Tarifaço
é novo desafio para o consumo interno da China, que patina há duas décadas
A
guerra tarifária entre os Estados Unidos e a China representa um novo obstáculo
para o consumo interno do gigante asiático. Na mais recente escalada do atrito,
a China anunciou um aumento de 41 pontos percentuais em suas tarifas sobre os
EUA, que passaram de 84% para 125%. A medida foi uma
resposta aos americanos anunciaram taxas de 145% sobre a
importação de
produtos chineses.
Desde
2007, a China adota uma série de políticas para incentivar o consumo da
população. O objetivo é tornar o mercado interno um importante motor de
crescimento econômico, justamente para evitar choques externos.
Os
planos, no entanto, não tiveram muito sucesso até agora. Dados oficiais mostram
que o consumo total dos lares representa menos de 40% do Produto Interno Bruto
(PIB) do país, cerca de 20 pontos percentuais (p.p.) abaixo da média
mundial.
Para
especialistas ouvidos pelo g1, o tarifaço promovido por Donald Trump — que resultou na recente escalada de
taxas entre os países — deverá dificultar ainda mais o cenário, indo na
contramão do que busca Pequim, que já vinha enfrentando baixos índices após da
pandemia de Covid-19.
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O que é a política de consumo interno da China?
Há
quase duas décadas, a China aumentou os esforços para incentivar que a
população consuma no país, seja com a compra de carros, imóveis,
eletrodomésticos ou a contratação de serviços.
Roberto
Dumas, professor de economia chinesa do Insper, destaca que essa tentativa
começou em 2007 e ganhou ainda mais força no ano seguinte, diante da explosão
de uma crise financeira que teve início dos
EUA e atingiu todo o mundo.
"Depois
da crise de 2008, Hu Jintao [então presidente da China] falou: 'Precisamos
melhorar e mudar o nosso modelo de crescimento econômico para não ficarmos
muito dependentes do mundo externo'", lembra Dumas.
Desde
então, o objetivo do país é tornar o consumo interno a principal força
motriz do crescimento econômico, reduzindo a dependência das
exportações. O professor destaca, no entanto, que se trata de um processo
lento e que o gigante asiático ainda não obteve sucesso nessa empreitada.
"Isso
não significa que o chinês não consome. Ele consome muito, mas produz muito
mais", acrescenta Dumas. "Por isso, a China tem esse superávit nas
contas externas [ou seja, recebe mais com exportações do que gasta com
importações]."
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Quais as medidas mais recentes adotadas?
Em
março, a China revelou seu mais novo plano
para aquecer o consumo interno. As medidas incluem o aumento da renda das
famílias e a criação de um subsídio para cuidados infantis.
Durante
o anúncio, o governo chinês afirmou que as ações visam "impulsionar
vigorosamente o consumo, expandir a demanda interna em diversas frentes e
reduzir encargos".
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Em linhas gerais, o conjunto de medidas propõe:
- o aumento
de renda e aplicação de reformas habitacionais;
- medidas
para estabilizar o mercado de ações — com detalhes ainda a serem
divulgados;
- um sistema
de subsídios para cuidados infantis;
- promoção
de emprego flexível e ampliação de serviços como clínicas pediátricas
noturnas;
- funcionamento de
serviços de cuidados infantis comunitários;
- ampliação
de direitos dos trabalhadores, incluindo ampliação de férias anuais
remuneradas e a criação de feriados curtos;
- aumento dos
subsídios a pensões básicas para residentes urbanos e rurais;
- e
a expansão do turismo, com afrouxamento na restrição a vistos para
visitar o país.
O plano
também surge após o impacto recente causado pela pandemia de Covid-19 e pela
crise imobiliária que atingiu o país, fatores que reduziram o ímpeto das
famílias ao consumo.
A
professora Carolina Moehlecke, coordenadora do mestrado de Relações
Internacionais da FGV, explica que a medida é adotada principalmente como uma
forma de aliviar o bolso das famílias.
"Esse
fortalecimento da renda passa por questões até mesmo de expansão do bem-estar
social, com redução de custos de educação infantil, por exemplo. (...) Isso faz
com que a renda disponível das pessoas aumente e elas possam consumir
mais", diz.
José
Luiz Pimenta, especialista em comércio internacional e diretor da BMJ
Consultoria, destaca que o empenho da China em melhorar o consumo também tem
passado pelo fortalecimento da classe média.
"Por
conta de uma dependência muito forte das exportações, o país passou por
turbulências. E o que a China tem feito agora é tentar diminuir isso, focando,
sobretudo, no crescimento da classe média e no consumo interno", diz.
"A
grande estratégia da China é focar cada vez mais nesse consumo — e estamos
falando de um mercado consumidor de mais de um bilhão de pessoas — para tentar
depender cada vez menos de exportações do cenário global para poder
crescer", acrescenta Pimenta.
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Por que o tarifaço pode prejudicar o avanço do consumo?
Os
especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que as tarifas devem,
pelo menos no curto prazo, ser uma pedra no sapato para a China em seus planos
para alavancar o consumo interno.
"Temos
que pensar que todos os consumidores são também produtores de alguma forma. Se
você trabalha em uma empresa que exporta para os EUA e vá enfrentar tarifas
acima de 100% sobre o seu produto, a sua empresa vai, em tese, vender
menos", diz Moehlecke, da FGV.
"Isso
vai impactar na renda da empresa, vai refletir no seu salário e você vai ter
menos renda disponível para consumir", exemplifica.
A
especialista lembra que a China já busca outros mercados para exportação, o que
poderia amenizar esse tipo de prejuízo. Ela reforça, porém, que os receios de
uma recessão também podem prejudicar as companhias e, consequentemente, os
salários no país.
Dumas,
do Insper, acredita que o impacto será negativo já no curto prazo. "Se a
gente esperava um crescimento de 5% para o país, vamos esperar um crescimento
de até 4% este ano."
O
professor defende que a China adote políticas mais eficientes de incentivo ao
consumo, com foco principalmente no aumento salarial e em um maior processo de
urbanização.
Pimenta,
da BMJ Consultoria, acredita que o tarifaço trará mais problemas para o mercado
consumidor norte-americano, devido ao potencial inflacionário da medida.
"A
China vai tentar substituir o que ela importava dos EUA por outros países, o
que já vinha sendo feito. Isso abre, inclusive, oportunidades para o
Brasil."
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Produção excedente buscará outros mercados — incluindo o Brasil
Dumas
destaca que as movimentações da China diante do tarifaço de Trump também
poderão prejudicar a indústria brasileira.
"A
potencial sobra de produtos chineses [que não será absorvida no mercado
interno] aumenta a preocupação do país em encontrar, em outros mercados,
destinos para esses itens. São produtos que vão para o Brasil, a Indonésia e a
Malásia", diz.
O g1 já mostrou, nos primeiros
movimentos do tarifaço, que uma escalada da guerra comercial aumentaria a
presença de produtos chineses no mundo todo. No Brasil, por exemplo, a
China respondeu por 24,2% das importações do país em 2024.
Por um
lado, uma maior entrada de itens chineses por aqui poderia se refletir, no
curto prazo, na diminuição de preços aos consumidores.
Por
outro, o movimento preocupa a indústria nacional, que será obrigada a baixar
preços para se manter competitiva — em um cenário que pode afetar lucros e,
possivelmente, vagas de emprego.
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China aumenta tarifas sobre os EUA de 84% para 125% a
partir deste sábado
A China
anunciou na manhã desta sexta-feira (11), pelo horário de Brasília, que vai
aumentar as tarifas de importação de produtos que chegam dos Estados Unidos
de 84% para 125%, informou o Ministério das Finanças, de acordo com a agência
de notícias Reuters.
O novo
percentual da tarifa entra em vigor já neste sábado (12), segundo publicação da
Embaixada da China nos EUA.
A nova
taxação do país asiático sobre produtos americanos é mais uma resposta às
medidas impostas pelo presidente Donald Trump. Na quinta-feira (10), em mais um capítulo
da guerra comercial, os EUA explicaram que as tarifas impostas ao país asiático
somam 145%. (relembre
o contexto mais abaixo)
"A
imposição pelos EUA de tarifas anormalmente altas à China viola gravemente as
regras do comércio internacional e econômico, as leis econômicas básicas e o
bom senso, sendo um ato completamente unilateral de intimidação e
coerção," disse o Ministério das Finanças da China, em comunicado.
Também
nesta sexta, a missão da China junto à Organização Mundial do Comércio (OMC)
informou que apresentou uma queixa adicional ao órgão contra as tarifas
impostas pelos EUA.
"Em
10 de abril, os EUA emitiram uma ordem executiva anunciando um novo aumento das
chamadas 'tarifas recíprocas' sobre produtos chineses. A China apresentou uma
queixa à OMC contra as mais recentes medidas tarifárias dos EUA", disse o
comunicado da missão chinesa, citando um porta-voz do Ministério do Comércio.
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Como a relação China-EUA se desfez
Autoridades
chinesas têm usado consistentemente palavras fortes para descrever a oposição
às novas tarifas de Donald Trump, que aumentaram de forma astronômica nos
últimos dias.
Quando
o presidente dos EUA anunciou pela primeira vez seu abrangente esquema global
de impostos de importação, a alíquota da China estava em 34% — uma taxa
elevada, mas longe de representar o país mais afetado pelas medidas.
Pequim
retaliou com uma tarifa de 34% sobre produtos americanos, o que deu início a
uma guerra comercial retaliatória.
Os EUA
responderam e aumentaram as tarifas para 104%.
Daí a
China elevou as suas para 84%.
Os
Estados Unidos retaliaram novamente — e, por ora, as tarifas americanas atuais
sobre alguns produtos chineses já chegam a 145%, com a taxa geral ainda mantida
em 125% .
Essa
porcentagem de 145% para alguns produtos é devido a uma taxa pré-existente
imposta às empresas que produzem fentanil, uma droga que causa problemas de
saúde e segurança em terras americanas.
O
último aumento anunciado pela China foi acompanhado por comentários do
Ministério das Finanças do país, que descreveu as ações da Casa Branca como
"tirania comercial" na mídia estatal.
Pequim
"se opõe firmemente e jamais aceitará tais práticas hegemônicas e
intimidatórias", disse Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações
Exteriores chinês, a repórteres.
O
Ministério do Comércio da China já havia rotulado a taxa adicional dos EUA como
"um erro atrás do outro" e afirmou que jamais aceitará a
"natureza chantagista" dessas medidas.
Por sua
vez, o presidente americano acusou a China de falta de respeito e de
"explorar" os EUA.
Após
anunciar uma nova tarifa de 125% sobre as importações dos EUA nesta sexta-feira
(11/04), o governo de Pequim assegurou que não responderá a quaisquer novas
tarifas impostas pelos EUA.
Segundo
o comunicado, as "tarifas anormalmente altas" impostas pelos EUA
"violam gravemente as regras de comércio internacional, as leis econômicas
básicas e o bom senso, além de serem uma forma de intimidação e coerção
totalmente unilateral".
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UE discutirá resposta se negociações com EUA falharem
A União
Europeia discutirá uma resposta caso as negociações tarifárias com os EUA não
cheguem a uma solução aceitável, afirmou o ministro das Finanças alemão, Joerg
Kukies.
"No
momento, estamos em uma boa situação, com um período de tempo bastante longo em
que há potencial para negociar. E, claro, os EUA precisam ser conscientes de
que, se as negociações não funcionarem, teremos outra discussão sobre
mecanismos de resposta", declarou Kukies antes de uma reunião informal dos
ministros da Economia e das Finanças da UE em Varsóvia, na Polônia.
Ele
acrescenta que a UE deve ser criteriosa em sua resposta às tarifas americanas,
pois o bloco tem um superávit comercial em bens, mas um déficit comercial em
serviços.
Kukies
detalhou que a Europa deve cultivar sua própria indústria digital — pois, no
momento, não possui alternativas reais aos serviços oferecidos pelos provedores
de serviços digitais dos EUA.
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Entenda a guerra tarifária entre China e EUA
A
guerra tarifária entre as duas maiores economias do mundo se intensificou na
semana passada, após o anúncio das tarifas recíprocas prometidas pelo
presidente americano, Donald Trump.
Na
quarta-feira passada (2), Trump detalhou a tabela das tarifas,
que vão de 10% a 50% e serão cobradas, a partir desta quarta, sobre mais de 180
países.
A China
foi um dos países que foi tarifado — e com uma das maiores taxas, de 34%. Essa
taxa se somou aos 20% que já eram cobrados em tarifas sobre os produtos
chineses anteriormente.
Como
resposta ao "tarifaço", o governo chinês impôs, na sexta passada (4),
tarifas extras de também 34% sobre todas as importações americanas.
Os EUA
decidiram retaliar a retaliação e Trump deu um prazo para a China: ou o país asiático
retirava as tarifas até as 13h (horário de Brasília) desta terça-feira (8) ou
seria taxado em mais 50 pontos percentuais, levando o total das tarifas a 104%.
A China
não recuou e ainda afirmou que estava preparada para "revidar
até o fim".
Cumprindo
a promessa de Trump, a Casa Branca confirmou a elevação em mais 50% das tarifas
sobre os produtos chineses na tarde de terça. O presidente americano disse,
porém, que acreditava que a China chegaria a um acordo com os EUA para evitar
mais tarifas.
A
resposta chinesa veio na manhã de quarta-feira (9): o governo elevou as tarifas sobre os
EUA de 34% para 84%,
acompanhando o mesmo percentual de alta dos EUA.
No
mesmo dia, Trump anunciou que daria uma "pausa" no tarifaço contra os
mais de 180 países que foram taxados com tarifas que variam de 10% a 50%. Essa
pausa é, na verdade, uma redução de todas as tarifas para
10% por um prazo de 90 dias. Tarifas específicas já em vigor, como as de 25% sobre aço e alumínio, não são afetadas
pela medida — e continuam valendo.
A
exceção, porém, foi a China. Trump anunciou, também, que elevaria mais uma vez as tarifas
recíprocas sobre os produtos chineses, que passou para 125%. Nesta quinta (10),
a Casa Branca explicou que as taxas de 125% foram somadas a outra tarifa de 20%
que já era aplicada sobre a China antes, resultando numa tarifa total de 145%.
Como
resposta, nesta sexta os chineses elevaram as tarifas sobre os americanos para
125%.
Fonte:
g1/BBC News

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