Michael
Roberts: O colapso produzido por Donald Trump
O
presidente Donald Trump implementou sua nova gama de tarifas sobre as
importações dos EUA, as quais foram chamadas de tarifas recíprocas. Além dos
anunciados na última quarta-feira (Dia da Libertação), Trump incluiu uma taxa
extra sobre as importações chinesas em retaliação à decisão da China de impor
uma tarifa de 34% sobre as importações dos EUA.
Essa
decisão, por sua vez, foi uma retaliação contra o aumento de 34% de Trump sobre
as importações chinesas proposto na semana passada. Portanto, as importações
dos EUA da China agora têm uma tarifa de 104%; na verdade, elas dobram os
preços dos produtos importados da China. Enquanto escrevo, a China anunciou um
aumento adicional de 50% nas importações dos EUA, elevando as tarifas chinesas
sobre as exportações dos EUA para 84% nesta guerra de retaliação olho por olho.
Para
onde tudo isso está indo? Bem, esses eventos implicam numa queda na produção
nos EUA e na maioria das principais economias; ademais, eles provocarão um
renascimento da inflação, principalmente nos EUA. Isso é loucura, não? Bem,
como eu já disse no passado, quando tudo isso começou, há método nessa loucura.
Donald
Trump e seus acólitos estão convencidos de que os EUA foram roubados em seu
poder econômico e sem seu status hegemônico no mundo por outras grandes
economias. Eis que, segundo ele, elas roubaram sua base industrial e, em
seguida, impuseram todos os tipos de bloqueios à capacidade das empresas
americanas (particularmente as empresas industriais americanas) de liderar em
sua área de produção. Para Donald Trump, isso se expressa no déficit geral no
comércio de bens que os EUA mantém com o resto do mundo.
Ele não
está preocupado, ao que parece, com o comércio de serviços, em que os EUA têm
um superávit. É a indústria de transformação e o comércio de commodities que o
preocupam. O objetivo é fechar esse déficit impondo tarifas sobre as
importações de mercadorias por parte dos EUA.
Usando
uma fórmula bruta para cada país (o tamanho do déficit comercial de bens dos
EUA com cada país dividido pelo tamanho das importações dos EUA daquele país,
depois dividido por dois), a equipe de Trump chegou aos aumentos de tarifas
para cada país. [(X-M)/M mede, na verdade, a capacidade do país exportador de
impor déficit comercial aos EUA].
Essa
fórmula é absurda por vários motivos: primeiro, exclui o comércio de serviços,
onde os EUA têm superávits com muitos países; segundo, uma tarifa de 10% foi
imposta mesmo para países com os quais os EUA têm um excedente comercial;
terceiro, não tem relação com quaisquer barreiras tarifárias ou não tarifárias
reais que um país tenha efetivamente sobre as exportações dos EUA; e quarto,
ignora as barreiras tarifárias e não tarifárias (que são muitas) que os
próprios EUA impõem sobre as exportações de outros países.
Essas
barreiras “não tarifárias”, segundo consta, ainda podem também entrar em ação O
enviado comercial de Donald Trump, Peter Navarro, deixou claro: “Que os líderes
mundiais que, depois de décadas de trapaça, de repente estão se oferecendo para
reduzir as tarifas, saibam de uma coisa: isso é apenas o começo”. Ademais, ele
citou uma lista de práticas desleais que ele disse incluir manipulação de
moeda, licenciamento “opaco”, padrões de produtos “discriminatórios”,
procedimentos alfandegários “onerosos”, localização de dados e a chamada “lawfare” de
impostos e regulamentação que atingem as empresas de tecnologia dos EUA.
O
objetivo de Donald Trump é claro. Ele quer restaurar a base industrial que a
América já teve no passado. Grande parte das importações para os EUA de países
como China, Vietnã, Europa, Canadá, México etc., são de empresas americanas
sediadas nesses países que vendem de volta para os EUA a um custo menor do que
se estivessem sediadas na América.
Nos
últimos 40 anos de “globalização”, empresas multinacionais nos EUA, Europa e
Japão transferiram suas operações industriais para o Sul Global para aproveitar
a mão de obra barata, a falta de sindicatos ou inexistência de regulamentações.
Combinaram isso com o uso da tecnologia mais recente para obterem grandes
lucros. Mas o que aconteceu é que os países da Ásia industrializaram
drasticamente suas economias e, assim, ganharam participação de mercado de
produtos industriais e em exportações, deixando para os EUA as atividades de
marketing, finanças e serviços.
Isso
importa? Donald Trump e sua equipe acham que sim. Seu objetivo estratégico
final é enfraquecer, estrangular e obter “mudança de regime” na China. Querem
assumir o controle hegemônico total sobre a América Latina e o Pacífico. Para
fazer isso, eles devem ter uma força militar forte e esmagadora. Donald Trump
anunciou um orçamento militar recorde de US $ 1 trilhão por ano.
Contudo,
os fabricantes de armas dos EUA não podem atender completamente as demandas que
vem por meio desse orçamento. Portanto, a capacidade de fabricação dos EUA deve
ser restaurada. Joe Biden estava ansioso para fazer isso por meio de uma
‘política industrial’ que subsidiasse empresas de tecnologia e infraestrutura
industrial. Mas isso significou um enorme aumento nos gastos do governo que
elevou o déficit fiscal a níveis recordes.
Donald
Trump, por seu turno, avalia que deve impor tarifas para forçar as empresas
industriais americanas a voltarem para casa e para as empresas estrangeiras a
investirem nos Estados Unidos em vez de exportarem para lá. Ele avalia que pode
aumentar o tamanho da produção industrial, gastar mais em armas e reduzir
impostos para as empresas; ao mesmo tempo, ele quer cortar os gastos civis do
governo e ainda manter o dólar estável – tudo com aumentos de tarifas.
Isso
vai funcionar? Parece que alguns analistas, mesmo alguns de esquerda, acham que
sim. É verdade que muitos estados semi-vassalos do imperialismo norte-americano
provavelmente tentarão ceder aos termos de Trump: a Coreia do Sul e o Japão já
estão tentando fazê-lo, o Reino Unido também parece querer ceder. Mas isso não
será suficiente para mudar as coisas. Aqueles que pensam que Donald Trump pode
ter sucesso argumentam que, no passado, quando os EUA optaram por mudar o
equilíbrio das forças econômicas globais a seu favor, a coisa funcionou.
Richard
Nixon tirou os EUA do padrão-ouro em 1971 e estabeleceu o dólar como moeda
hegemônica com o privilégio “exorbitante” de ser o único emissor desse dinheiro
fiduciário, para pagar suas importações e seus investimentos de capital no
exterior. Mas isso não impediu que os EUA perdessem participação de mercado na
manufatura durante a década de 1970.
E
então, em 1979, o então diretor do Federal Reserve, Paul Volcker,
aumentou as taxas de juros para 19% para controlar a inflação, o que levou a
uma profunda queda da atividade econômica nos EUA e no mundo. O dólar subiu
tanto que a indústria dos EUA começou a mudar suas instalações para o exterior
– ocorreu então o início do período neoliberal. Em 1985, os EUA conseguiram que
outras nações comerciais concordassem em fortalecer suas moedas em relação ao
dólar por meio do chamado acordo Plaza. Isso acabou destruindo a liderança
industrial do Japão que fora construída nas décadas de 1960 e 1970, mas não
funcionou para restaurar a indústria dos EUA.
Também
não vai funcionar desta vez, em especial se a política econômica apela apenas
para aumentos de tarifas. A manufatura dos EUA só poderia competir nos mercados
mundiais se possuísse tecnologia superior e, portanto, se pudesse reduzir
drasticamente os custos de mão de obra na produção.
Embora
os EUA ainda tenham o segundo maior setor manufatureiro do mundo, com 13% da
produção mundial (depois da China, com 35%), o emprego manufatureiro nos EUA
caiu drasticamente desde o final da era de ouro na década de 1960,
principalmente porque a lucratividade da indústria dos EUA diminuiu e a
tecnologia substituiu a mão de obra – não por causa da liberalização do
comércio.
De
fato, a equipe de Donald Trump fala em aumentar a capacidade de fabricação
doméstica por meio de robôs e Inteligência Artificial; assim, apenas um pequeno
montante de empregos extras surgirá no setor. Isso não combina com a afirmação
de Trump de que está “orgulhoso de ser o presidente dos trabalhadores, mas não
dos terceirizados”. Como é dito, ele quer aparecer como o presidente que
defende a Main Street, não Wall Street“. O gráfico em
sequência, que retrata a evolução do emprego na indústria, mostra o desafio que
enfrenta:
A
realidade é que Donald Trump não pode voltar no tempo para tornar os EUA a
principal economia industrial do mundo. Esse navio esteve no horizonte, mas
agora não está mais. A globalização significou que a cadeia de valor da
indústria agora é global, com componentes e matérias-primas espalhados pelo
mundo.
Eis o
que o Wall Street Journal disse sobre essa perspectiva: “Mesmo
que as exportações de produtos industriais dos EUA aumentassem o suficiente
para fechar o déficit comercial – um evento extremamente improvável – e se o
emprego crescesse proporcionalmente, a participação dos EUA na força de
trabalho da indústria global subiria apenas de 8% para 9%. Ora, isso não vem a
ser uma grande transformação.”
Se
Donald Trump quiser restaurar a produção industrial dos EUA, o setor precisa de
investimentos maciços. Ora, as empresas americanas, exceto as Sete Magníficas,
que já experimentam lucratividade relativamente baixa, provavelmente não
obedecerão, exceto no que tange aos equipamentos militares pagos em contratos
governamentais. A reação do ex-conselheiro de Donald Trump, Elon Musk, aos
aumentos de tarifas é sintomática; ela mostra bem a reação das grandes empresas
dos EUA: Musk atacou Navarro, chamando-o de “idiota” e “mais burro que um saco
de pedras” depois que Peter Navarro sugeriu que a oposição do chefe da Tesla às
tarifas era de interesse próprio (o que de fato é).
Apesar
do inevitável fracasso das tarifas como solução para a reindustrialização dos
Estados Unidos, Donald Trump parece determinado a seguir em frente com sua
estratégia protecionista. Isso só pode ser um gatilho para uma nova recessão
nos EUA e nas principais economias. É um gatilho porque as principais economias
já estavam desacelerando, até mesmo a dos EUA.
O
índice de atividade manufatureira (PMI) está em território de contração há mais
de dois anos, enquanto os ganhos ajustados pela inflação dos americanos não
aumentaram significativamente após a pandemia (ocorreu um aumento de apenas 1%
nos últimos cinco anos, medido pelos ganhos semanais médios reais).
O
modelo de evolução do PIB conhecido como GDP-Now do Fed de Atlanta prevê um
baixo crescimento econômico dos EUA para este ano. No primeiro trimestre
encerrado em março, a economia dos EUA contraiu 1,4%, com as vendas domésticas
desacelerando para apenas 0,4% em uma base anualizada. Já o JPMorgan reduziu
sua previsão do PIB de 2025 de +1,3% para -0,3%, com o desemprego projetado
para subir para 5,3%.
A
“guerra contra a inflação” também está sendo perdida pelo Fed, o
banco central dos EUA. A meta do Fed é de 2% ao ano para a
inflação de preços das despesas de consumo pessoal dos EUA. Em fevereiro, esse
índice ficou em 2,5% e o seu núcleo (excluindo os preços de alimentos e
energia) subiu para 2,8% ao ano. Como já apontei em fevereiro passado, há sinais
crescente de estagflação nas principais economias, ou seja, de crescimento
baixo ou zero ao lado do aumento da inflação de preços. E o impacto dos aumentos
das tarifas de importação de Donald Trump ainda não foi sentido.
De
fato, o Federal Reserve dos EUA está agora em um sério dilema.
Deve manter as taxas de juros estáveis para tentar controlar a inflação ou deve
baixá-los para tentar evitar uma queda? Os preços nas lojas americanas em breve
subirão acentuadamente para os bens de consumo importados da Ásia, incluindo os
artigos de couro e vestuário.
Smartphones,
laptops e consoles de videogame provavelmente se tornarão mais caros para os
consumidores dos EUA, principalmente porque muitas das tarifas mais altas de
Donald Trump estão focadas em países como Vietnã e Taiwan. Os preços do arroz
aumentarão 10,3% nos próximos meses, de acordo com o Yale Budget Lab.
Esse “think-tank” também prevê um aumento de 4% no preço de vegetais,
frutas e nozes, muitos dos quais são importados do México e do Canadá. No
geral, o Yale Budget Lab estima que as famílias americanas
gastarão uma média de US$ 3.800 a mais a cada ano a partir de 2026 como
resultado da inflação induzida por tarifas.
Considerando
agora a “main street” a que se refere Donald Trump, vê-se que as
empresas americanas estão ficando inadimplentes em empréstimos de alto risco
num ritmo que é mais rápido em quatro anos; elas lutam para refinanciar uma
onda de empréstimos baratos que se seguiu à pandemia de Covid. Como os
empréstimos alavancados – empréstimos bancários de alto rendimento que foram
vendidos a outros investidores – têm taxas de juros flutuantes, muitas dessas
empresas contraíram dívidas quando as taxas estavam ultrabaixas durante a
pandemia e, desde então, têm lutado com altos custos de empréstimos nos últimos
anos. Agora, seu lucro será ainda mais reduzido pelas tarifas, enquanto as
taxas de juros permanecem altas.
Normalmente,
quando uma recessão está próxima, os preços dos títulos do governo sobem à
medida que os investidores procuram um “porto seguro” devido a uma queda no
mercado de ações. Mas, desta vez, os preços dos títulos e a taxa do dólar
também estão caindo – à medida que se elevam os temores do aumento da inflação,
assim como o nível das preocupações com a segurança de manter ativos em
dólares.
A queda
nos mercados de ações e títulos é um presságio da grande queda na produção e no
emprego nos EUA, assim como em outros países (estima-se que a atual taxa de
crescimento real do PIB da China de 5% ao ano poderia ser reduzida em 2% pontos
percentuais – prevê-se, ademais, que a queda será ainda pior para os outros
países). E uma queda na “economia real” levará a um novo colapso nos ativos
financeiros.
Donald
Trump e sua equipe MAGA acreditam que todos esses choques são um preço que vale
a pena pagar para restaurar a hegemonia da indústria dos EUA. Assim que a
poeira baixar, a América será grande novamente – eis como como eles argumentam.
A destruição do comércio mundial terá um resultado “criativo” (pelo menos para
a América). Mas isso é uma ilusão.
A
hegemonia do imperialismo norte-americano vem enfraquecendo desde Richard Nixon
em 1971 ou Paul Volcker em 1985. O colapso que está sendo produzido por Donald
Trump apenas confirmará essa tendência.
¨ Trump, uma tragédia
em movimento. Por Fabio Alperowitch
O
governo Trump é uma tragédia em movimento. Um desastre anunciado que escancara
o que há de mais tóxico no poder: ignorância, crueldade e ganância.
Na
economia, ele aposta no caos. Tarifas absurdas, guerras comerciais sem
estratégia, manipulação de dados e um voluntarismo delirante estão destruindo a
confiança global. Os mercados afundam. A recessão bate à porta. A inflação
aperta. O sistema financeiro está tremendo — tudo consequência direta da
irresponsabilidade de quem governa com slogans e birra, não com dados e
responsabilidade.
Socialmente,
o país se torna irreconhecível. Um governo que banaliza o racismo, persegue
minorias, ataca imigrantes, destrói políticas públicas essenciais e transforma
a mentira em método de governo. A máquina do Estado está sendo desmontada por
dentro, entregue a fanáticos e bajuladores. A democracia americana sangra
lentamente, com instituições sendo corroídas por um populismo autoritário que
flerta com o fascismo sem o menor constrangimento.
No meio
ambiente, Trump não governa: ele devasta. Rasgou compromissos climáticos,
incentivou petróleo e carvão, desmontou agências reguladoras, promoveu
desmatamento, negou a ciência e fez do colapso ecológico uma política de
Estado. Seu legado será medido em emissões, espécies extintas, vidas perdidas.
Um presidente que se orgulha de acelerar a destruição do planeta.
Trump é
a síntese perversa de um sistema que perdeu o senso de humanidade. Ele não é um
acidente. É um projeto. E se não for interrompido — com coragem, com verdade,
com mobilização global —, deixará um rastro de destruição tão profundo que
talvez não tenhamos mais como consertar.
A
história não esquecerá. E o julgamento será severo.
Fonte:
A Terra é Redonda/Brasil 247

Nenhum comentário:
Postar um comentário