quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A eleição presidencial nos EUA e como enfrentar a nova direita

O cenário político dos Estados Unidos está marcado por uma guinada à direita, como já escrevemos anteriormente. Um exemplo claro foi o multitudinário comício de Donald Trump no Madison Square Garden (MSG), que demonstrou como o trumpismo e a extrema-direita cresceram em influência e presença. É especialmente notável que essa demonstração de força tenha ocorrido na cidade de Nova York, um bastião do Partido Democrata. No estado de Nova York, Trump alcançou nas pesquisas um apoio próximo a 40%, mais de 10 pontos acima do que obteve contra Biden em 2020. Na vizinha Nova Jersey, de onde provavelmente vieram alguns apoiadores de Trump para o comício, o ex-presidente tem mais de 40% dos votos e supera seus resultados de 2020, de acordo com as pesquisas. O comício foi marcado por racismo, xenofobia, misoginia e transfobia, tanto por parte de Trump quanto de seus apoiadores. Que Trump tenha conseguido atrair um número tão grande de pessoas em uma das cidades cultural e politicamente mais progressistas do país demonstra a força da direita a dois dias de uma eleição que mostra os dois candidatos empatados.

·        Como chegamos até aqui?

Teoricamente, supunha-se que a direita trumpista havia sido derrotada nas eleições de 2020, mas, de fato, só vimos seu fortalecimento. Isso é resultado de uma variedade de fatores — alguns dos quais discutiremos neste artigo —, mas um fator-chave é que, em 2020, após a pandemia e o maior levante social na história dos Estados Unidos, os Democratas se apresentaram como uma resposta à polarização, uma tentativa de restabelecer o status quo. Biden chegou ao poder com o mandato de tentar recuperar a estabilidade tanto no cenário internacional quanto doméstico, em meio a uma grande crise do capitalismo global e da hegemonia americana. Desde 2008, a globalização e a ordem neoliberal entraram em crise, e em alguns lugares seus representantes tradicionais foram substituídos por figuras de extrema-direita.

Apesar das esperanças de unir o país, a experiência de muitas pessoas com a administração Biden não foi positiva. A inflação aumentou, dificultando que trabalhadores e a classe média conseguissem cobrir suas necessidades básicas durante o tortuoso período de recuperação econômica pós-pandemia. Os Estados Unidos investiram dinheiro na guerra na Ucrânia, enquanto os serviços públicos e a infraestrutura do país estão claramente em decadência, como mostraram as consequências devastadoras do furacão Helen na Carolina do Norte. Biden e os Democratas são responsáveis e supervisores de um genocídio na Palestina e a crescente agressão israelense contra o restante da região, fomentando um novo movimento anti-imperialista com epicentro nos campi universitários.
Enquanto os Democratas, até mesmo os progressistas, defendiam essencialmente o status quo, era a direita que se pronunciava contra a inflação e a guerra na Ucrânia. É Trump quem se apresenta como o candidato “anti-guerra” e quem capitalizou pela direita o sentimento anti-guerras intermináveis que permeia uma parte da população americana.

Nesse contexto, parecia que, de forma semelhante a 2016, Trump e a extrema-direita estavam dando voz aos sentimentos de descontentamento em todo o país. Esse discurso parecia mais conectado com as preocupações do estadunidense médio, e sua mensagem reacionária anti-imigração ganhou popularidade. Os Democratas também cometeram erros importantes durante a administração Biden. Confiantes de que a extrema-direita seria mais fácil de combater, canalizaram dinheiro de doadores Democratas para representantes da extrema-direita nas eleições de meio de mandato, ajudando a fortalecer sua posição dentro do Partido Republicano.

Em resposta à onda anti-imigração, alimentada pelas dificuldades econômicas e pela guinada à direita de setores da própria base social democrata, os democratas se adaptaram à guinada e começaram a adotar cada vez mais aspectos da plataforma trumpista, abandonando promessas progressistas a torto e a direito. O fracasso e a adaptação dos Democratas e de Biden ajudaram a pavimentar o caminho para o ressurgimento e fortalecimento da extrema-direita.
Outro aspecto-chave de por que a extrema-direita se fortaleceu é o fracasso das lideranças dos movimentos sociais. Um exemplo claro disso foi a resposta à decisão da Suprema Corte de nos retirar o direito ao aborto. A Planned Parenthood, a principal ONG e referência pelos direitos reprodutivos nos Estados Unidos, arrecadou milhões em doações que usou para financiar campanhas eleitorais do Partido Democrata. A organização se retirou dos estados onde parecia que as restrições ao aborto seriam aprovadas, em vez de permanecer e lutar. Não houve movimento massivo a favor do aborto, como vimos na América Latina e na Irlanda. O papel da Planned Parenthood foi desorganizar a raiva de milhões de pessoas e canalizar essa raiva de volta para o Partido Republicano.

Junto a esse fracasso das ONGs, também assistimos à capitulação da burocracia sindical. Abalados pela polarização nacional, em alguns casos, os líderes sindicais se deslocaram à direita, como o presidente dos Teamsters, Sean O’Brien, que compareceu à Convenção Nacional Republicana, e um chauvinismo crescente em alguns setores do movimento trabalhista.

Na esquerda, vimos um novo fenômeno de organização mais militante e preocupada com a opressão que se desenvolve dentro do movimento trabalhista em grande parte a partir de uma nova geração formada durante a pandemia e influenciada pelo movimento Black Lives Matter e pelo sanderismo. Essa nova geração aproximou o movimento operário dos movimentos sociais por meio de sua aliança com as mobilizações pró-Palestina, despertando um novo instinto anti-imperialista em setores minoritários, mas significativos, do movimento operário.

Esse novo espírito sindical resultou em um aumento das tentativas de organização, mais greves e mais vínculos entre o movimento operário e os movimentos sociais. Recentemente, vimos lutas trabalhistas combativas como a greve dos metalúrgicos das automotrizes Ford, Stellantis e GM (organizados no sindicato da UAW), as greves de Hollywood, a greve da Universidade da Califórnia contra a repressão ao movimento pró-Palestina e a recente greve da Boeing, na qual as bases desafiaram seus líderes para rejeitar um acordo insuficiente e continuar a greve. No entanto, esse fenômeno carece de representação política independente, porque suas lideranças — mais claramente visíveis na figura de Shawn Fain — estão adaptadas ao Partido Democrata e direcionam seus filiados a fazer campanha para os Democratas. A lógica desses burocratas sindicais de esquerda é a mesma dos líderes das ONGs: alinhar-se com os Democratas para ajudar a manter a luta de classes sob controle. Eles não estão utilizando todo o seu poder como líderes sindicais para lutar contra a direita usando os métodos da classe trabalhadora.

É possível que, se Trump vencer ou tentar roubar as eleições, haja uma nova explosão de resistência. Isso seria incrivelmente auspicioso, e as pessoas que saírem às ruas devem rejeitar suas lideranças tradicionais e os Democratas, que não nos trouxeram nada além de uma extrema-direita fortalecida. Em vez disso, devemos organizar nossa resistência amplamente de baixo para cima com a auto-organização das bases.

·        Como o Partido Republicano se reconstruiu como o partido do “anti-wokismo” e como os democratas se calaram

Embora muitos tenham segurado o nariz e votado em Biden com a esperança de derrotar o trumpismo, a extrema-direita efetivamente tomou conta do Partido Republicano nos anos desde 2020.

Vimos um avanço da extrema-direita em cargos estaduais em todo o país. Assim, conseguiram retomar a nova estratégia do Partido Republicano — uma estratégia amplamente solidificada pela campanha para governador de Glenn Youngkin na Virgínia em 2021 —, focando fortemente nos ataques aos “temas woke”, um eufemismo para atacar os direitos democráticos básicos conquistados pelas lutas dos imensos movimentos sociais, e frequentemente para atacar em particular os direitos dos negros e da comunidade LGBTQ.

O movimento “anti-woke” foi, em parte, uma resposta ao movimento Black Lives Matter, que levou a luta contra a brutalidade policial contra os negros a uma nova escala, com pessoas gritando nas ruas “abolir a polícia” e “desfinanciar a polícia”, que acabou se tornando um slogan amplamente difundido. Embora Derek Chauvin tenha sido julgado e condenado, as demandas do movimento foram atendidas com concessões muito limitadas, como as empresas implementando novas medidas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) e as escolas formando pessoal mais consciente do racismo e da discriminação, além de atualizarem seus currículos para serem mais inclusivos.

A consequência de como ocorreu a eleição de 2020 foi uma maior polarização política, e os republicanos foram capazes de usar essa reação para encontrar um novo caminho após a derrota de Trump. Eles se levantaram contra o movimento Black Lives Matter, o avanço da visibilidade trans e a modernização dos currículos escolares, apresentando tudo isso como “ideologia” vinda das elites e universidades liberais para perturbar os modos de vida “naturais” e tirar o poder dos pais na educação de seus filhos. Esse fervor levou a eventos como os ataques às reuniões dos conselhos escolares nos estados com forte presença MAGA [Make America Great Again], que a extrema-direita utilizou para conquistar novas posições nos governos local, estadual e nacional.

De essas posições, esses políticos foram capazes – especialmente depois que a Suprema Corte retirou o direito ao aborto e à discriminação positiva – de promover terríveis leis draconianas que atacavam o direito à autonomia corporal, o direito a uma educação pública de qualidade e o direito de protestar. A ultradireita republicana usou o “anti-wokismo” para remodelar o Partido Republicano como um partido de extrema-direita.

Depois que as eleições de meio de mandato de 2022 deixaram os republicanos com uma maioria mínima na Câmara dos Representantes, a representação nacional da extrema-direita no chamado Freedom Caucus foi capaz de ganhar poder político, mesmo sendo uma minoria dentro do Partido Republicano no Congresso. Desafiando até mesmo Trump, o Freedom Caucus assumiu um papel enorme no partido e usou esse poder para, entre outras coisas, impulsionar essa “guerra contra o woke” a nível nacional. Embora o principal representante da ala “anti-woke” do partido – Ron DeSantis – tenha sido derrotado por Trump nas primárias republicanas, a ultradireita encontrou uma nova figura em ascensão em JD Vance como companheiro de chapa de Trump.

JD Vance representa uma ala ligeiramente diferente da ultradireita – que é ideologicamente heterogênea, variando do nacionalismo cristão a libertários que se tornaram conservadores –, que se concentra mais na “identidade nacional” e no populismo de direita do que nas questões “woke”. No entanto, essa ala continua firmemente contrária aos direitos democráticos, é ferozmente misógina, pró-vida, e continuará a promover ataques sempre que puder. Poucos dias antes das eleições, Vance foi ao podcast de Joe Rogan e disse: “A única maneira de [os brancos de classe média e alta] participarem da burocracia DEI neste país é sendo trans, e há uma dinâmica acontecendo onde, se você se torna trans, essa é a maneira de rejeitar seu privilégio branco?”

O senador do Missouri Josh Hawley, outro representante da mesma ala do partido que Vance, escreveu em um ensaio publicado em um site populista de direita sobre como o Partido Republicano pode se aliar aos sindicatos, dizendo que “os executivos de alto escalão há muito venderam os Estados Unidos, fechando fábricas no país e destruindo empregos americanos, enquanto usavam os lucros para promover a diversidade, equidade, inclusão e a religião da bandeira trans”. Com base nessa declaração, podemos ver como a Nova Direita é capaz de conectar a retórica populista com um ataque aos “woke”.

À medida que a “guerra contra o wokismo” avançava, os democratas se encontraram em uma posição difícil. Eles se moveram para a esquerda em 2020 e tentaram se tornar o partido que poderia representar o movimento Black Lives Matter e o sentimento generalizado de apoio ampliado às identidades oprimidas que se desenvolveu ao longo da presidência de Trump. À medida que os ataques da extrema-direita se espalhavam, os democratas se viram em uma posição vulnerável, sendo retratados como o “partido dos woke”.

A revogação de Roe v. Wade deu aos democratas uma saída perfeita. Eles poderiam defender a demanda popular pelo aborto legal e abandonar lutas politicamente mais complicadas por outros direitos, sem perder sua fachada progressista. Assim, essencialmente, a resposta dos democratas foi recuar e abandonar os slogans mais progressistas que adotaram em 2020. Enquanto o establishment do partido o conduzia para a direita, a ala progressista era arrastada junto.

Em 2022, em meio a esse movimento para a direita, Obama advertiu contra ser um “estraga-prazeres e [fazer com que as pessoas se sintam] como se estivessem pisando em ovos” – em relação à linguagem inclusiva –, uma forma elegante de dizer que o partido deveria abandonar os “temas woke” que poderiam causar desconforto em alguns setores. Mais importante ainda, eles também usaram a anulação de Roe v. Wade como pouco mais do que uma ferramenta de campanha para promover seus próprios objetivos eleitorais. Apesar das promessas de proteger o direito ao aborto, sob um presidente Democrata, leis contra a autonomia corporal e outros direitos democráticos continuaram a ser aprovadas. Agora, em 2024, Harris nem mesmo defende abertamente os direitos das pessoas trans, dizendo apenas que “seguirá a lei” no caso da atenção de afirmação de gênero para menores, uma enorme concessão ao fato de que a lei já restringe os direitos das pessoas trans em mais da metade do país. A realidade é que o cenário de ataques massivos aos nossos direitos que muitos temem com a volta de Trump já é realidade em muitos estados, exemplificado por casos devastadores como o de Josseli Barnica, que morreu no Texas após não receber atendimento durante um aborto espontâneo.

·        Tendências crescentes ao autoritarismo

Devido à crise do neoliberalismo e à consequente crise do regime, a opinião pública estadunidense está perdendo a fé nas instituições governamentais, o que deixou o regime com menos recursos para governar.

As instituições do regime bipartidário são anacrônicas diante do nível de polarização, o que pode levar a respostas autoritárias, como o aumento do poder do executivo. Isso não tem uma resolução fácil, pois está no contexto do fracasso de uma grande empresa burguesa — o neoliberalismo — e não há uma alternativa clara ganhando força. Como disse Ezra Klein para o New York Times: ’Me pergunto se parte do que está desestabilizando a política agora é um momento aleatório entre ordens, um momento em que mal se pode começar a ver o esboço borrado de algo novo que está tomando forma e ambos os partidos estão em plena agitação interna enquanto tentam se reformular, se agarrar a isso e responder a isso’.

De nossa perspectiva, a resolução da crise orgânica, que teve diferentes momentos e intensidades no último período, depende em grande medida da luta de classes e de maiores confrontos entre as classes.

Com a luta de classes como uma ameaça real e os dois principais partidos em crise, o regime está adquirindo características mais autoritárias. Trump e a direita querem ir ainda mais longe em direção ao autoritarismo e a uma maior concentração de poder nas mãos do presidente por meio de medidas descritas no chamado Projeto 2025, como demitir funcionários do governo e substituí-los por aliados políticos, além de colocar grande parte dos poderes, como o Departamento de Justiça, sob o controle direto do presidente.

A classe dominante sabe que é provável que haja mais luta de classes no horizonte e está se preparando para reprimí-la. Os ataques ao movimento pela Palestina em geral e ao movimento estudantil em particular mostram como o regime e o Estado integral estão se preparando para as batalhas que se aproximam. Não devemos subestimar a ameaça do trumpismo e da nova direita e como uma presidência de Trump pode realmente acelerar as tendências em direção ao autoritarismo. Mas, ao mesmo tempo, é importante entender que essas tendências fazem parte do DNA da situação política e, portanto, afetam ambos os partidos. É por isso que o Partido Democrata assumiu a responsabilidade de reprimir o movimento palestino, especialmente em lugares como Nova York, Califórnia e Michigan, desencadeando uma onda macartista como não se via há décadas contra a juventude.

·        A guerra contra os ’estrangeiros’

Como demonstrou o comício no MSG, Trump e o novo Partido Republicano concentraram seu arsenal de ataques no que eles chamam de ’os aliens’: os imigrantes. Especialmente os negros, caribenhos e latinos, como se viu nos recentes ataques aos imigrantes haitianos em Ohio. Tanto nos debates presidenciais quanto no comício no MSG, vimos como Trump acusa os imigrantes de todos os males e pede deportações em massa, enquanto os democratas respondem que também querem uma postura rígida contra a imigração.

A chamada “crise migratória” encabeça a agenda eleitoral no contexto de centenas de milhares de seres humanos que estão cruzando a fronteira sul desde a América do Sul, Caribe, América Central, México e outros países, fugindo da intensa penetracão imperialista, da militarização no marco da guerra contra as drogas, das mudanças climáticas e da pobreza exacerbada pelos planos de austeridade impostos pelo FMI em toda a América Latina.

Embora Biden tenha ganhado a presidência em parte prometendo facilitar a legalização de milhões de trabalhadores não documentados, uma vez no cargo, ele se encarregou de construir a parte do muro fronteiriço que Trump fez votar em ambas as câmaras, continuou ou instituiu novas políticas para acelerar as deportações e rejeitar os solicitantes de asilo na fronteira, reforçou a presença militar nos estados fronteiriços e ecoou afirmações falsas de que os migrantes trouxeram uma onda de criminalidade para as cidades estadunidenses.

Independentemente de a realidade política do momento pós-eleitoral dar a Donald Trump a capacidade de implementar deportações em massa, caso vença a presidência, parece claro que, com um segundo mandato, o candidato republicano endurecerá as políticas anti-imigratórias e encorajará as milícias anti-imigrantes nos estados onde têm influência. Essa seria a mudança mais significativa na política de imigração desde a Lei de Imigração de 1965, basicamente dando um golpe final à política de imigração dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Mesmo que Harris vença, os ataques contra os imigrantes continuarão. Precisamos de um movimento organizado de base que contra-ataque. Essa é uma tarefa de toda a classe trabalhadora, pois a classe trabalhadora nascida nos Estados Unidos deve se solidarizar com os trabalhadores imigrantes, que são o setor mais vulnerável da classe operária continental.

·        A Causa Palestina e o anti-imperialismo

Como é sabido, se há algo em que Democratas e Republicanos concordam é na aliança incondicional com Israel. Essa aliança e a ideologia sionista que a sustenta moldaram as instituições do Estado estadunidense desde o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação do Estado de Israel. O que foi apresentado como uma política de reparação ao povo judeu em compensação pelo brutal extermínio de judeus perpetrado pelos nazistas, enquanto as corporações de guerra estadunidenses lucravam com a ascensão do nazismo, revelou-se diante de centenas de milhares como o que realmente é: uma justificativa para os Estados Unidos impor um estado artificial, construído sobre a base da limpeza étnica e deslocamento, como um enclave de seus interesses no complexo e hostil Oriente Médio. Um enclave armado até os dentes.

Os jovens e não tão jovens judeus que se mobilizam nos Estados Unidos em solidariedade com a Palestina romperam com o sionismo. E essa ruptura, que vem se desenvolvendo há anos de atividade nos campi universitários liderada pelo movimento BDS, é profunda. É uma geração que entende e se sente profundamente perturbada pelo fato de que Israel é um estado de apartheid em expansão, com os métodos de um colonialismo de colonos.

Esses judeus estão unidos nas ruas com os jovens palestinos dos bairros árabes das grandes cidades, como Nova York ou Detroit, que lideram as mobilizações. Muitos, ou todos, se encontram nas escolas e universidades, que se tornaram laboratórios de política para essa nova geração com um profundo sentimento anti-imperialista. Esses jovens têm testemunhado um ano de genocídio através de seus celulares e se mobilizaram todos os dias desde 8 de outubro do ano passado. Eles consideram um dever moral não votar nem em Donald Trump nem em Kamala Harris, que têm as mãos manchadas de sangue palestino. É um movimento anti-imperialista no coração do império e principal aliado de Israel.

Por isso, tornou-se uma ’razão de estado’ perseguir o movimento sob o pretexto de antissemitismo, diante de uma ruptura histórica no seio da diáspora judaica. Para muitos, Gaza está se tornando o novo Vietnã da juventude estadunidense. Ganhe quem ganhar a eleição, o genocídio continuará, e nem os Democratas nem os Republicanos serão os responsáveis por parar Israel.

O movimento pró-Palestina nos Estados Unidos, onde são produzidas as armas utilizadas no genocídio (70%, segundo as últimas investigações), tem um enorme potencial para alcançar cada vez mais setores do movimento operário com a demanda de ’embargo de armas para Israel’ e está abrindo a possibilidade de que a luta de classes que se desenvolverá no futuro tenha um caráter anti-imperialista.

Tanto impactou o genocídio entre a juventude e amplos setores que o senador de Vermont, Bernie Sanders, comprometido com a administração Biden e o Partido Democrata, gravou um vídeo “desesperado” chamando os jovens que estão com Gaza a votar em Harris, com o argumento — metafísico — de que a vice-presidente será melhor para as massas palestinas. No geral, a ala progressista do Partido Democrata tem tentado ser a grande cobertura de Harris diante dos jovens que repudiam o genocídio, buscando trazê-los para sua candidatura.

·        O direito ao voto em perigo

O trumpismo está se preparando há quatro anos para o dia da eleição, com milhões de dólares em apoio e centenas de milhares de ativistas prontos para serem mobilizados nos centros de votação, assim como para garantir que seus apoiadores ocupem postos nas juntas eleitorais. Essa tentativa de “Parar o roubo 2.0” é, de fato, exatamente o oposto; é uma tentativa de roubar as eleições por meio da exclusão e intimidação dos eleitores e da busca por irregularidades sem nenhuma base legal, baseando-se em teorias conspiratórias que recriam o espectro da fraude que faz parte da identidade do movimento MAGA.

Já foram aprovadas leis anti-voto em vários estados que fazem de tudo, desde limitar o voto por correio até exigir uma identificação oficial para votar. Trata-se de tentativas de suprimir os votos dos pobres, das minorias raciais e da classe trabalhadora. Podemos ver o quão pouco democrático é este país, e nem estamos falando do colégio eleitoral, etc.

Se Trump tentar roubar as eleições, será uma clara violação do nosso direito democrático de votar, e embora não ofereçamos nenhum apoio político aos democratas, devemos defender o direito democrático básico que está em jogo nas ruas, em nossas escolas e em nossos locais de trabalho frente às tentativas de Trump de roubar esse direito.

·        Uma unidade para enfrentar a Nova Direita e o autoritarismo

O avanço da extrema direita e a ampliação da base eleitoral do trumpismo não devem ser confundidos com o fim da polarização política e social que afeta a sociedade estadunidense. Também não é certo que Trump ganhará as eleições, que permanecem em um impasse. A disputa está tão acirrada porque ainda há uma boa parte da população que deposita esperanças em Harris e votará nela com a esperança de evitar uma segunda presidência de Trump, mesmo que uma parcela o faça pela lógica do ’mal menor’.

Há uma crítica ao Partido Democrata pela esquerda, expressa com força entre os jovens em geral e, especialmente, no novo movimento estudantil, que não quer votar em Harris por considerá-la cúmplice do genocídio em Gaza. Essa crítica também inclui trabalhadores que tentam sindicalizar seus locais de trabalho contra poderosos patrões, como Jeff Bezos, que doam milhões tanto para democratas quanto para republicanos; as milhares de pessoas que votaram ’sem compromisso’ para exigir de Biden um cessar-fogo; e os membros de base dos sindicatos que pressionam suas direções a apoiarem a Palestina. Ativistas antirracistas, que lutam há anos contra a violência policial, veem Harris como uma representante da brutalidade policial, da ’lei e ordem’. Precisamos da energia das mulheres que não querem abrir mão de sua autonomia corporal e das pessoas trans e queer que não querem que suas reivindicações sejam enterradas no cemitério do Partido Democrata ou esmagadas pela extrema direita. Todos esses setores devem se unir e exigir que seus sindicatos e organizações se unam em uma frente forte e unida contra a extrema direita.

Essa unidade deve se basear em uma estratégia que compreenda que, para deter a extrema direita, é a classe trabalhadora multirracial, diversa, enormemente extensa, mas fragmentada, que pode impedir o envio de armas para o genocídio, perturbar a economia capitalista em defesa de nossos direitos e dos direitos de nossos irmãos de classe na Palestina e em outros lugares, além de defender todos os nossos direitos democráticos.

 

Fonte: Por Jimena Vergara e Sybil Davis, no Esquerda Diário

 

 

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