O que vai mudar no
sistema de checagem de fake news no
Facebook e Instagram
A Meta anunciou que está
abandonando o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram, substituindo-os
por "notas da comunidade", em um modelo semelhante ao do X, em que
comentários sobre a precisão do conteúdo das postagens são deixados a cargo dos
próprios usuários.
O anúncio despertou críticas
de ativistas contra o discurso de ódio na internet, que dizem que o
ambiente online ficará menos seguro com a mudança. Já outros elogiaram o CEO da
Meta, Mark Zuckerberg, por colocar fim à "censura" no Facebook e
Instagram.
A decisão da Meta
vale apenas nos Estados Unidos. A empresa ainda não anunciou nenhuma mudança na
checagem de fake news em outros países, como o Brasil, mas avisou que isso vai
acontecer no futuro.
Mas como funciona
exatamente a checagem independente de fake news no Facebook e Instagram hoje?
<><> Quem
faz a checagem de dados do Facebook e Instagram?
A checagem de fake
news em postagens não é feita por uma equipe da Meta. Ela é feita por agências
credenciadas junto à Rede Internacional de Verificação de Fatos (em inglês,
International Fact-Checking Network — ou IFCN), uma entidade não-partidária
dedicada à checagem de fake news.
"Não achamos
que uma empresa privada como a Meta deva decidir o que é verdadeiro ou falso, e
é exatamente por isso que temos uma rede global de parceiros de verificação de
fatos que revisam e classificam de forma independente potenciais desinformações
no Facebook, Instagram e WhatsApp", diz um post de junho de 2021 do blog
da Meta que explica como funciona o sistema.
"O trabalho
deles nos permite agir e reduzir a disseminação de conteúdo problemático em
nossos aplicativos", prossegue o texto.
A Rede
Internacional de Verificação de Fatos (IFCN) foi criada pelo Instituto Poynter,
uma organização sem fins lucrativos que diz ser dedicada à promoção do
jornalismo imparcial e ético. A rede foi lançada em 2015 reunindo a comunidade
de verificadores de fatos ao redor do mundo.
O Instituto Poynter
é dono do jornal Tampa Bay Times, na Flórida, e concede prêmios a jornalistas
americanos consagrados — como Tom Brokaw, Bob Woordward, Carl Bernstein,
Anderson Cooper e Katie Couric.
Segundo a Meta,
"todos os parceiros de verificação de fatos da Meta passam por um rigoroso
processo de certificação com o IFCN".
Para ser um agente
de verificação usado pela Meta, é preciso seguir critérios "como não
partidarismo e equilíbrio, transparência de fontes, transparência de
financiamento e organização, transparência de metodologia e política de
correções aberta e honesta".
A aprovação é dada
pelo IFCN. No Brasil, as agências certificadas pelo IFCN são a Aos Fatos,
Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere.
Nos EUA, há 13
agências certificadas: AP Fact Check, Check Your Fact, El Detector/Univision
Noticias, FactCheck.org, Lead Stories, PolitiFact, Reuters, Snopes.com, T
Verifica — Noticias Telemundo, The Dispatch, The Washington Post Fact Checker,
USA Today e Wisconsin Watch.
<><> Como
funciona a checagem de fake news no Facebook e Instagram hoje?
A checagem acontece
em três etapas:
1- Identificação de
fake news: postagens com conteúdo potencialmente falso são identificadas
por usuários e comunidades da Meta ou pelos próprios verificadores de fatos,
que têm liberdade para isso. Inteligência artificial também é usada: máquinas
identificam sinais como quais pessoas estão respondendo e quão rápido o
conteúdo está se espalhando. A Meta redobra os esforços para identificação de
conteúdo falso em grandes eventos como durante a pandemia, eleições, desastres
naturais e conflitos.
2 -
Revisão: os verificadores revisam e classificam a precisão das histórias
por meio de relatórios, o que pode incluir entrevistas com fontes primárias,
consulta de dados públicos e realização de análises de mídia, incluindo fotos e
vídeos.
3- Ação: a
Meta nunca remove nenhum conteúdo com base nessa checagem, nem bloqueia contas.
Conteúdos só são removidos quando existe violação dos Padrões da Comunidade,
que são as políticas de uso da plataforma e não têm ligação com o programa de verificação
de fatos.
Os verificadores
classificam fatos com falsos. Com base nisso, a Meta reduz significativamente a
distribuição desse conteúdo para que menos pessoas o vejam. As pessoas que
compartilharam esse conteúdo anteriormente ou tentam compartilhá-lo são
notificadas de que a informação é falsa, e é colocado um rótulo de aviso com
link para o relatório do verificador de fatos, refutando a alegação com o
relatório original.
<><> Como
vai funcionar a checagem de fake news a partir de agora?
Mark Zuckerberg
anunciou que vai encerrar o atual programa de verificação de fatos por agentes
terceirizados nos Estados Unidos e vai a migrar para um programa de "notas
da comunidade" — em que postagens com conteúdo falso são rotuladas com
comentários feitos pela comunidade de usuários, e não por verificadores
independentes terceirizados.
"Vimos essa
abordagem funcionar no X, onde eles capacitam sua comunidade a decidir quando
as postagens são potencialmente enganosas e precisam de mais contexto, e
pessoas de diversas perspectivas decidem que tipo de contexto é útil para
outros usuários verem", justificou a Meta.
"Assim como no
X, as Notas da Comunidade exigirão acordo entre pessoas com diversas
perspectivas para ajudar a evitar classificações tendenciosas. Pretendemos ser
transparentes sobre como diferentes pontos de vista informam as notas exibidas
em nossos aplicativos e estamos trabalhando na maneira certa de compartilhar
essas informações."
<><> O
que a Meta alega para fazer a mudança?
Em julho de 2021, a
Meta elogiava em seu blog os resultados do programa de checagem com
verificadores terceirizados.
"Pesquisamos
pessoas que viram essas telas de aviso [de postagem com conteúdo falso] na
plataforma e descobrimos que 74% delas achavam que viam a quantidade certa ou
estavam abertas a ver mais rótulos de informações falsas — com 63% das pessoas
achando que eles eram aplicados de forma justa."
No entanto, nesta
semana Mark Zuckerberg disse que o programa não está funcionando como proposto.
"A intenção do
programa era que esses especialistas independentes dessem às pessoas mais
informações sobre as coisas que elas veem online, particularmente boatos
virais, para que pudessem julgar por si mesmas o que viam e liam", disse
Joel Kaplan, chefe de Assuntos Globais da Meta, em postagem no blog da empresa.
"Não foi assim
que as coisas aconteceram, especialmente nos Estados Unidos. Especialistas,
como todos os outros, têm seus próprios preconceitos e perspectivas. Isso
apareceu nas escolhas que alguns fizeram sobre quais fatos verificar e
como."
"Com o tempo,
acabamos com muito conteúdo sendo verificado que as pessoas entenderiam como
discurso e debate político legítimos. Nosso sistema então anexou consequências
reais na forma de rótulos intrusivos e distribuição reduzida. Um programa
destinado a informar com muita frequência se tornou uma ferramenta para
censurar."
Críticos de
Zuckerberg, no entanto, dizem que a mudança foi feita para aproximar a Meta do
governo de Donald Trump.
<><> O
que diz o parceiro de checagem sobre a mudança da Meta?
A decisão da Meta
de abandonar o sistema de checagem foi criticada pelo Instituto Poynter, do
IFCN, o parceiro responsável por indicar as agências terceirizada que hoje
realizam a checagem de dados.
O Poynter publicou
um artigo intitulado "Meta tentará verificação de fatos
por crowdsourcing [colaboração coletiva]. Entenda por que isso não
vai funcionar", escrito por Alex Mahadevan, que é diretor do projeto
MediaWise, do Poynter, de alfabetização em mídia digital, que ensina pessoas de
todas as idades a identificar informações falsas online.
"Eu não pensei
que isso aconteceria tão cedo, mas os líderes da indústria de tecnologia estão
de olho no sistema inovador e barato desde que o Twitter lançou o Birdwatch —
agora o Community Notes do X — em 2021. Também tenho observado a plataforma e
passei inúmeras horas vasculhando dados das Notas da Comunidade para determinar
que a verificação de fatos de crowdsourcing, na forma proposta, não
funciona", disse Mahadevan.
Ele lista três
motivos.
1. O algoritmo usado
para escolher quais "verificações de fatos" aparecem nas postagens
requer concordância de "várias perspectivas". "Em um mundo
hiperpolarizado, é quase impossível fazer com que dois lados concordem em
qualquer coisa, muito menos em fatos que desmascarem a desinformação
política", diz Mahadevan.
"No X, menos
de 9% das notas propostas terminam com esse acordo. E muito, muito poucas delas
abordam desinformação política e de saúde prejudicial. A escala prometida pela
verificação de fatos de crowdsourcing é uma miragem."
2. Muitas Notas da
Comunidade propostas e públicas ainda contêm desinformação, segundo o diretor
da Poynter. "Minhas análises descobriram que os usuários são muito ruins
em sinalizar postagens que são realmente verificáveis — em grande parte marcando opiniões ou previsões — e
usam fontes tendenciosas, ou outras postagens X, para apoiar suas
descobertas", diz.
3.
O crowdsourcing como forma de checagem de fatos, embora promissor,
ainda estaria em um estágio experimental.
"Uma análise
que fiz com Alexios Mantzarlis, diretor da Security, Trust & Safety
Initiative na Cornell Tech, mostrou que as Notas da Comunidade foram ineficazes
no dia da eleição. É irresponsável lançar um produto como esse — 'nos próximos
meses' — em plataformas tão grandes como o Facebook e o Instagram", afirma
Mahadevan.
¨ 'Meta mudou para direita, seguindo ventos políticos nos
EUA': as reações da imprensa internacional
Jornais no mundo
todo repercutiram a decisão de
abandonar o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram, substituindo-os
por "notas da comunidade", em um modelo semelhante ao do X, em que
comentários sobre a precisão do conteúdo das postagens são deixados a cargo dos
próprios usuários.
Em vídeo publicado
no blog da empresa na terça-feira (7/1), o presidente-executivo da
empresa, Mark Zuckerberg, disse que os
moderadores profissionais são "muito tendenciosos politicamente" e
que era "hora de voltar às nossas raízes, em torno da liberdade de
expressão".
Uma análise
publicada no jornal britânico The Guardian afirma que a decisão de Zuckerberg
inaugura uma fase de "política partidária da gigante de redes
sociais", com o seu CEO "perseguindo o apoio de Trump".
"A Meta está
mudando para a direita, seguindo os ventos políticos predominantes que sopram
nos Estados Unidos. Uma era mais partidária agora se aproxima para a gigante da
mídia social e seus líderes corporativos, embora o próprio Mark Zuckerberg
tenha poucas políticas pessoais além da ambição", afirma uma análise do
editor de tecnologia do Guardian, Blake Montgomery.
"O CEO
Zuckerberg anunciou as mudanças enquanto tenta ganhar aprovação do novo governo
de Donald Trump, demonstrando até onde ele está disposto a ir para ganhar a
aprovação do presidente eleito", diz a análise. "Zuckerberg acredita
que Trump está ditando os termos do discurso dominante em 2025."
"O Facebook e
o Instagram são tão grandes que seus termos de serviço definem, na prática,
a janela de Overton [espectro de
ideias toleradas na sociedade em determinado momento] para conversas online em
todo o mundo."
O Guardian também
publicou um artigo de opinião do jornalista Chris Stokel-Walker, autor de
livros sobre o YouTube e o TikTok, intitulado: "Uma nova era de mentiras:
Mark Zuckerberg acaba de inaugurar um evento de extinção da verdade nas redes
sociais".
"O comentário
mais 'apito de cachorro' [mensagem cifrada enviada a grupos políticas — nesse
caso, aos eleitores de Trump] foi uma observação de que a Meta estaria movendo
o que restava de suas equipes de confiança, segurança e moderação de conteúdo
para fora da Califórnia liberal e sua moderação de conteúdo dos EUA agora seria
baseada no Texas, um Estado republicano ferrenho", diz Stokel-Walker.
"Só faltou no
vídeo Zuckerberg usar um boné MAGA (sigla em inglês para "torne a América
grande de novo", o slogan de Trump) e portar uma espingarda", diz o
texto. "De certa forma, você não pode culpar Zuckerberg por se curvar para
Donald Trump. O problema é que sua decisão tem enormes ramificações", diz
o artigo.
"Este é um
evento de nível de extinção para a ideia de verdade objetiva nas mídias sociais
– um organismo que já estava em sistema de suporte de vida, mas sobrevivia em
parte porque a Meta estava disposta a financiar organizações independentes de
verificação de fatos para tentar manter algum elemento de veracidade, livre de
viés político."
·
'Repensando
obediência à esquerda democrata'
Em editorial na
quarta-feira (8/1), o jornal Wall Street Journal elogiou a decisão de
Zuckerberg.
"Um resultado
da vitória de Donald Trump é que os CEOs das empresas estão repensando sua
obediência à esquerda democrata. O exemplo mais recente é a decisão bem-vinda
da Meta esta semana de abandonar seu regime de censura", afirma o jornal
no editorial intitulado "O mea culpa sobre liberdade de
expressão de Mark Zuckerberg".
"Em
um mea culpa para entrar para história, o CEO Mark Zuckerberg retirou
na terça-feira a maioria dos controles de liberdade de expressão da
plataforma."
O Wall Street
Journal lembra que, nos últimos anos, a Meta adotou políticas de checagem de
informação. O jornal afirma que isso foi feito para agradar políticos
democratas.
"Zuckerberg
está redescobrindo a coragem de suas convicções de liberdade de expressão. Em
seus primeiros anos, o Facebook adotou uma abordagem de não intervenção na
moderação de conteúdo. Mas após a eleição de 2016, os democratas criticaram a
plataforma por não fazer mais para remover a desinformação russa, que eles
alegaram ter ajudado Trump a vencer."
O jornal critica o
modelo de moderação implementado pela Meta — e que será abandonado após o
anúncio de Zuckerberg feito na terça-feira (8/1).
"O Facebook
então estabeleceu um sistema obscuro no qual parceiros terceirizados
certificados, como veículos de comunicação e organizações sem fins lucrativos,
checavam os fatos das postagens. As postagens classificadas como enganosas ou
falsas eram rebaixadas nos feeds de usuários. O viés de esquerda nas checagens
de fatos estimulou uma reação conservadora e pressão para emendar a Seção 230
para limitar as proteções de responsabilidade para plataformas online."
O jornal sugere que
a estratégia da Meta é se aproximar de Trump e dos republicanos — e também do
eleitorado americano.
"Essas
mudanças podem ser motivadas em parte pelo desejo da Meta de reparar a relação
com os republicanos que em breve controlarão Washington e evitarão mais
regulamentação [das Big Techs]. Mas Zuckerberg sem dúvida também está
respondendo à mensagem que os eleitores enviaram ao eleger Trump: interrompam o
imperialismo progressista."
"Alguns
conservadores pediram maior regulamentação das plataformas de mídia social sob
a justificativa de que elas são praças públicas de fato. Mas Musk e Zuckerberg
estão mostrando como os mercados, incluindo os mercados políticos, estão
resolvendo o problema da censura. Mais controle do discurso do governo tornaria
isso pior."
O New York Times
afirma que a moderação de conteúdo nas redes sociais é retirada das mãos das
plataformas e colocadas nas mãos dos usuários.
"A Meta
gostaria de apresentar seu próximo verificador de fatos — aquele que
identificará falsidades, escreverá correções convincentes e alertará outros
sobre conteúdo enganoso. É você."
Diz, ainda, que
"uma reviravolta assim teria sido inimaginável após as eleições
presidenciais de 2016 ou mesmo de 2020, quando as empresas de mídia social se
viam como guerreiras involuntárias na linha de frente de uma guerra de
desinformação".
"Mentiras
generalizadas durante a eleição presidencial de 2016 desencadearam reação
pública e debate interno nas empresas de mídia social sobre seu papel na
disseminação das notícias falsas. As empresas responderam investindo milhões em
esforços de moderação de conteúdo, pagando verificadores de fatos
terceirizados, criando algoritmos complexos para restringir conteúdo tóxico e
lançando uma enxurrada de rótulos de advertência para retardar a disseminação
de falsidades — movimentos vistos como necessários para restaurar a confiança
pública."
Fonte: BBC News
Mundo
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