sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Como o sal afeta nosso organismo e provoca doenças

Desde o início da civilização, as pessoas usam o sal para processar, conservar e melhorar os alimentos. Na Roma Antiga, por exemplo, o sal era tão importante para o comércio que os soldados recebiam seu "salarium" em sal. O sal era valioso, em parte, justamente pela capacidade de conservar os alimentos. Ele mantém os micróbios indesejados à distância e permite o crescimento dos micro-organismos desejados.

Essa qualidade notável de regular o crescimento bacteriano provavelmente foi um dos fatores que incentivaram o desenvolvimento dos alimentos fermentados, como chucrute, salame, azeitonas, pão, queijo e kimchi. Hoje em dia, o sal é onipresente e altamente concentrado em alimentos cada vez mais processados. E existem evidências crescentes de que o sal em demasia – especificamente o cloreto de sódio acrescentado para preservar e melhorar o sabor de muitos alimentos altamente processados – está deixando as pessoas doentes.

O sal pode causar aumento da pressão arterial e contribuir para a ocorrência de ataques cardíacos e AVCs. Ele também é associado ao aumento do risco de desenvolvimento de câncer do cólon e do estômago, doença de Ménièreosteoporose e obesidade.

Como uma substância que chegou a valer seu peso em ouro se transformou em algo que muitas instituições médicas consideram um importante fator de previsão de doenças?

O lobby do sal pode ser uma resposta para esta pergunta.

Como gastroenterologista e cientista pesquisador da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, gostaria de compartilhar as crescentes evidências de que os micróbios dos confins do seu intestino podem também esclarecer um pouco mais sobre a contribuição do sal para o surgimento de doenças.

·        Panela de pressão arterial

A influência do sódio sobre a pressão arterial e as doenças cardíacas é o resultado, em grande parte, da sua função na regulagem da quantidade de água dentro dos vasos sanguíneos.

Resumidamente, quanto mais sódio você tiver no corpo, mais água ele irá puxar para dentro dos vasos sanguíneos. Essa água gera maior pressão arterial e, consequentemente, aumento do risco de paradas cardíacas e AVCs. Certas pessoas podem ser mais ou menos sensíveis aos efeitos do sal sobre a pressão arterial.

Pesquisas recentes indicam mais uma forma em que o sal pode elevar a pressão arterial: alterando o microbioma intestinal.

O sal reduz a quantidade dos micróbios saudáveis e dos metabólitos fundamentais que eles produzem a partir das fibras. Esses metabólitos reduzem as inflamações dos vasos sanguíneos e os mantêm relaxados, contribuindo para a redução da pressão arterial.

Com exceção de certos organismos que se desenvolvem no sal, chamados halófilos, altos níveis de sal podem envenenar praticamente qualquer micróbio – até aqueles que o seu corpo quer manter por perto. É por isso que as pessoas usam sal há muito tempo para conservar os alimentos e afastar as bactérias indesejadas.

Mas a alimentação moderna costuma ter muito sódio. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o consumo saudável para o adulto médio é de menos de 2 mil miligramas por dia. Mas a ingestão média global de 4.310 miligramas de sódio provavelmente terá aumentado a quantidade de sal no intestino acima dos níveis recomendáveis.

·        Sal na cintura

O sódio está relacionado a outros problemas de saúde além da pressão arterial – e o seu microbioma também pode ter participação. A alimentação com alto teor de sódio e os altos níveis de sódio nas fezes estão significativamente relacionados a distúrbios metabólicos, incluindo aumento do nível de açúcar no sangue, fígado gorduroso e ganho de peso. De fato, um estudo estimou que, para cada grama de aumento da ingestão diária de sódio, o risco de obesidade aumenta em 15%.

Um importante estudo alimentar dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos concluiu que pessoas que consumiram alimentos ultraprocessados por duas semanas ingeriram cerca de 500 calorias a mais e pesaram cerca de 900 gramas a mais do que as pessoas que seguiram alimentação minimamente processada.

Uma das maiores diferenças entre as duas dietas foi a quantidade adicional de 1,2 g de sódio consumida com os alimentos ultraprocessados.

Uma das principais explicações para o possível ganho de peso causado pelo aumento do sal, apesar dele não conter calorias, é o fato de que o sódio aumenta o desejo de comer. Quando o sódio é combinado com açúcares simples e gorduras não saudáveis, esses chamados alimentos hiperpalatáveis podem ser relacionados ao ganho de gordura. Isso ocorre porque eles são muito bons para estimular os centros de recompensa do cérebro e comportamentos alimentares similares à dependência. O sal também pode estimular o desejo de comer por meio de um curto-circuito no microbioma intestinal.

Metabólitos do microbioma estimulam a liberação de uma versão natural das drogas Wegovy e Ozempic, usadas para perder peso – o hormônio intestinal GLP-1.

Com o GLP-1, o microbioma saudável pode controlar seu apetite, os níveis de pressão arterial e a decisão do corpo de queimar ou armazenar energia na forma de gordura. Sal demais pode interferir na liberação do hormônio. Outras explicações para o efeito do sal sobre as doenças metabólicas, com níveis variados de evidências, incluem o aumento da absorção de açúcar e dos corticosteroides de origem intestinal, além de um açúcar chamado frutose que pode gerar acúmulo de gordura e redução do uso de energia para a produção de calor.

·        "Dessalinização"

Muitos países estão implementando iniciativas nacionais de redução do consumo de sal. Mas o consumo de sódio na maior parte do mundo continua aumentando. A redução do sal na alimentação nos Estados Unidos, particularmente, continua atrasada, mas muitos países europeus começaram a observar benefícios, como a redução da pressão arterial e a diminuição do número de mortes por doenças cardíacas. As iniciativas adotadas foram a melhoria dos rótulos das embalagens de produtos contendo sal, reformulação dos alimentos para limitar o teor de sal e até impostos sobre o sal.

A comparação dos fatos nutricionais dos alimentos de fast food em diferentes países revela variações consideráveis. Os nuggets de frango do McDonald's, por exemplo, são mais salgados nos Estados Unidos. E a própria Coca-Cola norte-americana contém sal, ao contrário de outros países. A indústria do sal dos Estados Unidos pode ter sua influência neste ponto. Ela praticou lobby nos anos 2010 para evitar a aprovação de regulamentações governamentais sobre o sal, de forma similar ao que a indústria do fumo fez com os cigarros nos anos 1980. Alimentos salgados vendem bem. E uma das principais vozes da indústria do sal por muitos anos foi o Instituto do Sal, agora extinto.

Este organismo pode ter confundido as mensagens de saúde pública sobre a importância da redução do consumo do sal, enfatizando os casos menos comuns, em que a restrição pode ser perigosa. Mas as evidências favoráveis à redução do sal na alimentação em geral estão aumentando. E as instituições estão reagindo.

Em 2021, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos emitiu novas orientações para a indústria, pedindo uma redução gradual e voluntária do sal nos alimentos preparados e processados comercialmente. O Instituto do Sal foi dissolvido em 2019. E outras organizações, como o Instituto Americano dos Alimentos Congelados, e os principais fornecedores de ingredientes, como a Cargill, passaram a apoiar a redução do sal na alimentação.

·        Conselhos salgados

Como você pode alimentar adequadamente o seu microbioma intestinal e cuidar da ingestão de sal?

Comece limitando o consumo de alimentos altamente processados: carnes salgadas (como fast food e carne curada), guloseimas salgadas (como bolachas e batatas fritas) e lanches com sal (como refrigerantes, condimentos e pães). Até 70% do sal na alimentação nos Estados Unidos são consumidos atualmente em alimentos processados e embalados. Em vez disso, concentre-se em alimentos com baixa adição de sódio e açúcar e com alto teor de fibras e potássio, como alimentos vegetais não processados: feijões, nozes, sementes, grãos integrais, frutas, legumes e verduras.

Alimentos fermentados costumam conter alto teor de sódio, mas também podem ser uma opção saudável, devido aos altos níveis de ácidos graxos de cadeia curta, fibras, polifenóis e potássio. Por fim, considere o equilíbrio entre sódio e potássio na sua alimentação. O sódio ajuda a manter fluidos nos vasos sanguíneos, enquanto o potássio ajuda a manter fluidos nas células. O melhor é consumir sódio e potássio na alimentação em proporções equilibradas.

É sempre bom analisar todo conselho "com um grão de sal", mas o seu microbioma pede gentilmente que esse grão não seja grande demais.

 

¨      Sal rosa do Himalaia, light, refinado: qual o melhor tipo de sal para a saúde?

Nos últimos anos, as prateleiras dos supermercados reservadas aos temperos — e particularmente ao sal — ganharam uma diversidade inédita. Além da versão refinada (o popular sal de cozinha) e do sal grosso, foram lançados novos produtos, como o sal rosa do Himalaia, o sal light e o sal hipossódico. Em comum, todas elas prometem trazer benefícios à saúde e ser aliadas na prevenção ou no combate à hipertensão, uma doença extremamente comum que está relacionada a infartoacidente vascular (AVC) e morte.

Mas será que essas alternativas realmente entregam aquilo que prometem? Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que, mais importante do que escolher um único tipo de sal, a chave está em saber usar o tempero com moderação — e ficar atento aos produtos industrializados que carregam muito desse ingrediente. Em linhas gerais, o sal light ou hipossódico tem evidências de benefícios à saúde, desde que usado de forma correta. O mesmo não pode ser dito sobre o sal rosa do Himalaia ou o sal grosso — estudos indicam que a quantidade de sódio neles é similar ao encontrado no sal de cozinha e não há mudanças na pressão arterial quando a pessoa troca o tipo convencional por esses outros.

Chegou a hora de conhecer as diferenças entre alguns desses sais — e como usar o tempero sem prejudicar o coração e os vasos sanguíneos.

<><> Sal de cozinha

O médico Weimar Barroso, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), brinca que, se o sódio fosse descoberto apenas agora, provavelmente ele não seria aprovado para consumo humano. Especulações à parte, o sal é um elemento importante para o funcionamento do nosso corpo. Ele aparece em quantidades pequenas, mas suficientes para nossa saúde, em muitos alimentos de origem vegetal e animal. O sal é usado pela humanidade há milênios como uma forma de realçar o sabor da comida ou até mesmo para conservar certos produtos, como carnes e pescados.

O nome técnico do sal que todos temos na cozinha é cloreto de sódio, o que significa que ele carrega uma mistura de cloro e sódio. E as estatísticas mostram que nós pesamos a mão na hora de usar esses grãos brancos.

Segundo o Ministério da Saúde, o brasileiro consome uma média de 9,3 gramas de sal por dia. Enquanto isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece um limite diário de 5 gramas. Na prática, isso significa que estamos ingerindo praticamente o dobro daquilo que é considerado aceitável pelos especialistas.

Mas onde estamos errando? Barroso diz que o grande vilão aqui é o sódio acrescentado nos produtos industrializados.

"Cerca de 80% desse consumo se concentra nos ultraprocessados ou nos embutidos, e 20% vem do sal de adição, aquele que a gente coloca para temperar a comida", calcula o cardiologista, que também é professor na Universidade Federal de Goiás.

A nutricionista Camila Cristina da Silva Santos, coordenadora científica do Departamento de Nutrição da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), lembra que um único tablete de tempero concentrado pronto, desses usados em carnes ou no feijão, possui praticamente toda a quantidade de sódio que uma pessoa deveria comer durante um dia inteiro. "E o brasileiro tem naturalmente esse paladar mais acostumado com pratos bem salgados", observa ela.

<><> Mas, afinal, por que esse exagero no sal é tão preocupante? Quais os efeitos desse hábito no organismo?

Barroso explica que o excesso de sódio gera uma série de repercussões, como a retenção de líquidos no corpo. E isso, por sua vez, causa um aumento da chamada volemia — a quantidade de sangue em circulação. O resultado disso é uma pressão extra e desnecessária sobre as paredes dos vasos sanguíneos — o que, no longo prazo, desemboca num quadro de hipertensão. "O excesso de sódio também mexe no sistema renina-angiotensina-aldosterona, que tem um papel importante na regulação da pressão arterial", acrescenta o médico. Essa pressão descontrolada pode gerar "machucados" nas paredes internas dos vasos que transportam o sangue pelo corpo. E isso tem o potencial de gerar complicações bem graves e até fatais, como infarto e AVC.

<><> Sal light ou hipossódico

O sal hipossódico é aquele que possui uma redução de 50% no teor de sódio do produto final. Geralmente, ele é substituído pelo potássio — e o tempero fica com metade de cloreto de sódio, metade de cloreto de potássio. Há versões com uma diminuição menor na quantidade de sódio. Geralmente, as embalagens delas trazem palavras como "light" ou "rico em potássio".

Uma pesquisa realizada na Austrália e publicada no final de janeiro concluiu que pacientes com hipertensão podem de fato ter benefícios com esse tipo de sal.

No artigo, os autores defendem a ideia de que esse ingrediente faça parte das orientações de tratamento da pressão alta e os médicos passem a sugerir o uso de sal hipossódico (ou rico em potássio) para seus pacientes. Embora concordem com a avaliação dos colegas australianos, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam uma barreira e duas preocupações na hora de indicar o consumo deste produto.

A barreira tem a ver com o preço: o sal light ou hipossódico chega a custar o dobro ou o triplo do sal refinado comum. Portanto, para muitas pessoas, pode ser difícil incluí-lo no orçamento mensal. "As sociedades médicas e o governo deveriam abraçar essa causa e pensar em formas de diminuir o preço do sal com potássio como uma estratégia de saúde pública", propõe Barroso.

Já a primeira preocupação tem a ver com a forma como esse produto vai ser usado no dia a dia. Isso porque ele salga menos a comida — e, para compensar o gosto, a pessoa pode acabar usando uma porção maior dele durante o preparo da refeição.

Nesse cenário, a quantidade de sódio ficará bem parecida àquela ingerida com o sal comum, sem qualquer benefício à saúde. "É muito fácil perder a mão, portanto é preciso atenção para fazer um consumo moderado dessas opções", constata o nutricionista Luis Gustavo Mota, do Hcor, em São Paulo.

Já o segundo alerta tem a ver com pacientes que possuem algum problema nos rins. "O consumo de potássio para indivíduos com doença renal crônica precisa de atenção, pois o acúmulo desse elemento pode danificar ainda mais esses órgãos que estão mais vulneráveis nesse contexto", destaca Mota.

<><> Sal rosa e sal grosso

Seja por questões gastronômicas ou de saúde, o sal rosa do Himalaia virou uma febre nos últimos anos e ganhou destaque em restaurantes, mercados e empórios.

Ele tem uma coloração rosada e é extraído de rochas salinas localizadas na região do Punjab, no Paquistão. Um dos argumentos de quem defende o uso dessa opção é a quantidade de minerais, ferro e cobre na composição dela. "Mas trata-se apenas de um sal e é um erro associá-lo a um consumo de micronutrientes, para os quais existem outras fontes mais adequadas", pondera Silva Santos. Além disso, a quantidade de sódio no sal rosa do Himalaia é praticamente a mesma encontrada no sal refinado.

"Nós temos estudos bem robustos, alguns deles realizados no Brasil, que compararam a pressão arterial e o nível de sódio na urina de indivíduos que consumiam o sal rosa e o sal comum", detalha Mota. "E não foi observado nenhum benefício, como pressão mais baixa ou menos sódio, entre aqueles que usaram o sal rosa", informa o especialista. O mesmo recado vale para o sal grosso: antes uma figurinha carimbada em churrascos, esse tempero ganhou destaque nos últimos tempos por supostamente ter menos sódio que o sal de cozinha.

"Mas a quantidade de sódio em ambos é semelhante", desmente Barroso.

<><> Sal: a palavra-chave é moderação

Seja para prevenir ou para controlar a hipertensão, o segredo está na quantidade de sal que é colocada no preparo da comida. Para variar e explorar novos paladares, Mota indica uma receita simples, disponível no site do Hcor, que usa sal grosso e ervas finas secas. Basta batê-las no liquidificador ou no processador para obter um tempero com um gostinho diferente. "Ideias como essa podem realçar o sabor da comida e, ao mesmo tempo, reduzir o teor de sódio das refeições", destaca ele.

Silva Santos segue a mesma linha e sugere que as pessoas busquem outros temperos na hora de preparar as receitas, como as pimentas, o manjericão, o alecrim, o louro… "Existem tantos temperos naturais frescos e secos que vão além do sal... Eu costumo brincar que é impossível enjoar com tantas opções que temos à disposição", relata ela.

Abolir aquele saleiro que fica na mesa, para ser usado após o preparo dos alimentos, também é uma tática simples e efetiva, dizem os especialistas. Por fim, Barroso lembra da importância de consumir com muita moderação produtos industrializados, ultraprocessados e embutidos — afinal, eles respondem a cerca de 80% do consumo de sódio dos brasileiros. "Precisamos ter o hábito de ler os rótulos dos alimentos e optar sempre pelas opções que trazem menos sódio", resume ele.

Estima-se que entre 30 a 40% brasileiros tenham hipertensão. Metade deles nem sabem que possuem a condição — e apenas 25% dos que realizam tratamento contra essa doença estão com a pressão controlada, dentro das metas preconizadas. As doenças cardiovasculares seguem como a principal causa de morte no país.

 

Fonte: Christopher Damman, para The Conversation/BBC News

 

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