menos na mesma área algum tempo depois. Por
que isso acontece?
• Uma infecção que dura a vida toda
O vírus
que causa o herpes pode infectar vários tipos diferentes de células, como as
células epiteliais, os neurônios e linfócitos. Nas células epiteliais, ele
multiplica-se e forma vesículas cheias de um fluido que contém milhões de
partículas virais. Essas bolhas acabam secando e formando crostas.
Mas o
patógeno também é capaz de infectar os neurônios que inervam a mesma área da
pele. Ele percorre o axônio da célula nervosa até seu núcleo. Lá, ele permanece
dormente ou oculto por meses ou até anos. Em um determinado momento, que
geralmente coincide com um período de alguma imunossupressão, o vírus é
reativado e retorna por meio das terminações nervosas para as células do
epitélio da pele. Começa então uma nova infecção.
O
herpes também pode ser reativado por fatores ambientais: desde mudanças de
temperatura ou aumento da luz solar até alterações hormonais ou estresse.
Depois
que uma pessoa contrai uma infecção por herpes, o vírus permanece no corpo por
toda a vida. As lesões aparecem e desaparecem porque o herpes é capaz de
estabelecer e manter uma infecção latente nos neurônios por muitos anos e
depois reativar com o tempo. Além disso, eles induzem uma resposta imune
crônica, levando à liberação de compostos que promovem a inflamação.
Há
muitos tipos diferentes de herpes: herpes simples tipo 1 e 2, varicela-zoster,
Epstein-Barr, citomegalovírus… Esses são os vírus mais comuns e persistentes em
humanos. Praticamente todo mundo tem ou já teve herpes: mais de 80% das pessoas
têm anticorpos contra o herpes simplex tipo 1 ou varicela-zóster, por exemplo.
• Herpes e Alzheimer: correlação, mas não
causalidade
A
doença de Alzheimer é um distúrbio neurodegenerativo progressivo que afeta
milhões de pessoas em todo o mundo. Ela é caracterizada pelo acúmulo
extracelular de peptídeos β-amiloides (amiloidose), seguido pela superprodução
de proteínas e pela formação de emaranhados de fibras proteicas no cérebro.
Essa proteína, chamada tau, é localizada nos axônios dos neurônios e está
ligada à estabilização do citoesqueleto dos neurônios.
A
doença envolve outras alterações e processos, como neuroinflamação, rompimento
da junção entre os neurônios (sinapses) e perda neuronal, desregulação
metabólica e, por fim, comprometimento cognitivo e demência. Foram
identificadas variantes genéticas associadas à doença, como o gene da
apolipoproteína E (APOE). Ele é responsável pela síntese de uma proteína
fundamental no metabolismo de lipídios e no transporte de colesterol no
cérebro.
Apesar
dos enormes esforços de pesquisa, as causas da doença de Alzheimer não são
totalmente compreendidas; os tratamentos atuais são apenas dos sintomas e não
modificam a progressão da doença. Sugeriu-se que fatores ambientais e
infecciosos, especialmente infecções crônicas ou reativadas, como as causadas
por herpes, podem acelerar o declínio cognitivo.
Nesse
sentido, evidências crescentes sugerem que infecções por herpes simplex tipo 1
podem contribuir para o início e a progressão da neurodegeneração.
Por
exemplo, vários estudos post mortem encontraram DNA de herpes simplex no
cérebro de pacientes com Alzheimer, especialmente em regiões com alta deposição
de β-amiloide. A frequência e a quantidade de DNA viral parecem estar
correlacionadas com a gravidade do comprometimento cognitivo.
Além
disso, pessoas portadoras de uma variante específica do gene APOE, que as torna
mais suscetíveis à doença de Alzheimer, também são mais suscetíveis à
reativação do herpes e seus efeitos neurodegenerativos. E em pesquisas com
animais infectados com herpes simplex, eles desenvolvem placas β-amiloides,
alterações na proteína tau e inflamação neuronal semelhantes às encontradas em
pacientes com Alzheimer.
Esses
resultados sugerem que o herpes pode atuar como um cofator na doença,
principalmente em pessoas com predisposição genética ou sistemas imunológicos
comprometidos.
A
relação do herpes zoster com as células microgliais, como astrócitos e
oligodendrócitos, que desempenham papéis essenciais na homeostase cerebral,
também foi analisada. O mau funcionamento dessas células cerebrais desencadeia
a neuroinflamação que está ligada a sintomas depressivos e a outras doenças
neurológicas, como o mal de Alzheimer. O herpes pode desregular a ação dessas
células gliais, levando à ativação crônica dessas células e a um estado
inflamatório persistente.
Assim,
o herpes pode promover a patologia do Alzheimer por meio de mecanismos
inflamatórios, desmielinização (deterioração da bainha de mielina que cobre as
fibras nervosas) e disfunção sináptica.
Tudo
isso sugere uma forte correlação entre a presença do vírus herpes simplex no
cérebro e os marcadores clássicos do Alzheimer, mas não prova que eles sejam a
causa da doença. A infecção crônica latente por herpes pode contribuir para o
desenvolvimento da doença neurodegenerativa, especialmente em indivíduos
geneticamente suscetíveis.
• Antivirais contra a doença de Alzheimer?
Surge a
questão de saber se as terapias antivirais, como o aciclovir, poderiam ser uma
forma de retardar a progressão da doença. Embora preliminares, os dados
disponíveis sugerem efeitos positivos do tratamento antiviral na progressão da
doença de Alzheimer, particularmente em infecções por herpes simplex tipo 1 e
varicela-zóster.
Em
modelos de laboratório com células neuronais, o aciclovir demonstrou não apenas
reduzir a expressão da proteína viral, mas também reduzir os níveis de
β-amiloide e proteína tau. Em camundongos infectados com herpes simplex, o
tratamento com o antiviral reduz a inflamação cerebral e a perda sináptica.
Além disso, vários estudos epidemiológicos mostram uma associação significativa
entre o uso de antivirais e a redução do risco de demência em humanos.
No
entanto, esses estudos clínicos em humanos estão em um estágio muito inicial e
são necessárias mais pesquisas. Talvez, no futuro, terapias combinadas iniciais
(antiviral + anti-inflamatório + neuroprotetor) possam ser usadas para prevenir
ou retardar a doença.
• Uma vacina contra a demência?
Há
algumas evidências de que as vacinas, especialmente as vacinas vivas atenuadas,
podem ter efeitos imunes benéficos além da prevenção do patógeno específico.
Esta semana, um novo estudo epidemiológico publicado na revista Nature reforça
a evidência de que a vacinação contra herpes-zóster reduz o risco de demência.
O que é
interessante sobre esse trabalho é que ele explora um “experimento natural”. Em
2013, as autoridades de saúde do País de Gales implementaram um programa de
vacinação contra herpes zoster para pessoas com mais de 80 anos.
Elas
decidiram que qualquer pessoa que tivesse 79 anos de idade em 1º de setembro de
2013 poderia receber a vacina, e as pessoas acima dessa idade não poderiam.
Essa decisão foi a única coisa que diferenciou os vacinados dos não vacinados.
Portanto, era um grupo muito homogêneo, o que, em princípio, tornaria os
resultados mais valiosos.
Eles
examinaram os registros de saúde durante um período de sete anos de mais de
280.000 pessoas sem demência no início do programa de vacinação e compararam a
relação entre a vacinação e a demência. Os resultados foram surpreendentes: a
administração da vacina reduziu o risco de demência em 20%, um efeito protetor
significativamente maior nas mulheres (as mulheres têm um risco maior de
desenvolver demência na velhice, e há diferenças de gênero na resposta do
sistema imune às vacinas).
Talvez
a vacina produza esses efeitos porque evita a neuroinflamação crônica ao
impedir a reativação do vírus. Ou talvez ela ative o sistema imune que protege
de forma não específica contra a demência.
Embora
nem todas as demências sejam Alzheimer, o novo estudo fornece uma das
evidências mais fortes de que a vacinação contra herpes-zóster reduz a
demência. No entanto, ele tem algumas limitações. Em primeiro lugar, o estudo
analisou apenas populações com idade em torno de 80 anos. Em segundo lugar, o
estudo analisou o efeito da vacina viva atenuada Zostavax, que foi retirada do
mercado devido a outros efeitos colaterais.
Recentemente,
foi desenvolvida outra vacina recombinante que é mais segura e mais eficaz
contra o zoster (Shingrix), e seria interessante saber se o efeito se mantém
com essa nova versão.
• Um campo de batalha imune
Há
vários anos se levanta a hipótese de que o Alzheimer pode ter, em parte, uma
origem infecciosa: vírus, bactérias ou até mesmo fungos podem desempenhar um
papel direto ou indireto em seu desenvolvimento. Não apenas o herpes simplex
tipo 1, mas também bactérias como Chlamydia pneumoniae ou Porphyromonas
gingivalis podem promover inflamação neurotóxica crônica, favorecer a formação
de placas β-amiloides ou a degeneração progressiva dos neurônios.
Isso
não prova que eles sejam a causa da doença, mas, de alguma forma, favorecem ou
contribuem para o desenvolvimento da doença de Alzheimer, especialmente em
determinados indivíduos suscetíveis. O cérebro pode ser como um campo de
batalha imune crônico no qual os patógenos podem afetar sua função.
Embora
as evidências não sejam conclusivas, essa hipótese é um novo caminho
complementar para pesquisas adicionais sobre novos biomarcadores e o uso de
antimicrobianos ou vacinas para tratar e prevenir essa terrível doença.
Fonte:
Por Ignacio López-Goñi, para The Conversation Brasil.

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