Eduardo
Vasco: Venezuela - a realidade se impõe à fantasia
A oposição golpista vai
chiar, mas Maduro tomará posse como presidente reeleito da Venezuela no próximo
dia 10. Tentou-se criar um clima de instabilidade no país, com os boatos de que
o derrotado Edmundo González Urrutia, “exilado” em Madri, voltaria triunfante e
seria investido no lugar de Maduro.
“Eles estão mais fracos do
que nunca”, gritou María Corina Machado, agente dos EUA, ao repetir sua eterna previsão de um colapso iminente do governo
chavista. Mas eles mesmos sabem que, ao menos neste momento, não há nenhum
clima para uma segunda fase da ofensiva golpista, após dias de intensa
violência opositora no final de julho, em resposta à derrota nas urnas.
Urrutia, um fantoche de
Corina, não sabe nem mesmo quem seriam os seus ministros, a poucos dias da sua
posse de brincadeirinha. “Não pensei nisso ainda”, disse ele no final de
dezembro à CNN.
Acreditava-se que se
conseguiria repetir com Urrutia o que a direita, orientada pelos EUA, fez com
Juan Guaidó poucos anos atrás. Naquela vez, a oposição criou uma Assembleia
Nacional paralela e conseguiu desviar para ela o dinheiro do governo que havia
sido roubado pelos Estados Unidos. Mas a oposição agora está extremamente
enfraquecida.
Durante as últimas eleições,
a oposição gastou muito dinheiro produzindo e disseminando propaganda barata
contra o governo. Os recursos se esgotaram e não há mais nenhuma coesão entre
as lideranças.
Ao menos por ora, o governo
tem conseguido um sucesso maior do que no combate às desestabilizações
anteriores. De fato, como era previsto, a hegemonia
política e institucional e as alianças do chavismo neutralizaram o impacto mais agressivo vindo da direita e do
governo dos Estados Unidos.
Agora os recursos
energéticos da Venezuela poderão ser destinados a investimentos sociais (77,6%,
conforme o orçamento de 2025) e não às matrizes das empresas petrolíferas
estrangeiras. China, Rússia e o BRICS elevarão o nível das parcerias com o
país, contribuindo para a diversificação da economia venezuelana.
Isso não é o que o
imperialismo gostaria. Foi assim que a nova (e já velha) campanha de “fraude”
foi montada. Passou o mesmo na maioria das 30 eleições (municipais, estaduais e
nacionais) anteriores. O discurso de “fraude” só não se disseminou quando a
direita venceu, porque obviamente não convinha.
Na Geórgia acontece o mesmo.
O partido Sonho Georgiano – que sempre teve uma política favorável à União
Europeia e aos EUA – se tornou mais pragmático e agora propõe uma neutralidade
no conflito Ocidente vs. Rússia. Foi o suficiente para todo o aparato da
propaganda imperialista rotulá-lo como “pró-russo” e que sua vitória nas
eleições parlamentares teria sido fraudada. Uma revolução colorida foi tentada
(aos moldes do Maidan ucraniano e das guarimbas venezuelanas), mas com pouca
força.
Salomé Zurabishvili,
presidenta da Geórgia de cidadania francesa, cumpriu o mesmo papel de María
Corina. Não reconheceu a vitória dos seus rivais nas eleições parlamentares nem
presidenciais e não quis deixar a presidência após o término de seu mandato.
Saiu pela porta dos fundos do palácio presidencial, sem o apoio popular que
pensou que teria.
A Romênia não teve a mesma
sorte. Calin Georgescu, um candidato independente que também buscava uma
neutralidade na relação Ocidente-Rússia, venceu o primeiro turno. Dizia-se que
ele havia impulsionado sua campanha no Tik Tok de maneira suspeita, mas de
repente a grande desculpa para anular sua vitória foi uma “interferência russa”
a seu favor. Pura propaganda e nenhuma evidência. Resultado: não apenas a
vitória de Georgescu foi anulada, como a eleição inteira. O então presidente,
Marcel Ciolacu, foi então declarado o vencedor, mesmo sob os protestos dos
outros candidatos.
Na posse, Ciolacu anunciou
um novo arrocho fiscal: “neste mandato, não tenho a intenção de ser popular,
mas sim extremamente eficiente.”
Claro que as autoridades
eleitorais da Romênia foram aplaudidas pela União Europeia e os EUA, os mesmos
que consideram Maduro um ditador ilegítimo.
Os venezuelanos, apesar de
mais uma vitória, devem abrir o olho. O secretário de Estado de Donald Trump,
Marco Rubio, é um antocomunista ferrenho e há anos vem trabalhando, desde
quando era senador, pela derrubada do regime chavista. Agora terá mais poder do
que nunca para concretizar os seus anseios – que são os mesmos de todo o
aparato imperialista, e os do próprio Trump.
¨ Parlamento da Venezuela pedirá prisão imediata Edmundo
González caso ele retorne ao país
A Assembleia
Nacional da Venezuela, Parlamento unicameral do país, solicitará a prisão
imediata de Edmundo González se ele entrar no país, anunciou o presidente do
órgão legislativo, Jorge Rodríguez, neste domingo (5).
Asilado na Espanha
desde que se recusou a reconhecer o resultado eleitoral da Comissão Nacional
Eleitoral (CNE), González iniciou no sábado (4) um tour por países americanos
em busca de apoio a sua autoproclamação como presidente da Venezuela.
Em
falas, Edmundo González Urrutia reforçou que retornará ao país
tomar posse no
lugar de Nicolás Maduro. As falas foram classificadas como "uma série
de bobagens" pelo líder do Parlamento venezuelano Jorge Rodríguez.
"Ele vem
dizendo uma série de bobagens, inclusive dizendo que retornará à República
Bolivariana da Venezuela. Somos obrigados a contribuir com a Procuradoria Geral
da República [...] solicitaremos, se ele tocar em um único centímetro de
terra na República Bolivariana da Venezuela, sua prisão imediata por
violar a Lei Orgânica Simón Bolívar", disse Rodríguez.
Em seu tour,
González já se encontrou com o presidente da Argentina, Javier Milei, e
com o uruguaio, Luis Lacalle Pou. Ele ainda se encontrará com o presidente
norte-americano Joe Biden e visitará o Panamá e a República
Dominicana antes de, supostamente, prosseguir para a posse na Venezuela.
A posse presidencial
venezuelana está
marcada para acontecer na próxima sexta-feira (10). Segundo os dados do
CNE, Maduro foi reeleito com 51,20% dos votos contra 44,2% de González.
O opositor clamou
vitória ao apresentar atas paralelas de votação. Para entender o caso, o
Ministério Público convocou todos os dez candidatos para prestar
depoimento, mas González se
recusou a comparecer.
Desde então ele foi
acusado de usurpação de funções, falsificação de documento público, instigação
à desobediência de leis, formação de quadrilha, sabotagem para danificar
sistemas, associação criminosa, traição à pátria e lavagem de dinheiro.
González recebeu um
salvo-conduto para se exilar na Espanha e, antes de sair do país, assinou um
documento em que reconhecia sua derrota eleitoral. Assim que chegou ao país
europeu, no entanto, começou a discursar contra o governo venezuelano e se
autoproclamou vencedor do pleito.
O ministro das
Relações Interiores, Justiça e Paz, Diosdado Cabello, garantiu que não há
possibilidade de González regressar ao país sem responder à justiça pelos
crimes imputados.
Da mesma forma,
Rodríguez afirmou ex-líderes latino-americanos que entrarem ilegalmente no país
serão considerados "persona non grata" e serão tratados como
"invasores" em solo venezuelano.
O líder do
Parlamento fez referência aos ex-presidentes membros do Grupo IDEA
(Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas), que pretendem acompanhar
González em sua tentativa de entrar na Venezuela no dia 10 para ser empossado.
Antes, os
ex-presidentes se encontrarão com o opositor no Panamá em 8 de janeiro. São
eles: Felipe Calderón e
Vicente Fox, do México; Mario Abdo Benítez, do Paraguai; Jorge Quiroga, da
Bolívia; Jamil Mahuad, do Equador, e Mireya Moscoso e Ernesto Pérez-Balladares,
do Panamá.
"Virão sem ter
qualquer tipo de autorização das autoridades legítimas da Venezuela para entrar
no território, portanto, na primeira sessão da Assembleia Nacional de
terça-feira (7) solicitarei que esse bando de traidores seja declarado
persona non grata [...] isso não pode ser considerado nada além de um ato
de invasão e eles serão tratados como invasores."
¨ Generais do golpe militar de 2009 em Honduras são
presos e acusados de assassinato
O Ministério
Público de Honduras apresentou neste domingo (5) acusações contra os generais
envolvidos no golpe de estado que derrubou o então presidente Manuel Zelaya em
28 de junho de 2009.
Em uma declaração,
o MP especificou que os acusados são o ex-chefe do
Estado-Maior Conjunto na época do golpe, Romeo Vásquez Velásquez, o
vice-chefe, Venancio Cervantes Suazo, e o ex-chefe do Comando de Operações
Especiais, Carlos Roberto Puerto.
O advogado de
Vázquez Velázquez, Fernando González, anunciou que o
oficial militar aposentado foi preso na manhã de domingo (5), assim
como seu segundo em comando na época, Venancio Cervantes.
Ele acrescentou que
a ação legal se baseia "na presunção de que eles são responsáveis pelo crime de homicídio e ferimentos graves contra os
cidadãos Isis Obed Murillo Mencías e Alex Roberto Zavala, ocorridos em 5 de
julho de 2009."
Murillo
Mencía perdeu a vida após receber um tiro na cabeça enquanto participava
de uma manifestação pacífica perto do aeroporto, enquanto Alex
Zavala morreu devido a ferimentos graves em consequência de tiros
disparados por membros das Forças Armadas.
Naquele dia,
centenas de milhares de pessoas marcharam em Tegucigalpa em direção ao
aeroporto internacional para dar as boas-vindas a Manuel Zelaya, que havia
anunciado seu retorno ao país para retomar sua posição como presidente
constitucional, mas os militares
bloquearam a pista e
impediram que o avião em que ele viajava pousasse.
O avião sobrevoou o
aeroporto e a multidão antes de ser forçado a se retirar, após o que
a polícia de choque e os militares dispersaram os manifestantes com gás
lacrimogêneo e tiros, segundo nota correspondente o correspondente da
Sputnik que estava relatando os eventos no local.
"De acordo com
as investigações do Ministério Público, as ações dos militares foram
brutalmente desproporcionais, pois dispararam indiscriminadamente com
rifles de alta potência e alto calibre (M-16) contra cidadãos que estavam
exercendo seu direito de se manifestar pacificamente", disse o MP no
comunicado.
O MP afirmou que
essas ações que resultaram em mortes e ferimentos graves não foram atos
isolados, mas crimes cometidos por membros das forças armadas sob ordens
diretas do chefe do Estado-Maior Conjunto, do vice-chefe e do diretor de
Operações Especiais.
Os altos escalões
do Exército são "diretamente responsáveis por
comandar e planejar a operação". disse o MP.
"Eles não
apenas falharam em seu dever de supervisionar e controlar seus subordinados,
mas com pleno conhecimento dos fatos, permitiram e facilitaram essas
atrocidades."
"Sua
negligência e inação constituíram graves violações dos direitos humanos,
deixando os manifestantes à mercê de uma força militar que agiu com violência
desumana e excessiva", disse o Ministério Público em sua declaração.
Enquanto isso, o
ex-general Vázquez Velázquez, que liderou o golpe contra Zelaya, confirmou sua
prisão na rede social X e disse que foi injustamente capturado "pelo
governo comunista", pelo qual se declarou vítima de perseguição política.
Vásquez Velásquez
foi candidato a presidente de Honduras na eleição de 2021, ficando na
quinta posição com 0,2% dos votos. Na mesma eleição, Xiomara Castro,
esposa de Manuel Zelaya, venceu o pleito com
51,12%.
¨
A ofensiva
americana contra o México: muito além de Trump. Por Hugo Albuquerque
O presidente mexicano López
Obrador, do progressista Movimento de Regeneração Nacional (Morena), consagrou
um novo método de comunicação das massas no seu mandato (2018-2024): a Mañanera,
uma coletiva de imprensa na qual ele se dedicava a tratar dos problemas do país
no cara-a-cara. Isso foi mantido pela sua sucessora, Claudia Sheinbaum, que
agora se viu obrigada a responder uma reportagem sensacionalista do New York Times.
Nesse caso, o jornal americano,
conhecido por se opor a Donald Trump, resolveu fazer uma reportagem na qual
seus jornalistas teriam testemunhado a produção de fentanil, um opioide
sintético, em caráter clandestino numa cozinha de uma cidade mexicana. O relato
espetaculoso ignorou que a produção da droga exige laboratórios profissionais,
uma vez que a manipulação do princípio ativo da substância é letal.
Toda a história, além da
provável fake news de um renomado periódico no qual se
produziria “jornalismo profissional”, mostra um realinhamento do campo liberal
americano, que favorece ao trumpismo – cuja nova encarnação tem abusado da
retórica de bravatas contra vizinhos, sobretudo o México, a quem é atribuída a
responsabilidade seja pela imigração ilegal ou pela epidemia de vício em
fentanil nos Estados Unidos.
<>< Sheinbaum
contra-ataca com estilo
Cientista de formação, Claudia
Sheinbaum é filha da classe média imigrante europeia e ilustrada que viu no
México um porto seguro durante o século 20. Além de construtora do partido
Morena com López Obrador, ela se transformou em sua sucessora e mantém os
mesmos métodos de comunicação com as massas de seu antecessor, embora
imprimindo seu estilo próprio.
Essa forma de comunicação
direta, associada às políticas sociais e populares do partido, foi chave para a
construção de uma estável hegemonia, inédita no país desde a fragmentação do
Partido Revolucionário Institucional (PRI) nos anos 1980, quando a cúpula dele
se moveu à direita. O périplo até a fundação do Morena foi uma longa marcha,
cheia de acidentes e lições importantes.
No meio do caminho, houve ainda
a fundação do Partido Revolucionário Democrático (PRD) em 1989, hoje vergado ao
liberalismo, até que se chegasse ao momento atual, com sua ala esquerda
transformada em movimento e depois partido em 2011. A comunicação direta do
presidente com as massas – e agora, da presidenta – foi um
ponto central para solidificar o partido, que desde 2018 é a maior força
política do México.
Voltando à vaca fria, Sheinbaum
preferiu tratar diretamente de uma narrativa – em um meio supostamente sério –
que corrobora com os ataques da extrema direita americana ao seu país, e ela
demonstra estar disposta a um antagonismo que López Obrador resolveu evitar,
inclusive no primeiro mandato de Trump. Hoje, a situação entre os dois países
escala vertiginosamente, em um verdadeiro terremoto geopolítico.
Enquanto ataca o Canadá, que
passará por eleições antecipadas que devem eleger a direita radical, o caso mexicano é diferente:
Trump fustiga, mas com cuidado, uma vez que a liderança de esquerda é extremamente popular, ao contrário do liberal
Justin Trudeau, longevo premiê canadense e seu desafeto, que se tornou um pato
manco. E ambos os países são alvo da política mais geral de Trump, mas também
importantes bodes expiatórios.
<>< A epidemia de
fentanil: a praga do ópio chega à América
Opioide sintético dezenas de
vezes mais potente que a morfina, o fentanil se tornou uma verdadeira praga nos
Estados Unidos nos últimos anos. A conjunção da falta de um sistema público de
saúde e o crescimento da desigualdade social e da miséria empurra as massas
para a automedicação ou a drogadição pura e simples. Isso se tornou, neste
exato instante, um dos maiores problemas americanos.
Chega a ser profundamente
irônico que em tempos de rivalidade americana com a China, que se livrou de uma
praga de opioides induzida pelos ingleses entre o século 19 e 20, que os
Estados Unidos estejam de um problema dessa ordem. As causas, obviamente, são
outras, apesar da narrativa construída pelos próprios democratas de que a China
teria algo a ver com isso – em uma outra elucubração sobre as causas desse
mesmo mal.
É claro que o histórico chinês,
de que uma praga de vício em ópio criada tanto como comércio espúrio quanto
como arma de guerra, ocorre a anglo-saxões em geral, posto que em geral se mede
as coisas tendo a si mesmo como régua. Faltam evidências mais gerais, muito
embora o fentanil, ora como arma da rival China se torne, rapidamente, também,
uma ameaça trazida pelo México, uma espécie de Estado-pária e origem de todos
os males.
Deixando um recorde de moradores de rua, muitos ex-veteranos com
sequelas graves e militares sem tratamento médico adequado, além das
intercorrências causadas pela falta de uma saúde pública, Joe Biden foi o
presidente sob o qual a praga do fentanil explodiu como a grande causa de morte de jovens no
seu país –
e isso, sem dúvida, foi uma das principais (ou pelo menos uma das mais
visíveis) causas para o retorno curioso de Trump à Casa Branca.
Como é mais fácil culpar um
inimigo externo, e assim se desobrigar ainda usando isso de subterfúgio com
outros objetivos: nesse sentido, Trump, flexionando o “fentanil que vem da
China” para o “fentanil mexicano”, chega a uma superstição que se volta aos
planos, mas encontra o New York Times, seu rival que chegou a dizer
recentemente que ele seria “incapaz para liderar”.
<><> O que querem
os americanos?
Desde o antigo Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (Nafta, em inglês) de 1994, substituído pelo
Acordo Estados Unidos-México-Canadá (Umsca, em inglês) em 2020, não só a
dependência comercial de México e Canadá cresceu em relação aos Estados Unidos
como, ainda, a qualidade de vida desses países caiu consideravelmente – o
México, até a volta do Morena, bateu na lona.
Em termos comerciais, no entanto,
os Estados Unidos se tornaram deficitários em relação
ao México,
porque o Nafta significou o deslocamento do capital americano para produzir sob
custos menores – principalmente pelos salários precarizados – do outro lado da
fronteira. Não à toa, Trump transformou o Nafta em um alvo preferencial da sua
retórica demagógica de recuperação de empregos – enquanto aludia à questão dos
imigrantes.
Para além da retórica, o
que os números apontam é que Trump pretendeu
aumentar a exploração dos trabalhadores imigrantes ilegais – muitos deles
mexicanos – em vez de, propriamente, expulsá-los do país. Do outro lado, a
mudança nos marcos de comércio entre Estados Unidos e México não mudaram a
dinâmica de crescimento do déficit do lado americano, o que tem um elemento
interessante: a guerra comercial contra a China.
Se por um lado Trump buscou
criar dificuldades para as importações vindas do México, para estimular a
produção em território americano – embora isso seja menos relevante do que
parece –, por outro a guerra comercial contra a China provocou um boom das
exportações do país asiático para o México, com a própria economia
americana estimulando o país latino como um meio de contornar a política
sancionatória de Washington.
Isso sugere que o fentanil pode
ser um problema causado por China e México, nesse contexto, contra os Estados
Unidos? Nada nos permite dizer isso, inclusive porque a própria retórica
trumpista sempre alterna entre um país e outro, e não creditando a ambos a
causa da epidemia, o que só parece dizer que trata-se um bode expiatório para a
guerra comercial, a qual não é verdadeira nos termos que ela é realizada.
Colocar os déficits comerciais
americanos como um “problema”, por sinal, parte da premissa de que os Estados
Unidos podem suprir, a preços adequados, grande parte da oferta externa – e,
assim, atender a própria e gigantesca demanda. Possivelmente, nem Trump
acredita plenamente nisso, mas sim que tarifas localizadas parecem ter razões
estratégicas e, ainda, ajudam a alavancar setores da economia
americana no mercado de capitais.
O fantasma do fentanil aparece
como dupla mentira, em si mesma e na finalidade do que ela pretende como
instrumento, uma vez que a guerra comercial é tanto mais sobre a bolsa de valores e as
ações das
corporações americanas do que sobre “substituição de importações”. Mas é uma bandeira para
inflamar sua base, construir uma cultura de exploração pelo medo, ainda maior
contra trabalhadores mexicanos, e manter o domínio estratégico sobre o vizinho.
A novidade da história é
o New York Times coincidir com Trump em algo, o que mostra uma
sinalização curiosa. Claudia Sheinbaum faz bem em confrontar o movimento, uma
vez que a dependência comercial do seu país aparece como dependência para
controle da inflação do outro lado. O Livro do Êxodo nos ensina que o faraó
depende mais dos escravos do que o contrário. Desmontar esse ilusionismo do
poder é central para o México – e para o mundo.
Fonte: Brasil
247/Sputnik Brasil/Opera Mundi
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