A eleição presidencial nos EUA e como
enfrentar a nova direita
O cenário político dos
Estados Unidos está marcado por uma guinada à direita, como já escrevemos
anteriormente. Um exemplo claro foi o multitudinário comício de Donald Trump no
Madison Square Garden (MSG), que demonstrou como o trumpismo e a extrema-direita
cresceram em influência e presença. É especialmente notável que essa
demonstração de força tenha ocorrido na cidade de Nova York, um bastião do
Partido Democrata. No estado de Nova York, Trump alcançou nas pesquisas um
apoio próximo a 40%, mais de 10 pontos acima do que obteve contra Biden em
2020. Na vizinha Nova Jersey, de onde provavelmente vieram alguns apoiadores de
Trump para o comício, o ex-presidente tem mais de 40% dos votos e supera seus
resultados de 2020, de acordo com as pesquisas. O comício foi marcado por
racismo, xenofobia, misoginia e transfobia, tanto por parte de Trump quanto de
seus apoiadores. Que Trump tenha conseguido atrair um número tão grande de
pessoas em uma das cidades cultural e politicamente mais progressistas do país
demonstra a força da direita a dois dias de uma eleição que mostra os dois
candidatos empatados.
·
Como chegamos até
aqui?
Teoricamente,
supunha-se que a direita trumpista havia sido derrotada nas eleições de 2020,
mas, de fato, só vimos seu fortalecimento. Isso é resultado de uma variedade de
fatores — alguns dos quais discutiremos neste artigo —, mas um fator-chave é
que, em 2020, após a pandemia e o maior levante social na história dos Estados
Unidos, os Democratas se apresentaram como uma resposta à polarização, uma
tentativa de restabelecer o status quo. Biden chegou ao poder com o mandato de
tentar recuperar a estabilidade tanto no cenário internacional quanto
doméstico, em meio a uma grande crise do capitalismo global e da hegemonia
americana. Desde 2008, a globalização e a ordem neoliberal entraram em crise, e
em alguns lugares seus representantes tradicionais foram substituídos por
figuras de extrema-direita.
Apesar das esperanças
de unir o país, a experiência de muitas pessoas com a administração Biden não
foi positiva. A inflação aumentou, dificultando que trabalhadores e a classe
média conseguissem cobrir suas necessidades básicas durante o tortuoso período
de recuperação econômica pós-pandemia. Os Estados Unidos investiram dinheiro na
guerra na Ucrânia, enquanto os serviços públicos e a infraestrutura do país
estão claramente em decadência, como mostraram as consequências devastadoras do
furacão Helen na Carolina do Norte. Biden e os Democratas são responsáveis e
supervisores de um genocídio na Palestina e a crescente agressão israelense
contra o restante da região, fomentando um novo movimento anti-imperialista com
epicentro nos campi universitários.
Enquanto os Democratas, até mesmo os progressistas, defendiam essencialmente o
status quo, era a direita que se pronunciava contra a inflação e a guerra na
Ucrânia. É Trump quem se apresenta como o candidato “anti-guerra” e quem
capitalizou pela direita o sentimento anti-guerras intermináveis que permeia
uma parte da população americana.
Nesse contexto,
parecia que, de forma semelhante a 2016, Trump e a extrema-direita estavam
dando voz aos sentimentos de descontentamento em todo o país. Esse discurso
parecia mais conectado com as preocupações do estadunidense médio, e sua
mensagem reacionária anti-imigração ganhou popularidade. Os Democratas também
cometeram erros importantes durante a administração Biden. Confiantes de que a
extrema-direita seria mais fácil de combater, canalizaram dinheiro de doadores
Democratas para representantes da extrema-direita nas eleições de meio de
mandato, ajudando a fortalecer sua posição dentro do Partido Republicano.
Em resposta à onda
anti-imigração, alimentada pelas dificuldades econômicas e pela guinada à
direita de setores da própria base social democrata, os democratas se adaptaram
à guinada e começaram a adotar cada vez mais aspectos da plataforma trumpista,
abandonando promessas progressistas a torto e a direito. O fracasso e a
adaptação dos Democratas e de Biden ajudaram a pavimentar o caminho para o
ressurgimento e fortalecimento da extrema-direita.
Outro aspecto-chave de por que a extrema-direita se fortaleceu é o fracasso das
lideranças dos movimentos sociais. Um exemplo claro disso foi a resposta à
decisão da Suprema Corte de nos retirar o direito ao aborto. A Planned
Parenthood, a principal ONG e referência pelos direitos reprodutivos nos
Estados Unidos, arrecadou milhões em doações que usou para financiar campanhas
eleitorais do Partido Democrata. A organização se retirou dos estados onde
parecia que as restrições ao aborto seriam aprovadas, em vez de permanecer e
lutar. Não houve movimento massivo a favor do aborto, como vimos na América
Latina e na Irlanda. O papel da Planned Parenthood foi desorganizar a raiva de
milhões de pessoas e canalizar essa raiva de volta para o Partido Republicano.
Junto a esse fracasso
das ONGs, também assistimos à capitulação da burocracia sindical. Abalados pela
polarização nacional, em alguns casos, os líderes sindicais se deslocaram à
direita, como o presidente dos Teamsters, Sean O’Brien, que compareceu à Convenção
Nacional Republicana, e um chauvinismo crescente em alguns setores do movimento
trabalhista.
Na esquerda, vimos um
novo fenômeno de organização mais militante e preocupada com a opressão que se
desenvolve dentro do movimento trabalhista em grande parte a partir de uma nova
geração formada durante a pandemia e influenciada pelo movimento Black Lives
Matter e pelo sanderismo. Essa nova geração aproximou o movimento operário dos
movimentos sociais por meio de sua aliança com as mobilizações pró-Palestina,
despertando um novo instinto anti-imperialista em setores minoritários, mas
significativos, do movimento operário.
Esse novo espírito
sindical resultou em um aumento das tentativas de organização, mais greves e
mais vínculos entre o movimento operário e os movimentos sociais. Recentemente,
vimos lutas trabalhistas combativas como a greve dos metalúrgicos das automotrizes
Ford, Stellantis e GM (organizados no sindicato da UAW), as greves de
Hollywood, a greve da Universidade da Califórnia contra a repressão ao
movimento pró-Palestina e a recente greve da Boeing, na qual as bases
desafiaram seus líderes para rejeitar um acordo insuficiente e continuar a
greve. No entanto, esse fenômeno carece de representação política independente,
porque suas lideranças — mais claramente visíveis na figura de Shawn Fain —
estão adaptadas ao Partido Democrata e direcionam seus filiados a fazer
campanha para os Democratas. A lógica desses burocratas sindicais de esquerda é
a mesma dos líderes das ONGs: alinhar-se com os Democratas para ajudar a manter
a luta de classes sob controle. Eles não estão utilizando todo o seu poder como
líderes sindicais para lutar contra a direita usando os métodos da classe
trabalhadora.
É possível que, se
Trump vencer ou tentar roubar as eleições, haja uma nova explosão de
resistência. Isso seria incrivelmente auspicioso, e as pessoas que saírem às
ruas devem rejeitar suas lideranças tradicionais e os Democratas, que não nos
trouxeram nada além de uma extrema-direita fortalecida. Em vez disso, devemos
organizar nossa resistência amplamente de baixo para cima com a
auto-organização das bases.
·
Como o Partido
Republicano se reconstruiu como o partido do “anti-wokismo” e como os
democratas se calaram
Embora muitos tenham
segurado o nariz e votado em Biden com a esperança de derrotar o trumpismo, a
extrema-direita efetivamente tomou conta do Partido Republicano nos anos desde
2020.
Vimos um avanço da
extrema-direita em cargos estaduais em todo o país. Assim, conseguiram retomar
a nova estratégia do Partido Republicano — uma estratégia amplamente
solidificada pela campanha para governador de Glenn Youngkin na Virgínia em
2021 —, focando fortemente nos ataques aos “temas woke”, um eufemismo para
atacar os direitos democráticos básicos conquistados pelas lutas dos imensos
movimentos sociais, e frequentemente para atacar em particular os direitos dos
negros e da comunidade LGBTQ.
O movimento
“anti-woke” foi, em parte, uma resposta ao movimento Black Lives Matter, que
levou a luta contra a brutalidade policial contra os negros a uma nova escala,
com pessoas gritando nas ruas “abolir a polícia” e “desfinanciar a polícia”,
que acabou se tornando um slogan amplamente difundido. Embora Derek Chauvin
tenha sido julgado e condenado, as demandas do movimento foram atendidas com
concessões muito limitadas, como as empresas implementando novas medidas de
Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) e as escolas formando pessoal mais
consciente do racismo e da discriminação, além de atualizarem seus currículos
para serem mais inclusivos.
A consequência de como
ocorreu a eleição de 2020 foi uma maior polarização política, e os republicanos
foram capazes de usar essa reação para encontrar um novo caminho após a derrota
de Trump. Eles se levantaram contra o movimento Black Lives Matter, o avanço da
visibilidade trans e a modernização dos currículos escolares, apresentando tudo
isso como “ideologia” vinda das elites e universidades liberais para perturbar
os modos de vida “naturais” e tirar o poder dos pais na educação de seus
filhos. Esse fervor levou a eventos como os ataques às reuniões dos conselhos
escolares nos estados com forte presença MAGA [Make America Great Again], que a
extrema-direita utilizou para conquistar novas posições nos governos local,
estadual e nacional.
De essas posições,
esses políticos foram capazes – especialmente depois que a Suprema Corte
retirou o direito ao aborto e à discriminação positiva – de promover terríveis
leis draconianas que atacavam o direito à autonomia corporal, o direito a uma
educação pública de qualidade e o direito de protestar. A ultradireita
republicana usou o “anti-wokismo” para remodelar o Partido Republicano como um
partido de extrema-direita.
Depois que as eleições
de meio de mandato de 2022 deixaram os republicanos com uma maioria mínima na
Câmara dos Representantes, a representação nacional da extrema-direita no
chamado Freedom Caucus foi capaz de ganhar poder político,
mesmo sendo uma minoria dentro do Partido Republicano no Congresso. Desafiando
até mesmo Trump, o Freedom Caucus assumiu um papel enorme no partido e usou
esse poder para, entre outras coisas, impulsionar essa “guerra contra o woke” a
nível nacional. Embora o principal representante da ala “anti-woke” do partido
– Ron DeSantis – tenha sido derrotado por Trump nas primárias republicanas, a
ultradireita encontrou uma nova figura em ascensão em JD Vance como companheiro
de chapa de Trump.
JD Vance representa
uma ala ligeiramente diferente da ultradireita – que é ideologicamente
heterogênea, variando do nacionalismo cristão a libertários que se tornaram
conservadores –, que se concentra mais na “identidade nacional” e no populismo
de direita do que nas questões “woke”. No entanto, essa ala continua firmemente
contrária aos direitos democráticos, é ferozmente misógina, pró-vida, e
continuará a promover ataques sempre que puder. Poucos dias antes das eleições,
Vance foi ao podcast de Joe Rogan e disse: “A única maneira de [os brancos de
classe média e alta] participarem da burocracia DEI neste país é sendo trans, e
há uma dinâmica acontecendo onde, se você se torna trans, essa é a maneira de
rejeitar seu privilégio branco?”
O senador do Missouri
Josh Hawley, outro representante da mesma ala do partido que Vance, escreveu em
um ensaio publicado em um site populista de direita sobre como o Partido
Republicano pode se aliar aos sindicatos, dizendo que “os executivos de alto escalão
há muito venderam os Estados Unidos, fechando fábricas no país e destruindo
empregos americanos, enquanto usavam os lucros para promover a diversidade,
equidade, inclusão e a religião da bandeira trans”. Com base nessa declaração,
podemos ver como a Nova Direita é capaz de conectar a retórica populista com um
ataque aos “woke”.
À medida que a “guerra
contra o wokismo” avançava, os democratas se encontraram em uma posição
difícil. Eles se moveram para a esquerda em 2020 e tentaram se tornar o partido
que poderia representar o movimento Black Lives Matter e o sentimento generalizado
de apoio ampliado às identidades oprimidas que se desenvolveu ao longo da
presidência de Trump. À medida que os ataques da extrema-direita se espalhavam,
os democratas se viram em uma posição vulnerável, sendo retratados como o
“partido dos woke”.
A revogação de Roe v.
Wade deu aos democratas uma saída perfeita. Eles poderiam defender a demanda
popular pelo aborto legal e abandonar lutas politicamente mais complicadas por
outros direitos, sem perder sua fachada progressista. Assim, essencialmente, a
resposta dos democratas foi recuar e abandonar os slogans mais progressistas
que adotaram em 2020. Enquanto o establishment do partido o conduzia para a
direita, a ala progressista era arrastada junto.
Em 2022, em meio a
esse movimento para a direita, Obama advertiu contra ser um “estraga-prazeres e
[fazer com que as pessoas se sintam] como se estivessem pisando em ovos” – em
relação à linguagem inclusiva –, uma forma elegante de dizer que o partido deveria
abandonar os “temas woke” que poderiam causar desconforto em alguns setores.
Mais importante ainda, eles também usaram a anulação de Roe v. Wade como pouco
mais do que uma ferramenta de campanha para promover seus próprios objetivos
eleitorais. Apesar das promessas de proteger o direito ao aborto, sob um
presidente Democrata, leis contra a autonomia corporal e outros direitos
democráticos continuaram a ser aprovadas. Agora, em 2024, Harris nem mesmo
defende abertamente os direitos das pessoas trans, dizendo apenas que “seguirá
a lei” no caso da atenção de afirmação de gênero para menores, uma enorme
concessão ao fato de que a lei já restringe os direitos das pessoas trans em
mais da metade do país. A realidade é que o cenário de ataques massivos aos nossos
direitos que muitos temem com a volta de Trump já é realidade em muitos
estados, exemplificado por casos devastadores como o de Josseli Barnica, que
morreu no Texas após não receber atendimento durante um aborto espontâneo.
·
Tendências crescentes
ao autoritarismo
Devido à crise do
neoliberalismo e à consequente crise do regime, a opinião pública estadunidense
está perdendo a fé nas instituições governamentais, o que deixou o regime com
menos recursos para governar.
As instituições do
regime bipartidário são anacrônicas diante do nível de polarização, o que pode
levar a respostas autoritárias, como o aumento do poder do executivo. Isso não
tem uma resolução fácil, pois está no contexto do fracasso de uma grande empresa
burguesa — o neoliberalismo — e não há uma alternativa clara ganhando força.
Como disse Ezra Klein para o New York Times: ’Me pergunto se parte do que está
desestabilizando a política agora é um momento aleatório entre ordens, um
momento em que mal se pode começar a ver o esboço borrado de algo novo que está
tomando forma e ambos os partidos estão em plena agitação interna enquanto
tentam se reformular, se agarrar a isso e responder a isso’.
De nossa perspectiva,
a resolução da crise orgânica, que teve diferentes momentos e intensidades no
último período, depende em grande medida da luta de classes e de maiores
confrontos entre as classes.
Com a luta de classes
como uma ameaça real e os dois principais partidos em crise, o regime está
adquirindo características mais autoritárias. Trump e a direita querem ir ainda
mais longe em direção ao autoritarismo e a uma maior concentração de poder nas
mãos do presidente por meio de medidas descritas no chamado Projeto 2025, como
demitir funcionários do governo e substituí-los por aliados políticos, além de
colocar grande parte dos poderes, como o Departamento de Justiça, sob o
controle direto do presidente.
A classe dominante
sabe que é provável que haja mais luta de classes no horizonte e está se
preparando para reprimí-la. Os ataques ao movimento pela Palestina em geral e
ao movimento estudantil em particular mostram como o regime e o Estado integral
estão se preparando para as batalhas que se aproximam. Não devemos subestimar a
ameaça do trumpismo e da nova direita e como uma presidência de Trump pode
realmente acelerar as tendências em direção ao autoritarismo. Mas, ao mesmo
tempo, é importante entender que essas tendências fazem parte do DNA da
situação política e, portanto, afetam ambos os partidos. É por isso que o
Partido Democrata assumiu a responsabilidade de reprimir o movimento palestino,
especialmente em lugares como Nova York, Califórnia e Michigan, desencadeando
uma onda macartista como não se via há décadas contra a juventude.
·
A guerra contra os
’estrangeiros’
Como demonstrou o
comício no MSG, Trump e o novo Partido Republicano concentraram seu arsenal de
ataques no que eles chamam de ’os aliens’: os imigrantes. Especialmente os
negros, caribenhos e latinos, como se viu nos recentes ataques aos imigrantes
haitianos em Ohio. Tanto nos debates presidenciais quanto no comício no MSG,
vimos como Trump acusa os imigrantes de todos os males e pede deportações em
massa, enquanto os democratas respondem que também querem uma postura rígida
contra a imigração.
A chamada “crise
migratória” encabeça a agenda eleitoral no contexto de centenas de milhares de
seres humanos que estão cruzando a fronteira sul desde a América do Sul,
Caribe, América Central, México e outros países, fugindo da intensa penetracão
imperialista, da militarização no marco da guerra contra as drogas, das
mudanças climáticas e da pobreza exacerbada pelos planos de austeridade
impostos pelo FMI em toda a América Latina.
Embora Biden tenha
ganhado a presidência em parte prometendo facilitar a legalização de milhões de
trabalhadores não documentados, uma vez no cargo, ele se encarregou de
construir a parte do muro fronteiriço que Trump fez votar em ambas as câmaras,
continuou ou instituiu novas políticas para acelerar as deportações e rejeitar
os solicitantes de asilo na fronteira, reforçou a presença militar nos estados
fronteiriços e ecoou afirmações falsas de que os migrantes trouxeram uma onda
de criminalidade para as cidades estadunidenses.
Independentemente de a
realidade política do momento pós-eleitoral dar a Donald Trump a capacidade de
implementar deportações em massa, caso vença a presidência, parece claro que,
com um segundo mandato, o candidato republicano endurecerá as políticas anti-imigratórias
e encorajará as milícias anti-imigrantes nos estados onde têm influência. Essa
seria a mudança mais significativa na política de imigração desde a Lei de
Imigração de 1965, basicamente dando um golpe final à política de imigração dos
Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Mesmo que Harris vença, os
ataques contra os imigrantes continuarão. Precisamos de um movimento organizado
de base que contra-ataque. Essa é uma tarefa de toda a classe trabalhadora,
pois a classe trabalhadora nascida nos Estados Unidos deve se solidarizar com
os trabalhadores imigrantes, que são o setor mais vulnerável da classe operária
continental.
·
A Causa Palestina e o
anti-imperialismo
Como é sabido, se há
algo em que Democratas e Republicanos concordam é na aliança incondicional com
Israel. Essa aliança e a ideologia sionista que a sustenta moldaram as
instituições do Estado estadunidense desde o fim da Segunda Guerra Mundial e a
criação do Estado de Israel. O que foi apresentado como uma política de
reparação ao povo judeu em compensação pelo brutal extermínio de judeus
perpetrado pelos nazistas, enquanto as corporações de guerra estadunidenses
lucravam com a ascensão do nazismo, revelou-se diante de centenas de milhares
como o que realmente é: uma justificativa para os Estados Unidos impor um
estado artificial, construído sobre a base da limpeza étnica e deslocamento,
como um enclave de seus interesses no complexo e hostil Oriente Médio. Um
enclave armado até os dentes.
Os jovens e não tão
jovens judeus que se mobilizam nos Estados Unidos em solidariedade com a
Palestina romperam com o sionismo. E essa ruptura, que vem se desenvolvendo há
anos de atividade nos campi universitários liderada pelo movimento BDS, é
profunda. É uma geração que entende e se sente profundamente perturbada pelo
fato de que Israel é um estado de apartheid em expansão, com os métodos de um
colonialismo de colonos.
Esses judeus estão
unidos nas ruas com os jovens palestinos dos bairros árabes das grandes
cidades, como Nova York ou Detroit, que lideram as mobilizações. Muitos, ou
todos, se encontram nas escolas e universidades, que se tornaram laboratórios
de política para essa nova geração com um profundo sentimento
anti-imperialista. Esses jovens têm testemunhado um ano de genocídio através de
seus celulares e se mobilizaram todos os dias desde 8 de outubro do ano
passado. Eles consideram um dever moral não votar nem em Donald Trump nem em
Kamala Harris, que têm as mãos manchadas de sangue palestino. É um movimento
anti-imperialista no coração do império e principal aliado de Israel.
Por isso, tornou-se
uma ’razão de estado’ perseguir o movimento sob o pretexto de antissemitismo,
diante de uma ruptura histórica no seio da diáspora judaica. Para muitos, Gaza
está se tornando o novo Vietnã da juventude estadunidense. Ganhe quem ganhar a
eleição, o genocídio continuará, e nem os Democratas nem os Republicanos serão
os responsáveis por parar Israel.
O movimento
pró-Palestina nos Estados Unidos, onde são produzidas as armas utilizadas no
genocídio (70%, segundo as últimas investigações), tem um enorme potencial para
alcançar cada vez mais setores do movimento operário com a demanda de ’embargo
de armas para Israel’ e está abrindo a possibilidade de que a luta de classes
que se desenvolverá no futuro tenha um caráter anti-imperialista.
Tanto impactou o
genocídio entre a juventude e amplos setores que o senador de Vermont, Bernie
Sanders, comprometido com a administração Biden e o Partido Democrata, gravou
um vídeo “desesperado” chamando os jovens que estão com Gaza a votar em Harris,
com o argumento — metafísico — de que a vice-presidente será melhor para as
massas palestinas. No geral, a ala progressista do Partido Democrata tem
tentado ser a grande cobertura de Harris diante dos jovens que repudiam o
genocídio, buscando trazê-los para sua candidatura.
·
O direito ao voto em
perigo
O trumpismo está se
preparando há quatro anos para o dia da eleição, com milhões de dólares em
apoio e centenas de milhares de ativistas prontos para serem mobilizados nos
centros de votação, assim como para garantir que seus apoiadores ocupem postos
nas juntas eleitorais. Essa tentativa de “Parar o roubo 2.0” é, de fato,
exatamente o oposto; é uma tentativa de roubar as eleições por meio da exclusão
e intimidação dos eleitores e da busca por irregularidades sem nenhuma base
legal, baseando-se em teorias conspiratórias que recriam o espectro da fraude
que faz parte da identidade do movimento MAGA.
Já foram aprovadas
leis anti-voto em vários estados que fazem de tudo, desde limitar o voto por
correio até exigir uma identificação oficial para votar. Trata-se de tentativas
de suprimir os votos dos pobres, das minorias raciais e da classe trabalhadora.
Podemos ver o quão pouco democrático é este país, e nem estamos falando do
colégio eleitoral, etc.
Se Trump tentar roubar
as eleições, será uma clara violação do nosso direito democrático de votar, e
embora não ofereçamos nenhum apoio político aos democratas, devemos defender o
direito democrático básico que está em jogo nas ruas, em nossas escolas e em
nossos locais de trabalho frente às tentativas de Trump de roubar esse direito.
·
Uma unidade para
enfrentar a Nova Direita e o autoritarismo
O avanço da extrema
direita e a ampliação da base eleitoral do trumpismo não devem ser confundidos
com o fim da polarização política e social que afeta a sociedade estadunidense.
Também não é certo que Trump ganhará as eleições, que permanecem em um impasse.
A disputa está tão acirrada porque ainda há uma boa parte da população que
deposita esperanças em Harris e votará nela com a esperança de evitar uma
segunda presidência de Trump, mesmo que uma parcela o faça pela lógica do ’mal
menor’.
Há uma crítica ao
Partido Democrata pela esquerda, expressa com força entre os jovens em geral e,
especialmente, no novo movimento estudantil, que não quer votar em Harris por
considerá-la cúmplice do genocídio em Gaza. Essa crítica também inclui trabalhadores
que tentam sindicalizar seus locais de trabalho contra poderosos patrões, como
Jeff Bezos, que doam milhões tanto para democratas quanto para republicanos; as
milhares de pessoas que votaram ’sem compromisso’ para exigir de Biden um
cessar-fogo; e os membros de base dos sindicatos que pressionam suas direções a
apoiarem a Palestina. Ativistas antirracistas, que lutam há anos contra a
violência policial, veem Harris como uma representante da brutalidade policial,
da ’lei e ordem’. Precisamos da energia das mulheres que não querem abrir mão
de sua autonomia corporal e das pessoas trans e queer que não querem que suas
reivindicações sejam enterradas no cemitério do Partido Democrata ou esmagadas
pela extrema direita. Todos esses setores devem se unir e exigir que seus
sindicatos e organizações se unam em uma frente forte e unida contra a extrema
direita.
Essa unidade deve se
basear em uma estratégia que compreenda que, para deter a extrema direita, é a
classe trabalhadora multirracial, diversa, enormemente extensa, mas
fragmentada, que pode impedir o envio de armas para o genocídio, perturbar a
economia capitalista em defesa de nossos direitos e dos direitos de nossos
irmãos de classe na Palestina e em outros lugares, além de defender todos os
nossos direitos democráticos.
Fonte: Por Jimena
Vergara e Sybil
Davis, no Esquerda Diário
Nenhum comentário:
Postar um comentário