quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Emir Sader: A democracia e o futuro do Brasil

Vivemos em um país oficialmente democrático, formalmente democrático. 

Mas como um país com as extraordinárias desigualdades que nos caracterizam pode ser considerado democrático? Se supõe que numa democracia todos são iguais diante da lei.

Se pode dizer que todos são iguais diante da lei hoje no Brasil? Claro que não. Em primeiro lugar, somos absolutamente desiguais na realidade. Desiguais social e economicamente. Com direitos políticos distintos. São poucos os que conseguem ser eleitos para cargos políticos.

Mas as desigualdades estruturais que tem o país não são somente sociais e econômicas, são também regionais, culturais e institucionais. O novo governo de Lula permite que as desigualdades sociais e econômicas diminuam, com o conjunto de políticas sociais do governo. O próprio acesso do Lula à Presidência é um bom exemplo de como a força social e política da liderança dele permite isso.

A sociedade brasileira, no entanto, ainda reflete menos essa democratização. É certo que este fim de ano mostrou como houve realmente um processo de distribuição de renda no país. As lojas e todo o comércio inundados de gente comprando em grande quantidade.

Mas as desigualdades se expressam ainda na grande quantidade de gente abandonada pelas ruas. Se citam cifras para a cidade de São Paulo de milhares de pessoas dormindo nas ruas. É a situação de maior degradação social que uma sociedade pode viver, de abandono total de uma quantidade ainda expressiva de pessoas.

A melhoria efetiva da economia não chega ainda até as ruas. Seriam os prefeitos que deveriam ter políticas e ações concretas para atender a todas essas pessoas. Às vezes são pessoas, outras são famílias inteiras dormindo e vivendo nas ruas. 

Há regiões do país em que se concentra a riqueza, como o interior de São Paulo, o norte do Paraná, o triângulo mineiro. Que são, ao mesmo tempo, os setores mais conservadores politicamente. 

O que mudou no país com os governos do PT foi, principalmente, o resgate dos estados tradicionalmente mais atrasados, os do Nordeste, em particular. Os programas sociais do governo e a eleição de governadores do PT e da oposição em geral permitiram que o Nordeste se tornasse a região com maior ritmo de expansão econômica, o que se vê quando se visita qualquer um dos estados da região.

Os governadores e ex-governadores do Nordeste se tornaram ministros do governo Lula e assumiram a liderança política do país. Mudou a fisionomia de grande parte das lideranças políticas do Brasil.

Porém, apesar de todos esses avanços, a direita ainda mantém força política no país. Nas pesquisas, pelo menos, ela desfruta ainda de apoio. Por sua vez, apesar da sua liderança e do seu prestígio, o apoio ao Lula e ao governo não é tão alto como deveria ser.

A direita conta com os meios de comunicação como seu aliado principal, para tratar de desgastar a imagem do governo e da esquerda. Seu monopólio conta como força importante para desempenhar esse papel.

A televisão, o rádio, a internet, mostram um esquema da direita que revela uma força muito superior à sua presença real na sociedade. O PT faz um bom governo, mas está perdendo a batalha das comunicações.

Lula se deu conta disso e se concentra agora em mudanças no setor de comunicações. Mas não basta a mudança de pessoal. É necessária uma mudança na própria política de comunicação. É preciso encontrar formas de fazer chegar à massa da população o sentido e os efeitos das políticas sociais do governo, que beneficiam a grande maioria da população.

Lula segue sendo o grande comunicador do país, mas ele não conta com algo como teve Lopez Obrador no México: uma conversa diária, toda manhã, com grandes setores do povo, por meio de uma forte rede de comunicações. Esse seria um elemento que favoreceria esse processo.

Mas é preciso que o conjunto de dirigentes e quadros políticos da esquerda e do movimento popular ocupe espaços de comunicação e encontre várias outras formas de se comunicar com a população.

A disputa no plano das comunicações é a decisiva para a disputa política no Brasil e para o futuro do país. Ela é o maior desafio para o país no futuro imediato.

¨      Governo Lula 'restabeleceu a civilidade e normalizou as relações entre Poderes', diz Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu entrevista a Guilherme Amado, do PlatôBR, e fez uma análise sobre o atual cenário político do Brasil. Com mais de duas décadas de presença influente na República, o magistrado afirmou que os dois primeiros anos do terceiro governo Lula (PT) foram fundamentais para 'restabelecer a civilidade no país'. Após o tumultuado governo de Jair Bolsonaro (PL), Gilmar Mendes vê o atual momento como uma era de normalização das relações entre os Poderes, um retorno à estabilidade institucional que, para ele, é essencial para o fortalecimento do Estado democrático.

Gilmar Mendes não poupou elogios ao presidente Lula, destacando a postura institucional do petista como “exemplar” e sugerindo que a candidatura à reeleição do atual presidente é uma possibilidade concreta. Segundo Mendes, Lula goza de boa saúde e tem mostrado competência em retomar o prestígio internacional do Brasil. “Dá para ver que o Brasil voltou ao cenário internacional com grande prestígio, graças também a essa normalização institucional”, afirmou o ministro, reafirmando a importância da política externa do governo.

A entrevista também abordou outros pontos sensíveis do cenário político, como o futuro de Bolsonaro. Embora Mendes tenha se mostrado discreto sobre o destino de Bolsonaro, ele rebateu críticas direcionadas ao STF, defendendo a atuação da Corte durante momentos de crise. O ministro também destacou a "atitude extremamente cuidadosa" de Lula na gestão do pós-8 de janeiro de 2023, data mercada pela tentativa de golpe bolsonarista. 

A relação do atual governo com o Congresso também foi mencionada. Para Gilmar Mendes, mesmo diante de uma relação muitas vezes dificultada pela construção de maiorias, o governo tem mantido um diálogo civilizado com o Legislativo.

Ao mesmo tempo, o ministro fez uma reflexão sobre um ponto em que o governo tem deixado a desejar. Para ele, é fundamental que o Brasil desenvolva mecanismos mais eficazes para evitar que militares se envolvam na política e para despolitizar as forças policiais. “Essas são questões que eu acho que o governo deve responder”, afirmou, cobrando mais ações concretas nessa área.

 

¨      As mulheres que desafiaram os militares e sobreviveram à ditadura. Por Moisés Mendes

O livro de Marcelo Rubens Paiva sobre a bravura da mãe dele será adotado pelas escolas públicas da Bahia. O livro da historiadora Ana Maria Colling sobre outras mulheres que enfrentaram a ditadura deveria ser adotado por todas as escolas do país.

‘A resistência da mulher à ditadura no Brasil’ foi publicado em 1997 pela Editora Rosa dos Tempos. O livro está aí há 27 anos. E muita gente cobra até de Marcelo Rubens Paiva, como fizeram no Roda Viva: por que não contam a história da resistência feminina de ‘gente comum’ aos horrores dos anos de chumbo?

O autor de ‘Ainda estou aqui’ reage com serena sinceridade. O seu livro é de fato sobre Eunice, uma mulher branca, casada com um homem rico, de uma família que morava no Leblon.

É isso, é um retrato. É uma abordagem daquela família e do seu drama com a prisão e o desaparecimento do homem da casa, o ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971.

Que outros contem, na História, na literatura de ficção e no cinema, como outras mulheres enfrentaram a ditadura e foram perseguidas, presas e torturadas.

Ana Maria Colling saiu na frente dos narradores daquele tempo sobre vozes femininas. Conta no seu livro as histórias de resistência de seis mulheres. Figuras que muita gente nem sabe que existiram, e não só brancas e de classe média.

A doutora em História já lembrou em entrevistas que a mulher mais torturada era uma operária negra. Mas não fiquem só com resumos do que elas foram e sofreram. Procurem o livro e saibam seus nomes e suas histórias, como a historiadora gaúcha fez.

Sua empreitada é exemplar, porque reúne material da que é considerada a primeira obra historiográfica específica sobre a militância e a perseguição às mulheres na ditadura no Brasil.

O livro vale pelo que conta e pelo que Ana Maria revela ao informar sobre como chegou ao que de fato queria. E no início ela queria apenas saber de documentos oficiais sobre mulheres presas.

Chegou a ficar diante de 42 caixas com papéis do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), guardados pelo Arquivo Histórico, com registros de prisões no Rio Grande do Sul.

Mas o livro só passou a existir quando ela começou a ouvir mulheres militantes que haviam sido presas e percebeu que suas falas eram mais poderosas do que os documentos.

Os militares as definiam como “putas comunistas”, para tentar desqualificá-las política e moralmente. Eram consideradas “desvios do feminino e cometiam dois pecados aos olhos da repressão: fazer oposição à ditadura e abandonar seu lugar natural, o lar”.

As mulheres militantes presas são, nas versões dos repressores, “amásias e amantes, mal educadas pela família, mal amadas ou homossexuais e como apêndices dos homens, sem vontade própria, como marionetes”.

O livro resulta da sua tese de mestrado em História pela UFRGS, ‘Choram Marias e Clarices – uma questão de gênero na ditadura militar brasileira’, defendida em 1994.

Ana Maria Colling tem outras obras sobre estudos de gênero e do feminismo. E os depoimentos que ouviu das mulheres que enfrentaram os ditadores inspiraram outros trabalhos acadêmicos.

Os depoimentos são o que define como a revanche de mulheres na maioria dos casos ausentes de registros em documentos oficiais, porque o que elas viveram não deveria ser registrado e contado.

Quem cobra roteiros para outras abordagens daquele tempo, inclusive pelo cinema, tem aí o livro da pesquisadora sobre como a repressão construiu o que seria a “mulher subversiva” e sobre como essa mulher enfrenta a prisão, a tortura e também a discriminação dentro da própria resistência.

Os estudantes merecem conhecer a valentia de Eunice Paiva, de Dilma Rousseff e das mulheres que sobreviveram para contar como ajudaram a desafiar e a derrotar a ditadura e a fazer História.

(Este texto é dedicado à memória da socióloga baiana Lícia Peres, combatente pela democracia que abriu as portas para que a pesquisa de Ana Maria Colling acontecesse.)

 

¨      Abin identificou manifestações em defesa dos golpistas neste 8 de janeiro

Nesta quarta-feira, 8 de janeiro, três atos em defesa dos condenados pelos ataques golpistas de 2023 foram realizados em diferentes regiões do Brasil. A informação foi revelada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que também identificou um conjunto de mobilizações em apoio à democracia e contra os eventos de 8 de janeiro, informa a Folha de S. Paulo. A data, marcada por um dos maiores ataques à democracia brasileira, continua a gerar repercussões, com manifestações que destacam tanto a defesa dos bolsonaristas golpistas quanto a condenação dos atos violentos que atingiram as sedes dos Três Poderes.

De acordo com um documento produzido pela Abin, atos em apoio aos réus dos ataques acontecerão em três locais: Campo de Santana, no Rio de Janeiro; Praça Tamandaré, em Goiânia; e Torre do Castelo, em Campinas (SP). Além disso, a Abin também identificou uma live organizada pela Asfav (Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro), que fez um contraponto ao evento oficial promovido pelo governo Lula (PT), em Brasília.

O documento da Abin descreve a mobilização como um evento que contará com a presença de "jornalistas, juristas e parlamentares" e que tem como objetivo reforçar a narrativa de "perseguição institucional a opositores da atual gestão do Governo Federal". A agência, no entanto, afirmou não ter encontrado indícios de que essas manifestações tenham caráter anti-institucional ou incitem à violência.

Paralelamente, o governo federal prepara uma cerimônia no Palácio do Planalto para relembrar os eventos de 8 de janeiro, onde serão devolvidas obras e objetos que foram destruídos durante os ataques. O evento visa marcar um ano dos ataques e reforçar o compromisso com a preservação da democracia. 

Além dos três atos mencionados, a Abin identificou mais oito mobilizações - estas em repúdio aos golpistas - em diversas capitais do país, com destaque para Belo Horizonte, onde duas manifestações estão previstas: uma na Praça Sete de Setembro e outra na Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Outros atos serão realizados em Vitória (ES), Campo Grande (MS), Recife (PE), Araraquara (SP), Aracaju (SE) e João Pessoa (PB).

 

Fonte: Brasil 247

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário