Inclusão
escolar ainda é desafio para crianças autistas
A
neurocientista e biomédica Emanoele Freitas começou a perceber que o filho Eros
Micael, aos 2 anos, tinha dificuldades para se comunicar. Depois do diagnóstico
errado de surdez profunda, veio o de autismo.
“Só com
5 anos, com novos exames, descobriu-se que, na realidade, ele ouvia bem, só que
ele tinha outra patologia. Fui encaminhada para a psiquiatra, e ela me deu o
diagnóstico de autismo. Naquela época, não se falava do assunto”, diz a mãe do
jovem, que hoje tem 21 anos.
Segundo
Emanoele, ser de um grau menos autônomo do espectro autista, também conhecido
como nível 3 de suporte, trouxe dificuldades na vida escolar do filho. “O Eros
iniciou na escola particular e, depois, eu o levei para a escola pública, que
foi onde eu realmente consegui ter uma entrada melhor, ter uma aceitação melhor
e ter profissionais que estavam interessados em desenvolver o trabalho”, diz a
neurocientista.
Ainda
de acordo com Emanoele, Eros não conseguia ficar em sala de aula e desenvolver
a parte acadêmica, já que tem um comprometimento cognitivo acentuado. “Vimos
que o primordial era ele aprender a ser autônomo. Ele teve mediador, o
professor que faz sua capacitação em mediação escolar. Meu filho não tinha
condições de estar em uma sala de aula regular, e ele ficava em uma sala
multidisciplinar”.
A
inclusão escolar, atrelada à alfabetização de crianças e adolescentes do
espectro autista aparece na lista de desafios para a efetivação de direitos
dessa população. Nesta quarta-feira (2) é celebrado o Dia Mundial de
Conscientização do Autismo. A data criada pela Organização das Nações Unidas
(ONU) tem o objetivo de difundir informações sobre essa condição do
neurodesenvolvimento humano e combater o preconceito.
Luciana
Brites, psicopedagoga, psicomotricista e diretora-executiva do Instituto
NeuroSaber, explicou à Agência Brasil que o Transtorno do Espectro Autista
(TEA) é um transtorno de neurodesenvolvimento caracterizado por déficits de
interação social, problemas de comunicação verbal e não verbal e comportamentos
repetitivos, com interesses restritos. Algumas das características comuns no
autismo são pouco contato visual, pouca reciprocidade, atraso de aquisição de
fala e linguagem, desinteresse ou inabilidade de socializar, manias e rituais,
entre outros.
A
especialista destaca que a criança pode apresentar sinais que indicam o autismo
por volta dos 2 anos. O diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento.
“Como o transtorno é um espectro, algumas crianças com autismo falam, mas não
se comunicam, ou são pouco fluentes e até mesmo não falam nada. Uma criança com
autismo não verbal se alfabetiza, mas a dificuldade muitas vezes é maior”, diz
Luciana.
De
acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na
sigla em inglês), atualmente as nomenclaturas mais adequadas para identificar
as diferentes apresentações do TEA são nível 1 de suporte, nível 2 de suporte e
nível 3 de suporte, sendo maior o suporte necessário quanto maior for o nível.
Luciana
acrescenta que os desafios que surgem no processo de alfabetização no autismo
não impedem que ele ocorra na maioria das vezes. “É possível a inserção do
autista no ensino regular. A questão da inclusão é um grande desafio para
qualquer escola, porque estamos falando de uma qualificação maior para os
nossos professores”.
A
psicopedagoga acrescenta que o mais importante é considerar a individualidade
de cada aluno no planejamento pedagógico, fazendo as adaptações necessárias.
“Atividades que podem estimular a consciência fonológica de crianças com
autismo são, por exemplo, com sílabas, em que você escolhe uma palavra e
estimula a repetição das sílabas que compõem a palavra. Outra dica são os
fonemas, direcionando a atenção da criança aos sons que compõem cada palavra,
sinalizando padrões e diferenças entre eles. Já nas rimas, leia uma história
conhecida e repita as palavras que rimem”.
A
especialista destaca que a inclusão é um tripé e depende de famílias, escolas e
profissionais de saúde. “Professor, sozinho, não faz inclusão. Tudo começa na
capacitação do professor e do profissional de saúde. É na escola que, muitas
vezes, são descobertos os alunos com algum transtorno e encaminhados para
equipes multidisciplinares do município”.
• Cuidado em tempo integral
Isabele
Ferreira da Silva Andrade é mãe de dois filhos autistas: Pérola, de 7 anos, e
Ângelo, de 3 anos. A dona de casa relata que o menino tem “autismo moderado”,
ou nível 2 de suporte com atrasos cognitivos e hiperatividade. Já a filha tem
“autismo leve”, nível 1 de suporte, e epilepsia.
“Eu a
levei no pediatra porque ela já tinha 2 anos e estava com o desenvolvimento
atrasado, não falava muito. Ela falava uma língua que ninguém entendia. Vivia
num mundo só dela, não brincava, não ria. Comecei a desconfiar. O pediatra me
explicou o que era autismo e disse que ela precisava de acompanhamento. Eu a
levei para o neurologista, para psicólogo, fonoaudióloga. Fiz alguns exames que
deram alteração”, lembra Isabele.
No caso
de Ângelo, ela diz que a criança foi “muito bem até 1 ano de idade”. A situação
mudou nos anos seguintes. “Depois de 1 ano, começou a regredir. Parou de comer,
parou de brincar, não queria mais andar. Chorava muito. Comecei a achar
estranho. Ele foi encaminhado ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da
prefeitura. Fizeram a avaliação dele lá, por uma equipe multidisciplinar.
Tentei continuar trabalhando, mas com as demandas da Pérola e do Ângelo, tive
que parar de trabalhar para levar para as terapias. O cuidado é integral. Parei
minha vida. Eu era caixa de lotérica”, conta Isabele.
Ângelo,
por sua vez, está matriculado em uma creche municipal que tem cinco crianças
autistas. Já a filha mais velha está em uma turma regular em escola municipal,
e, na classe, há outro aluno com grau mais severo de autismo. “Eles têm
mediadores na escola que se concentram mais nas crianças com autismo severo. As
professoras dos dois são psicopedagogas, têm entendimento e sabem lidar”.
A dona
de casa conta que, depois que saiu o diagnóstico de sua filha mais velha, seu
pai também decidiu investigar e descobriu, com mais de 50 anos, que também era
autista. “Ele teve muita depressão ao longo de toda a vida dele”.
• Ministério da Educação
Desde
2008 o Ministério da Educação (MEC) conta com a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Segundo a pasta, a estratégia
reafirma o compromisso expresso na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, de 2006, de que a educação escolar se faz na convivência entre
todas as pessoas, em salas de aulas comuns, reconhecendo e respeitando as
diferentes formas de comunicar, perceber, relacionar-se, sentir, pensar.
“Identificar
as barreiras que prejudicam a escolarização e construir um plano de
enfrentamento são funções de toda a equipe escolar, contando sempre com o
Atendimento Educacional Especializado (AEE). Isso pode ocorrer por meio de
salas de recursos multifuncionais (SRM), atividades colaborativas e outras
iniciativas inclusivas, a fim de que o acesso ao currículo seja plenamente
garantido”, diz o MEC.
• Segundo a pasta 36% das escolas contam
com salas de recursos multifuncionais. Além disso, em 2022, de acordo com dados
do Censo Escolar/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), o Brasil tinha:
• 1.372.000 estudantes público-alvo da
educação especial matriculados em classes comuns.
• 89,9% das matrículas do público-alvo da
educação especial em classes comuns.
• 129 mil matrículas do público-alvo da
educação especial desde a educação infantil.
• Novo estudo relaciona o autismo ao
desequilíbrio de proteínas no cérebro
Um novo
estudo propõe um potencial tratamento para o autismo, condição neurológica do
desenvolvimento, que afeta aproximadamente 1% da população mundial.
Na
pesquisa, publicada na revista PLOS Biology, pesquisadores apresentam uma
possível abordagem terapêutica para certos aspectos ou características do
transtorno do espectro autista (TEA), focando na forma como os neurônios se
comunicam entre si no nível molecular.
No
estudo, feito com camundongos, cientistas da Universidade Médica de Wenzhou e
da Universidade de Xiamen, ambas na China, observaram que os sintomas de
autismo ocorreram quando um par de proteínas cerebrais rivais saiu do
equilíbrio.
Essa
abordagem é compatível com a ideia de muitos especialistas, que veem o TEA não
como uma doença que precisa ser curada, mas sim como um desequilíbrio
neurológico.
Nesse
sentido, o autismo se apresenta como espectro porque se manifesta de formas
muito diferentes em cada pessoa. Além de
variações na comunicação e na interação social, os padrões incluem
comportamentos restritos e repetitivos, e diferentes formas de percepção
sensorial.
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Embora
estudos anteriores tenham vinculado determinados fatores genéticos ao TEA,
alguns deles associados à atividade neuronal, ainda não foi possível descrever
como esses fatores estão relacionados no nível molecular.
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Investigando o desequilíbrio de proteínas no cérebro de camundongos
De
acordo com o estudo, os sintomas similares ao autismo surgem nos camundongos
quando o equilíbrio entre duas proteínas cerebrais (MDGA2 e BDNF) é alterado,
impactando a função neural. Esse processo integra informações para coordenar
comportamentos, aprendizagem, memória e respostas ao ambiente.
A
proteína MDGA2, geralmente associada a mutações em humanos com TEA, regula a
comunicação entre neurônios. Os camundongos com baixos níveis de MDGA2 tiveram
comportamentos repetitivos e alterações sociais, além de elevada atividade
sináptica (comunicação entre neurônios).
Os
camundongos também demonstraram um aumento da BDNF, proteína ligada ao TEA que
interage com o receptor TrkB. Embora o BDNF seja fundamental para a
sobrevivência e plasticidade dos neurônios, seu excesso pode gerar uma
hiperexcitação sináptica, que altera a estabilidade das conexões neurais.
No
contexto do TEA, um desequilíbrio no BDNF e o MDGA2 pode alterar a regulação
sináptica, desencadear uma formação anormal dos circuitos neurais ou interferir
na transmissão de sinais via TrkB, mediador da ação do BDNF no cérebro.
Sinalização desregulada gera conexões excessivas ou ineficientes.
Quando
os autores trataram os camundongos com um peptídeo sintético que imita a MDGA2
e bloqueia a sinalização BDNF/TrkB, os comportamentos anormais foram reduzidos.
Isso indica que a modulação dessa via proteica pode reverter parcialmente as
alterações comportamentais.
Nesse
sentido, a pesquisa abre caminho para pesquisar terapias que restabeleçam o
equilíbrio proteico, visando tratar sintomas relacionados ao autismo. Estudos
futuros devem explorar como intervenções farmacológicas ou genéticas podem
modular essas vias também em modelos humanos.
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Como restaurar o equilíbrio neuronal com peptídeos sintéticos
Com
base na combinação dos resultados da pesquisa atual com dados de estudos
anteriores, “os autores sugerem que MDGA2 e BDNF mantêm um equilíbrio natural
competindo entre si por sítios de ligação de proteína TrkB”, segundo um
comunicado de imprensa.
Como
uma interrupção desse sistema proteico pode levar a mudanças na forma como os
neurônios se comunicam e se organizam, uma correta modulação (ajuste nos níveis
de BDNF ou equilíbrio da função do TrkB) poderia teoricamente desenvolver
terapias para melhorar os sintomas do TEA.
Para o
coautor do artigo, Yun-wu Zhang, da Universidade de Xiamen, “Mutações no gene
MDGA2causam transtornos do espectro do autismo (TEA), mas o mecanismo
subjacente ainda é desconhecido”.
O
estudo atual apresenta o papel do MDGA2 como um “freio” para evitar que a
sinalização BDNF/TrkB e a atividade neuronal se tornem excessivas. Sem ele, o
sistema fica desregulado, “levando a fenótipos semelhantes ao TEA em
camundongos”, conclui Zhang.
Futuras
aplicações podem incluir o desenvolvimento de fármacos que imitem a ação do
MDGA2 ou inibam a sinalização BDNF/TrkB excessiva, como o peptídeo testado.
Além disso, a descoberta reforça a importância de pesquisas personalizadas,
considerando perfis genéticos individuais para terapias mais precisas em
pacientes com TEA.
Fonte:
CNN Brasil

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