quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Brasil deve aproveitar presidência do BRICS para avançar na desdolarização, apontam especialistas

O ano de 2025 será marcante para o BRICS. Após ser decidida na cúpula de Kazan, no ano passado, a categoria de países parceiros fará sua estreia na cimeira deste ano, que será realizada no Brasil.

A importância deste ano-chave para o grupo anti-hegemônico e as prioridades da presidência brasileira foram temas do episódio desta segunda-feira (6) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

<><> Novo ano, novos membros

Durante a Cúpula do BRICS de 2024, realizada na cidade russa de Kazan, foi decidido pelos membros que se estabeleceria essa nova categoria de adesão para países que queiram entrar no grupo multilateral.

Ao todo, 13 países foram convidados para integrar o posto de país parceiro do BRICS.

Segundo o assessor do presidente russo para assuntos internacionais, Yuri Ushakov, nove já completaram o processo de adesão e se tornaram parceiros do BRICS em 1º de janeiro: Belarus, Bolívia, Indonésia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia e Uzbequistão.

Ao programa, Cassio Zen, doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Grupo de Estudos sobre os BRICS (GEBRICS), destacou que nos últimos anos o grupo de países se estabeleceu como um local onde potências regionais conseguem superar suas diferenças.

"É histórico a gente pensar que essa expansão do BRICS incluiu países que são rivais entre si e que agora estão juntos nessa parceria que é significativa para o mundo hoje."

<><> Presidência brasileira

Esses nove novos membros serão recepcionados oficialmente na Cúpula do BRICS sob a presidência brasileira, uma oportunidade de o país pautar a agenda do grupo com os temas que acredita ser importantes.

Segundo Lia Valss, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e professora adjunta da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), essa será a defesa do BRICS como um organismo de independência das hegemonias, em vez de submissão a algum lado.

Para o Brasil, diz a professora, não é interessante que o mundo caia em uma nova ordem bipolar, que o obrigue a fazer escolhas. "O Brasil tem demonstrado que ele não gostaria que o BRICS fosse entendido como nenhum movimento anti-Ocidente, anti-Estados Unidos, da mesma forma como ele não quer ser identificado como pró-Estados Unidos."

"A linha da política externa brasileira é muito uma linha de tentar, enquanto possível, se manter em uma certa neutralidade."

No entanto, reforça Valls, não basta apenas defender a multipolaridade sem apresentar propostas substantivas, e essa deve ser a grande contribuição do BRICS, ser esse polo onde políticas efetivas podem ser implementadas, dada uma flexibilidade para que caibam nos países de diferentes origens.

<><> O futuro da economia mundial

Das iniciativas do BRICS, a de maior destaque e importância é o projeto de desdolarização do comércio internacional. A proposta representa tanto uma ameaça para a hegemonia norte-americana que o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou os países do BRICS com tarifas caso coloquem em prática algum plano para suplantar o dólar como moeda das trocas globais.

Entrevistados pelo Mundioka, ambos os especialistas ressaltam que a ideia não é substituir o dólar no comércio, mas sim prover uma alternativa para as trocas entre os países do BRICS, até como forma de proteger suas economias de uma possível volatilidade do dólar.

"É uma possibilidade rica", diz Zen, "porque daria em certa medida uma previsibilidade e uma alternativa inclusive para o empresário."

"A gente vê o dólar disparando a cada semana, e por isso é importante ter alternativas inclusive para o comércio brasileiro, porque bagunça toda a nossa balança comercial a flutuação do dólar."

Para Valss, as possibilidades não param por aí. "Conforme foram crescendo as trocas de mercadorias, você pode criar títulos emitidos em moedas locais que outro país aceite. Você pode desenvolver moedas digitais. Tudo isso pode ir acontecendo. É uma tendência."

Segundo a pesquisadora do Cebri, como todas as moedas hoje são fiduciárias, isto é, são baseadas na confiança de seu valor, e não no lastro em algum outro bem, basta ter a aceitação dos outros países, e, para descobrir se vale a pena levar adiante, é necessário tentar.

"Então você tem que criar esses mecanismos, tem que ter a experiência de criar. Estamos começando a fazer as trocas em moeda local. Vamos ver se isso se solidifica."

 

¨      Presença de potências da África no BRICS abre margem para o Brasil reorganizar política energética

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a presença de potências do continente africano no grupo, seja na condição de membros efetivos ou países parceiros, reforça demandas do Sul Global e gera para o Brasil a chance de impulsionar sua indústria energética, sobretudo no campo do petróleo.

Em outubro do ano passado, o BRICS aprovou o ingresso da Nigéria e de mais 12 países — Argélia, Bolívia, Belarus, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Tailândia, Turquia, Uzbequistão, Uganda e Vietnã — na condição de membros "parceiros" do grupo, ou seja, sem direito a voto.

Com a entrada da Nigéria, maior economia do norte da África, o BRICS passou a incluir três grandes potências da África Subsaariana (África do Sul e Etiópia), além da maior economia da África do Norte: o Egito. Ademais, a Nigéria já afirmou que pretende aderir de forma permanente ao grupo.

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam quais benefícios a entrada da Nigéria traz para o grupo e como o Brasil pode aproveitar a presença de grandes economias da África no BRICS para expandir sua relação comercial com o continente, sobretudo em um ano em que o país exerce a presidência do grupo.

Alexandre Alvarenga, professor de relações internacionais da Universidade Veiga de Almeida (UVA), destaca que a Nigéria, com cerca de 200 milhões de habitantes, é o país com a maior população do continente africano, que ainda sustenta uma taxa de crescimento alta, além de ser uma das maiores economias da região, com um produto interno bruto (PIB) que gira em torno de US$ 500 bilhões (cerca de R$ 3 trilhões) e uma indústria da mineração bem desenvolvida.

"É considerado um mercado emergente [a Nigéria], uma das economias mais promissoras das próximas décadas, e não tem como a gente não destacar a Nigéria sendo o maior produtor de petróleo do continente africano […] e membro da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]. Então tudo isso é muito importante em termos geopolíticos, em termos econômicos, e a gente também tem que entender o papel, a liderança política da Nigéria também no continente africano", explica.

Ele também aponta o papel histórico e cultural da Nigéria, sendo um país que presenciou a ascensão de antigos impérios africanos, como o Reino de Benin, e que participou e apoiou lutas por independência a partir do século XX.

"Ajudou a promover e a constituir também o movimento pan-africanista que tinha essas bandeiras do anti-imperialismo, do desenvolvimento, da independência, da emancipação. Então é um país muito importante se a gente olhar também agora para as relações internacionais contemporâneas, um país que recentemente vem participando e vem liderando esses processos de integração, principalmente na África Ocidental e dentro da própria União Africana."

Nesse contexto, ele afirma que a ascensão da Nigéria ao posto de país parceiro do BRICS reforça as demandas do Sul Global, principalmente diante da presença de outras potências do continente africano, como o Egito, com a sua importância geopolítica e o controle do canal de Suez, e a Etiópia, por todo o seu legado anticolonialista e por ser ali a sede da União Africana.

Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chama atenção para a importância energética da Nigéria.

"O BRICS, especificamente a entrada da Nigéria, cumpre um papel fundamental em três questões específicas. Em primeiro lugar, em termos de economia e do mercado energético, consolida uma posição de maior poder dos países do BRICS dentro do mercado energético, porque a Nigéria é um dos principais países exportadores de petróleo no mundo, um dos principais inclusive dentro do continente africano. Historicamente, tem um peso político dentro da OPEP que é muito importante hoje, não só para poder se pensar a estabilização do mercado energético internacional, mas para se pensar também as próprias dinâmicas desse novo momento internacional onde se exige a necessidade de maior acesso e maior demanda por energia."

Ele acrescenta que a Nigéria também tem grande influência no continente africano, por ser um dos países mais avançados economicamente da região em termos econômicos, científicos e tecnológicos.

Segundo Silva, para os países africanos, a entrada no BRICS é fundamental porque agrega a agenda política internacional a temas cruciais não só para o continente, mas para o mundo como um todo, como o combate ao terrorismo e às mudanças climáticas e a reforma na arquitetura do sistema financeiro global herdada de Bretton Woods, "que reforça e intensifica a desigualdade social e econômica".

"Um modelo econômico que cria laços profundos de dependência dos países do Sul [Global] com relação ao Norte Global, a tal ponto que são extremamente dependentes das políticas macroeconômicas definidas na Europa e nos EUA para poder constituir os seus planos e projetos de desenvolvimento, não sendo capazes de estabelecer de maneira soberana uma série de projetos e planos de desenvolvimento para abranger o bem-estar da sua própria população."

<><> Brasil pode aproveitar para estreitar laços com o continente africano?

Questionado se a entrada de potências africanas no BRICS — seja na condução de membro efetivo ou parceiro do grupo — abre oportunidade para o Brasil estreitar laços com o continente africano, Alvarenga afirma que o país já segue essa tendência de aproximação há pelo menos seis décadas.

"Desde a década de 1960, com a política externa independente, uma formulação de premissas, de princípios que norteavam a nossa política externa em busca de uma posição, uma projeção mais independente, mais autônoma, mais universalista, e que tinha ali alguns princípios e diretrizes, dentre os quais destaca-se a busca de identificação; primeiro, de interesses comuns do Brasil com o continente africano, além de também um resgate de uma história, de uma relação. A ideia de o Brasil ser uma ponte entre a África e o Ocidente."

Sobre a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o continente africano, ele afirma que há diferenças por conta do contexto político, destacando que nos dois primeiros mandatos Lula gozou de mais apoio do Congresso, o que facilitou políticas como a ampliação de abertura das embaixadas. Agora, no terceiro mandato, ele destaca as viagens feitas pelo presidente para a África, maior articulação do Brasil junto a países africanos em organismos internacionais e a assinatura de contrato para a exploração de petróleo.

"Isso é muito positivo para a economia brasileira, porque estreitar laços com o continente africano não é somente se sentar em uma organização internacional e assinar uma declaração conjunta de princípios e intenções. É também mostrar essa integração na prática, levando uma empresa nacional a participar de uma atividade econômica de extrema importância, como é o caso do petróleo, tentando abrir mercados para a Petrobras, mas também para a petroleira que presta serviço para essa indústria do petróleo."

Ele acrescenta que essa aproximação traz intercâmbios importantes para as Forças Armadas, sobretudo para que a Marinha do Brasil "se projete internacionalmente".

Por sua vez, Silva aponta que a expansão do BRICS na África amplia para o Brasil uma série de mecanismos, instrumentos e fóruns de cooperação política e diálogos envolvendo o Estado brasileiro e os países africanos. Ele cita como exemplo a Zona de Cooperação e Paz do Atlântico Sul (Zopacas), que abrange países atlânticos do continente africano e da América do Sul para discutir questões relacionadas à segurança, ao combate ao crime organizado e, atualmente, ao terrorismo.

Porém, segundo o especialista, para isso é preciso um delineamento estratégico, hoje, por parte do Brasil com relação não apenas a esse fórum, mas também à sua política com o próprio continente africano.

"Outro ponto que eu acho que pode ser relevante de se destacar é que a expansão do BRICS na África leva, inevitavelmente, […] países que são potências energéticas e minerais à discussão sobre uma cooperação na política de preços de energia e dos recursos minerais, ao estabelecimento de mecanismos comuns, a exemplo do que já existe, por exemplo, com a OPEP, mas estabelecer com outros recursos minerais que são abundantes em vários países africanos, mas […] também no Brasil."

Ele afirma que isso confere ao Brasil a capacidade de reorganizar um planejamento estratégico para a sua política energética.

"Isso pode, inclusive, aliviar o processo de dolarização que existe não só no mercado energético internacional, mas também em vários desses países e até mesmo no Brasil. Porém, para isso, a gente precisa também delinear uma política estratégica energética muito clara, principalmente para a Petrobras, algo que eu não tenho visto até o presente momento."

 

¨      Missão na África: ministra da Cultura fala à Sputnik sobre fortalecer relações entre Brasil e Benin

Após pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, embarca para o Benin na próxima quarta-feira (8) para chefiar a missão oficial do governo brasileiro. Entre os compromissos, está a participação do Festival das Culturas Ancestrais. Menezes falou com exclusividade à Sputnik Brasil sobre a viagem.

Olhares de volta para o continente africano. Desde o retorno ao Palácio do Planalto, o presidente Lula declarou por diversas vezes sobre as intenções do governo em retomar as relações com os países da África, uma marca nos mandatos anteriores nos anos 2000. E a partir desta quarta, uma missão oficial do Brasil, chefiada pela ministra Margareth Menezes, terá intensa programação em Cotonou e Uidá, no Benin.

Além de encontros com autoridades do país, Margareth participa do Festival das Culturas Ancestrais e da instalação do Comitê de Implementação dos Acordos Culturais, que terá a presença do homólogo no Benin. Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, a ministra ressaltou a importância da agenda de aproximação com os países e a cultura da África.

"A retomada das relações entre o Brasil e Benin é essencial para fortalecer os laços históricos, religiosos e culturais que unem os dois países. Ambos compartilham um passado marcado pela prática da escravização de pessoas no período colonial, o que resultou nessa herança cultural e social que ajudou a moldar nossa identidade afro-brasileira", disse.

Além disso, Margareth lembrou ainda que o país deve fomentar maior cooperação no continente em outras áreas. "Fortalecer essas relações significa não apenas resgatar e valorizar esse legado cultural compartilhado, mas também fomentar novas parcerias e oportunidades de cooperação em áreas como agricultura, saúde, educação, infraestrutura, cultura e esporte, promovendo um intercâmbio que beneficie ambos os países", acrescentou.

<><> Cooperação cultural com Benin foi firmada em 1972

País da África Ocidental que é berço da religião vodu e também do antigo Reino do Daomé, o Benin conta com quase 14 milhões de habitantes e chegou a registrar nos últimos anos taxa de crescimento acima de 6%. Conforme o governo, a cooperação do país com o Brasil abrange áreas como agricultura, saúde, educação, infraestrutura, cultura e esporte.

Na questão cultural, que tem fortes laços com a população brasileira, os dois países chegaram a assinar em 1972 o Acordo de Cooperação Cultural. Em maio do ano passado, durante visita do presidente Patrice Talon ao Palácio do Planalto, a parceria foi reforçada com a assinatura de novos acordos para dinamizar a "cooperação cultural, artística, museológica, científica e patrimonial entre os países, incluindo atividades de pesquisas nos domínios do patrimônio cultural e material", informou o governo.

"Brasil e Benin compartilham patrimônio histórico e cultural que está ligado à formação de ambos os Estados e de suas sociedades. As nações se formaram em um contexto da prática da escravização de pessoas no período colonial. Dessa semelhança resulta o compartilhamento de características sociais, culturais e religiosas que interligam os dois povos. O Brasil recebeu grande fluxo de pessoas escravizadas do Benin, que trouxeram costumes e tradições que influenciaram fortemente a cultura brasileira, seja na língua, na culinária, nas danças, nas músicas e em algumas religiões", acrescenta o Ministério da Cultura.

A missão permanece no país até o dia 12 de janeiro e também terá um almoço oferecido pelo presidente Talon, além de visitas a locais sagrados e sítios de patrimônio histórico. A delegação ainda conta com o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge; presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (Iphan), Leandro Grass; além de representantes dos ministérios das Relações Exteriores e Igualdade Racial, Embratur, governo da Bahia e prefeitura de Salvador.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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