Paulo Nogueira Batista Jr.: Que maneira é
essa de Make America Great Again?
Trump conseguirá fortalecer os Estados
Unidos? Conseguirá, pelo menos, deter o seu declínio relativo? Ou irá acelerar
a decadência do Império? Transcorridos apenas dois meses desde a sua posse,
falta evidentemente a famosa perspectiva história. Mas questões candentes nunca
esperam essa perspectiva. Para elas, vale sempre o ante mortem, não o post
mortem.
Feita essa ressalva, antecipo a conclusão do
artigo: Trump não só será incapaz de deter o declínio dos EUA, como irá
apressá-lo. Em vez de Make
America Great Again (MAGA), ele deve Make America Weaker Still
(MAWS). (Em vez de fortalecer os EUA, deve torná-los
mais fracos.)
O seu slogan MAGA é revelador do que está
acontecendo com os EUA: uma perda progressiva de expressão relativa, em termos
econômicos, populacionais e políticos. O plano trumpista é restabelecer a
hegemonia americana no mundo, custe o que custar. Mas isso é mais um sonho do
que um plano realista, como tentarei argumentar.
Em primeiro lugar, a herança geopolítica que
o novo governo americano recebe é altamente problemática. Superestimando o
próprio poder e subestimando o de outros países, os americanos se meteram em
uma guerra em três frentes.
Pareceu-lhes uma boa ideia hostilizar
simultaneamente a Rússia e a China, o que aproximou esses dois gigantes como
nunca. A guerra econômica e tecnológica contra a China atrapalhou, mas não
conseguiu parar o avanço chinês. A guerra na Ucrânia e as sanções econômicas e
financeiras aplicadas contra a Rússia não tiveram o efeito pretendido. Apesar
delas e do apoio maciço do Ocidente à Ucrânia, a Rússia vem levando a melhor no
campo de batalha.
Para completar o quadro, os EUA carregam o
peso econômico e moral de apoiar o genocídio praticado por Israel. A força do
lobby judaico converteu o Império americano num instrumento dos planos
israelenses, o que desmoraliza por completo os valores humanitários proclamados
pelos EUA e demais países do Ocidente.
Como Trump pretende lidar com essa herança?
Em relação a Israel, a sua política consegue ser uma versão piorada do que já
vinha sendo feito por Biden, uma vez que proporciona apoio ainda mais enfático
aos crimes de Israel. E pior: ele dá sinais de que pretende ser mais agressivo
com o Irã, não descartando uma guerra aberta contra o país. Em vez de pacificar
uma das três frentes herdadas de Biden, Trump pretende ao que parece aprofundar
o conflito no Oriente Médio. Só um país se beneficia disso: Israel.
Todos os esforços iniciais de Trump se
concentraram em uma tentativa arrojada de encerrar a guerra na Ucrânia e
pacificar a relação com a Rússia. Terá sucesso? Cedo para dizer, evidentemente,
mas alguns pontos parecem claros. A pacificação implica reconhecer a vitória da
Rússia, que terá suas principais reivindicações atendidas, entre elas o
reconhecimento de que algo como 20 a 25% do território ucraniano serão parte
permanente da Rússia e a neutralidade da Ucrânia, que será obrigada a abandonar
qualquer intenção de entrar para a OTAN.
Trump afirma, com razão, que a guerra na
Ucrânia não é obra sua. Permanece, entretanto, o fato de que a vitória da
Rússia representa uma derrota para os Estados Unidos e seus aliados europeus.
Derrota para o Ocidente; vitória para o mundo multipolar.
Quanto à China, os planos de Trump ainda não
estão totalmente claros. Mas uma hipótese bem plausível é que ele pretende
redobrar os esforços de conter a ascensão da China, tentativa que tem amplo
apoio bipartidário nos EUA e que vem sendo perseguida em todas as
administrações desde o final do governo Obama, inclusive de modo vigoroso no
primeiro governo Trump. A pacificação com a Rússia teria como objetivo quebrar,
ou pelo menos enfraquecer, a aliança entre russos e chineses.
Outra indicação desses planos anti-China
talvez sejam as relações cordiais com a Índia e o Japão, tradicionais
adversários da China na Ásia. A boa-vontade com a Índia, aliás, ajuda a
enfraquecer os BRICS, na medida em que reforça as tradicionais resistências de
Nova Dehli a avanços do grupo, em especial no que tange à desdolarização, tema
que desperta, como se sabe, a fúria do novo presidente dos EUA.
Trump poupa a Índia e o Japão da sua
metralhadora giratória, mas não alguns outros dos aliados históricos dos EUA,
notadamente os canadenses e os europeus, inclusive a Inglaterra. Faz isso de
duas formas. Exclui os europeus das fases decisivas da sua negociação com a
Rússia. E aplica tarifas de importação pesadas sobre produtos europeus e
canadenses, algo especialmente problemático para o Canadá, cuja economia por
razões geográficas e históricas é profundamente integrada à dos EUA.
Esses países parecem ter sido pegos de
surpresa pela agressividade do novo governo americano. Já contavam com relações
mais difíceis, mas como antecipar um movimento de tanta hostilidade contra
aliados tradicionais? Aliados, não. Talvez seja melhor referir-se a eles como
satélites. O Canadá e o Reino Unido, em especial, têm sido leais vassalos dos
EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Que sentido faz atacá-los econômica e
politicamente? Difícil entender de que maneira isso colabora para a estratégia
de fortalecimento mundial dos EUA.
Repare, leitor, que Trump não só não resolve
vários dos problemas internacionais herdados de Biden, como os agrava em sua
maioria. E abre novas frentes de conflito, aprofundando provavelmente a
tendência de isolamento dos EUA. Distancia-se dos parceiros tradicionais do
Atlântico Norte e piora a situação no Oriente Médio, radicalizando a política
pró-Israel e ameaçando o Irã. E deve aumentar as pressões sobre a China.
Os planos de intensificar a confrontação com
a China dificilmente alcançarão o seu objetivo estratégico. Parece tarde demais
para bloquear a ascensão econômica e comercial da China, que se tornou a
fábrica do mundo à custa da desindustrialização de vários países, inclusive os
EUA e o Brasil. O máximo que se conseguirá é desacelerar o crescimento economia
e do comércio exterior da China, não sem pagar o preço de gerar tarifas
retaliatórias e perder mercados para os exportadores americanos.
O que se quer, fundamentalmente, é deter a
perda de expressão econômica dos EUA e refazer a indústria o país. O objetivo é
válido por vários motivos, inclusive porque, no longo prazo, não há segurança
nacional e poder militar sem base industrial no país. Contudo, as medidas
econômicas iniciais não convencem. A aplicação mais ou menos indiscriminada de
tarifas de importação é uma faca de dois gumes. Por um lado, pode reforçar a
produção industrial no país e trazer indústrias de volta; pode, também, forçar
outros países a abrir mais espaço para as exportações americanas. Por outro
lado, gera aumento da inflação para os consumidores e custos mais elevados para
setores que usam insumos importados. E provocam tarifas retaliatórias em
mercados tradicionais dos EUA.
Com essas inevitável ambiguidade, é pouco
provável que as tarifas de importação tenham o impacto salvador com que sonha
Trump. Além disso, a deportação em massa de imigrantes e restrições severas à
sua entrada nos EUA diminuem a oferta de trabalhadores menos qualificados e
solapam a competitividade de empresas mais intensivas em mão-de-obra. Por sua
vez, os cortes drásticos de gastos e fechamentos de agências do governo podem
desarticular a atuação do Estado americano. Por esses e outros motivos, a economia
dos EUA deve continuar a trajetória de declínio relativo que marcou as décadas
recentes, não se devendo excluir a possibilidade de que esse declínio venha a
se intensificar com as políticas adotadas pelo novo governo.
A melhora nas relações com a Rússia, se
acontecer de fato, não deve provocar distanciamento real entre a Rússia e a
China. Putin, um estrategista muito superior a Trump, a Biden e a qualquer
outro presidente americano recente, tira partido das iniciativas de paz dos EUA
e está, tudo indica, interessado na paz. Mas alguém acredita, em sã
consciência, que ele irá romper, ou mesmo enfraquecer, as suas relações
estratégicas com Xi Jinping? Os americanos, inclusive o errático Trump, merecem
confiança? Putin certamente não esqueceu as diversas ocasiões em que a Rússia
foi enganada, desde o colapso da União Soviética, por gestos e promessas do
Ocidente, sempre liderados pelos EUA. Deve continuar colocando o grosso das
suas fichas na aliança com a China.
“Nunca interrompa seu inimigo enquanto ele
estiver cometendo um erro”, dizia Napoleão Bonaparte. Os chineses observam
cuidadosamente as trapalhadas dos EUA e, com a sua típica paciência
estratégica, vem se preparando para a tempestade que se avizinha. Preferem a
paz e a continuação da sua ascensão econômica pacífica, mas estão se armando,
com sucesso até agora, para a confrontação econômica e tecnológica com os EUA.
E não descartam nenhum tipo de guerra com os americanos, como disse
recentemente um porta-voz do governo chinês. Não serão intimidados.
Em suma, pelo que se pode depreender desses
dois primeiros meses de governo, Trump não conseguirá interromper a decadência
dos EUA. Ele próprio, grosseiro e prepotente, despreparado e arrogante, é um
sintoma dessa decadência. Como nas tragédias gregas, as tentativas de escapar
do destino leva a comportamentos que aceleram a sua realização.
O que temos é MAWS, e não MAGA.
¨
A tocha bruxuleante. Por
Adhemar Bahadian
A tocha da Estátua da Liberdade, símbolo da
Democracia americana, oscila num "apaga-não apaga” jamais visto ou sequer
pressentido.
Se ainda tivéssemos dúvidas sobre o
autoritarismo que ronda o governo Trump-Musk, a prisão em praça pública de uma
estudante turca, algemada e levada pelas autoridades imigratórias, terá sido a
pá de cal na fantasia do MAGA. A América não pode nem deve sequer deixar supor
que sua grandeza se confunde com o autoritarismo fascista ou stalinista.
A cena filmada e exibida mundo afora lembra
os filmes de Costa Gravas sobre os terríveis anos da ocupação soviética de
Praga. Além de grotesca, a atitude das autoridades americanas foi imediatamente
aprovada pelo vice-presidente Vance, que parece se especializar em tornar o
inverossímel ridiculamente aceitável.
A prisão da estudante de doutorado em
Universidade dos Estados Unidos teria sido motivada por artigo publicado faz
algum tempo sobre o direito do povo palestino a ter um Estado soberano.
Felizmente, o Poder Judiciário sustou
temporariamente a medida. Aumenta desta forma o desafio aberto por Trump-Musk
aos direitos elementares dos cidadãos admitidos a ingressar nos Estados Unidos
da América de acordo com as regras vigentes daquele país.
Não se deve porém respirar aliviado. A crise
autoritária dos Estados Unidos sobe de nível e pretende desafiar o poder
judiciário. Recentemente, Trump proibiu o Executivo americano contratar
escritórios de advocacia que, segundo ele, teriam hostilizado as pretensões
tirânicas, sejam hoje ou no passado recente.
Trump conta com o acovardamento da Suprema
Corte Americana pelo fato de nela a maioria dos juízes serem considerados
conservadores.
O desafio à Suprema Corte parte de uma visão
distópica do que seja conservadorismo, confundindo-o com o arbítrio e com a
ignorância dos princípios gerais do Direito.
É a mesma rationale autoritária
que permite a Orban fazer da Hungria uma ditadura de tipo “moderna" onde
as eleições não são eliminadas, mas o poder judiciário se torna uma mão
subsidiária do ditador que governa indefinidamente.
Trump não esconde sua “inveja" de Órban e tem por ele ostensiva admiração,
da mesma forma que defende os métodos de Putin e do ditador da Coréia do Norte,
cujo nome não pretendo me dar sequer o cuidado de escrever.
Acho que o fenômeno que estamos a ver nos
Estados Unidos da América é particularmente assustador porque Trump consegue
convencer parcela considerável de seu eleitorado que a tão decantada MAGA não
fere de morte a Democracia.
Os disparates abusivos que estamos a ver
serem consumados por Trump no cenário internacional, todos eles ao arrepio do
Direito Internacional e de tratados livremente firmados pelos Estados Unidos da
América, adquirem cada vez mais uma “aquiescência” não só do eleitorado
americano, mas também de “correntes ideológicas” supostamente afinadas com a
Democracia.
A indiferença com que Trump “monetariza"
a política externa de seu país em que todo apoio é suscetível de ser
“gratificado” com um naco de território ou de terras raras é um brutal
incentivo à uma diplomacia parasitária em que o único princípio válido é a
exclusiva vantagem do mais forte.
As peripatéticas intervenções de Musk na
demolição do Estado de bem-estar social é a transferência para o plano interno
da administração americana do mesmo parasitismo em que as maciças demissões de
funcionários públicos contribuem apenas para o corte de imposto de renda dos
mais ricos para permitir o crescimento do lucro.
Este “angu” de formulações jurídicas
estapafúrdias não é nem inocente nem muito menos uma coincidência. No projeto
MAGA, os Estados Unidos da América são apresentados aos eleitores como um país
espoliado por seus próprios aliados, afirmação fácil de comprovar com o
tratamento dispensado por Trump ao Canadá e à Europa.
Diante deste quadro que esbocei em apenas em
seus aspectos mais evidentes, a Democracia perde o seu principal sustentáculo,
a lei e sobretudo a Magna Carta.
Decorre daí, como é óbvio, que o Poder
Judiciário americano se defronta com a maior hostilidade jamais vista. A
política autoritária em gestação é apresentada como a “restituição da grandeza
roubada” dos Estados Unidos da América.
Para complicar, temos que prestar bem atenção
que a doutrina Trump tem apoio declarado de um movimento internacional em que
forças regressivas se reforçam umas as outras. Umas mais ostensivas do que
outras porque, queiramos ou não, a política de Trump beneficia sobretudo os
super-ricos.
Não há de parecer abusivo que aqui recorde o
“imbroglio" entre Musk e as autoridades judiciárias brasileiras em que
Musk procura sensibilizar a justiça americana para a “indevida” interveniência
do Supremo Tribunal Federal contra a “liberdade de expressão” das big
techs americanas. Não são poucos os que caem nesta cantilena de Musk
aqui no Brasil. E põem a culpa no nosso Supremo Tribunal Federal.
A hora não é só dos ratos. De mescla, vem a
mão do gato.
Fonte: Jornal do Brasil
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