sábado, 12 de abril de 2025

Tarifaço é novo desafio para o consumo interno da China, que patina há duas décadas

A guerra tarifária entre os Estados Unidos e a China representa um novo obstáculo para o consumo interno do gigante asiático. Na mais recente escalada do atrito, a China anunciou um aumento de 41 pontos percentuais em suas tarifas sobre os EUA, que passaram de 84% para 125%. A medida foi uma resposta aos americanos anunciaram taxas de 145% sobre a importação de produtos chineses.

Desde 2007, a China adota uma série de políticas para incentivar o consumo da população. O objetivo é tornar o mercado interno um importante motor de crescimento econômico, justamente para evitar choques externos.

Os planos, no entanto, não tiveram muito sucesso até agora. Dados oficiais mostram que o consumo total dos lares representa menos de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, cerca de 20 pontos percentuais (p.p.) abaixo da média mundial.

Para especialistas ouvidos pelo g1, o tarifaço promovido por Donald Trump — que resultou na recente escalada de taxas entre os países — deverá dificultar ainda mais o cenário, indo na contramão do que busca Pequim, que já vinha enfrentando baixos índices após da pandemia de Covid-19.

<><> O que é a política de consumo interno da China?

Há quase duas décadas, a China aumentou os esforços para incentivar que a população consuma no país, seja com a compra de carros, imóveis, eletrodomésticos ou a contratação de serviços.

Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper, destaca que essa tentativa começou em 2007 e ganhou ainda mais força no ano seguinte, diante da explosão de uma crise financeira que teve início dos EUA e atingiu todo o mundo.

"Depois da crise de 2008, Hu Jintao [então presidente da China] falou: 'Precisamos melhorar e mudar o nosso modelo de crescimento econômico para não ficarmos muito dependentes do mundo externo'", lembra Dumas.

Desde então, o objetivo do país é tornar o consumo interno a principal força motriz do crescimento econômico, reduzindo a dependência das exportações. O professor destaca, no entanto, que se trata de um processo lento e que o gigante asiático ainda não obteve sucesso nessa empreitada.

"Isso não significa que o chinês não consome. Ele consome muito, mas produz muito mais", acrescenta Dumas. "Por isso, a China tem esse superávit nas contas externas [ou seja, recebe mais com exportações do que gasta com importações]."

<>< Quais as medidas mais recentes adotadas?

Em março, a China revelou seu mais novo plano para aquecer o consumo interno. As medidas incluem o aumento da renda das famílias e a criação de um subsídio para cuidados infantis.

Durante o anúncio, o governo chinês afirmou que as ações visam "impulsionar vigorosamente o consumo, expandir a demanda interna em diversas frentes e reduzir encargos".

>>>> Em linhas gerais, o conjunto de medidas propõe:

  • o aumento de renda e aplicação de reformas habitacionais;
  • medidas para estabilizar o mercado de ações — com detalhes ainda a serem divulgados;
  • um sistema de subsídios para cuidados infantis;
  • promoção de emprego flexível e ampliação de serviços como clínicas pediátricas noturnas;
  • funcionamento de serviços de cuidados infantis comunitários;
  • ampliação de direitos dos trabalhadores, incluindo ampliação de férias anuais remuneradas e a criação de feriados curtos;
  • aumento dos subsídios a pensões básicas para residentes urbanos e rurais;
  • e a expansão do turismo, com afrouxamento na restrição a vistos para visitar o país.

O plano também surge após o impacto recente causado pela pandemia de Covid-19 e pela crise imobiliária que atingiu o país, fatores que reduziram o ímpeto das famílias ao consumo.

A professora Carolina Moehlecke, coordenadora do mestrado de Relações Internacionais da FGV, explica que a medida é adotada principalmente como uma forma de aliviar o bolso das famílias.

"Esse fortalecimento da renda passa por questões até mesmo de expansão do bem-estar social, com redução de custos de educação infantil, por exemplo. (...) Isso faz com que a renda disponível das pessoas aumente e elas possam consumir mais", diz.

José Luiz Pimenta, especialista em comércio internacional e diretor da BMJ Consultoria, destaca que o empenho da China em melhorar o consumo também tem passado pelo fortalecimento da classe média.

"Por conta de uma dependência muito forte das exportações, o país passou por turbulências. E o que a China tem feito agora é tentar diminuir isso, focando, sobretudo, no crescimento da classe média e no consumo interno", diz.

"A grande estratégia da China é focar cada vez mais nesse consumo — e estamos falando de um mercado consumidor de mais de um bilhão de pessoas — para tentar depender cada vez menos de exportações do cenário global para poder crescer", acrescenta Pimenta.

<><> Por que o tarifaço pode prejudicar o avanço do consumo?

Os especialistas ouvidos pelo g1 afirmam que as tarifas devem, pelo menos no curto prazo, ser uma pedra no sapato para a China em seus planos para alavancar o consumo interno.

"Temos que pensar que todos os consumidores são também produtores de alguma forma. Se você trabalha em uma empresa que exporta para os EUA e vá enfrentar tarifas acima de 100% sobre o seu produto, a sua empresa vai, em tese, vender menos", diz Moehlecke, da FGV.

"Isso vai impactar na renda da empresa, vai refletir no seu salário e você vai ter menos renda disponível para consumir", exemplifica.

A especialista lembra que a China já busca outros mercados para exportação, o que poderia amenizar esse tipo de prejuízo. Ela reforça, porém, que os receios de uma recessão também podem prejudicar as companhias e, consequentemente, os salários no país.

Dumas, do Insper, acredita que o impacto será negativo já no curto prazo. "Se a gente esperava um crescimento de 5% para o país, vamos esperar um crescimento de até 4% este ano."

O professor defende que a China adote políticas mais eficientes de incentivo ao consumo, com foco principalmente no aumento salarial e em um maior processo de urbanização.

Pimenta, da BMJ Consultoria, acredita que o tarifaço trará mais problemas para o mercado consumidor norte-americano, devido ao potencial inflacionário da medida.

"A China vai tentar substituir o que ela importava dos EUA por outros países, o que já vinha sendo feito. Isso abre, inclusive, oportunidades para o Brasil."

<><> Produção excedente buscará outros mercados — incluindo o Brasil

Dumas destaca que as movimentações da China diante do tarifaço de Trump também poderão prejudicar a indústria brasileira.

"A potencial sobra de produtos chineses [que não será absorvida no mercado interno] aumenta a preocupação do país em encontrar, em outros mercados, destinos para esses itens. São produtos que vão para o Brasil, a Indonésia e a Malásia", diz.

g1 já mostrou, nos primeiros movimentos do tarifaço, que uma escalada da guerra comercial aumentaria a presença de produtos chineses no mundo todo. No Brasil, por exemplo, a China respondeu por 24,2% das importações do país em 2024.

Por um lado, uma maior entrada de itens chineses por aqui poderia se refletir, no curto prazo, na diminuição de preços aos consumidores.

Por outro, o movimento preocupa a indústria nacional, que será obrigada a baixar preços para se manter competitiva — em um cenário que pode afetar lucros e, possivelmente, vagas de emprego.

¨      China aumenta tarifas sobre os EUA de 84% para 125% a partir deste sábado

A China anunciou na manhã desta sexta-feira (11), pelo horário de Brasília, que vai aumentar as tarifas de importação de produtos que chegam dos Estados Unidos de 84% para 125%, informou o Ministério das Finanças, de acordo com a agência de notícias Reuters.

O novo percentual da tarifa entra em vigor já neste sábado (12), segundo publicação da Embaixada da China nos EUA.

A nova taxação do país asiático sobre produtos americanos é mais uma resposta às medidas impostas pelo presidente Donald Trump. Na quinta-feira (10), em mais um capítulo da guerra comercial, os EUA explicaram que as tarifas impostas ao país asiático somam 145%(relembre o contexto mais abaixo)

"A imposição pelos EUA de tarifas anormalmente altas à China viola gravemente as regras do comércio internacional e econômico, as leis econômicas básicas e o bom senso, sendo um ato completamente unilateral de intimidação e coerção," disse o Ministério das Finanças da China, em comunicado.

Também nesta sexta, a missão da China junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) informou que apresentou uma queixa adicional ao órgão contra as tarifas impostas pelos EUA.

"Em 10 de abril, os EUA emitiram uma ordem executiva anunciando um novo aumento das chamadas 'tarifas recíprocas' sobre produtos chineses. A China apresentou uma queixa à OMC contra as mais recentes medidas tarifárias dos EUA", disse o comunicado da missão chinesa, citando um porta-voz do Ministério do Comércio.

<><> Como a relação China-EUA se desfez

Autoridades chinesas têm usado consistentemente palavras fortes para descrever a oposição às novas tarifas de Donald Trump, que aumentaram de forma astronômica nos últimos dias.

Quando o presidente dos EUA anunciou pela primeira vez seu abrangente esquema global de impostos de importação, a alíquota da China estava em 34% — uma taxa elevada, mas longe de representar o país mais afetado pelas medidas.

Pequim retaliou com uma tarifa de 34% sobre produtos americanos, o que deu início a uma guerra comercial retaliatória.

Os EUA responderam e aumentaram as tarifas para 104%.

Daí a China elevou as suas para 84%.

Os Estados Unidos retaliaram novamente — e, por ora, as tarifas americanas atuais sobre alguns produtos chineses já chegam a 145%, com a taxa geral ainda mantida em 125% .

Essa porcentagem de 145% para alguns produtos é devido a uma taxa pré-existente imposta às empresas que produzem fentanil, uma droga que causa problemas de saúde e segurança em terras americanas.

O último aumento anunciado pela China foi acompanhado por comentários do Ministério das Finanças do país, que descreveu as ações da Casa Branca como "tirania comercial" na mídia estatal.

Pequim "se opõe firmemente e jamais aceitará tais práticas hegemônicas e intimidatórias", disse Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, a repórteres.

O Ministério do Comércio da China já havia rotulado a taxa adicional dos EUA como "um erro atrás do outro" e afirmou que jamais aceitará a "natureza chantagista" dessas medidas.

Por sua vez, o presidente americano acusou a China de falta de respeito e de "explorar" os EUA.

Após anunciar uma nova tarifa de 125% sobre as importações dos EUA nesta sexta-feira (11/04), o governo de Pequim assegurou que não responderá a quaisquer novas tarifas impostas pelos EUA.

Segundo o comunicado, as "tarifas anormalmente altas" impostas pelos EUA "violam gravemente as regras de comércio internacional, as leis econômicas básicas e o bom senso, além de serem uma forma de intimidação e coerção totalmente unilateral".

<><> UE discutirá resposta se negociações com EUA falharem

A União Europeia discutirá uma resposta caso as negociações tarifárias com os EUA não cheguem a uma solução aceitável, afirmou o ministro das Finanças alemão, Joerg Kukies.

"No momento, estamos em uma boa situação, com um período de tempo bastante longo em que há potencial para negociar. E, claro, os EUA precisam ser conscientes de que, se as negociações não funcionarem, teremos outra discussão sobre mecanismos de resposta", declarou Kukies antes de uma reunião informal dos ministros da Economia e das Finanças da UE em Varsóvia, na Polônia.

Ele acrescenta que a UE deve ser criteriosa em sua resposta às tarifas americanas, pois o bloco tem um superávit comercial em bens, mas um déficit comercial em serviços.

Kukies detalhou que a Europa deve cultivar sua própria indústria digital — pois, no momento, não possui alternativas reais aos serviços oferecidos pelos provedores de serviços digitais dos EUA.

<><> Entenda a guerra tarifária entre China e EUA

A guerra tarifária entre as duas maiores economias do mundo se intensificou na semana passada, após o anúncio das tarifas recíprocas prometidas pelo presidente americano, Donald Trump.

Na quarta-feira passada (2), Trump detalhou a tabela das tarifas, que vão de 10% a 50% e serão cobradas, a partir desta quarta, sobre mais de 180 países.

A China foi um dos países que foi tarifado — e com uma das maiores taxas, de 34%. Essa taxa se somou aos 20% que já eram cobrados em tarifas sobre os produtos chineses anteriormente.

Como resposta ao "tarifaço", o governo chinês impôs, na sexta passada (4), tarifas extras de também 34% sobre todas as importações americanas.

Os EUA decidiram retaliar a retaliação e Trump deu um prazo para a China: ou o país asiático retirava as tarifas até as 13h (horário de Brasília) desta terça-feira (8) ou seria taxado em mais 50 pontos percentuais, levando o total das tarifas a 104%.

A China não recuou e ainda afirmou que estava preparada para "revidar até o fim".

Cumprindo a promessa de Trump, a Casa Branca confirmou a elevação em mais 50% das tarifas sobre os produtos chineses na tarde de terça. O presidente americano disse, porém, que acreditava que a China chegaria a um acordo com os EUA para evitar mais tarifas.

A resposta chinesa veio na manhã de quarta-feira (9): o governo elevou as tarifas sobre os EUA de 34% para 84%, acompanhando o mesmo percentual de alta dos EUA.

No mesmo dia, Trump anunciou que daria uma "pausa" no tarifaço contra os mais de 180 países que foram taxados com tarifas que variam de 10% a 50%. Essa pausa é, na verdade, uma redução de todas as tarifas para 10% por um prazo de 90 dias. Tarifas específicas já em vigor, como as de 25% sobre aço e alumínio, não são afetadas pela medida — e continuam valendo.

A exceção, porém, foi a China. Trump anunciou, também, que elevaria mais uma vez as tarifas recíprocas sobre os produtos chineses, que passou para 125%. Nesta quinta (10), a Casa Branca explicou que as taxas de 125% foram somadas a outra tarifa de 20% que já era aplicada sobre a China antes, resultando numa tarifa total de 145%.

Como resposta, nesta sexta os chineses elevaram as tarifas sobre os americanos para 125%.

 

Fonte: g1/BBC News

 

 

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