Ficar
sozinho nem sempre é um problema: por que discurso negativo pode agravar
'epidemia de solidão'
Por
duas semanas, 138 adultos nos Estados Unidos foram acompanhados por
pesquisadores, que queriam entender como as opiniões que as pessoas têm sobre a
solidão impactam a própria experiência de estar sozinho.
Eles
descobriram que pessoas com opiniões negativas sobre estarem sozinhas se
sentiram "significativamente mais solitárias" depois de passarem
algum tempo assim.
Em
contraste, os que tinham uma visão positiva se sentiram menos solitários.
Em
outra frente, os mesmos pesquisadores, do Departamento de Psicologia da
Universidade de Michigan, analisaram 144 artigos e reportagens sobre estar
sozinho publicados entre 2020 e 2022 nos 10 jornais diários de maior circulação
nos Estados Unidos.
Segundo
os pesquisadores, os títulos tinham 10 vezes mais probabilidade de descrever
estar sozinho de forma negativa do que positiva, e títulos negativos
"foram quase duas vezes mais frequentes do que as neutras".
Com
estas e outras evidências, coletadas com metodologias variadas, os psicólogos
da Universidade de Michigan argumentam em estudo recém-publicado que crenças
sociais sobre a solidão, perpetuadas pela mídia, podem acabar exacerbando o
sentimento negativo de estar só.
Além
disso, o senso comum sobre a solidão acaba confundindo estar sozinho com se
sentir solitário.
O
estudo foi publicado em fevereiro na revista científica Nature Communications.
"É
importante deixar bem claro o que é a solidão, e não acho que a mídia e as
campanhas de saúde pública façam isso de forma adequada", diz à BBC News
Brasil a autora principal do estudo, Micaela Rodriguez.
"A
solidão é uma experiência subjetiva, um sentimento. É possível sentir-se
solitário mesmo perto de outras pessoas. Não é o mesmo que estar fisicamente
sozinho."
Parte
dessa confusão foi propagada nos últimos anos depois de alertas sobre uma
"epidemia de solidão", apontada por instituições como a Organização
Mundial da Saúde (OMS) e o cirurgião-geral dos Estados Unidos (principal
porta-voz do governo americano para assuntos de saúde pública).
A
solidão, nesses casos, tem mais a ver com o isolamento social — uma desconexão
crônica, quando se desconecta dos outros por um longo período de tempo. Isso
representa uma ameaça à saúde pública, ligada a uma série de problemas, desde
depressão até morte prematura.
Entretanto,
para os pesquisadores da Universidade de Michigan, a mídia e campanhas de
conscientização erram ao alertar que estar sozinho, independente das
circunstâncias, seria um problema.
Segundo
os pesquisadores, a noção de que estar só é fundamentalmente prejudicial não
apenas é falsa, mas também pode impedir que as pessoas vivenciem de forma
positiva o tempo que passam sozinhas — algo inevitável e natural no cotidiano.
"Ao
dizer às pessoas que ficar sozinho é ruim, estamos influenciando suas crenças
[sobre essa experiência] e, provavelmente, agravando o problema. Estamos
minando sua capacidade de ficarem sozinhas, levando-as a se sentirem
pior", diz Rodriguez.
Além
disso, a psicóloga destaca que muitas campanhas focam exclusivamente em
aumentar o contato social, mas algumas pessoas se sentem solitárias mesmo
interagindo com outras frequentemente.
• Estar só pode ser uma experiência
positiva, dizem psicólogos
Rodriguez
salienta que o objetivo da pesquisa não é sugerir que devemos passar mais tempo
sozinhos e nem que a mídia deveria encorajar as pessoas a ficarem sozinhas.
"Não
há dúvida de que conexão social é importante", afirma a pesquisadora.
"Sabemos
que, em geral, quanto mais as pessoas interagem com outras, melhor para
elas."
No
entanto, a psicóloga diz que, em vez de se concentrar na mensagem de que estar
só é ruim, o foco poderia ser nos benefícios da conexão com outros e também em
ajudar as pessoas a desenvolver um relacionamento mais positivo com o tempo que
passam sozinhas, reconhecendo os potenciais benefícios.
"[Passar]
tempo sozinho pode ajudar a controlar emoções negativas, a se restaurar, a
refletir sobre sua vida, pensar criativamente, ter novas ideias e simplesmente
se conectar com você, seus objetivos e o que você quer", enumera
Rodriguez.
"Quando
as pessoas encaram seu tempo sozinhas como um tempo para si mesmas, elas se
sentem muito melhor do que se encarassem isso como isolamento."
O
psicólogo Ethan Kross, também autor da pesquisa, destaca mais benefícios desses
momentos.
"Se
você vê estar sozinho como fonte de rejuvenescimento, restauração e
criatividade, por exemplo, pode ficar muito feliz por estar sozinho e [pode]
não sentir solidão", diz o pesquisador à BBC News Brasil.
• Como foram feitos os estudos
Os
pesquisadores da Universidade Michigan fizeram cinco etapas de pesquisa, como a
análise de textos jornalísticos e o acompanhamento de 138 adultos por duas
semanas.
Além
disso, eles demonstraram que a exposição à representação negativa na mídia
poderia ter impacto direto na maneira como as pessoas pensam sobre a
experiência de estarem sozinhas.
Mais de
400 participantes foram divididos aleatoriamente em três grupos: um leu sobre
os benefícios de estar sozinho, outro sobre os riscos, e o terceiro grupo leu
textos não relacionados ao tema.
Os
textos sobre a solidão foram apresentados em meio a textos sobre outros
assuntos, para ocultar o propósito do experimento.
Os
participantes então responderam a perguntas sobre o que pensavam a respeito de
vários tópicos, entre eles estar sozinho.
Os que
haviam lido sobre os benefícios demonstraram opiniões "significativamente
mais positivas" sobre estar sozinho do que os outros grupos.
Duas
outras etapas, envolvendo centenas de participantes na África do Sul,
Austrália, Brasil, Espanha, Japão, México, Polônia e Reino Unido, confirmaram
que resultados semelhantes eram verificados em diferentes culturas.
"Observamos
todos os continentes, menos a Antártica, e descobrimos que esses efeitos
ocorreram nas diferentes culturas", explica Rodriguez.
Fonte:
BBC News Brasil

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