segunda-feira, 7 de abril de 2025

Pensar a História: Crimes da ditadura - 53 anos da Chacina de Quintino

Uma das muitas atrocidades cometidas pela ditadura militar brasileira completou 53 anos em 29 de março — e nenhum dos responsáveis foi punido até hoje.

Em 29 de março de 1972, agentes do DOI-CODI invadiram uma residência no bairro de Quintino, no Rio de Janeiro, e assassinaram Lígia Maria Salgado Nóbrega, Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite Figueiredo.

Os três jovens assassinados pertenciam à VAR-Palmares, organização de resistência ao regime militar. À época, os policiais afirmaram que as mortes teriam sido decorrentes de um tiroteio. A Comissão da Verdade, entretanto, desmentiu a versão dos militares e comprovou que as vítimas foram sumariamente executadas.

A Chacina de Quintino é uma das várias matanças de jovens perpetradas pela ditadura durante os “Anos de Chumbo”. Um levantamento publicado por Cynara Menezes em 2016 mostrou que 56% das vítimas do regime tinham menos de 30 anos.

·        A VAR-Palmares

Lígia Maria, Antônio Marcos e Maria Regina eram integrantes da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), uma organização da esquerda revolucionária que participou da luta armada contra a ditadura militar.

A VAR-Palmares foi criada em 1969, a partir da fusão de outros dois grupos — a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização liderada por Carlos Lamarca, e o Comando de Libertação Nacional (COLINA).

O grupo conduziu uma série de ações de combate ao regime militar, que incluíam desde ações de base voltadas à conscientização política e à articulação da sociedade civil até o enfrentamento aberto e táticas de guerrilha.

Uma das ações mais conhecidas da VAR-Palmares foi o chamado “roubo do cofre do Adhemar”. Em julho de 1969, militantes do grupo invadiram a mansão de Anna Benchimol, amante do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, e levaram um cofre com US$ 2,5 milhões.

O dinheiro foi utilizado para financiar as ações da resistência. À época, Carlos Lamarca deu uma declaração à agência France Press assumindo a autoria: “Localizamos a famosa ‘caixinha’ do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, enriquecido por anos e anos de corrupção. (…) Esse dinheiro foi roubado do povo e a ele será devolvido”, afirmou o comandante da guerrilha.

·        O aumento da repressão

Em dezembro de 1968, a ditadura militar promulgou o Ato Institucional nº. 5 (AI-5). O decreto suspendia os direitos civis e as garantias constitucionais, institucionalizando o recrudescimento do autoritarismo e iniciando os chamados “anos de chumbo” — o período mais repressivo da ditadura militar, marcado pelo uso recorrente de prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos e assassinatos de opositores.

Apesar da intimidação, as organizações da esquerda seguiram efetuando ações ousadas de enfrentamento à ditadura. Em 1970, James Allen da Luz e outros militantes da VAR-Palmares conduziram o sequestro do voo 114, forçando um avião comercial da Cruzeiro do Sul a desviar sua rota até Cuba.

O sequestro da aeronave forçou o regime a reconhecer que havia capturado dois militantes do grupo, — Fausto Machado Freire e Marco Antonio Meyer — impedindo que eles engrossassem a lista de desaparecidos políticos.

A ditadura também responsabilizou os guerrilheiros pela morte do marinheiro inglês David Cuthberg, integrante de uma força-tarefa da marinha britânica no Rio de Janeiro. Cuthberg foi executado a tiros dentro de um táxi em fevereiro de 1972. Segundo os registros produzidos pelo regime, Lígia Maria e outros membros da VAR-Palmares teriam participado do justiçamento, ao lado de militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

As ações da VAR-Palmares serviram de justificativa para uma série de operações repressivas. O grupo se tornou alvo prioritário do regime, que incumbiu seus órgãos de inteligência da tarefa de localizar e eliminar os membros da organização.

·        A chacina

Em 29 de março de 1972, agentes da repressão invadiram um aparelho da VAR-Palmares localizado em uma casa na Avenida Suburbana, em Quintino, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A operação foi planejada por integrantes do DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão do Exército Brasileiro), em conjunto com Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e com a Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Quatro militantes da VAR-Palmares estavam dentro da residência na ocasião: Lígia Maria, Antônio Marcos, Maria Regina e James Allen. Conforme a versão dos militares, os agentes teriam sido recebidos à bala quando invadiram o imóvel. Eles teriam então revidado, dando origem a um tiroteio que matou três integrantes do grupo. Apenas James Allen, o alvo principal dos militares, conseguiu escapar.

A versão oficial dos militares foi desmentida pelo relatório produzido pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, que examinou documentos e coletou depoimentos de vizinhos e do perito que examinou os corpos no Instituto Médico Legal (IML).

Os laudos cadavéricos não apontavam resquícios de pólvora nas mãos dos militantes, contradizendo a versão da polícia de que os jovens teriam atirado contra os agentes.

Valdecir Tagliari, médico legista que assinou o atestado de óbito das vítimas, relatou que os ferimentos eram compatíveis com tortura seguida de execução. Vizinhos que testemunharam a ação afirmaram que os jovens foram executados sumariamente com tiros na cabeça após terem se rendido aos agentes.

Também foram identificadas adulterações das informações nos registros da ditadura. Lígia Maria, por exemplo, foi “morta” mais duas vezes pelos militares. Seu nome é registrado em outros dois autos de morte em confronto datados de 8 e 9 de junho de 1972, sob a alegação de “reagir à voz de prisão”.

A análise do livro de diligências do DOPS também comprovou a responsabilidade dos militares pela morte de Wilton Ferreira, que se encontrava em um outro aparelho da VAR-Palmares no bairro de Cavalcanti, invadido pela mesma equipe que realizou a chacina de Quintino.

Wilton não era militante da VAR-Palmares, nem participava de nenhum movimento de resistência à ditadura. Ele apenas fazia um bico como vigia e tinha sido pago por James Allen para olhar a garagem do aparelho. Wilton foi sepultado como indigente. Seus restos mortais foram posteriormente transferidos para uma vala clandestina, com mais de 8.000 ossadas.

>>>> As vítimas da chacina

·        Lígia Maria Salgado Nóbrega

Lígia Maria nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, em 30 de julho de 1947. Ela se mudou ainda criança para São Paulo e estudou no Colégio Fernão Dias, no bairro de Pinheiros. Em 1967, Lígia ingressou no curso de pedagogia da USP.

Durante a graduação, Lígia começou a atuar no movimento estudantil, participando de protestos e atos de panfletagem. Em 1970, ela ingressou na VAR-Palmares, aderindo à luta armada. Mudou-se em seguida para o Rio de Janeiro, onde passou a viver clandestinamente.

Lígia foi identificada pelos órgãos repressivos como uma das participantes da ação que matou o militar inglês David Cuthberg, membro de uma força tarefa da marinha britânica no Rio de Janeiro.

Conforme o relato de testemunhas, Lígia foi a primeira vítima da Chacina de Quintino. Ela foi executada com um tiro na cabeça, mesmo estando rendida e com as mãos na nuca. Seu corpo foi sepultado no Cemitério São Paulo.
Lígia era namorada de James Allen e estava grávida de dois meses quando foi assassinada pelos agentes da repressão. Ela tinha 24 anos de idade.

Como parte do projeto Diplomação da Resistência, a USP irá conceder o diploma honorífico a Lígia Maria. A cerimônia de diplomação ocorrerá no próximo dia 3 de abril.

·        Antônio Marcos Pinto de Oliveira

Antônio Marcos nasceu no Rio de Janeiro em 16 de fevereiro de 1950. Ele ingressou no movimento estudantil como secundarista. Aos 16 anos, já participava das manifestações e atos contra o regime militar.

O jovem almejava a carreira eclesiástica. Ele foi membro da Juventude Escolar Católica (JEC) e chegou a estudar em um seminário por um breve período. Em 1968, após a promulgação do AI-5 e o aumento da repressão, Antônio e seu irmão, Januário, tornaram-se militantes da Ala Vermelha, uma dissidência do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Por volta de 1970, Antônio se desligou da Ala Vermelha e ingressou na VAR-Palmares, passando a usar o codinome “Evandro”. Antônio desenvolvia um importante trabalho comunitário no bairro Oswaldo Cruz, em conjunto com a Paróquia Nossa Senhora Medianeira, dirigida pelo padre João Daniel de Castro. Ele também foi um dos fundadores do Grupo de Jovens de Oswaldo Cruz (GRUJOC).

Em 1971, após a prisão de uma série de militantes do GRUJOC, Antônio passou à clandestinidade. Ele foi assassinado no ano seguinte. Antônio tinha 22 anos. Seu corpo foi enterrado no Cemitério São Francisco Xavier.

·        Maria Regina Lobo Leite Figueiredo

Maria Regina nasceu no Rio de Janeiro em 5 de junho de 1938. Ela era filha da assistente social Cecília Lisbôa Lobo e do médico Álvaro Lobo Leite, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz.

Egressa do tradicional Colégio Sacré-Coeur de Jésus, Maria Regina cursou o ensino superior na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Graduada em pedagogia em 1960, ela passou a se dedicar a uma série de projetos sociais.

Maria Regina foi integrante da Juventude Universitária Católica (JUC), organização religiosa que se destacava por suas bandeiras progressistas e pela firme oposição à ditadura militar. Ela participou do Movimento de Educação de Base (MEB) — projeto educacional que utilizava o método Paulo Freire em campanhas de alfabetização em massa, realizadas junto às comunidades carentes.

A pedagoga trabalhou no interior do Maranhão e ajudou a expandir as escolas radiofônicas no estado. Em 1966, ela se casou com Raimundo Gonçalves de Figueiredo. Ao lado do marido, Maria Regina se tornou militante da Ação Popular (AP) — organização ligada à esquerda cristã, que participou da luta contra o regime.

A educadora também desenvolveu um importante projeto educacional no Paraná, atuando junto às comunidades indígenas. Em abril de 1971, o marido de Maria Regina foi assassinado pela ditadura. Ela retornou então ao Rio de Janeiro, onde ingressou na VAR-Palmares.

Maria Regina tinha 33 anos quando foi morta na Chacina de Quintino. Ela deixou duas filhas pequenas — Isabel e Iara, respectivamente com 3 e 4 anos.

·        James Allen da Luz

James Allen da Luz foi o único sobrevivente da Chacina de Quintino. Não obstante, ele morreria já no ano seguinte, em circunstâncias ainda não esclarecidas.

James nasceu em Buriti Alegre, Goiás, em 21 de dezembro de 1938. Ele ingressou no movimento estudantil ainda na adolescência, como estudante da Escola Técnica de Comércio de Goiânia. James chegou a iniciar a faculdade de direito, mas teve de interromper os estudos após se tornar alvo do regime.

Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ligado à resistência brizolista, James foi preso em 1966 e enviado para a Fortaleza de São João, no Rio de Janeiro. Ele conseguiu escapar da prisão, fugindo em seguida para o Uruguai, onde viveu por um período.

Após retornar clandestinamente ao Brasil, James retomou a militância na Ala Vermelha. Ingressou depois na VAR-Palmares, onde assumiu a liderança de uma série de ações importantes.

Em janeiro de 1970, James comandou o sequestro do voo 114, da companhia Cruzeiro do Sul. O avião foi forçado a desviar sua trajetória até Cuba, como parte de uma ação que visava garantir a libertação de 44 presos políticos.

James desapareceu cerca de um ano após a chacina de Quintino. Um documento do Serviço Nacional de Informações (SNI) registrou que sua morte teria decorrido de um acidente automobilístico, ocorrido em 24 de março de 1973.

Testemunhas ouvidas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos relataram que James sobreviveu ao acidente e foi levado sob custódia pelos agentes da ditadura. Seu corpo nunca foi encontrado.

¨      Vala de Perus: o cemitério clandestino onde a ditadura escondeu seus mortos

O Cemitério Dom Bosco, localizado em Perus, na Zona Norte de São Paulo, sediou uma importante cerimônia no último dia 24 de março. Representando o governo federal, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, formalizou um pedido de desculpas a familiares de desaparecidos políticos vitimados pela ditadura militar (1964-1985).

pedido de desculpas se referia à negligência do Estado brasileiro na identificação de ossadas encontradas no local. Em 1990, uma vala clandestina contendo os restos mortais de mais de mil pessoas foi descoberta no cemitério de Perus.

A pesquisa posterior comprovou que parte das ossadas eram de presos políticos que foram assassinados pelos órgãos de repressão do regime. O trabalho de identificação, entretanto, ocorre de forma extremamente lenta, permeado por sucessivas interrupções. Quase 35 anos após a descoberta da vala, apenas cinco ossadas foram identificadas.

<><> Os mortos da ditadura

Instaurada após o golpe que derrubou João Goulart em 1º de abril de 1964, a ditadura militar brasileira foi marcada pela repressão sistemática contra os opositores do regime. Os militares promulgaram uma série de leis e medidas que suspenderam os direitos civis e as garantias constitucionais e fortaleceram o aparato repressivo. Órgãos diretamente subordinados aos militares como o DOI-CODI e o DOPS prenderam, torturaram e assassinaram milhares de pessoas.

Um estudo produzido pela Human Rights Watch estima que mais de 20 mil pessoas foram torturadas pela ditadura. Já o número de pessoas que foram assassinadas pelos militares é uma incógnita. Oficialmente, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconhece que 434 pessoas foram mortas pelo regime. O número real de vítimas, entretanto, é muito maior.

Isso ocorre porque a relação de mortos e desaparecidos da CNV foi produzida com base nas definições estabelecidas pela Lei sobre Mortos e Desaparecidos Políticos sancionada, em 1995. Negociada com os militares, essa lei estabeleceu critérios restritivos para o reconhecimento das vítimas do regime, exigindo a comprovação de que as mortes estivessem diretamente ligadas a atos de resistência política.

Em outras palavras, a contagem de vítimas da CNV engloba quase que exclusivamente militantes políticos. Cidadãos comuns, trabalhadores, camponeses, indígenas, pessoas em situação de rua, trabalhadoras do sexo e tantas outras categorias que foram reprimidas pelo regime são ignoradas por essa metodologia.

A própria CNV reconheceu que ao menos 8.350 indígenas foram mortos em decorrência de massacres, remoções forçadas e outras ações do regime militar — mas eles não entram na contabilização oficial de vítimas. Em uma entrevista concedida à Agência Pública em outubro de 2024, a presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Eugênia Augusta Gonzaga, afirmou que o número efetivo de mortos e desaparecidos da ditadura militar “passa facilmente dos 10 mil”.

<><> A Vala de Perus

Um dos métodos utilizados pelos militares para esconder os mortos da ditadura foi a criação de valas clandestinas, onde os corpos eram enterrados sem identificação ou registro oficial.

Em São Paulo, havia rumores de que o Cemitério Dom Bosco (ou Cemitério de Perus), inaugurado por Paulo Maluf em 1971 para o sepultamento de indigentes, tivesse servido como depósito secreto dos cadáveres das vítimas do regime. Apesar disso, as condições políticas — e a ditadura ainda em vigor — impediam que fossem realizadas investigações.

Os rumores foram confirmados em 1990, graças a uma investigação conduzida pelo jornalista Caco Barcelos, então empenhado na produção do livro Rota 66: A História da Polícia que Mata. Ao analisar os laudos periciais produzidos pelo IML de São Paulo na década de 1970, Caco notou a presença da letra “T” escrita em lápis em alguns documentos.

Questionando os funcionários do IML a respeito, o jornalista descobriu que a marcação significava “terrorista”, termo usado pela ditadura para rotular seus opositores. Caco passou então a rastrear o destino que esses corpos tiveram — o que o levou ao Cemitério Dom Bosco.

As suspeitas de Caco aumentaram após conversar com Antônio Pires Eustáquio, o administrador da necrópole. Antônio confirmou que existiam evidências de que nem todos os sepultados no local eram indigentes. Durante obras no cemitério, Antônio já havia se deparado com arcadas dentárias com incrustações em ouro e platina — que dificilmente pertenceriam a pessoas vivendo em situação de pobreza extrema.

Com base nessas informações, a prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, determinou que os funcionários do município escavassem o local. Em 4 de setembro de 1990, a gigantesca vala foi encontrada. Era um buraco com 30 metros de extensão, 50 centímetros de largura e 2,70 metros de profundidade. Em seu interior, estavam sacos plásticos contendo 1.049 ossadas humanas.

<><> Identificação das ossadas

Erundina determinou então a instalação da Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus. Os restos mortais foram transferidos provisoriamente para a sede do Ministério Público Federal (MPF) e posteriormente encaminhados para análises conduzidas pelos pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Das 435 ossadas analisadas pela Unifesp, concluiu-se que 80% eram de pessoas do sexo masculino, 15% do sexo feminino e 5% de crianças. Boa parte das ossadas possuíam traumas derivados de tortura, violência e sinais de execução sumária, incluindo perfurações a bala.

As pesquisas indicam que ao menos 42 das pessoas sepultadas na vala são presos políticos e desaparecidos que foram torturados e mortos nos porões e centros de repressão da ditadura (DOPS, DOI-CODI, OBAN) — estudantes, militantes de esquerda, sindicalistas, integrantes da luta armada, etc.

Cinco ossadas de opositores do regime foram identificadas: os irmãos Dênis Casemiro (militante da Vanguarda Popular Revolucionária) e Dimas Antônio Casemiro (membro do Movimento Revolucionário Tiradentes), Frederico Eduardo Mayr (do Movimento de Libertação Popular), Flávio de Carvalho Molina (da Ação Libertadora Nacional) e Aluísio Palhano Pedreira Ferreira (da Vanguarda Popular Revolucionária).

A maior parte das ossadas, entretanto, são de vítimas não registradas da ditadura: pessoas pobres, moradores de rua, camponeses, indígenas, minorias perseguidas, pessoas executadas por agentes da repressão e por esquadrões da morte por serem consideradas “indesejáveis”. Acredita-se também que parte dos sepultados sejam vítimas da epidemia de meningite dos anos 70, que a ditadura tentou abafar.

<><> As reações à descoberta da vala

Após a remoção das ossadas, a gestão Erundina mandou instalar junto à vala clandestina um monumento projetado por Ruy Ohtake — um painel onde se lê: “aqui os ditadores tentaram esconder os desaparecidos políticos, as vítimas da fome, da violência do Estado policial, dos esquadrões da morte e, sobretudo, os direitos dos cidadãos pobres da cidade de São Paulo. Fica registrado que os crimes contra a liberdade serão sempre descobertos”.

Um segundo monumento às vítimas da repressão da ditadura foi erguido pela prefeitura de São Paulo no Cemitério de Vila Formosa.

O trabalho de identificação das ossadas prosseguiu por quase 10 anos e incentivou a instalação de novos grupos de pesquisa em outros locais do Brasil, causando incômodo entre os militares, policiais e setores reacionários, alarmados com a possibilidade de responsabilização pelos crimes cometidos.

Jair Bolsonaro, então deputado federal, chegou a lançar uma campanha pedindo a suspensão dos trabalhos de pesquisa das ossadas da Guerrilha do Araguaia, sob o mote “quem procura osso é cachorro”.

No ano 2000, ao fim do mandato do prefeito Celso Pitta, herdeiro político de Paulo Maluf, a identificação das ossadas e as pesquisas no cemitério de Perus foram interrompidas. Os trabalhos somente foram retomados em setembro de 2014, na prefeitura de Fernando Haddad, em parceria com a Comissão Estadual da Verdade e a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e apoio dos peritos da Unifesp.

Pesquisas com radares revelaram que há a possibilidade de existir uma segunda vala clandestina no Cemitério de Perus, onde mais corpos estariam enterrados. As últimas gestões na prefeitura de São Paulo, entretanto, não se interessaram em retomar os trabalhos.

Em abril de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro baixou decreto extinguindo os grupos de trabalho de Perus e do Araguaia, encerrando oficialmente as buscas por novas ossadas e o esforço de identificação dos restos mortais já localizados. Bolsonaro também extinguiu a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, responsável por investigar, identificar e localizar as vítimas do regime.

Em julho de 2024, um ano e maio após seu retorno à Presidência da República, o presidente Lula recriou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. No mesmo ano, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania assinou acordo de cooperação técnica com a Unifesp para a retomada dos trabalhos de investigação.

 

Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi

 

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