A
crise de civilidade é um caso de polícia
A crise
de civilidade ao longo do século passado trouxe consequências devastadoras. Apenas com as guerras,
estima-se que cerca de 40 milhões de
vidas foram perdidas. Somando-se a isso os genocídios, os efeitos
colaterais como a fome, a miséria,
doenças curáveis não tratadas, além do racismo estrutural, machismo, xenofobia,
migrações forçadas e outras formas de
extermínio — tanto em massa quanto de forma gradual, como ocorre com
a necropolítica —, o número chega a mais
de cem milhões de mortes adicionais. Ou
seja, pelo menos 140 milhões de vidas foram ceifadas por conta da ausência de
civilidade.
Um
conceito que compreende um conjunto de comportamentos e atitudes baseados no
respeito mútuo, na educação, na empatia, na consideração e na solidariedade, os
quais se revelam indispensáveis para a valorização da vida coletiva, não apenas
entre os seres humanos, mas estendendo-se a todas as formas de vida.
Ao
longo do século XX, vivemos intensas crises de civilidade, cujas manifestações
mais evidentes foram as duas Guerras Mundiais. Paralelamente, observou-se o
desmonte gradual do Estado de bem-estar social, acompanhado pela ascensão de um
modelo neoliberal radicalizado que, no decorrer do tempo, evoluiu para um
ultraliberalismo. Esse processo proporcionou terreno fértil para o
fortalecimento de movimentos populistas autoritários, os quais se articulam no
sentido de deslegitimar instituições democráticas e promover políticas de
morte, prática conceituada como
necropolítica — fenômeno que permanece presente
nas dinâmicas sociopolíticas do século XXI.
Dessa
forma, a civilidade não se limita a gestos formais ou normas de etiqueta
social. Ela manifesta-se desde ações cotidianas básicas, como o uso de expressões corteses, o respeito ao espaço do
outro e a escuta ativa, até práticas sociais amplas que envolvem o
reconhecimento da dignidade humana, a defesa das instituições democráticas e o
engajamento com os direitos fundamentais.
As
vidas ceifadas pela ausência de civilidade são um lamento que atravessa o tempo — vozes espectrais que clamam por
liberdade, justiça e solidariedade. A
polícia é o instrumento estatal essencial para garantir essa civilidade;
sem ela, a ordem civil se desfaz.
No
Brasil, no entanto, a questão policial foi apropriada por agendas políticas,
especialmente pelos grupos de direita e, mais recentemente, pela
extrema-direita. Nem o chamado “terceiro incluído”, que tenta ocupar um espaço
entre a direita e a esquerda, nem o
“terceiro inclusivo”, que busca superá-las em uma síntese mais elevada — como
ensina Norberto Bobbio —, e tampouco a esquerda, conseguiram se apropriar
efetivamente do tema.
A
ausência de um controle democrático efetivo sobre as instituições de segurança
pública tornou-se particularmente evidente com a ascensão do bolsonarismo, que
foi capaz de instrumentalizar tanto os órgãos de segurança pública quanto as
Forças Armadas, mobilizando segmentos significativos dessas corporações em
apoio a uma tentativa de subversão da ordem constitucional. Nesse processo,
observou-se a promoção de condutas criminosas sob a justificativa de
legitimidade institucional, o que descaracteriza profundamente a missão constitucional da atividade policial —
qual seja, a de assegurar a civilidade e
proteger a sociedade civil.
Tal
cenário evidencia um déficit histórico de apropriação da pauta da segurança
pública por parte dos movimentos sociais, especialmente a partir da década de
1980. Essa lacuna está diretamente relacionada à omissão do poder constituinte
originário, que não promoveu uma reestruturação institucional capaz de
transformar as polícias em garantidoras efetivas do Estado Democrático de
Direito.
A
permanência de agentes e estruturas vinculadas ao regime autoritário instaurado pelo golpe de 1964, anistiados sem
uma devida transição democrática nas
corporações, contribuiu para a perpetuação de uma cultura policial autoritária. Essa cultura formou
profissionais sob os valores de um regime
totalitário, em que o Estado se sobrepõe à cidadania e ao princípio da
laicidade — valores inconciliáveis com
os fundamentos de uma democracia pluralista e
inclusiva.
Conclui-se
que a atual crise de civilidade está fortemente associada ao abandono político das instituições de
segurança pública, sobretudo por parte dos
segmentos progressistas — como o chamado “terceiro inclusivo” — e
da esquerda, que historicamente se
distanciaram dessa pauta estratégica. Soma-se a isso a desvalorização
sistemática dos profissionais da segurança, impulsionada por políticas
ultraliberais que visam à retração do Estado na esfera da proteção social, e por movimentos de viés
populista-autoritário, cuja lógica atua
no sentido de fragilizar as instituições públicas. Esse cenário é agravado por experiências contemporâneas que
demonstram a captura política das forças
de segurança em contextos autoritários, como observado no Brasil com o
bolsonarismo, nos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, e na Turquia com Recep Tayyip Erdoğan.
Tais
dinâmicas comprometem profundamente a construção de uma política de segurança
pública cidadã, empurrando parte do efetivo policial para alianças com interesses criminosos de natureza
política, econômica e social. A superação dessa crise exige uma profunda
reforma estrutural das polícias, com valorização profissional, formação cidadã e compromisso
com os princípios democráticos. Sem essa
transformação, a crise de civilidade tende a se aprofundar, colocando em risco a própria coesão social e a estabilidade
democrática.
• Golpe do FGTS: Investigação aponta
participação de funcionários da Caixa
A
Polícia Federal descobriu um esquema bilionário que fraudava beneficiários de
programas sociais e pessoas com direito ao Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego. O Fantástico, desde o domingo (20),
mostrou que o golpe já desviou mais de R$ 2 bilhões do FGTS (veja no vídeo
acima).
Era uma
fraude sofisticada, movida por mecanismos digitais e acessos oficiais. Segundo
a investigação, a quadrilha só conseguiu aplicar o golpe tantas vezes por tanto
tempo porque teve ajuda de gente de dentro.
➡️ Funcionários da Caixa repassavam dados
sigilosos e fundamentais para que os criminosos invadissem o sistema do Caixa
Tem e teve servidor envolvido que foi além: sacou dinheiro pessoalmente na boca
do caixa a mando do grupo.
Para
montar a fraude, os criminosos acessavam - em páginas ilegais na internet -
milhares de CPFs e passavam a identificar quem tinha benefícios ativos. Esses
dados eram repassados aos funcionários da Caixa envolvidos no crime, que
alteravam os cadastros das vítimas no aplicativo Caixa Tem, substituindo os
e-mails dos beneficiários por outros controlados pela quadrilha.
Assim,
eles conseguiam gerar novas senhas. Com isso, os criminosos passavam a ter
controle total sobre as contas. Faziam transferências por PIX, pagavam boletos
ou sacavam o dinheiro.
Como os
valores dos benefícios não são tão altos, para conseguir mais dinheiro, a
quadrilha ficava sempre repetindo o golpe. Precisava acessar o sistema do Caixa
Tem centenas de vezes por dia. Para isso, usava um software que faz um
computador funcionar como se fosse um celular. Neste caso, muitos celulares. O
que permitia acessar e controlar muitas contas ao mesmo tempo.
Desde
2010, a Polícia Federal tem um serviço especializado no combate a esse tipo de
crime. Nesta semana, os agentes fizeram uma nova operação em 14 cidades do Rio
de Janeiro e apreenderam celulares e computadores. A PF diz que muitas
quadrilhas praticam esse golpe em todo o país.
“ A
gente acredita que o fortalecimento dos setores de combate à fraude das
instituições bancárias, notadamente da Caixa, é fundamental para isso. Esses
setores, eles conseguem, de maneira online, identificar as fraudes e as
incorreções que estão sendo feitas nas agências", afirma o delegado da
PF-RJ Pedro Bloomfield Gama Silva, que investiga o caso.
"Nós
estamos implementando mais sistemas, tanto de biometria quanto de monitoramento
via inteligência artificial também, para que faça um monitoramento preditivo
das ações, para que se diminua e que a gente possa chegar ao menor número
possível de fraudes”, disse Anderson Possa, vice-presidente de Logística,
Operações e Segurança da Caixa.
Mesmo
depois de desviar dinheiro de quem mais precisa, muitos criminosos seguem em
liberdade. A Caixa afirma que os funcionários envolvidos no golpe foram
demitidos. A polícia disse que eles e o restante da quadrilha estão respondendo
em liberdade.
📞 Quem sofre o golpe pode procurar uma
agência da Caixa ou entrar em contato pelo telefone de atendimento ao
consumidor: 0800 726 0101.
Fonte:
Por Ângelo Marcelo Curcio, em Sul 21/g1

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