Os idiomas secretos criados por gêmeos para
se comunicar entre si
Os gêmeos Matthew e
Michael Youlden falam 25 idiomas. E há um 26º, chamado umeri, que eles não
incluem nesta conta.
Se você nunca ouviu
falar em umeri, saiba que existe uma boa razão para isso. Michael e Matthew são
as únicas pessoas que falam, leem e escrevem o idioma – que eles próprios
criaram quando eram crianças.
Os irmãos defendem que
o umeri não é uma língua criada intencionalmente para ser secreta.
"O umeri não se
resume a um idioma usado para manter os assuntos em particular", afirmam
eles por e-mail. "Ele simplesmente tem um valor muito sentimental para nós
e reflete os profundos laços que nos unem, como gêmeos idênticos."
Calcula-se que 30 a
50% dos gêmeos desenvolvem uma língua compartilhada ou padrões de comunicação
específicos que só são compreensíveis entre eles. Este fenômeno é conhecido
como criptofasia – que, em grego, significa "fala secreta".
Nancy Segal é diretora
do Centro de Estudos sobre Gêmeos da Universidade Estadual da Califórnia, nos
Estados Unidos. Ela destaca que existem, atualmente, palavras melhores e mais
sutis para descrever o fenômeno. Segal prefere a expressão "fala privada".
No seu livro Twin
Mythconceptions (algo como "Mitos e equívocos sobre os gêmeos", em
tradução livre), a autora também se refere à fala usada pela dupla como
"compreensão verbal compartilhada".
"Com base nos
estudos disponíveis, é seguro afirmar que cerca de 40% dos bebês gêmeos adotam
algum tipo de 'fala entre gêmeos'", escreve Segal. "Mas este número
simplesmente não expressa como pode ser complexo o desenvolvimento da linguagem
dos gêmeos."
O holandês Roy
Johannink é pai dos gêmeos adolescentes Merle e Stijn.
Treze anos atrás, ele
fez um vídeo dos bebês conversando entre si e compartilhou no YouTube. O
diálogo dos gêmeos já teve mais de 30 milhões de visualizações.
Johannink teve a sorte
de ter a câmera à mão no exato momento em que os dois começaram a interagir
verbalmente entre si.
"Fiquei um pouco
surpreso quando eles se viram", relembra o pai. "Eles pensaram: 'ei,
agora não estou sozinho. Existe outro eu! Somos nós contra o mundo!"
Segal explica que,
como Merle e Stijn (que perderam sua linguagem compartilhada quando aprenderam
holandês), a maioria dos gêmeos abandona suas palavras particulares quando
aumenta sua exposição a outras pessoas fora de casa.
Mas, para os gêmeos
Youlden, foi diferente. Eles não abandonaram seu idioma próprio. Pelo
contrário, eles o enriqueceram e aperfeiçoaram ao longo dos anos.
Nascidos e criados em
Manchester, no Reino Unido, os gêmeos Youlden cresceram rodeados por diferentes
etnias e culturas, desenvolvendo o amor pelos idiomas.
As lembranças das
origens do umeri são nebulosas. Mas os irmãos se lembram do seu avô ficando
confuso, quando eles estavam na pré-escola e contavam uma piada entre eles que
o avô não entendia.
Depois, vieram as
primeiras férias da família no exterior, aos oito anos de idade. Eles viajaram
para a Espanha e decidiram aprender espanhol. Os irmãos acreditavam que, se não
aprendessem a língua, teriam dificuldade para pedir sorvete.
Armados com um
dicionário e algum conhecimento de gramática, eles começaram a traduzir frases
palavra por palavra, do inglês para o espanhol.
Depois, eles
aprenderam italiano e voltaram sua atenção para os idiomas escandinavos. E,
reunindo diversos elementos gramaticais de todas as línguas que estudaram, os
irmãos perceberam que o umeri poderia realmente passar a ser um idioma
totalmente independente.
O histórico coincide
com as pesquisas de Segal. Segundo ela, geralmente, "os gêmeos não
inventam um novo idioma. Eles tendem a produzir formas atípicas da língua a que
são expostos. Mesmo que seja ininteligível, eles ainda as direcionam para
outras pessoas."
Os gêmeos Youlden
começaram a padronizar e codificar o umeri. Em dado momento, eles chegaram a
projetar seu próprio alfabeto, mas perceberam – quando ganharam seu primeiro
computador – que seu uso seria limitado, já que não existia a fonte umeri. Por
isso, o umeri agora é escrito com o alfabeto latino.
• Idioma compartilhado
Preservar um idioma
falado por poucas pessoas tem seus desafios.
"Os gêmeos têm
este idioma compartilhado que, em algum momento, eles deixam de usar, como se
sentissem vergonha dele", segundo Matthew. "E não é algo exclusivo
dos idiomas dos gêmeos."
Qualquer pessoa que
fale um idioma minoritário – ou seja, que não é falado por grande parte da
sociedade – pode crescer com vergonha de falar aquela língua,
"especialmente se você for criado com um idioma minoritário, o que pode
deixar você no ostracismo ou gerar olhares estranhos na escola", ele
conta. "Felizmente, nunca tivemos isso."
Pelo contrário, na
casa dos Youlden, seus pais nunca criticaram o desenvolvimento do umeri entre
os irmãos. Quando os gêmeos se afastavam da família estendida para conversar no
seu próprio idioma, a reação costumava ser "eles saíram para fazer aquilo
da língua de novo", relembra Matthew.
Karen Thorpe é
especialista em pesquisa sobre assistência, educação e desenvolvimento infantil
do Instituto do Cérebro da Universidade de Queensland, na Austrália. Em cargos
anteriores, ela estudou extensamente o desenvolvimento da linguagem entre
irmãos gêmeos.
"Para mim, é
questão de um relacionamento muito próximo", afirma ela.
"Em vez de
considerar estranho e incomum, o idioma particular, na verdade, é sobre algo
belo que os humanos fazem quando são muito, muito próximos entre si. Mas é
exclusivo dos gêmeos? Acho que não. Acho que é exclusivo dos relacionamentos
muito próximos e especiais."
Ela também considera
que esta é uma característica normal do desenvolvimento. No seu relatório de
pesquisa de 2010, ela escreveu que "são apenas crianças jovens que estão
começando a falar e tendem a se entender entre si um pouco melhor do que seus pais
ou outros adultos".
Em outros casos, como
os Youldens, os idiomas são uma combinação de proximidade e curiosidade
intelectual, mas Thorpe afirma que desenvolver conscientemente um idioma
particular a longo prazo é algo relativamente raro.
Existem alguns estudos
de caso disponíveis sobre a criptofasia, ou a "linguagem dos gêmeos".
Alguns dos mais conhecidos se baseiam na psiquiatria.
June e Jennifer
Gibbons são um exemplo. As gêmeas nascidas em Barbados foram criadas no País de
Gales nos anos 1970.
Uma das irmãs contou à
BBC que elas tiveram um impedimento de fala e sofreram bullying na escola. Por
isso, elas deixaram de falar com os demais e só conversavam entre si.
Para as outras
pessoas, seus diálogos pareciam incompreensíveis – incluindo seus próprios
pais.
Aos 19 anos, depois de
serem presas por crimes como incêndios provocados e roubo, elas foram enviadas
para Broadmoor, um hospital psiquiátrico de alta segurança na Inglaterra. Elas
foram as mulheres pacientes mais jovens do hospital.
"Estávamos
desesperadas, ficamos presas na nossa condição de gêmeas e capturadas naquele
idioma. Tentamos de tudo para nos separarmos", contou June sobre suas
vidas a um podcast da BBC do País de Gales.
A maioria dos gêmeos
esquece a linguagem compartilhada exclusivamente entre si quando eram bebês,
mas eles retêm certas palavras e características da comunicação não verbal,
como gestos, segundo Thorpe.
"Eles podem não
ter o que chamaríamos de idioma exclusivo, mas têm algo que é muito
especial", ressalta ela.
Seu trabalho também
concluiu que os gêmeos apresentam risco um pouco maior de atrasos na linguagem,
mas ter um idioma particular não contribui necessariamente para isso.
Pesquisas indicam que
o atraso da linguagem é mais provavelmente associado à menor atenção individual
dos adultos com os gêmeos. Partos prematuros e complicações da gravidez e do
nascimento também podem influenciar o processo.
"Uma coisa que
digo aos pais é: cuidem para falar com seus filhos um de cada vez, para que
eles sejam expostos à linguagem", recomenda Segal.
"Um problema com
os gêmeos é que os pais tendem a deixá-los sozinhos porque eles entretêm
mutualmente, mas, com isso, eles não recebem os modelos de linguagem dos
adultos."
Para os gêmeos
Youlden, a criação do umeri foi simplesmente uma experiência positiva.
O idioma se desenvolve
constantemente, à medida que os irmãos criam novas palavras para coisas que
surgiram com a vida moderna. "Seja 'iPad' ou 'cabo USB' – são palavras que
não existiam 20 ou 30 anos atrás", comenta Matthew.
Agora, eles dirigem
sua própria empresa de coaching de línguas, que ajuda indivíduos, instituições
educacionais e companhias particulares no aprendizado de idiomas. Michael mora
nas ilhas Canárias e Matthew, no País Basco, ambos na Espanha.
Os irmãos ainda
conversam entre si em umeri. Mas eles não pretendem transmitir o idioma para os
filhos que tiverem no futuro. Eles acham estranho compartilhar sua língua
particular com outras pessoas.
"É um idioma
único, falado por duas pessoas", explica Michael.
"É uma daquelas
coisas que, infelizmente, têm data de validade."
Fonte: BBC Future
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