quarta-feira, 23 de abril de 2025

A crise de civilidade é um caso de polícia

A crise de civilidade ao longo do século passado trouxe consequências  devastadoras. Apenas com as guerras, estima-se que cerca de 40 milhões de  vidas foram perdidas. Somando-se a isso os genocídios, os efeitos colaterais  como a fome, a miséria, doenças curáveis não tratadas, além do racismo estrutural, machismo, xenofobia, migrações forçadas e outras formas de  extermínio — tanto em massa quanto de forma gradual, como ocorre com a  necropolítica —, o número chega a mais de cem milhões de mortes adicionais.  Ou seja, pelo menos 140 milhões de vidas foram ceifadas por conta da ausência de civilidade.

Um conceito que compreende um conjunto de comportamentos e atitudes baseados no respeito mútuo, na educação, na empatia, na consideração e na solidariedade, os quais se revelam indispensáveis para a valorização da vida coletiva, não apenas entre os seres humanos, mas estendendo-se a todas as formas de vida.

Ao longo do século XX, vivemos intensas crises de civilidade, cujas manifestações mais evidentes foram as duas Guerras Mundiais. Paralelamente, observou-se o desmonte gradual do Estado de bem-estar social, acompanhado pela ascensão de um modelo neoliberal radicalizado que, no decorrer do tempo, evoluiu para um ultraliberalismo. Esse processo proporcionou terreno fértil para o fortalecimento de movimentos populistas autoritários, os quais se articulam no sentido de deslegitimar instituições democráticas e promover políticas de morte,  prática conceituada como necropolítica — fenômeno que permanece presente  nas dinâmicas sociopolíticas do século XXI. 

Dessa forma, a civilidade não se limita a gestos formais ou normas de etiqueta social. Ela manifesta-se desde ações cotidianas básicas, como o uso de  expressões corteses, o respeito ao espaço do outro e a escuta ativa, até práticas sociais amplas que envolvem o reconhecimento da dignidade humana, a defesa das instituições democráticas e o engajamento com os direitos fundamentais.

As vidas ceifadas pela ausência de civilidade são um lamento que atravessa o  tempo — vozes espectrais que clamam por liberdade, justiça e solidariedade. A  polícia é o instrumento estatal essencial para garantir essa civilidade; sem ela, a ordem civil se desfaz. 

No Brasil, no entanto, a questão policial foi apropriada por agendas políticas, especialmente pelos grupos de direita e, mais recentemente, pela extrema-direita. Nem o chamado “terceiro incluído”, que tenta ocupar um espaço entre a  direita e a esquerda, nem o “terceiro inclusivo”, que busca superá-las em uma síntese mais elevada — como ensina Norberto Bobbio —, e tampouco a esquerda, conseguiram se apropriar efetivamente do tema.

A ausência de um controle democrático efetivo sobre as instituições de segurança pública tornou-se particularmente evidente com a ascensão do bolsonarismo, que foi capaz de instrumentalizar tanto os órgãos de segurança pública quanto as Forças Armadas, mobilizando segmentos significativos dessas corporações em apoio a uma tentativa de subversão da ordem constitucional. Nesse processo, observou-se a promoção de condutas criminosas sob a justificativa de legitimidade institucional, o que descaracteriza profundamente a  missão constitucional da atividade policial — qual seja, a de assegurar a  civilidade e proteger a sociedade civil.

Tal cenário evidencia um déficit histórico de apropriação da pauta da segurança pública por parte dos movimentos sociais, especialmente a partir da década de 1980. Essa lacuna está diretamente relacionada à omissão do poder constituinte originário, que não promoveu uma reestruturação institucional capaz de transformar as polícias em garantidoras efetivas do Estado Democrático de Direito.

A permanência de agentes e estruturas vinculadas ao regime autoritário  instaurado pelo golpe de 1964, anistiados sem uma devida transição  democrática nas corporações, contribuiu para a perpetuação de uma cultura  policial autoritária. Essa cultura formou profissionais sob os valores de um regime  totalitário, em que o Estado se sobrepõe à cidadania e ao princípio da laicidade  — valores inconciliáveis com os fundamentos de uma democracia pluralista e  inclusiva.

Conclui-se que a atual crise de civilidade está fortemente associada ao  abandono político das instituições de segurança pública, sobretudo por parte dos  segmentos progressistas — como o chamado “terceiro inclusivo” — e da  esquerda, que historicamente se distanciaram dessa pauta estratégica. Soma-se a isso a desvalorização sistemática dos profissionais da segurança, impulsionada por políticas ultraliberais que visam à retração do Estado na esfera  da proteção social, e por movimentos de viés populista-autoritário, cuja lógica  atua no sentido de fragilizar as instituições públicas. Esse cenário é agravado  por experiências contemporâneas que demonstram a captura política das forças  de segurança em contextos autoritários, como observado no Brasil com o bolsonarismo, nos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, e na  Turquia com Recep Tayyip Erdoğan. 

Tais dinâmicas comprometem profundamente a construção de uma política de segurança pública cidadã, empurrando parte do efetivo policial para alianças  com interesses criminosos de natureza política, econômica e social. A superação dessa crise exige uma profunda reforma estrutural das polícias, com valorização  profissional, formação cidadã e compromisso com os princípios democráticos.  Sem essa transformação, a crise de civilidade tende a se aprofundar, colocando  em risco a própria coesão social e a estabilidade democrática.

•        Golpe do FGTS: Investigação aponta participação de funcionários da Caixa

A Polícia Federal descobriu um esquema bilionário que fraudava beneficiários de programas sociais e pessoas com direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego. O Fantástico, desde o domingo (20), mostrou que o golpe já desviou mais de R$ 2 bilhões do FGTS (veja no vídeo acima).

Era uma fraude sofisticada, movida por mecanismos digitais e acessos oficiais. Segundo a investigação, a quadrilha só conseguiu aplicar o golpe tantas vezes por tanto tempo porque teve ajuda de gente de dentro.

➡️ Funcionários da Caixa repassavam dados sigilosos e fundamentais para que os criminosos invadissem o sistema do Caixa Tem e teve servidor envolvido que foi além: sacou dinheiro pessoalmente na boca do caixa a mando do grupo.

Para montar a fraude, os criminosos acessavam - em páginas ilegais na internet - milhares de CPFs e passavam a identificar quem tinha benefícios ativos. Esses dados eram repassados aos funcionários da Caixa envolvidos no crime, que alteravam os cadastros das vítimas no aplicativo Caixa Tem, substituindo os e-mails dos beneficiários por outros controlados pela quadrilha.

Assim, eles conseguiam gerar novas senhas. Com isso, os criminosos passavam a ter controle total sobre as contas. Faziam transferências por PIX, pagavam boletos ou sacavam o dinheiro.

Como os valores dos benefícios não são tão altos, para conseguir mais dinheiro, a quadrilha ficava sempre repetindo o golpe. Precisava acessar o sistema do Caixa Tem centenas de vezes por dia. Para isso, usava um software que faz um computador funcionar como se fosse um celular. Neste caso, muitos celulares. O que permitia acessar e controlar muitas contas ao mesmo tempo.

Desde 2010, a Polícia Federal tem um serviço especializado no combate a esse tipo de crime. Nesta semana, os agentes fizeram uma nova operação em 14 cidades do Rio de Janeiro e apreenderam celulares e computadores. A PF diz que muitas quadrilhas praticam esse golpe em todo o país.

“ A gente acredita que o fortalecimento dos setores de combate à fraude das instituições bancárias, notadamente da Caixa, é fundamental para isso. Esses setores, eles conseguem, de maneira online, identificar as fraudes e as incorreções que estão sendo feitas nas agências", afirma o delegado da PF-RJ Pedro Bloomfield Gama Silva, que investiga o caso.

"Nós estamos implementando mais sistemas, tanto de biometria quanto de monitoramento via inteligência artificial também, para que faça um monitoramento preditivo das ações, para que se diminua e que a gente possa chegar ao menor número possível de fraudes”, disse Anderson Possa, vice-presidente de Logística, Operações e Segurança da Caixa.

Mesmo depois de desviar dinheiro de quem mais precisa, muitos criminosos seguem em liberdade. A Caixa afirma que os funcionários envolvidos no golpe foram demitidos. A polícia disse que eles e o restante da quadrilha estão respondendo em liberdade.

📞 Quem sofre o golpe pode procurar uma agência da Caixa ou entrar em contato pelo telefone de atendimento ao consumidor: 0800 726 0101.

 

Fonte: Por Ângelo Marcelo Curcio, em Sul 21/g1

 

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