Lista
Suja: produtor de limão certificado alojou trabalhadores em curral
UM
PRODUTOR DE limões certificado pela GlobalG.A.P, selo de boas práticas
agrícolas reconhecido mundialmente, teve seu nome incluído na Lista Suja do
trabalho escravo, atualizada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nesta quarta-feira (9).
Valdinei
Aparecido Roque é dono da Peru Comercial Exportadora de Frutas, que já negociou
limões com grandes distribuidoras do mercado internacional. Em fevereiro de
2024, ele foi autuado por manter 20 trabalhadores, entre eles um adolescente,
em condições análogas à escravidão na Fazenda Pedra Negra, uma propriedade
arrendada pelo fazendeiro em Aparecida do Taboado (MS).
De
acordo com auditores do Trabalho que realizaram a fiscalização na fazenda, as
vítimas resgatadas não tinham registro em carteira e colhiam os frutos sem
equipamentos de proteção. Durante 9 dias, o grupo ficou alojado em um curral,
até ser transferido para uma casa na área urbana da cidade, segundo relatos de
trabalhadores.
Mesmo
após a autuação, de acordo com documentos acessados pela Repórter Brasil,
Roque continuou certificado como produtor pela GlobalG.A.P na cidade de Itajobi
(SP), onde está localizada a sede da empresa Peru Frutas.
A
GlobalG.A.P tem diretrizes voltadas
à saúde e bem estar dos trabalhadores entre os critérios a serem cumpridos
pelos produtores certificados. Em seu portal, a certificadora divulga que é a
líder mundial na promoção de “práticas agrícolas
mais seguras e responsáveis em mais de 135 países ao redor do mundo”.
“Nós
estamos falando de uma das maiores violações de direitos humanos, que é o
trabalho escravo. E esse não é o primeiro empregador autuado e provavelmente
não será o último para o qual as certificadoras deram o seu selo”, afirma
Fernanda Drummond, assessora de Defesa dos Direitos Socioambientais da ONG
Conectas. “Enquanto o processo de certificação não for mais transparente,
teremos auditorias que são feitas para agregar valor comercial, e não por uma
real preocupação em corrigir questões”, complementa.
À Repórter
Brasil, Valdinei Roque disse que não recebeu nenhum tipo de questionamento
da certificadora após o resgate. Por telefone, o produtor explicou que atuava
com CNPJs diferentes no Mato Grosso do Sul e em Itajobi, onde tem a produção
certificada.
O
empresário afirmou que contratou um empreiteiro para montar uma equipe de
colhedores na Fazenda Pedra Negra e não tinha conhecimento das condições nas
quais os trabalhadores estavam. “Eu contratei a pessoa errada. Fui uma vítima,
como eles foram”, alegou. Ele ainda argumentou que, em Itajobi, oferece
salários acima da média aos trabalhadores e mantém ações sociais em prol das
comunidades.
Procurada
na semana passada, a GlobalG.A.P afirmou nesta quarta (9) que a certificação de
Valdinei Roque não estava mais ativa. Até a última segunda (7), no entanto, ela
permanecia com status válido no site da GlobalG.A.P, conforme verificou
a Repórter Brasil. Após a publicação desta reportagem, a certificadora
informou que a certificação estava ativa por um “problema técnico” no sistema.
O produtor, afirma a organização, “solicitou a certificação, mas não está
certificado no momento”.
A
GlobalG.A.P também afirmou condenar abusos sociais e aos direitos de
trabalhadores. “Ao mesmo tempo, devemos enfatizar que a maioria das observações
que você descreve são atos criminosos que estão fora do escopo de todos os
sistemas de certificação. Os atos criminosos estão sob a jurisdição das
autoridades responsáveis pela aplicação da lei”.
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Ação de
R$ 4,7 milhões por danos morais
Além da
autuação do MTE, que levou à inclusão do produtor na Lista Suja do trabalho
escravo, Roque é alvo de uma Ação Civil Pública ajuizada na última quinta-feira
(3) pelo Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso do Sul (MPT-MS).
Na
ação, o MPT pede que Roque pague R$ 4,7 milhões em danos morais individuais e
coletivos por desrespeitar a dignidade humana. “O dolo do réu é irrefutável. A
toda evidência, este possuía como atividade obter lucro criminoso com base na
exploração desumana de trabalhadores”, afirmou a procuradora do trabalho
Claudia Fernanda Noriler Silva, em trecho da ação.
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Limão tipo exportação
Dados
alfandegários acessados pela Repórter Brasil indicam um histórico de
relações comerciais da Peru Comercial Exportadora De Frutas com grandes
distribuidoras na Europa.
A Four Seasons Harvest, que tem atuação
mundial no segmento de frutas, importou limões da Peru, recebendo carregamentos
em Londres. A empresa faz parte do grupo britânico Dole. A Dole divulga em seu
site políticas de
sustentabilidade para sua cadeia de fornecimento que incluem
diretrizes de combate ao trabalho escravo.
A Four
Seasons foi procurada para comentar sua relação comercial com a Peru Frutas,
mas não respondeu às tentativas de contato da Repórter Brasil.
Já a
Dole afirmou que trabalhou, em 2024, com dois exportadores terceirizados que
forneceram produtos da Peru Frutas, mas que “recebeu garantias formais de ambos
os exportadores de que nenhum produto destinado à Dole foi proveniente da
fazenda onde ocorreram os resgates”. “Além disso, entendemos que os produtos
dessa fazenda específica não são exportados”, complementou a nota.
Outro
cliente no exterior da Peru Frutas foi a Jaguar The Fresh Company, que também
divulga políticas para uma
cadeia sustentável.
A distribuidora, sediada na Holanda, tem operação em países da Europa e da
África, na China e no Chile.
Questionada,
a Jaguar informou que não realizou compras diretas da Peru recentemente, sem
especificar se a última aquisição ocorreu antes ou depois do flagrante de
trabalho escravo. A empresa, contudo, confirmou que um de seus fornecedores
recebeu produtos da Peru Frutas e que irá investigar o caso. Ela afirmou
ainda que a certificação da GlobalG.A.P é “o primeiro critério de
avaliação das condições sociais”, e que foi considerado na avaliação do
produtor.
A
íntegra das respostas das empresas citadas por ser lida aqui.
Valdinei
Roque afirmou à Repórter Brasil que já havia parado de exportar antes
da autuação por trabalho escravo. Mesmo após o resgate, no entanto, a empresa
continuou postando em suas redes sociais propagandas de limões certificados e
vendidos a vários países da Europa.
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Trabalhadores não tinham banheiros, comida e proteção
Os
trabalhadores resgatados foram recrutados para a colheita do limão em Itajobi,
a 288 quilômetros de Aparecida do Taboado, e levados para o Mato Grosso do Sul
por um agenciador, conforme relataram em entrevista à Repórter
Brasil e em depoimento prestado aos auditores do trabalho.
“Foi
uma conversa bonita. Falaram que a gente ia ganhar bem, que ia ter alojamento,
tudo certinho. Para a gente, que trabalha em roça, quando surge uma
oportunidade de ganhar um pouco mais, interessa”, narrou um dos resgatados
à Repórter Brasil, ouvido sob condição de anonimato.
Ao
chegarem à Fazenda Pedra Negra, diz ele, foram alojados em um curral, com
cobertura apenas no telhado, e sem banheiros. Depois de nove dias, foram
levados para um alojamento na área urbana da cidade, onde as camas ficavam
amontoadas em um galpão, sem janelas. Ainda segundo o trabalhador, os banheiros
não tinham descarga e nem chuveiros, e a água, sem aquecimento, saía de um
cano.
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Os
trabalhadores relataram também que só recebiam almoço e jantar e tinham que
colher limões sem café da manhã. “Às vezes a gente sentava e esperava chegar o
almoço, porque não dava conta de trabalhar. Teve bastante menino que adoeceu”,
contou um dos resgatados. “Eu tive que ligar para a minha esposa e pedir que
ela mandasse R$ 200 porque eu não tinha o que comer”, relatou outro
trabalhador.
De
acordo com o relatório de fiscalização, eles trabalhavam sem equipamentos de
proteção. Um dos resgatados contou, em depoimento ao Ministério do Trabalho,
que feriu o olho nos espinhos do pé de limão, durante a colheita, e ficou dois
dias machucado sem receber auxílio médico. Ele só foi levado a um Pronto
Atendimento quando os demais trabalhadores se negaram a continuar trabalhando
enquanto ele não recebesse ajuda. Ele relatou também que foi orientado a mentir
no atendimento, dizendo que não estava a trabalho.
No dia
da fiscalização, de acordo com os trabalhadores ouvidos pela Repórter
Brasil, o gerente que tomava conta do grupo tentou esconder o alojamento e
pediu que eles fossem embora, mas o grupo se negou.
Roque
recebeu 22 autuações pelas infrações encontradas. O Ministério do Trabalho
também identificou irregularidades no armazenamento de agrotóxicos utilizados
nas lavouras e nas instalações elétricas, tanto na fazenda quanto nos
alojamentos.
Após o
resgate, o empregador pagou as indenizações trabalhistas e assinou um Termo de
Ajustamento de Conduta se comprometendo a cumprir a legislação.
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Oba Hortifruti entra na Lista Suja por submeter 21
funcionários a trabalho escravo
O OBA
HORTIFRUTI entrou, nesta quarta-feira (9), na Lista Suja do trabalho
escravo por submeter 21 empregados a trabalho análogo ao
de escravos em
uma de suas lojas, na zona norte de São Paulo (SP). A empresa é um dos 155 novos
nomes incluídos no cadastro do governo federal.
De
acordo com a inspeção trabalhista, realizada em julho de 2023, os trabalhadores
eram funcionários da unidade que atuavam no corte de vegetais e no atendimento
aos clientes, entre outras funções, e estavam alojados em uma residência
próxima.
Segundo
o relatório de fiscalização, acessado pela Repórter Brasil, eles dormiam
em colchões sujos e malcheirosos em uma casa atingida por um incêndio semanas
antes, onde ainda pairava o cheiro de material queimado. Algumas paredes do
imóvel estavam enegrecidas e havia peças de mobiliário chamuscadas. O documento
ressalta que o risco de incêndio permanecia, em razão de fios queimados e
desprotegidos no local.
Sem
receberem roupas de cama, os trabalhadores usavam trapos e cobertores obtidos
por conta própria. Repousavam também em sofás encardidos e com revestimentos
rasgados, localizados em uma área externa da residência.
O
alojamento não tinha armários, obrigando os funcionários do Oba a pendurar
roupas e outros pertences nos beliches ou deixá-los diretamente sobre o chão
imundo. Os banheiros eram úmidos e tinham cheiro forte de suor e urina. Na
cozinha, a fiscalização encontrou utensílios e eletrodomésticos imundos, que se
misturavam a pratos com restos de comida.
“À
falta de lavanderia, roupas profissionais e pessoais (inclusive íntimas) eram
lavadas sumariamente e mantidas de molho nos banheiros precários, nos quartos
ou junto à máquina de lavar, para depois serem dependuradas nas camas, nas
janelas e em pequenos arames esticados à guisa de varais, o que, considerada a
atividade econômica do empregador – venda de alimentos –, representava até
mesmo risco à saúde pública”, complementa o relatório de fiscalização.
Rede
com mais de 70 unidades, especialmente no estado de São Paulo, mas também em
Goiás e Distrito Federal, o Oba Hortifruti assinou um Termo de Ajustamento de
Conduta com o Ministério Público do Trabalho após o resgate. A empresa se
comprometeu a não reincidir no crime de trabalho escravo e a arcar com as
reparações de danos morais individual e coletivo.
A
empresa foi procurada pela reportagem, mas não retornou. O espaço segue aberto
a manifestações.
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Lista Suja é atualizada semestralmente pelo MTE
Divulgada
pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) desde novembro de 2003, o cadastro
é atualizado semestralmente. Ele torna públicos os dados de pessoas físicas e
jurídicas responsabilizadas por submeter trabalhadores a condições análogas às
de escravo.
Os
nomes são incluídos após os empregadores autuados em fiscalizações do governo
federal exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera
administrativa, e permanecem no sistema por dois anos. Eles podem fazer acordos
para irem para uma lista de observação, o que demanda o cumprimento de uma
série de critérios e compensações.
Apesar
de a portaria que regulamenta a Lista Suja não impor bloqueio comercial ou
financeiro às pessoas citadas, a relação tem sido usada por bancos e empresas
para gerenciamento de risco, dentro e fora do Brasil. Por essa razão, as Nações
Unidas consideram o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho
escravo.
Na
atualização desta quarta-feira, as atividades econômicas com maior número de
novos empregadores são criação de bovinos (21), cultivo de café (20), trabalho
doméstico (18), produção de carvão vegetal (10) e extração de minerais diversos
(7). Com a atualização, a lista passa a contar com um total de 745 nomes.
Fonte:
Repórter Brasil
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