Como
barulho virou 'assassino silencioso' ligado a diabetes, doenças cardíacas e até
demência
Estamos
cercados por um assassino invisível. Tão banal que mal percebemos que está
encurtando nossas vidas.
Ele
está causando ataques cardíacos, diabetes tipo 2 e, agora,
estudos o associam até mesmo à demência.
O que
você acha que pode ser?
A
resposta é o barulho — e seu impacto no corpo humano vai muito além de
prejudicar a audição.
"É
uma crise de saúde pública, pois
temos um grande número de pessoas expostas em sua vida cotidiana", adverte
Charlotte Clark, professora da Universidade St. George de Londres, no Reino
Unido.
É uma
crise sobre a qual não falamos.
Por
isso, decidi investigar quando o barulho se torna perigoso, conversando com
pessoas cuja saúde está sendo prejudicada, e verificando se há alguma maneira
de solucionar nosso mundo barulhento.
Comecei
a apuração me encontrando com Clark em um laboratório de som assustadoramente
silencioso. Para ver como meu corpo reage ao ruído, fui equipado com um
dispositivo que parece um smartwatch (relógio
inteligente) robusto.
Ele vai
medir minha frequência cardíaca e o quanto minha pele transpira.
Você
também pode participar se tiver fones de ouvido. Pense em como estes cinco sons
fazem você se sentir.
O que
eu acho realmente irritante é o barulho do trânsito de Dhaka, capital de
Bangladesh, que tem o título de cidade mais barulhenta do mundo. Imediatamente
me sinto como se estivesse em um engarrafamento enorme e estressante.
E os
sensores estão captando minha agitação — minha frequência cardíaca dispara, e
minha pele transpira mais.
"Há
evidências muito fortes de que o barulho do trânsito afeta a saúde do
coração",
diz Clark, enquanto o próximo som é preparado.
Somente
os sons alegres do playground têm um efeito calmante no meu corpo. Os latidos
dos cães e a festa na casa do vizinho de madrugada provocam uma reação
negativa.
Mas por
que o som está afetando meu corpo?
"Você
tem uma resposta emocional ao som", afirma Clark.
O som é
detectado pelo ouvido e transmitido para o cérebro, onde uma região — a
amígdala — realiza a avaliação emocional.
Isso é
parte da resposta de "luta ou fuga" do corpo que evoluiu para nos
ajudar a reagir rapidamente aos sons, como o barulho de um predador avançando
em meio aos arbustos.
"Então
sua frequência cardíaca aumenta, seu sistema nervoso começa a entrar em ação, e
você libera hormônios do estresse", explica
Clark.
Tudo
isso é benéfico no caso de uma emergência — mas com o passar do tempo, começa a
causar danos.
"Se
você for exposto por vários anos, e seu corpo reagir desta forma o tempo todo,
isso aumenta o risco de desenvolver coisas como ataques cardíacos, pressão alta, derrame e diabetes tipo 2", diz Clark.
É
curioso que isso aconteça até mesmo quando estamos dormindo profundamente. Você
pode achar que se adapta ao barulho. Era o que eu achava quando morava perto de
um aeroporto. Mas a biologia conta uma
história diferente.
"Você
nunca desliga os ouvidos; quando está dormindo, continua ouvindo. Portanto,
essas respostas, como o aumento da frequência cardíaca, estão acontecendo
enquanto você está dormindo", ela acrescenta.
Barulho
é um som indesejado. Os meios de transporte — o tráfego de carros, trens e
aviões — são uma das principais fontes, mas também os sons gerados quando
estamos nos divertindo. Uma festa de arromba para uma pessoa, pode ser um
barulho insuportável para outra.
Encontrei
Coco em seu apartamento no quarto andar de um prédio na charmosa Vila de
Gràcia, em Barcelona, na Espanha.
Há um
saco de limões recém-colhidos amarrado à sua porta, presente de um vizinho; sua
geladeira contém uma tortilla preparada por outro; e ela me
oferece bolos sofisticados feitos por um terceiro vizinho, que está estudando
confeitaria.
Da
varanda, é possível ver a famosa basílica da cidade, a Sagrada Família. É fácil entender
por que Coco se apaixonou por viver aqui, mas isso vem acompanhado de um preço
muito alto — e ela acha que será obrigada a se mudar.
"É
extremamente barulhento... É barulho 24 horas por dia", ela me diz.
Há um
parque para cães, para os donos passearem com seus cachorros, que "latem
às 2h, 3h, 4h, 5h da manhã". E o pátio é um espaço público usado para
tudo, desde festas de aniversário de crianças até shows que duram o dia inteiro
e terminam com fogos de artifício.
Ela
pega o celular e reproduz as gravações da música que está sendo tocada tão alto
que faz vibrar o vidro das janelas.
Sua
casa deveria ser um refúgio contra o estresse do trabalho, mas o barulho
"traz frustração, dá vontade de chorar".
Ela foi
"hospitalizada duas vezes com dor no peito" — e "não tem
dúvida" de que o barulho está causando o estresse que está prejudicando
sua saúde. "Há uma mudança física que eu sinto, isso com certeza faz algo
com o corpo", diz ela.
Em
Barcelona, estima-se que ocorram 300 ataques cardíacos e 30 mortes por ano
apenas em decorrência do barulho do trânsito, de acordo com a pesquisadora
Maria Foraster, que analisou as evidências sobre o barulho para a Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Em toda
a Europa, o barulho está associado a 12 mil mortes prematuras por ano, além de
milhões de casos graves de distúrbio do sono, e de incômodo
induzido pelo ruído, que pode afetar a saúde mental.
Me
encontrei com Foraster em um café que fica separado de uma das ruas mais
movimentadas de Barcelona por um pequeno parque. Meu medidor de som diz que o
barulho distante do trânsito está um pouco acima de 60 decibéis.
Podemos
conversar facilmente sem levantar a voz, mas este já é um volume prejudicial à
saúde.
O
volume crucial para a saúde do coração é 53 decibéis, ela me diz, e quanto mais
alto, maiores os riscos à saúde.
"Estes
53 decibéis significam que precisamos estar em um ambiente bastante
silencioso", afirma Foraster.
E isso
é apenas durante o dia, pois precisamos de níveis ainda mais baixos para
dormir. "À noite, precisamos de silêncio", diz ela.
Embora
não se trate apenas do volume, o grau de perturbação do som e do controle que
se tem sobre ele afeta nossa resposta emocional ao barulho.
Foraster
argumenta que o impacto do barulho na saúde está "no mesmo nível da poluição do ar", mas é muito
mais difícil de compreender.
"Estamos
acostumados a entender que os produtos químicos podem afetar a saúde e que são
tóxicos, mas não é tão simples entender que um fator físico, como o ruído,
afeta nossa saúde além da audição", diz ela.
Uma
festa animada pode ser considerada pura diversão, e um barulho intolerável para
outra pessoa.
O som
do trânsito tem o maior impacto sobre a saúde porque muita gente está exposta a
ele. Mas o tráfego também é o som para chegar ao trabalho, fazer compras e
levar as crianças à escola. Combater o barulho significa pedir às pessoas que
vivam suas vidas de forma diferente — o que gera problemas por si só.
Natalie
Mueller, do Institute for Global Health de Barcelona, me leva para uma
caminhada pelo centro da cidade. Começamos em uma rua movimentada — meu medidor
de som marca mais de 80 decibéis —, e seguimos para uma avenida tranquila e
arborizada, onde o barulho cai para a casa dos 50 decibéis.
Mas há
algo diferente nesta rua — ela costumava ser uma via movimentada, mas o espaço
foi cedido para pedestres, cafés e jardins. Posso ver o fantasma de um antigo
cruzamento pelo formato dos canteiros de flores. Os veículos ainda podem passar
por aqui, mas devagar.
Lembre-se
de que descobrimos no laboratório que alguns sons podem acalmar o corpo.
"Não
é completamente silencioso, mas é uma percepção diferente de som e
barulho", diz Mueller.
O plano
inicial era criar mais de 500 áreas como esta, chamadas de "superquadras" — áreas
voltadas para pedestres criadas pelo agrupamento de vários quarteirões da
cidade.
Mueller
realizou uma pesquisa sobre as superquadras projetando uma
redução de 5% a 10% no barulho na cidade, o que evitaria cerca de "150
mortes prematuras" somente em decorrência do barulho a cada ano. E isso
seria "apenas a ponta do iceberg" dos benefícios para a saúde.
Mas, na
realidade, apenas seis superquadras foram construídas. O conselho municipal não
quis comentar.
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Urbanização
Os
perigos do barulho, no entanto, continuam a crescer. A urbanização está
colocando mais gente em cidades barulhentas.
Dhaka,
capital de Bangladesh, é uma das megacidades que mais crescem no mundo. Isso
gerou mais tráfego, conferindo à cidade uma trilha sonora cacofônica de
buzinas.
O
artista Momina Raman Royal ganhou o rótulo de "herói solitário", à
medida que seus protestos silenciosos chamaram a atenção para o problema do
barulho na cidade.
Por
cerca de 10 minutos todos os dias, ele fica no cruzamento de duas ruas
movimentadas com um grande cartaz amarelo acusando os motoristas que buzinam
alto de causar um enorme incômodo.
Ele
assumiu a missão depois que a filha nasceu. "Quero acabar com todas as
buzinas não só de Dhaka, mas de Bangladesh", diz ele.
"Se
você observar os pássaros, as árvores ou os rios, ninguém está fazendo barulho
sem os humanos, então os humanos são responsáveis."
Mas
aqui também há o início de uma ação política. Syeda Rizwana Hasan, conselheira
ambiental e ministra do governo de Bangladesh, disse que estava "muito
preocupada" com os impactos do barulho na saúde.
Está
havendo uma repressão às buzinas para reduzir os níveis de ruído — por meio de
uma campanha de conscientização e uma aplicação mais rigorosa das leis
existentes.
"É
impossível fazer isso em um ou dois anos, mas acho que é possível garantir que
a cidade se torne menos barulhenta e, quando as pessoas sentirem isso, elas vão
se sentir melhor, quando a cidade for menos barulhenta, tenho certeza de que
seus hábitos também vão mudar", ela afirmou.
As
soluções para o ruído podem ser difíceis, complicadas e desafiadoras.
Devemos
valorizar quando encontramos algum espaço em nossas vidas para simplesmente
fugir do barulho, pois, nas palavras de Masrur Abdul Quader, da Universidade de
Profissionais de Bangladesh, ele é "um assassino silencioso e um veneno
lento".
Fonte:
BBC News
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