Brasil deve
aproveitar presidência do BRICS para avançar na desdolarização, apontam
especialistas
O ano de 2025 será
marcante para o BRICS. Após ser decidida na cúpula de Kazan, no ano passado, a
categoria de países parceiros fará sua estreia na cimeira deste ano, que será
realizada no Brasil.
A importância deste
ano-chave para o grupo anti-hegemônico e as prioridades da presidência
brasileira foram temas do episódio desta segunda-feira (6) do Mundioka, podcast da
Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina
Saad e Marcelo Castilho.
<><> Novo
ano, novos membros
Durante a Cúpula do
BRICS de 2024, realizada na cidade russa de Kazan, foi decidido pelos membros
que se estabeleceria essa nova categoria de adesão para países que queiram
entrar no grupo multilateral.
Ao todo, 13 países
foram convidados para integrar o posto de país parceiro do BRICS.
Segundo o assessor
do presidente russo para assuntos internacionais, Yuri Ushakov, nove já
completaram o processo de adesão e se tornaram parceiros do BRICS em 1º de
janeiro: Belarus, Bolívia, Indonésia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba,
Uganda, Malásia e Uzbequistão.
Ao
programa, Cassio Zen, doutor em direito internacional pela Universidade de
São Paulo (USP) e pesquisador do Grupo de Estudos sobre os BRICS (GEBRICS),
destacou que nos últimos anos o grupo de países se estabeleceu como um local
onde potências regionais conseguem superar suas diferenças.
"É histórico a
gente pensar que essa expansão do BRICS incluiu países que são rivais entre si
e que agora estão juntos nessa parceria que é significativa para o mundo
hoje."
<><> Presidência
brasileira
Esses nove novos
membros serão recepcionados oficialmente na Cúpula do BRICS sob a presidência
brasileira, uma oportunidade de o país pautar a agenda do grupo com os temas
que acredita ser importantes.
Segundo Lia
Valss, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e
professora adjunta da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), essa
será a defesa do BRICS como um organismo de independência das hegemonias, em
vez de submissão a algum lado.
Para o Brasil, diz
a professora, não é interessante que o mundo caia em uma nova ordem bipolar,
que o obrigue a fazer escolhas. "O Brasil tem demonstrado que ele não
gostaria que o BRICS fosse entendido como nenhum movimento anti-Ocidente, anti-Estados
Unidos,
da mesma forma como ele não quer ser identificado como pró-Estados
Unidos."
"A linha da
política externa brasileira é muito uma linha de tentar, enquanto possível, se
manter em uma certa neutralidade."
No entanto, reforça
Valls, não basta apenas defender a multipolaridade sem apresentar propostas
substantivas, e essa deve ser a grande contribuição do BRICS, ser esse polo
onde políticas efetivas podem ser implementadas, dada uma flexibilidade para
que caibam nos países de diferentes origens.
<><> O
futuro da economia mundial
Das iniciativas do
BRICS, a de maior destaque e importância é o projeto de desdolarização do
comércio internacional. A proposta representa tanto uma ameaça para a hegemonia
norte-americana que o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou
os países do BRICS com tarifas caso coloquem em prática algum plano
para suplantar o dólar como moeda das trocas globais.
Entrevistados pelo
Mundioka, ambos os especialistas ressaltam que a ideia não é substituir o
dólar no comércio, mas sim prover uma alternativa para as trocas entre os
países do BRICS, até como forma de proteger suas economias de uma
possível volatilidade do dólar.
"É uma
possibilidade rica", diz Zen, "porque daria em certa medida uma
previsibilidade e uma alternativa inclusive para o empresário."
"A gente vê o
dólar disparando a cada semana, e por isso é importante ter alternativas
inclusive para o comércio brasileiro, porque bagunça toda a nossa balança
comercial a flutuação do dólar."
Para Valss, as
possibilidades não param por aí. "Conforme foram crescendo as trocas de
mercadorias, você pode criar títulos emitidos em moedas locais que outro país
aceite. Você pode desenvolver moedas digitais. Tudo isso pode ir acontecendo. É
uma tendência."
Segundo a
pesquisadora do Cebri, como todas as moedas hoje são fiduciárias, isto é, são
baseadas na confiança de seu valor, e não no lastro em algum outro
bem, basta ter a aceitação dos outros países, e, para descobrir se vale a
pena levar adiante, é necessário tentar.
"Então você
tem que criar esses mecanismos, tem que ter a experiência de criar. Estamos
começando a fazer as trocas em moeda local. Vamos ver se isso se
solidifica."
¨ Presença de potências da África no BRICS abre margem
para o Brasil reorganizar política energética
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam que a presença de potências do continente
africano no grupo, seja na condição de membros efetivos ou países parceiros,
reforça demandas do Sul Global e gera para o Brasil a chance de impulsionar sua
indústria energética, sobretudo no campo do petróleo.
Em outubro do ano
passado, o BRICS aprovou o ingresso da Nigéria e de mais 12 países — Argélia,
Bolívia, Belarus, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Tailândia, Turquia,
Uzbequistão, Uganda e Vietnã — na condição de
membros "parceiros" do grupo, ou seja, sem direito a voto.
Com a entrada da
Nigéria, maior economia do norte da África, o BRICS passou a incluir três
grandes potências da África Subsaariana (África do Sul e Etiópia), além da
maior economia da África do Norte: o Egito. Ademais, a Nigéria já afirmou
que pretende
aderir de forma permanente ao grupo.
Em entrevista
à Sputnik Brasil, especialistas apontam quais benefícios a entrada da
Nigéria traz para o grupo e como o Brasil pode aproveitar a presença de grandes
economias da África no BRICS para expandir sua relação comercial com o
continente, sobretudo em um ano em que o país exerce
a presidência do grupo.
Alexandre
Alvarenga, professor de relações internacionais da Universidade Veiga de
Almeida (UVA), destaca que a Nigéria, com cerca de 200 milhões de
habitantes, é o país com a maior população do continente africano, que
ainda sustenta uma taxa de crescimento alta, além de ser uma das maiores
economias da região, com um produto interno bruto (PIB) que gira em torno de
US$ 500 bilhões (cerca de R$ 3 trilhões) e uma indústria da mineração bem
desenvolvida.
"É considerado
um mercado emergente [a Nigéria], uma das economias mais promissoras das
próximas décadas, e não tem como a gente não destacar a Nigéria sendo o maior
produtor de petróleo do continente africano […] e membro da OPEP [Organização
dos Países Exportadores de Petróleo]. Então tudo isso é muito importante em
termos geopolíticos, em termos econômicos, e a gente também tem que entender o
papel, a liderança política da Nigéria também no continente africano",
explica.
Ele também
aponta o papel histórico e cultural da Nigéria, sendo um país que
presenciou a ascensão de antigos impérios africanos, como o Reino de Benin, e
que participou e apoiou lutas por independência a partir do século XX.
"Ajudou a
promover e a constituir também o movimento pan-africanista que tinha essas
bandeiras do anti-imperialismo, do desenvolvimento, da independência, da
emancipação. Então é um país muito importante se a gente olhar também agora
para as relações internacionais contemporâneas, um país que recentemente vem
participando e vem liderando esses processos de integração, principalmente na
África Ocidental e dentro da própria União Africana."
Nesse contexto, ele
afirma que a ascensão da Nigéria ao posto de país parceiro do BRICS reforça as
demandas do Sul Global, principalmente diante da presença de outras potências
do continente africano, como o Egito, com a sua importância
geopolítica e o controle do canal de Suez, e a Etiópia, por todo o seu legado
anticolonialista e por ser ali a sede da União Africana.
Eden Pereira Lopes
da Silva, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de
Estudos Sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS), da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chama atenção para a importância
energética da Nigéria.
"O BRICS,
especificamente a entrada da Nigéria, cumpre um papel fundamental em três
questões específicas. Em primeiro lugar, em termos de economia e do mercado
energético, consolida uma posição de maior poder dos países do BRICS dentro do
mercado energético, porque a Nigéria é um dos principais países exportadores de
petróleo no mundo, um dos principais inclusive dentro do continente africano.
Historicamente, tem um peso político dentro da OPEP que é muito importante
hoje, não só para poder se pensar a estabilização do mercado energético
internacional, mas para se pensar também as próprias dinâmicas desse novo
momento internacional onde se exige a necessidade de maior acesso e maior
demanda por energia."
Ele acrescenta que
a Nigéria também tem grande influência no continente africano, por ser um
dos países mais avançados economicamente da região em termos econômicos,
científicos e tecnológicos.
Segundo Silva, para
os países africanos, a entrada no BRICS é fundamental porque agrega a agenda
política internacional a temas cruciais não só para o continente, mas para o
mundo como um todo, como o combate ao terrorismo e às mudanças climáticas e
a reforma
na arquitetura do sistema financeiro global herdada de Bretton
Woods, "que reforça e intensifica a desigualdade social e
econômica".
"Um modelo
econômico que cria laços profundos de dependência dos países do Sul [Global]
com relação ao Norte Global, a tal ponto que são extremamente dependentes das
políticas macroeconômicas definidas na Europa e nos EUA para poder constituir
os seus planos e projetos de desenvolvimento, não sendo capazes de estabelecer
de maneira soberana uma série de projetos e planos de desenvolvimento para
abranger o bem-estar da sua própria população."
<><> Brasil
pode aproveitar para estreitar laços com o continente africano?
Questionado se a
entrada de potências africanas no BRICS — seja na condução de membro efetivo ou
parceiro do grupo — abre oportunidade para o Brasil estreitar laços com o
continente africano, Alvarenga afirma que o país já segue essa tendência
de aproximação há pelo menos seis décadas.
"Desde a
década de 1960, com a política externa independente, uma formulação de
premissas, de princípios que norteavam a nossa política externa em busca de uma
posição, uma projeção mais independente, mais autônoma, mais universalista, e
que tinha ali alguns princípios e diretrizes, dentre os quais destaca-se a
busca de identificação; primeiro, de interesses comuns do Brasil com o
continente africano, além de também um resgate de uma história, de uma relação.
A ideia de o Brasil ser uma ponte entre a África e o Ocidente."
Sobre a estratégia
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o continente africano, ele afirma
que há diferenças por conta do contexto político, destacando que nos dois
primeiros mandatos Lula gozou de mais apoio do Congresso, o que facilitou
políticas como a ampliação de abertura das embaixadas. Agora, no terceiro
mandato, ele destaca as viagens feitas pelo presidente para a África,
maior articulação do Brasil junto a países africanos em organismos
internacionais e a assinatura de contrato para a exploração de petróleo.
"Isso é muito
positivo para a economia brasileira, porque estreitar laços com o continente
africano não é somente se sentar em uma organização internacional e assinar uma
declaração conjunta de princípios e intenções. É também mostrar essa integração
na prática, levando uma empresa nacional a participar de uma atividade
econômica de extrema importância, como é o caso do petróleo, tentando abrir
mercados para a Petrobras, mas também para a petroleira que presta serviço para
essa indústria do petróleo."
Ele acrescenta que
essa aproximação traz intercâmbios importantes para as Forças Armadas,
sobretudo para que a Marinha do Brasil "se projete
internacionalmente".
Por sua vez, Silva
aponta que a expansão do BRICS na África amplia para o Brasil uma série de
mecanismos, instrumentos e fóruns de cooperação política e diálogos envolvendo
o Estado brasileiro e os países africanos. Ele cita como exemplo a Zona de
Cooperação e Paz do Atlântico Sul (Zopacas), que abrange países atlânticos do
continente africano e da América do Sul para discutir questões relacionadas à
segurança, ao combate ao crime organizado e, atualmente, ao terrorismo.
Porém, segundo o
especialista, para isso é preciso um delineamento estratégico, hoje, por parte
do Brasil com relação não apenas a esse fórum, mas também à sua política com o
próprio continente africano.
"Outro ponto
que eu acho que pode ser relevante de se destacar é que a expansão do BRICS na
África leva, inevitavelmente, […] países que são potências energéticas e
minerais à discussão sobre uma cooperação na política de preços de energia e
dos recursos minerais, ao estabelecimento de mecanismos comuns, a exemplo do
que já existe, por exemplo, com a OPEP, mas estabelecer com outros recursos
minerais que são abundantes em vários países africanos, mas […] também no
Brasil."
Ele afirma
que isso confere ao Brasil a capacidade de reorganizar um planejamento
estratégico para a sua política energética.
"Isso pode,
inclusive, aliviar o processo de dolarização que existe não só no mercado
energético internacional, mas também em vários desses países e até mesmo no
Brasil. Porém, para isso, a gente precisa também delinear uma política
estratégica energética muito clara, principalmente para a Petrobras, algo que
eu não tenho visto até o presente momento."
¨ Missão na África: ministra da Cultura fala à Sputnik
sobre fortalecer relações entre Brasil e Benin
Após pedido do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Cultura, Margareth Menezes,
embarca para o Benin na próxima quarta-feira (8) para chefiar a missão oficial
do governo brasileiro. Entre os compromissos, está a participação do Festival
das Culturas Ancestrais. Menezes falou com exclusividade à Sputnik Brasil sobre
a viagem.
Olhares de volta
para o continente africano. Desde o retorno
ao Palácio do Planalto, o presidente Lula declarou por diversas vezes sobre
as intenções do governo em retomar as relações com os países da África,
uma marca nos mandatos anteriores nos anos 2000. E a partir desta quarta,
uma missão oficial do Brasil, chefiada pela ministra Margareth Menezes, terá
intensa programação em Cotonou e Uidá, no Benin.
Além de encontros
com autoridades do país, Margareth participa do Festival das Culturas
Ancestrais e da instalação do Comitê de Implementação dos Acordos Culturais,
que terá a presença do homólogo no Benin. Em entrevista exclusiva à
Sputnik Brasil, a ministra ressaltou a importância da agenda de aproximação
com os países e a cultura da África.
"A retomada
das relações entre o Brasil e Benin é essencial para fortalecer os laços
históricos, religiosos e culturais que unem os dois países. Ambos compartilham
um passado marcado pela prática da escravização de pessoas no período colonial,
o que resultou nessa herança cultural e social que ajudou a moldar nossa
identidade afro-brasileira", disse.
Além disso,
Margareth lembrou ainda que o país deve fomentar maior cooperação no
continente em outras áreas. "Fortalecer essas relações significa não
apenas resgatar e valorizar esse legado cultural compartilhado, mas também
fomentar novas parcerias e oportunidades de cooperação em áreas como
agricultura, saúde, educação, infraestrutura, cultura e esporte, promovendo um
intercâmbio que beneficie ambos os países", acrescentou.
<><> Cooperação
cultural com Benin foi firmada em 1972
País da África
Ocidental que
é berço da religião vodu e também do antigo Reino do Daomé, o Benin conta com
quase 14 milhões de habitantes e chegou a registrar nos últimos anos taxa
de crescimento acima de 6%. Conforme o governo, a cooperação do país com o
Brasil abrange
áreas como agricultura, saúde, educação, infraestrutura, cultura e esporte.
Na questão
cultural, que tem fortes laços com a população brasileira, os dois
países chegaram a assinar em 1972 o Acordo de Cooperação Cultural. Em
maio do ano passado, durante visita do presidente Patrice Talon ao Palácio do
Planalto, a parceria foi reforçada com a assinatura de novos acordos para dinamizar
a "cooperação cultural, artística, museológica, científica e patrimonial
entre os países, incluindo atividades de pesquisas nos domínios do
patrimônio cultural e material", informou o governo.
"Brasil e
Benin compartilham patrimônio histórico e cultural que está ligado à formação
de ambos os Estados e de suas sociedades. As nações se formaram em um contexto
da prática da escravização de pessoas no período colonial. Dessa semelhança
resulta o compartilhamento de características sociais, culturais e religiosas que
interligam os dois povos. O Brasil recebeu grande fluxo de pessoas escravizadas
do Benin, que trouxeram costumes e tradições que influenciaram fortemente a
cultura brasileira, seja na língua, na culinária, nas danças, nas músicas e em
algumas religiões", acrescenta o Ministério da Cultura.
A missão permanece
no país até o dia 12 de janeiro e também terá um almoço oferecido pelo
presidente Talon, além de visitas a locais sagrados e sítios de patrimônio
histórico. A delegação ainda conta com o presidente da Fundação
Cultural Palmares,
João Jorge; presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan),
Leandro Grass; além de representantes dos ministérios das Relações Exteriores e
Igualdade Racial, Embratur, governo da Bahia e prefeitura de Salvador.
Fonte: Sputnik
Brasil
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