sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

O que vai mudar no sistema de  checagem de fake news no Facebook e Instagram

Meta anunciou que está abandonando o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram, substituindo-os por "notas da comunidade", em um modelo semelhante ao do X, em que comentários sobre a precisão do conteúdo das postagens são deixados a cargo dos próprios usuários.

O anúncio despertou críticas de ativistas contra o discurso de ódio na internet, que dizem que o ambiente online ficará menos seguro com a mudança. Já outros elogiaram o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, por colocar fim à "censura" no Facebook e Instagram.

A decisão da Meta vale apenas nos Estados Unidos. A empresa ainda não anunciou nenhuma mudança na checagem de fake news em outros países, como o Brasil, mas avisou que isso vai acontecer no futuro.

Mas como funciona exatamente a checagem independente de fake news no Facebook e Instagram hoje?

<><> Quem faz a checagem de dados do Facebook e Instagram?

A checagem de fake news em postagens não é feita por uma equipe da Meta. Ela é feita por agências credenciadas junto à Rede Internacional de Verificação de Fatos (em inglês, International Fact-Checking Network — ou IFCN), uma entidade não-partidária dedicada à checagem de fake news.

"Não achamos que uma empresa privada como a Meta deva decidir o que é verdadeiro ou falso, e é exatamente por isso que temos uma rede global de parceiros de verificação de fatos que revisam e classificam de forma independente potenciais desinformações no Facebook, Instagram e WhatsApp", diz um post de junho de 2021 do blog da Meta que explica como funciona o sistema.

"O trabalho deles nos permite agir e reduzir a disseminação de conteúdo problemático em nossos aplicativos", prossegue o texto.

A Rede Internacional de Verificação de Fatos (IFCN) foi criada pelo Instituto Poynter, uma organização sem fins lucrativos que diz ser dedicada à promoção do jornalismo imparcial e ético. A rede foi lançada em 2015 reunindo a comunidade de verificadores de fatos ao redor do mundo.

O Instituto Poynter é dono do jornal Tampa Bay Times, na Flórida, e concede prêmios a jornalistas americanos consagrados — como Tom Brokaw, Bob Woordward, Carl Bernstein, Anderson Cooper e Katie Couric.

Segundo a Meta, "todos os parceiros de verificação de fatos da Meta passam por um rigoroso processo de certificação com o IFCN".

Para ser um agente de verificação usado pela Meta, é preciso seguir critérios "como não partidarismo e equilíbrio, transparência de fontes, transparência de financiamento e organização, transparência de metodologia e política de correções aberta e honesta".

A aprovação é dada pelo IFCN. No Brasil, as agências certificadas pelo IFCN são a Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere.

Nos EUA, há 13 agências certificadas: AP Fact Check, Check Your Fact, El Detector/Univision Noticias, FactCheck.org, Lead Stories, PolitiFact, Reuters, Snopes.com, T Verifica — Noticias Telemundo, The Dispatch, The Washington Post Fact Checker, USA Today e Wisconsin Watch.

<><> Como funciona a checagem de fake news no Facebook e Instagram hoje?

A checagem acontece em três etapas:

1- Identificação de fake news: postagens com conteúdo potencialmente falso são identificadas por usuários e comunidades da Meta ou pelos próprios verificadores de fatos, que têm liberdade para isso. Inteligência artificial também é usada: máquinas identificam sinais como quais pessoas estão respondendo e quão rápido o conteúdo está se espalhando. A Meta redobra os esforços para identificação de conteúdo falso em grandes eventos como durante a pandemia, eleições, desastres naturais e conflitos.

2 - Revisão: os verificadores revisam e classificam a precisão das histórias por meio de relatórios, o que pode incluir entrevistas com fontes primárias, consulta de dados públicos e realização de análises de mídia, incluindo fotos e vídeos.

3- Ação: a Meta nunca remove nenhum conteúdo com base nessa checagem, nem bloqueia contas. Conteúdos só são removidos quando existe violação dos Padrões da Comunidade, que são as políticas de uso da plataforma e não têm ligação com o programa de verificação de fatos.

Os verificadores classificam fatos com falsos. Com base nisso, a Meta reduz significativamente a distribuição desse conteúdo para que menos pessoas o vejam. As pessoas que compartilharam esse conteúdo anteriormente ou tentam compartilhá-lo são notificadas de que a informação é falsa, e é colocado um rótulo de aviso com link para o relatório do verificador de fatos, refutando a alegação com o relatório original.

<><> Como vai funcionar a checagem de fake news a partir de agora?

Mark Zuckerberg anunciou que vai encerrar o atual programa de verificação de fatos por agentes terceirizados nos Estados Unidos e vai a migrar para um programa de "notas da comunidade" — em que postagens com conteúdo falso são rotuladas com comentários feitos pela comunidade de usuários, e não por verificadores independentes terceirizados.

"Vimos essa abordagem funcionar no X, onde eles capacitam sua comunidade a decidir quando as postagens são potencialmente enganosas e precisam de mais contexto, e pessoas de diversas perspectivas decidem que tipo de contexto é útil para outros usuários verem", justificou a Meta.

"Assim como no X, as Notas da Comunidade exigirão acordo entre pessoas com diversas perspectivas para ajudar a evitar classificações tendenciosas. Pretendemos ser transparentes sobre como diferentes pontos de vista informam as notas exibidas em nossos aplicativos e estamos trabalhando na maneira certa de compartilhar essas informações."

<><> O que a Meta alega para fazer a mudança?

Em julho de 2021, a Meta elogiava em seu blog os resultados do programa de checagem com verificadores terceirizados.

"Pesquisamos pessoas que viram essas telas de aviso [de postagem com conteúdo falso] na plataforma e descobrimos que 74% delas achavam que viam a quantidade certa ou estavam abertas a ver mais rótulos de informações falsas — com 63% das pessoas achando que eles eram aplicados de forma justa."

No entanto, nesta semana Mark Zuckerberg disse que o programa não está funcionando como proposto.

"A intenção do programa era que esses especialistas independentes dessem às pessoas mais informações sobre as coisas que elas veem online, particularmente boatos virais, para que pudessem julgar por si mesmas o que viam e liam", disse Joel Kaplan, chefe de Assuntos Globais da Meta, em postagem no blog da empresa.

"Não foi assim que as coisas aconteceram, especialmente nos Estados Unidos. Especialistas, como todos os outros, têm seus próprios preconceitos e perspectivas. Isso apareceu nas escolhas que alguns fizeram sobre quais fatos verificar e como."

"Com o tempo, acabamos com muito conteúdo sendo verificado que as pessoas entenderiam como discurso e debate político legítimos. Nosso sistema então anexou consequências reais na forma de rótulos intrusivos e distribuição reduzida. Um programa destinado a informar com muita frequência se tornou uma ferramenta para censurar."

Críticos de Zuckerberg, no entanto, dizem que a mudança foi feita para aproximar a Meta do governo de Donald Trump.

<><> O que diz o parceiro de checagem sobre a mudança da Meta?

A decisão da Meta de abandonar o sistema de checagem foi criticada pelo Instituto Poynter, do IFCN, o parceiro responsável por indicar as agências terceirizada que hoje realizam a checagem de dados.

O Poynter publicou um artigo intitulado "Meta tentará verificação de fatos por crowdsourcing [colaboração coletiva]. Entenda por que isso não vai funcionar", escrito por Alex Mahadevan, que é diretor do projeto MediaWise, do Poynter, de alfabetização em mídia digital, que ensina pessoas de todas as idades a identificar informações falsas online.

"Eu não pensei que isso aconteceria tão cedo, mas os líderes da indústria de tecnologia estão de olho no sistema inovador e barato desde que o Twitter lançou o Birdwatch — agora o Community Notes do X — em 2021. Também tenho observado a plataforma e passei inúmeras horas vasculhando dados das Notas da Comunidade para determinar que a verificação de fatos de crowdsourcing, na forma proposta, não funciona", disse Mahadevan.

Ele lista três motivos.

1. O algoritmo usado para escolher quais "verificações de fatos" aparecem nas postagens requer concordância de "várias perspectivas". "Em um mundo hiperpolarizado, é quase impossível fazer com que dois lados concordem em qualquer coisa, muito menos em fatos que desmascarem a desinformação política", diz Mahadevan.

"No X, menos de 9% das notas propostas terminam com esse acordo. E muito, muito poucas delas abordam desinformação política e de saúde prejudicial. A escala prometida pela verificação de fatos de crowdsourcing é uma miragem."

2. Muitas Notas da Comunidade propostas e públicas ainda contêm desinformação, segundo o diretor da Poynter. "Minhas análises descobriram que os usuários são muito ruins em sinalizar postagens que são realmente verificáveis ​​— em grande parte marcando opiniões ou previsões — e usam fontes tendenciosas, ou outras postagens X, para apoiar suas descobertas", diz.

3. O crowdsourcing como forma de checagem de fatos, embora promissor, ainda estaria em um estágio experimental.

"Uma análise que fiz com Alexios Mantzarlis, diretor da Security, Trust & Safety Initiative na Cornell Tech, mostrou que as Notas da Comunidade foram ineficazes no dia da eleição. É irresponsável lançar um produto como esse — 'nos próximos meses' — em plataformas tão grandes como o Facebook e o Instagram", afirma Mahadevan.

 

¨      'Meta mudou para direita, seguindo ventos políticos nos EUA': as reações da imprensa internacional

Jornais no mundo todo repercutiram a decisão de abandonar o uso de checagem independente de fatos no Facebook e no Instagram, substituindo-os por "notas da comunidade", em um modelo semelhante ao do X, em que comentários sobre a precisão do conteúdo das postagens são deixados a cargo dos próprios usuários.

Em vídeo publicado no blog da empresa na terça-feira (7/1), o presidente-executivo da empresa, Mark Zuckerberg, disse que os moderadores profissionais são "muito tendenciosos politicamente" e que era "hora de voltar às nossas raízes, em torno da liberdade de expressão".

Uma análise publicada no jornal britânico The Guardian afirma que a decisão de Zuckerberg inaugura uma fase de "política partidária da gigante de redes sociais", com o seu CEO "perseguindo o apoio de Trump".

"A Meta está mudando para a direita, seguindo os ventos políticos predominantes que sopram nos Estados Unidos. Uma era mais partidária agora se aproxima para a gigante da mídia social e seus líderes corporativos, embora o próprio Mark Zuckerberg tenha poucas políticas pessoais além da ambição", afirma uma análise do editor de tecnologia do Guardian, Blake Montgomery.

"O CEO Zuckerberg anunciou as mudanças enquanto tenta ganhar aprovação do novo governo de Donald Trump, demonstrando até onde ele está disposto a ir para ganhar a aprovação do presidente eleito", diz a análise. "Zuckerberg acredita que Trump está ditando os termos do discurso dominante em 2025."

"O Facebook e o Instagram são tão grandes que seus termos de serviço definem, na prática, a janela de Overton [espectro de ideias toleradas na sociedade em determinado momento] para conversas online em todo o mundo."

O Guardian também publicou um artigo de opinião do jornalista Chris Stokel-Walker, autor de livros sobre o YouTube e o TikTok, intitulado: "Uma nova era de mentiras: Mark Zuckerberg acaba de inaugurar um evento de extinção da verdade nas redes sociais".

"O comentário mais 'apito de cachorro' [mensagem cifrada enviada a grupos políticas — nesse caso, aos eleitores de Trump] foi uma observação de que a Meta estaria movendo o que restava de suas equipes de confiança, segurança e moderação de conteúdo para fora da Califórnia liberal e sua moderação de conteúdo dos EUA agora seria baseada no Texas, um Estado republicano ferrenho", diz Stokel-Walker.

"Só faltou no vídeo Zuckerberg usar um boné MAGA (sigla em inglês para "torne a América grande de novo", o slogan de Trump) e portar uma espingarda", diz o texto. "De certa forma, você não pode culpar Zuckerberg por se curvar para Donald Trump. O problema é que sua decisão tem enormes ramificações", diz o artigo.

"Este é um evento de nível de extinção para a ideia de verdade objetiva nas mídias sociais – um organismo que já estava em sistema de suporte de vida, mas sobrevivia em parte porque a Meta estava disposta a financiar organizações independentes de verificação de fatos para tentar manter algum elemento de veracidade, livre de viés político."

·        'Repensando obediência à esquerda democrata'

Em editorial na quarta-feira (8/1), o jornal Wall Street Journal elogiou a decisão de Zuckerberg.

"Um resultado da vitória de Donald Trump é que os CEOs das empresas estão repensando sua obediência à esquerda democrata. O exemplo mais recente é a decisão bem-vinda da Meta esta semana de abandonar seu regime de censura", afirma o jornal no editorial intitulado "O mea culpa sobre liberdade de expressão de Mark Zuckerberg".

"Em um mea culpa para entrar para história, o CEO Mark Zuckerberg retirou na terça-feira a maioria dos controles de liberdade de expressão da plataforma."

O Wall Street Journal lembra que, nos últimos anos, a Meta adotou políticas de checagem de informação. O jornal afirma que isso foi feito para agradar políticos democratas.

"Zuckerberg está redescobrindo a coragem de suas convicções de liberdade de expressão. Em seus primeiros anos, o Facebook adotou uma abordagem de não intervenção na moderação de conteúdo. Mas após a eleição de 2016, os democratas criticaram a plataforma por não fazer mais para remover a desinformação russa, que eles alegaram ter ajudado Trump a vencer."

O jornal critica o modelo de moderação implementado pela Meta — e que será abandonado após o anúncio de Zuckerberg feito na terça-feira (8/1).

"O Facebook então estabeleceu um sistema obscuro no qual parceiros terceirizados certificados, como veículos de comunicação e organizações sem fins lucrativos, checavam os fatos das postagens. As postagens classificadas como enganosas ou falsas eram rebaixadas nos feeds de usuários. O viés de esquerda nas checagens de fatos estimulou uma reação conservadora e pressão para emendar a Seção 230 para limitar as proteções de responsabilidade para plataformas online."

O jornal sugere que a estratégia da Meta é se aproximar de Trump e dos republicanos — e também do eleitorado americano.

"Essas mudanças podem ser motivadas em parte pelo desejo da Meta de reparar a relação com os republicanos que em breve controlarão Washington e evitarão mais regulamentação [das Big Techs]. Mas Zuckerberg sem dúvida também está respondendo à mensagem que os eleitores enviaram ao eleger Trump: interrompam o imperialismo progressista."

"Alguns conservadores pediram maior regulamentação das plataformas de mídia social sob a justificativa de que elas são praças públicas de fato. Mas Musk e Zuckerberg estão mostrando como os mercados, incluindo os mercados políticos, estão resolvendo o problema da censura. Mais controle do discurso do governo tornaria isso pior."

O New York Times afirma que a moderação de conteúdo nas redes sociais é retirada das mãos das plataformas e colocadas nas mãos dos usuários.

"A Meta gostaria de apresentar seu próximo verificador de fatos — aquele que identificará falsidades, escreverá correções convincentes e alertará outros sobre conteúdo enganoso. É você."

Diz, ainda, que "uma reviravolta assim teria sido inimaginável após as eleições presidenciais de 2016 ou mesmo de 2020, quando as empresas de mídia social se viam como guerreiras involuntárias na linha de frente de uma guerra de desinformação".

"Mentiras generalizadas durante a eleição presidencial de 2016 desencadearam reação pública e debate interno nas empresas de mídia social sobre seu papel na disseminação das notícias falsas. As empresas responderam investindo milhões em esforços de moderação de conteúdo, pagando verificadores de fatos terceirizados, criando algoritmos complexos para restringir conteúdo tóxico e lançando uma enxurrada de rótulos de advertência para retardar a disseminação de falsidades — movimentos vistos como necessários para restaurar a confiança pública."

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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