Thiago Flamé: O golpe de 1964 revisitado -
não esquecemos, não perdoamos
Nesta nota queremos muito mais do que
relembrar os atos heróicos e a disposição combate de marinheiros, operários,
camponeses e estudantes, que tinham todas as condições de enfrentar e vencer a
ofensiva militar golpista. A grande homenagem que podemos fazer a esses
lutadores é aprender e tirar as lições da sua derrota.
Para enfrentar o golpismo só podemos contar
com nossas próprias forças, nenhum dispositivo militar ou judicial do estado
capitalista pode afastar a ameaça golpista, ou, trazendo para o nosso presente,
derrotar a extrema direita. Para um balanço aprofundado dos acontecimentos que levaram ao
golpe de 1964 indicamos a leitura do texto “O processo revolucionário que
culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido
revolucionário no Brasil”
·
Era possível derrotar o
Golpe de 1964
Primeiro de abril de 1964, um destacamento de
marinheiros que se reagrupam depois que Jango, já em fuga para o Uruguai, depõe
as armas, vivem um impasse dramático. Morrer lutando e deixar gravada em sangue
para a posteridade sua disposição de combate ou depor as armas e se entregar?
Haviam passado a madrugada e os dias anteriores preparando a resistência para o
golpe que se organizava à luz do dia. Se dispunham a distribuir as armas do
arsenal da Marinha entre operários e estudantes e formar destacamentos de
combate. As ordens esperadas nunca vieram e já não havia mais esperança de
combate quando decidiram se render frente à iminência da chegada do corpo
militar conduzido por Mourão, com 50 mil soldados, que teria esmagado o
destacamento de alguns milhares de marinheiros e suas armas obsoletas.
Do outro lado, entre os generais, ainda no
dia 31, Castelo Branco tentava retardar o avanço das tropas de Mourão que
vinham de Minas Gerais. Temia-se que o seu avanço descoordenado abrisse brechas
que Jango poderia aproveitar. Como se sabe hoje, a IV Frota dos EUA havia
enviado um porta-aviões rumo à costa carioca, preparado para dar apoio aos
golpistas, se programando para um longo conflito. A resistência legalista
esperada em ambos os lados não ocorreu e, ao fim do dia 1º de abril, Jango já
estava no Rio Grande do Sul, a caminho do seu exílio uruguaio.
·
O Fracasso do
“dispositivo militar” de Jango e da Frente Ampla de 1966
Não foi nenhum fator surpresa ou habilidade
especial das Forças Armadas brasileiras os responsáveis pelo total fracasso do
governo de João Goulart na defesa da ordem constitucional. Nem, tampouco,
qualquer falta de apoio popular, dado que as pesquisas mostravam um grande
apoio ao seu governo e um apoio maior ainda às reformas de base. O que explica
então a derrota vergonhosa do trabalhismo e do nacional-desenvolvimentismo em
1964?
O governo de João Goulart ficou paralisado
frente ao avanço das tropas golpistas em função das suas próprias contradições.
Seu governo buscava se apoiar em setores da burguesia supostamente nacionalista
e nas alas militares varguistas, o chamado “dispositivo militar”, articulado em
torno do general Amaury Kruel, comandante do II Exército em São Paulo. As
condições para um contra-ataque que deixaria os golpistas numa situação difícil
estavam colocadas. Só que o dispositivo militar não somente falhou, como passou
inteiro para o lado do golpe e a burguesia nacionalista, a favor de quem o
governo acreditava estar, na verdade não passava de uma ilusão.
As únicas forças efetivas para barrar o
avanço da contrarrevolução eram as forças das massas, do processo
revolucionário em curso desde 1961. A revolta dos marinheiros em 25 de março
mostrou um amplo apoio popular. Inclusive colocou em questão a disciplina
militar das tropas chamadas a reprimi-la e fez os generais temerem as
consequências de um conflito aberto. A solução conciliatória permitiu ao
Almirantado restabelecer seu comando que havia sido abalado e a revolta que
assustou as cúpulas militares terminou por convencer o alto oficialato de que
era o momento de agir.
Depois de consolidado o golpe, desmantelado
brutalmente o movimento das ligas operárias, com os sindicatos sob intervenção
e as bases das Forças Armadas expurgadas dos setores mais rebeldes, em 1966, as
forças burguesas depostas em 1964 ainda tentaram a organização de uma frente
ampla, com Jango, JK, Brizola e… Carlos Lacerda. Seu peso foi nulo e caiu no
esquecimento. O grande movimento de resistência contra ditadura, que entrou
para a história e inspira as novas gerações, foi o movimento estudantil, desmantelado
somente em 1968.
·
A falência da
conciliação de classes do PCB e as lições da derrota
O balanço de Caio Prado Júnior sobre o
golpe é
sintomático da bancarrota do velho partidão e do beco sem saída em que entrou a estratégia etapista do PC
em 1964. Apesar de não reconhecer nenhuma burguesia nacionalista, como fazia o
PCB, Caio Prado se mantinha nos marcos da concepção etapista. Segundo essa
visão - tributária do stalinismo e mais aproximada a do velho menchevismo do
que da atuação de Lenin e do Partido Bolchevique na Revolução Russa - nos
países atrasados e de origem colonial a primeira etapa da revolução seria
democrática, baseada na aliança entre a classe trabalhadora e a burguesia
nacionalista. A derrota não levou à revisão dessa teoria equivocada, mas a
jogar a culpa na radicalização das massas, que teria sido um obstáculo à
aliança com a burguesia e provocado a contrarrevolução.
Já na época, o PCB passou por grandes
rupturas, especialmente na juventude, que seguiram o caminho da luta armada.
Porém, sem tirar todas as conclusões da derrota, enveredaram pelo caminho da
guerrilha, pelo voluntarismo do foco guerrilheiro, abandonando a luta de
massas. Foi uma geração corajosa e determinada, mas seus esforços esbarram nos
limites de uma estratégia equivocada, vanguardista e voluntarista. A guerra é,
e continua sendo, a continuação da política por outros meios. Não era possível
superar apenas o pacifismo partidão sem ir até o fim na crítica à sua ilusão
numa burguesia progressista
·
É preciso trilhar um
novo caminho
Voltando aos dias de hoje, é preciso
reconhecer que resta pouco das velhas ilusões do partidão. O próprio surgimento
do PT no fim dos anos setenta era resultado da busca da classe trabalhadora por
uma organização de classe própria, independente de qualquer fração das classes
dominantes. A ideia de uma burguesia nacionalista só sobrevive nos livros de
história, como um trágico erro.
Hoje a ideologia da conciliação de classes
não é mais a do nacionalismo burguês e da revolução por etapas, primeiro
democrática e popular e depois socialista e operária. O petismo, que nasceu do
esforço da classe operária em superar o velho partidão e sua subordinação à
burguesia, reproduz por outros caminhos a velha política de conciliação de
classes.
O partidão apoiava sua política de
conciliação de classes no otimismo em relação a frações da burguesia, esperando
que pudessem se aliar com o movimento de massas contra o imperialismo. Já o PT
apoia completamente sua capitulação no ceticismo em relação à capacidade da
classe operária. Sem prometer nenhum futuro redentor, a confiança no STF e
outras instituições do Estado para combater o golpismo e o bolsonarismo se
apóia simplesmente no “é o que tem pra hoje”, o chamado menos pior. Nisso não
inventam nada novo, por caminhos diferentes chegam na mesma estratégia
derrotista.
O stalinismo em decomposição nos anos setenta
- do PCB, PCdoB - condenou as greves operárias e chamava a apoiar o ditador
Geisel e sua abertura controlada, como um mal menor frente à linha dura
militar, que teve como líder ninguém menos que o irmão mais velho de Ernesto, o
também general Orlando Geisel. Hoje são os dirigentes da CUT, que surgiram
desafiando o discurso derrotista, quem impulsiona esse discurso, sufocando a
luta de classes em nome da governabilidade e confiando no “dispositivo
judicial” do STF como o grande dique de contenção contra a extrema direita
bolsonarista e militar. A direção do PT segue integralmente o conselho de não
assustar a burguesia e toma em suas mãos a tarefa de aplicar os ajustes e os
ataques que ela demanda. Dessa forma, como dizemos e não cansamos de repetir,
enfraquece a classe trabalhadora e abre caminho para a extrema direita.
A classe trabalhadora foi além dessa
estratégia da passividade em 1964, foi além dela ao retomar o caminho da luta
de classes para enfrentar a ditadura nos setenta e oitenta e ao fundar o PT.
Hoje mais uma vez começa a mostrar que não conterá suas mobilizações no
estreito limite da estratégia eleitoral do mal menor. As lições do golpe de
1964 e do fracasso da Frente Ampla de 1966 são parte do arsenal de experiências
da classe operária no Brasil, que precisam ser retomados na luta pela
construção de uma alternativa política à esquerda do PT, que não repita os
erros do passado.
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Os escândalos de
corrupção do general que promoveu almoço para comemorar o golpe
No último dia 31 de março, o Clube Militar do
Rio de Janeiro, presidido pelo general da reserva Sérgio Tavares Carneiro,
promoveu um almoço para “rememoração” do golpe militar de 1964, ato que
gerou forte repúdio por sua natureza antidemocrática.
A escolha da data e a realização do evento em
um local de grande simbolismo militar causaram indignação, especialmente
considerando o histórico de Carneiro. O general ocupou cargos de alta
relevância e chegou a ser o presidente da Fundação Marechal Roberto Trompowsky
Leitão de Almeida, ligada ao Departamento de Educação e Cultura do Exército
(DECEx), que esteve no centro de escândalos de corrupção que vieram à tona na
última década.
Investigações
conduzidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público
Federal (MPF) revelaram que a Fundação Trompowsky desviou sua finalidade
original para obter contratos milionários com o governo federal, estados,
municípios e instituições privadas.
Levantamentos da Agência Sportlight, baseados em dados
do Portal da Transparência, apontam que a Fundação Trompowsky firmou contratos
que somam mais de R$ 35 milhões apenas com o governo federal, no período entre
1999 e 2017.
Em
2021, a má gestão dos militares levou a entidade à beira da extinção, com
dívidas acumuladas que
ultrapassaram os R$ 51 milhões. Na época, bens da organização, como
computadores e móveis, chegaram a ser penhorados para o pagamento de dívidas
trabalhistas. O GGN relembra os escândalos da Fundação Trompowsky,
com base nos dados do Sportlight.
- R$
600 milhões em licitação fraudada
Um dos casos mais emblemáticos sobre a
Fundação Trompowsky envolve uma licitação de R$ 600 milhões da Secretaria de
Meio Ambiente do Pará (SEMA-PA), que a instituição vendeu em 2010.
Para isso, os generais da reserva manipularam
o estatuto da fundação, permitindo que ela atuasse na área ambiental. No
entanto, o contrato foi anulado pela própria SEMA-PA um ano depois, devido a
evidências de fraudes.
A Justiça Federal, após denúncia do MPF,
identificou diversas irregularidades na gestão da Fundação Trompowsky, desde
desvio de finalidade, desvio de recursos, prática de atos ilícitos e falta de
prestação de contas. Em 2014, a fundação foi descredenciada como entidade de
apoio ao Exército.
Após as irregularidades serem descobertas, os
generais da fundação ainda tentaram transferir o contrato da SEMA-PA para uma
empresa recém-criada, a “Ambiente Natural Inspeção Veicular SPE Ltda“, que
tinha como sócios ex-diretores da Fundação Trompowsky.
- Fraude
em concurso em Rio das Ostras escancara impunidade
Em 2011, a Prefeitura de Rio das Ostras
também contratou a Fundação Trompowsky, desta vez para organizar um concurso
público, mesmo sem a organização ter participado da licitação. A decisão gerou
estranheza, com a justificativa de que a fundação apresentava a “melhor
proposta técnica e financeira“.
A Fundação Trompowsky recebeu mais de R$6
milhões (90% do valor arrecadado com as inscrições) pelo serviço. No entanto, o
concurso foi anulado após denúncia do MPF, que apontou diversas
irregularidades, como dispensa de licitação ilegal, fraudes durante as provas e
favorecimento pessoal na divulgação dos resultados.
Há um padrão nos casos de corrupção
envolvendo as fundações ligadas ao Exército: enquanto outros envolvidos
são punidos, os generais escapam de responsabilização direta. No caso do
concurso público fraudulento em Rio das Ostras, servidores municipais e a
Fundação Trompowsky foram condenados, mas os generais que comandavam a
organização não foram responsabilizados individualmente.
A Justiça justificou a ausência de punição
aos generais com a alegação de que não havia provas de que eles tivessem
participado diretamente das fraudes, induzido outros a cometê-las ou se
beneficiado financeiramente do esquema. Assim, a condenação recaiu sobre a
fundação como pessoa jurídica e sobre os servidores municipais como pessoas
físicas, enquanto os generais ficaram impunes.
- Atuação
conjunta fraudulenta
Os processos da Fundação Trompowsky também
envolvem a Fundação Ricardo Franco, que prestou apoio ao Instituto Militar de
Engenharia (IME) e firmou convênios com o Departamento Nacional de
Infraestrutura e Transportes (DNIT), quando Tarcísio de Freitas (Republicanos) era
ministro da Infraestrutura – caso já exposto pelo jornalista Luís
Nassif.
Ainda em 2011, as entidades uniram forças
para cometer fraudes em contratos relacionados aos 5º Jogos Mundiais Militares
(JMM) no Rio de Janeiro, que custaram R$ 1,27 bilhão aos cofres públicos
e serviram como um “laboratório de testes” para os Jogos Olímpicos de
2016, com a participação de empresas e indivíduos envolvidos em ambos os
eventos, incluindo membros da “República de Mangaratiba”, grupo ligado ao
ex-governador Sérgio Cabral.
Neste caso, o TCU identificou irregularidades
como superfaturamento, licitações fraudulentas e desvio de recursos públicos
nas obras de reforma e construção de instalações esportivas para o evento.
Dois protagonistas do governo de Jair
Bolsonaro (PL), os generais Augusto Heleno e Joaquim Luna e Silva, também foram
considerados culpados pelo TCU por irregularidades em convênios com as
fundações, embora as multas tenham sido posteriormente anuladas.
Na esfera da Justiça Militar, um Inquérito
Policial Militar (IPM) não encontrou indícios de crimes, e o caso foi
arquivado.
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STF antecipa julgamento
do “núcleo 2” da trama golpista
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) agendou para os dias 22 e 23 de abril o julgamento da denúncia
apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado “núcleo
dois” acusado de tentativa de golpe de Estado em 2022. As sessões foram
antecipadas em uma semana em relação à data inicialmente prevista.
Segundo a PGR, este núcleo teria atuado de
forma coordenada para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), vitorioso nas eleições que derrotaram o então presidente e candidato à
reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
São apontados como membros do grupo
ex-assessores do ex-presidente, ex-secretários, militares e o ex-diretor da
Polícia Rodoviária Federal (PRF). São eles:
- Filipe
Martins, ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro);
- Marcelo
Câmara, ex-assessor de Bolsonaro;
- Silvinei
Vasques, ex-diretor da PRF;
- Mário
Fernandes, general do Exército;
- Marília
de Alencar, ex-subsecretária de Segurança do Distrito Federal;
- Fernando
de Sousa Oliveira, ex-secretário-adjunto da Secretaria de Segurança do
Distrito Federal.
Os seis denunciados são acusados pelos crimes
de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,
tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada,
dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A análise da denúncia caberá à Primeira Turma
do STF, composta pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, pelo
presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin, e pelos ministros Luiz Fux,
Cármen Lúcia e Flávio Dino. Nesta etapa, os ministros irão deliberar sobre o
recebimento ou não da denúncia, decidindo se abrem uma ação penal contra os
acusados.
Ao todo, foram convocadas três sessões de
julgamento. A discussão terá início na terça-feira, 22 de abril, com uma sessão
extraordinária marcada para às 9h30. No mesmo dia, haverá uma segunda sessão no
horário regimental das 14h. Uma terceira sessão extraordinária está agendada
para a quarta-feira, 23 de abril, também às 9h30.
É importante ressaltar que, caso a Primeira
Turma decida receber a denúncia, os acusados se tornarão réus, e terá início a
fase de instrução processual. Nesta etapa, serão coletadas provas, e serão
ouvidas testemunhas de defesa e acusação.
A partir da decisão, cabe recurso à própria
Turma. Posteriormente, o STF ainda realizará o julgamento no qual decidirá pela
condenação ou absolvição dos réus, sem um prazo definido para ocorrer. Em
caso de condenação, as penas serão estabelecidas individualmente, considerando
o grau de participação de cada um nos crimes imputados.
Fonte: Esquerda Diário/Jornal GGN
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