Há
80 anos campo de concentração Buchenwald era libertado
As
construções na colina de Ettersberg parecem destoar da paisagem ao redor. Elas
estão cercadas por uma floresta que se avista de longe, a noroeste da área
urbana da metrópole cultural Weimar, na Turíngia.
Mas o
que de longe parece um lugar idílico guarda, na verdade, uma história terrível:
a do campo de concentração nazista Buchenwald, um dos maiores em solo alemão.
Ali, de 1937 a 1945, nazistas prenderam cerca de 280 mil: judeus, dissidentes,
comunistas, homossexuais, detentos estrangeiros, "ciganos" (sinti e
roma), testemunhas de jeová e líderes religiosos malquistos.
Buchenwald
era o próprio inferno – um dos vários infernos da máquina nazista de
perseguição e assassinato. Além das instalações em Ettersberg, o complexo
incluía mais de 50 pequenos subcampos, a maioria em locais de produção de bens
importantes para a guerra.
Em
Buchenwald foram mortas até abril de 1945 cerca de 56 mil pessoas, a maioria
judeus. A libertação só veio nas semanas finais da Segunda Guerra Mundial, com
a aproximação dos primeiros tanques americanos. Ao perceber a movimentação,
prisioneiros deflagraram uma rebelião no dia 11 de abril de 1945, evitando a
fuga de diversos soldados da SS (Schutzstaffel ou esquadra de proteção), o
braço armado do partido nazista
Após o
fim da guerra, a Turíngia passou a fazer parte do território alemão sob
ocupação soviética. Logo os soviéticos passaram a usar suas instalações para um
"campo especial", prendendo ali principalmente líderes locais do
partido nazista, policiais ou empresários que mantiveram linhas de produção com
trabalho forçado. Até 1950, outras 7 mil pessoas morreram ali.
• "Eles tratavam as pessoas como
animais"
Faz 80
anos que o campo foi libertado dos nazistas. Passado tanto tempo, restam poucas
testemunhas e sobreviventes dos horrores daquele período. Essas lembranças
dolorosas têm importância histórica. Para mantê-las vivas, ferramentas digitais
são cada vez mais importantes.
"Ainda
há 15 sobreviventes, 15 no máximo, que foram convidados", afirma o
historiador Jens-Christian Wagner sobre a solenidade que ocorreu no 6 de abril.
Ele dirige a fundação que administra os memoriais dos campos de concentração
Buchenwald e Mittelbau-Dora.
Wagner
lembra a cerimônia de 60 anos, em 2005. Naquela época, cerca de 500
sobreviventes compareceram ao evento. Em 2015, nos 70 anos da libertação de
Buchenwald, pouco mais de 80 – a maioria já bem idosa – viajaram até Weimar.
A DW
conheceu um deles à época, o ex-piloto da Força Aérea do Canadá Ed
Carter-Edwards, então com 92 anos. O avião dele foi abatido no verão de 1944
próximo a Paris, e ele foi levado para Buchenwald, onde passou três meses e
meio. "Eles tratavam as pessoas como animais", disse, citando, aos
soluços, os nomes dos amigos que não sobreviveram ao campo de concentração.
Carter-Edwards morreu em 2017.
• "Lembrar o passado é
responsabilidade de todos nós"
"Todos
nós somos responsáveis por lembrar – cada cidadão, cada cidadã", diz
Wagner. Trata-se, frisa ele, de marcar posição e de se opor ao racismo, ao
extremismo de direita e ao antissemitismo.
Para o
historiador, os "partidos democráticos" cometeram um "erro
enorme" ao adotar a retórica da ultradireitista Alternativa para a
Alemanha (AfD) para falar sobre migração. Ele diz que esse debate acabou
"normalizando" narrativas xenófobas.
O
estado da Turíngia, onde fica Weimar, é um dos bastiões da AfD. Ali, o partido
teve seu melhor desempenho em todo o país, conquistando 38,6% dos votos na
eleição geral em fevereiro deste ano – quase o dobro do resultado nacional, de
20,8%. No Parlamento da Turíngia, a AfD também ampliou seu espaço, assumindo 32
dos 88 assentos após as eleições regionais em setembro de 2024. A bancada
estadual é liderada por Björn Höcke, político notório por flertar com o
extremismo.
"Estamos
no olho do furacão", diz Wagner, referindo-se à Turíngia, ao citar a
ascensão mundial de movimentos extremistas e autoritários de direita, inclusive
na Alemanha. A situação é "extremamente preocupante", frisa.
"Por muito tempo, achamos que as pessoas tinham aprendido a lição da época
do nazismo." Mas ele diz já não ter mais tanta certeza disso.
Wagner
afirma que o nazismo e seus crimes foram "notoriamente minimizados",
posições que glorificam o nazismo teriam sido até mesmo defendidas. Ele alerta
que é de fundamental importância para as estruturas que sustentam a democracia
do país refletir sobre o passado nazista da Alemanha, mas que essa consciência
estaria diminuindo.
• Vandalismo e ameaças
Os
memoriais na colina de Ettersberg que Wagner administra já foram alvos diversas
vezes de vandalismo. Em 2024, ele mesmo sofreu ameaças diretas. E hoje, diz o
historiador, funcionários do local também temem pela própria segurança de vez
em quando. "Não devemos nos deixar intimidar, mas precisamos ser
cautelosos", explica.
Em
Buchenwald, há um crematório, um campo de cinzas e uma "praça de
chamada", espaço onde os prisioneiros tinham que se apresentar todos os
dias e todas as noites para contagem. Há também um "bloco das
crianças" e o "Instituto de Higiene", onde médicos da SS
conduziam experimentos em prisioneiros em cooperação com a indústria
farmacêutica e pesquisadores, em busca de vacinas.
O
portão de entrada do campo de concentração, que ostenta a frase "Jedem das
Seine" (a cada um o que é seu), foi muito retratado na imprensa. O relógio
na pequena torre acima dele marca sempre 15h15 – a hora em que o inferno dos
prisioneiros acabou.
Hoje, o
local onde ficava o campo de concentração tem poucas construções, muita área
livre e muitos pedregulhos, faias e carvalhos nos fundos do terreno, e a vista
sobre as terras turíngias.
Perguntado
sobre qual lugar ali tem um significado especial para ele, Jens-Christian
Wagner reflete por um momento antes de citar o "pequeno campo". Ali,
em estábulos que formavam um "campo dentro do campo", prisioneiros
eram selecionados antes de serem enviados para o trabalho forçado. No início de
1945, doentes foram aglomerados nos barracos e deixados à própria sorte; mais
de 6 mil morreram em menos de cem dias.
"A
partir de fevereiro de 1945, o local se transformou em um campo de sofrimento e
morte para os prisioneiros levados de Auschwitz para Buchenwald", diz
Wagner.
O local
foi destruído logo depois da libertação do campo de concentração.
Wagner
diz que, na época da Alemanha Oriental, o local do "pequeno campo"
estava tomado pelo mato e não era muito lembrado. Agora, uma clareira ali exibe
as fundações arqueológicas do confinamento. "Continua sendo um lugar de
sofrimento e luto."
Fonte:
DW Brasil
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