sábado, 5 de abril de 2025

Thiago Flamé: O golpe de 1964 revisitado - não esquecemos, não perdoamos

Nesta nota queremos muito mais do que relembrar os atos heróicos e a disposição combate de marinheiros, operários, camponeses e estudantes, que tinham todas as condições de enfrentar e vencer a ofensiva militar golpista. A grande homenagem que podemos fazer a esses lutadores é aprender e tirar as lições da sua derrota.

Para enfrentar o golpismo só podemos contar com nossas próprias forças, nenhum dispositivo militar ou judicial do estado capitalista pode afastar a ameaça golpista, ou, trazendo para o nosso presente, derrotar a extrema direita. Para um balanço aprofundado dos acontecimentos que levaram ao golpe de 1964 indicamos a leitura do texto “O processo revolucionário que culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido revolucionário no Brasil”

·        Era possível derrotar o Golpe de 1964

Primeiro de abril de 1964, um destacamento de marinheiros que se reagrupam depois que Jango, já em fuga para o Uruguai, depõe as armas, vivem um impasse dramático. Morrer lutando e deixar gravada em sangue para a posteridade sua disposição de combate ou depor as armas e se entregar? Haviam passado a madrugada e os dias anteriores preparando a resistência para o golpe que se organizava à luz do dia. Se dispunham a distribuir as armas do arsenal da Marinha entre operários e estudantes e formar destacamentos de combate. As ordens esperadas nunca vieram e já não havia mais esperança de combate quando decidiram se render frente à iminência da chegada do corpo militar conduzido por Mourão, com 50 mil soldados, que teria esmagado o destacamento de alguns milhares de marinheiros e suas armas obsoletas.

Do outro lado, entre os generais, ainda no dia 31, Castelo Branco tentava retardar o avanço das tropas de Mourão que vinham de Minas Gerais. Temia-se que o seu avanço descoordenado abrisse brechas que Jango poderia aproveitar. Como se sabe hoje, a IV Frota dos EUA havia enviado um porta-aviões rumo à costa carioca, preparado para dar apoio aos golpistas, se programando para um longo conflito. A resistência legalista esperada em ambos os lados não ocorreu e, ao fim do dia 1º de abril, Jango já estava no Rio Grande do Sul, a caminho do seu exílio uruguaio.

·        O Fracasso do “dispositivo militar” de Jango e da Frente Ampla de 1966

Não foi nenhum fator surpresa ou habilidade especial das Forças Armadas brasileiras os responsáveis pelo total fracasso do governo de João Goulart na defesa da ordem constitucional. Nem, tampouco, qualquer falta de apoio popular, dado que as pesquisas mostravam um grande apoio ao seu governo e um apoio maior ainda às reformas de base. O que explica então a derrota vergonhosa do trabalhismo e do nacional-desenvolvimentismo em 1964?

O governo de João Goulart ficou paralisado frente ao avanço das tropas golpistas em função das suas próprias contradições. Seu governo buscava se apoiar em setores da burguesia supostamente nacionalista e nas alas militares varguistas, o chamado “dispositivo militar”, articulado em torno do general Amaury Kruel, comandante do II Exército em São Paulo. As condições para um contra-ataque que deixaria os golpistas numa situação difícil estavam colocadas. Só que o dispositivo militar não somente falhou, como passou inteiro para o lado do golpe e a burguesia nacionalista, a favor de quem o governo acreditava estar, na verdade não passava de uma ilusão.

As únicas forças efetivas para barrar o avanço da contrarrevolução eram as forças das massas, do processo revolucionário em curso desde 1961. A revolta dos marinheiros em 25 de março mostrou um amplo apoio popular. Inclusive colocou em questão a disciplina militar das tropas chamadas a reprimi-la e fez os generais temerem as consequências de um conflito aberto. A solução conciliatória permitiu ao Almirantado restabelecer seu comando que havia sido abalado e a revolta que assustou as cúpulas militares terminou por convencer o alto oficialato de que era o momento de agir.

Depois de consolidado o golpe, desmantelado brutalmente o movimento das ligas operárias, com os sindicatos sob intervenção e as bases das Forças Armadas expurgadas dos setores mais rebeldes, em 1966, as forças burguesas depostas em 1964 ainda tentaram a organização de uma frente ampla, com Jango, JK, Brizola e… Carlos Lacerda. Seu peso foi nulo e caiu no esquecimento. O grande movimento de resistência contra ditadura, que entrou para a história e inspira as novas gerações, foi o movimento estudantil, desmantelado somente em 1968.

·        A falência da conciliação de classes do PCB e as lições da derrota

balanço de Caio Prado Júnior sobre o golpe é sintomático da bancarrota do velho partidão e do beco sem saída em que entrou a estratégia etapista do PC em 1964. Apesar de não reconhecer nenhuma burguesia nacionalista, como fazia o PCB, Caio Prado se mantinha nos marcos da concepção etapista. Segundo essa visão - tributária do stalinismo e mais aproximada a do velho menchevismo do que da atuação de Lenin e do Partido Bolchevique na Revolução Russa - nos países atrasados e de origem colonial a primeira etapa da revolução seria democrática, baseada na aliança entre a classe trabalhadora e a burguesia nacionalista. A derrota não levou à revisão dessa teoria equivocada, mas a jogar a culpa na radicalização das massas, que teria sido um obstáculo à aliança com a burguesia e provocado a contrarrevolução.

Já na época, o PCB passou por grandes rupturas, especialmente na juventude, que seguiram o caminho da luta armada. Porém, sem tirar todas as conclusões da derrota, enveredaram pelo caminho da guerrilha, pelo voluntarismo do foco guerrilheiro, abandonando a luta de massas. Foi uma geração corajosa e determinada, mas seus esforços esbarram nos limites de uma estratégia equivocada, vanguardista e voluntarista. A guerra é, e continua sendo, a continuação da política por outros meios. Não era possível superar apenas o pacifismo partidão sem ir até o fim na crítica à sua ilusão numa burguesia progressista

·        É preciso trilhar um novo caminho

Voltando aos dias de hoje, é preciso reconhecer que resta pouco das velhas ilusões do partidão. O próprio surgimento do PT no fim dos anos setenta era resultado da busca da classe trabalhadora por uma organização de classe própria, independente de qualquer fração das classes dominantes. A ideia de uma burguesia nacionalista só sobrevive nos livros de história, como um trágico erro.

Hoje a ideologia da conciliação de classes não é mais a do nacionalismo burguês e da revolução por etapas, primeiro democrática e popular e depois socialista e operária. O petismo, que nasceu do esforço da classe operária em superar o velho partidão e sua subordinação à burguesia, reproduz por outros caminhos a velha política de conciliação de classes.

O partidão apoiava sua política de conciliação de classes no otimismo em relação a frações da burguesia, esperando que pudessem se aliar com o movimento de massas contra o imperialismo. Já o PT apoia completamente sua capitulação no ceticismo em relação à capacidade da classe operária. Sem prometer nenhum futuro redentor, a confiança no STF e outras instituições do Estado para combater o golpismo e o bolsonarismo se apóia simplesmente no “é o que tem pra hoje”, o chamado menos pior. Nisso não inventam nada novo, por caminhos diferentes chegam na mesma estratégia derrotista.

O stalinismo em decomposição nos anos setenta - do PCB, PCdoB - condenou as greves operárias e chamava a apoiar o ditador Geisel e sua abertura controlada, como um mal menor frente à linha dura militar, que teve como líder ninguém menos que o irmão mais velho de Ernesto, o também general Orlando Geisel. Hoje são os dirigentes da CUT, que surgiram desafiando o discurso derrotista, quem impulsiona esse discurso, sufocando a luta de classes em nome da governabilidade e confiando no “dispositivo judicial” do STF como o grande dique de contenção contra a extrema direita bolsonarista e militar. A direção do PT segue integralmente o conselho de não assustar a burguesia e toma em suas mãos a tarefa de aplicar os ajustes e os ataques que ela demanda. Dessa forma, como dizemos e não cansamos de repetir, enfraquece a classe trabalhadora e abre caminho para a extrema direita.

A classe trabalhadora foi além dessa estratégia da passividade em 1964, foi além dela ao retomar o caminho da luta de classes para enfrentar a ditadura nos setenta e oitenta e ao fundar o PT. Hoje mais uma vez começa a mostrar que não conterá suas mobilizações no estreito limite da estratégia eleitoral do mal menor. As lições do golpe de 1964 e do fracasso da Frente Ampla de 1966 são parte do arsenal de experiências da classe operária no Brasil, que precisam ser retomados na luta pela construção de uma alternativa política à esquerda do PT, que não repita os erros do passado.

¨      Os escândalos de corrupção do general que promoveu almoço para comemorar o golpe

No último dia 31 de março, o Clube Militar do Rio de Janeiro, presidido pelo general da reserva Sérgio Tavares Carneiro, promoveu um almoço para “rememoração” do golpe militar de 1964, ato que gerou forte repúdio por sua natureza antidemocrática.

A escolha da data e a realização do evento em um local de grande simbolismo militar causaram indignação, especialmente considerando o histórico de Carneiro. O general ocupou cargos de alta relevância e chegou a ser o presidente da Fundação Marechal Roberto Trompowsky Leitão de Almeida, ligada ao Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), que esteve no centro de escândalos de corrupção que vieram à tona na última década.

Investigações conduzidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF) revelaram que a Fundação Trompowsky desviou sua finalidade original para obter contratos milionários com o governo federal, estados, municípios e instituições privadas.

Levantamentos da Agência Sportlight, baseados em dados do Portal da Transparência, apontam que a Fundação Trompowsky firmou contratos que somam mais de R$ 35 milhões apenas com o governo federal, no período entre 1999 e 2017.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Em 2021, a má gestão dos militares levou a entidade à beira da extinção, com dívidas acumuladas que ultrapassaram os R$ 51 milhões. Na época, bens da organização, como computadores e móveis, chegaram a ser penhorados para o pagamento de dívidas trabalhistas. O GGN relembra os escândalos da Fundação Trompowsky, com base nos dados do Sportlight. 

  • R$ 600 milhões em licitação fraudada 

Um dos casos mais emblemáticos sobre a Fundação Trompowsky envolve uma licitação de R$ 600 milhões da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMA-PA), que a instituição vendeu em 2010. 

Para isso, os generais da reserva manipularam o estatuto da fundação, permitindo que ela atuasse na área ambiental. No entanto, o contrato foi anulado pela própria SEMA-PA um ano depois, devido a evidências de fraudes.

A Justiça Federal, após denúncia do MPF, identificou diversas irregularidades na gestão da Fundação Trompowsky, desde desvio de finalidade, desvio de recursos, prática de atos ilícitos e falta de prestação de contas. Em 2014, a fundação foi descredenciada como entidade de apoio ao Exército.

Após as irregularidades serem descobertas, os generais da fundação ainda tentaram transferir o contrato da SEMA-PA para uma empresa recém-criada, a “Ambiente Natural Inspeção Veicular SPE Ltda“, que tinha como sócios ex-diretores da Fundação Trompowsky. 

  • Fraude em concurso em Rio das Ostras escancara impunidade 

Em 2011, a Prefeitura de Rio das Ostras também contratou a Fundação Trompowsky, desta vez para organizar um concurso público, mesmo sem a organização ter participado da licitação. A decisão gerou estranheza, com a justificativa de que a fundação apresentava a “melhor proposta técnica e financeira“.

A Fundação Trompowsky recebeu mais de R$6 milhões (90% do valor arrecadado com as inscrições) pelo serviço. No entanto, o concurso foi anulado após denúncia do MPF, que apontou diversas irregularidades, como dispensa de licitação ilegal, fraudes durante as provas e favorecimento pessoal na divulgação dos resultados.

Há um padrão nos casos de corrupção envolvendo as  fundações ligadas ao Exército: enquanto outros envolvidos são punidos, os generais escapam de responsabilização direta. No caso do concurso público fraudulento em Rio das Ostras, servidores municipais e a Fundação Trompowsky foram condenados, mas os generais que comandavam a organização não foram responsabilizados individualmente.

A Justiça justificou a ausência de punição aos generais com a alegação de que não havia provas de que eles tivessem participado diretamente das fraudes, induzido outros a cometê-las ou se beneficiado financeiramente do esquema. Assim, a condenação recaiu sobre a fundação como pessoa jurídica e sobre os servidores municipais como pessoas físicas, enquanto os generais ficaram impunes.

  • Atuação conjunta fraudulenta 

Os processos da Fundação Trompowsky também envolvem a Fundação Ricardo Franco, que prestou apoio ao Instituto Militar de Engenharia (IME) e firmou convênios com o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), quando Tarcísio de Freitas (Republicanos) era ministro da Infraestrutura – caso já exposto pelo jornalista Luís Nassif

Ainda em 2011, as entidades uniram forças para cometer fraudes em contratos relacionados aos 5º Jogos Mundiais Militares (JMM) no Rio de Janeiro, que custaram R$ 1,27 bilhão aos cofres públicos e  serviram como um “laboratório de testes” para os Jogos Olímpicos de 2016, com a participação de empresas e indivíduos envolvidos em ambos os eventos, incluindo membros da “República de Mangaratiba”, grupo ligado ao ex-governador Sérgio Cabral.

Neste caso, o TCU identificou irregularidades como superfaturamento, licitações fraudulentas e desvio de recursos públicos nas obras de reforma e construção de instalações esportivas para o evento.

Dois protagonistas do governo de Jair Bolsonaro (PL), os generais Augusto Heleno e Joaquim Luna e Silva, também foram considerados culpados pelo TCU por irregularidades em convênios com as fundações, embora as multas tenham sido posteriormente anuladas. 

Na esfera da Justiça Militar, um Inquérito Policial Militar (IPM) não encontrou indícios de crimes, e o caso foi arquivado.

¨      STF antecipa julgamento do “núcleo 2” da trama golpista

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) agendou para os dias 22 e 23 de abril o julgamento da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado “núcleo dois” acusado de tentativa de golpe de Estado em 2022. As sessões foram antecipadas em uma semana em relação à data inicialmente prevista.

Segundo a PGR, este núcleo teria atuado de forma coordenada para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vitorioso nas eleições que derrotaram o então presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL). 

São apontados como membros do grupo ex-assessores do ex-presidente, ex-secretários, militares e o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF). São eles:

  • Filipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro);
  • Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro;
  • Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF;
  • Mário Fernandes, general do Exército;
  • Marília de Alencar, ex-subsecretária de Segurança do Distrito Federal;
  • Fernando de Sousa Oliveira, ex-secretário-adjunto da Secretaria de Segurança do Distrito Federal.

Os seis denunciados são acusados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

A análise da denúncia caberá à Primeira Turma do STF, composta pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, pelo presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin, e pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. Nesta etapa, os ministros irão deliberar sobre o recebimento ou não da denúncia, decidindo se abrem uma ação penal contra os acusados.

Ao todo, foram convocadas três sessões de julgamento. A discussão terá início na terça-feira, 22 de abril, com uma sessão extraordinária marcada para às 9h30. No mesmo dia, haverá uma segunda sessão no horário regimental das 14h. Uma terceira sessão extraordinária está agendada para a quarta-feira, 23 de abril, também às 9h30.

É importante ressaltar que, caso a Primeira Turma decida receber a denúncia, os acusados se tornarão réus, e terá início a fase de instrução processual. Nesta etapa, serão coletadas provas, e serão ouvidas testemunhas de defesa e acusação. 

A partir da decisão, cabe recurso à própria Turma. Posteriormente, o STF ainda realizará o julgamento no qual decidirá pela condenação ou absolvição dos réus, sem um prazo definido para ocorrer. Em caso de condenação, as penas serão estabelecidas individualmente, considerando o grau de participação de cada um nos crimes imputados.

 

Fonte: Esquerda Diário/Jornal GGN

 

Nenhum comentário: