Emir Sader:
A democracia e o futuro do Brasil
Vivemos em um país
oficialmente democrático, formalmente democrático.
Mas como um país com as
extraordinárias desigualdades que nos caracterizam pode ser considerado
democrático? Se supõe que numa democracia todos são iguais diante da lei.
Se pode dizer que todos são
iguais diante da lei hoje no Brasil? Claro que não. Em primeiro lugar, somos
absolutamente desiguais na realidade. Desiguais social e economicamente. Com
direitos políticos distintos. São poucos os que conseguem ser eleitos para
cargos políticos.
Mas as desigualdades
estruturais que tem o país não são somente sociais e econômicas, são também
regionais, culturais e institucionais. O novo governo de Lula permite que as
desigualdades sociais e econômicas diminuam, com o conjunto de políticas
sociais do governo. O próprio acesso do Lula à Presidência é um bom exemplo de
como a força social e política da liderança dele permite isso.
A sociedade brasileira, no
entanto, ainda reflete menos essa democratização. É certo que este fim de ano
mostrou como houve realmente um processo de distribuição de renda no país. As
lojas e todo o comércio inundados de gente comprando em grande quantidade.
Mas as desigualdades se
expressam ainda na grande quantidade de gente abandonada pelas ruas. Se citam
cifras para a cidade de São Paulo de milhares de pessoas dormindo nas ruas. É a
situação de maior degradação social que uma sociedade pode viver, de abandono
total de uma quantidade ainda expressiva de pessoas.
A melhoria efetiva da
economia não chega ainda até as ruas. Seriam os prefeitos que deveriam ter
políticas e ações concretas para atender a todas essas pessoas. Às vezes são
pessoas, outras são famílias inteiras dormindo e vivendo nas ruas.
Há regiões do país em que se
concentra a riqueza, como o interior de São Paulo, o norte do Paraná, o
triângulo mineiro. Que são, ao mesmo tempo, os setores mais conservadores
politicamente.
O que mudou no país com os
governos do PT foi, principalmente, o resgate dos estados tradicionalmente mais
atrasados, os do Nordeste, em particular. Os programas sociais do governo e a
eleição de governadores do PT e da oposição em geral permitiram que o Nordeste
se tornasse a região com maior ritmo de expansão econômica, o que se vê quando
se visita qualquer um dos estados da região.
Os governadores e
ex-governadores do Nordeste se tornaram ministros do governo Lula e assumiram a
liderança política do país. Mudou a fisionomia de grande parte das lideranças
políticas do Brasil.
Porém, apesar de todos esses
avanços, a direita ainda mantém força política no país. Nas pesquisas, pelo
menos, ela desfruta ainda de apoio. Por sua vez, apesar da sua liderança e do
seu prestígio, o apoio ao Lula e ao governo não é tão alto como deveria ser.
A direita conta com os meios
de comunicação como seu aliado principal, para tratar de desgastar a imagem do
governo e da esquerda. Seu monopólio conta como força importante para
desempenhar esse papel.
A televisão, o rádio, a
internet, mostram um esquema da direita que revela uma força muito superior à
sua presença real na sociedade. O PT faz um bom governo, mas está perdendo a
batalha das comunicações.
Lula se deu conta disso e se
concentra agora em mudanças no setor de comunicações. Mas não basta a mudança
de pessoal. É necessária uma mudança na própria política de comunicação. É
preciso encontrar formas de fazer chegar à massa da população o sentido e os
efeitos das políticas sociais do governo, que beneficiam a grande maioria da
população.
Lula segue sendo o grande
comunicador do país, mas ele não conta com algo como teve Lopez Obrador no
México: uma conversa diária, toda manhã, com grandes setores do povo, por meio
de uma forte rede de comunicações. Esse seria um elemento que favoreceria esse
processo.
Mas é preciso que o conjunto
de dirigentes e quadros políticos da esquerda e do movimento popular ocupe
espaços de comunicação e encontre várias outras formas de se comunicar com a
população.
A disputa no plano das
comunicações é a decisiva para a disputa política no Brasil e para o futuro do
país. Ela é o maior desafio para o país no futuro imediato.
¨ Governo
Lula 'restabeleceu a civilidade e normalizou as relações entre Poderes', diz
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes,
decano do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu entrevista a Guilherme
Amado, do PlatôBR, e fez uma análise sobre o atual cenário político
do Brasil. Com mais de duas décadas de presença influente na República, o
magistrado afirmou que os dois primeiros anos do terceiro governo Lula (PT)
foram fundamentais para 'restabelecer a civilidade no país'. Após o tumultuado
governo de Jair Bolsonaro (PL), Gilmar Mendes vê o atual momento como uma era
de normalização das relações entre os Poderes, um retorno à estabilidade
institucional que, para ele, é essencial para o fortalecimento do Estado
democrático.
Gilmar Mendes não poupou
elogios ao presidente Lula, destacando a postura institucional do petista como
“exemplar” e sugerindo que a candidatura à reeleição do atual presidente é uma
possibilidade concreta. Segundo Mendes, Lula goza de boa saúde e tem mostrado
competência em retomar o prestígio internacional do Brasil. “Dá para ver que o
Brasil voltou ao cenário internacional com grande prestígio, graças também a
essa normalização institucional”, afirmou o ministro, reafirmando a importância
da política externa do governo.
A entrevista também abordou
outros pontos sensíveis do cenário político, como o futuro de Bolsonaro. Embora
Mendes tenha se mostrado discreto sobre o destino de Bolsonaro, ele rebateu
críticas direcionadas ao STF, defendendo a atuação da Corte durante momentos de
crise. O ministro também destacou a "atitude extremamente cuidadosa"
de Lula na gestão do pós-8 de janeiro de 2023, data mercada pela tentativa de
golpe bolsonarista.
A relação do atual governo
com o Congresso também foi mencionada. Para Gilmar Mendes, mesmo diante de uma
relação muitas vezes dificultada pela construção de maiorias, o governo tem
mantido um diálogo civilizado com o Legislativo.
Ao mesmo tempo, o ministro
fez uma reflexão sobre um ponto em que o governo tem deixado a desejar. Para
ele, é fundamental que o Brasil desenvolva mecanismos mais eficazes para evitar
que militares se envolvam na política e para despolitizar as forças policiais.
“Essas são questões que eu acho que o governo deve responder”, afirmou,
cobrando mais ações concretas nessa área.
¨ As mulheres
que desafiaram os militares e sobreviveram à ditadura. Por Moisés Mendes
O livro de Marcelo Rubens
Paiva sobre a bravura da mãe dele será adotado pelas escolas públicas da Bahia.
O livro da historiadora Ana Maria Colling sobre outras mulheres que enfrentaram
a ditadura deveria ser adotado por todas as escolas do país.
‘A resistência da mulher à
ditadura no Brasil’ foi publicado em 1997 pela Editora Rosa dos Tempos. O livro
está aí há 27 anos. E muita gente cobra até de Marcelo Rubens Paiva, como
fizeram no Roda Viva: por que não contam a história da resistência feminina de
‘gente comum’ aos horrores dos anos de chumbo?
O autor de ‘Ainda estou
aqui’ reage com serena sinceridade. O seu livro é de fato sobre Eunice, uma
mulher branca, casada com um homem rico, de uma família que morava no Leblon.
É isso, é um retrato. É uma
abordagem daquela família e do seu drama com a prisão e o desaparecimento do
homem da casa, o ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971.
Que outros contem, na
História, na literatura de ficção e no cinema, como outras mulheres enfrentaram
a ditadura e foram perseguidas, presas e torturadas.
Ana Maria Colling saiu na
frente dos narradores daquele tempo sobre vozes femininas. Conta no seu livro
as histórias de resistência de seis mulheres. Figuras que muita gente nem sabe
que existiram, e não só brancas e de classe média.
A doutora em História já
lembrou em entrevistas que a mulher mais torturada era uma operária negra. Mas
não fiquem só com resumos do que elas foram e sofreram. Procurem o livro e saibam
seus nomes e suas histórias, como a historiadora gaúcha fez.
Sua empreitada é exemplar,
porque reúne material da que é considerada a primeira obra historiográfica
específica sobre a militância e a perseguição às mulheres na ditadura no
Brasil.
O livro vale pelo que conta
e pelo que Ana Maria revela ao informar sobre como chegou ao que de fato
queria. E no início ela queria apenas saber de documentos oficiais sobre
mulheres presas.
Chegou a ficar diante de 42
caixas com papéis do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), guardados
pelo Arquivo Histórico, com registros de prisões no Rio Grande do Sul.
Mas o livro só passou a
existir quando ela começou a ouvir mulheres militantes que haviam sido presas e
percebeu que suas falas eram mais poderosas do que os documentos.
Os militares as definiam
como “putas comunistas”, para tentar desqualificá-las política e moralmente.
Eram consideradas “desvios do feminino e cometiam dois pecados aos olhos da
repressão: fazer oposição à ditadura e abandonar seu lugar natural, o lar”.
As mulheres militantes
presas são, nas versões dos repressores, “amásias e amantes, mal educadas pela
família, mal amadas ou homossexuais e como apêndices dos homens, sem vontade
própria, como marionetes”.
O livro resulta da sua tese
de mestrado em História pela UFRGS, ‘Choram Marias e Clarices – uma questão de
gênero na ditadura militar brasileira’, defendida em 1994.
Ana Maria Colling tem outras
obras sobre estudos de gênero e do feminismo. E os depoimentos que ouviu das
mulheres que enfrentaram os ditadores inspiraram outros trabalhos acadêmicos.
Os depoimentos são o que
define como a revanche de mulheres na maioria dos casos ausentes de registros
em documentos oficiais, porque o que elas viveram não deveria ser registrado e
contado.
Quem cobra roteiros para
outras abordagens daquele tempo, inclusive pelo cinema, tem aí o livro da
pesquisadora sobre como a repressão construiu o que seria a “mulher subversiva”
e sobre como essa mulher enfrenta a prisão, a tortura e também a discriminação
dentro da própria resistência.
Os estudantes merecem
conhecer a valentia de Eunice Paiva, de Dilma Rousseff e das mulheres que
sobreviveram para contar como ajudaram a desafiar e a derrotar a ditadura e a
fazer História.
(Este texto é dedicado à
memória da socióloga baiana Lícia Peres, combatente pela democracia que abriu
as portas para que a pesquisa de Ana Maria Colling acontecesse.)
¨ Abin
identificou manifestações em defesa dos golpistas neste 8 de janeiro
Nesta
quarta-feira, 8 de janeiro, três atos em defesa dos condenados pelos ataques
golpistas de 2023 foram realizados em diferentes regiões do Brasil. A
informação foi revelada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que
também identificou um conjunto de mobilizações em apoio à democracia e contra
os eventos de 8 de janeiro, informa a Folha de S. Paulo. A data, marcada por um dos
maiores ataques à democracia brasileira, continua a
gerar repercussões, com manifestações que destacam tanto a defesa dos
bolsonaristas golpistas quanto a condenação dos atos violentos que atingiram as
sedes dos Três Poderes.
De acordo com
um documento produzido pela Abin, atos em apoio aos réus dos ataques
acontecerão em três locais: Campo de Santana, no Rio de Janeiro; Praça
Tamandaré, em Goiânia; e Torre do Castelo, em Campinas (SP). Além disso, a Abin
também identificou uma live organizada pela Asfav (Associação dos Familiares e
Vítimas do 8 de Janeiro), que fez um contraponto ao evento oficial promovido
pelo governo Lula (PT), em Brasília.
O documento da
Abin descreve a mobilização como um evento que contará com a presença de
"jornalistas, juristas e parlamentares" e que tem como objetivo
reforçar a narrativa de "perseguição institucional a opositores da atual
gestão do Governo Federal". A agência, no entanto, afirmou não ter
encontrado indícios de que essas manifestações tenham caráter anti-institucional
ou incitem à violência.
Paralelamente,
o governo federal prepara uma cerimônia no Palácio do Planalto para relembrar
os eventos de 8 de janeiro, onde serão devolvidas obras e objetos que foram
destruídos durante os ataques. O evento visa marcar um ano dos ataques e
reforçar o compromisso com a preservação da democracia.
Além dos três
atos mencionados, a Abin identificou mais oito mobilizações - estas em repúdio
aos golpistas - em diversas capitais do país, com destaque para Belo Horizonte,
onde duas manifestações estão previstas: uma na Praça Sete de Setembro e outra
na Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Outros
atos serão realizados em Vitória (ES), Campo Grande (MS), Recife (PE),
Araraquara (SP), Aracaju (SE) e João Pessoa (PB).
Fonte: Brasil
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