terça-feira, 5 de novembro de 2024

Eduardo Guimarães: ‘A volta das 'burradas' de Junho de 2013’

Só não entende por que o Brasil se idiotizou, radicalizou e endireitou tanto quem não consegue olhar e enxergar, ouvir e escutar. Essa ausência de capacidade de atentar ao redor sem usar os filtros da ideologia e do fanatismo nos trouxe ao ponto em que estamos.

O Brasil que vemos hoje era um país progressista no mês anterior à eclosão das ditas "jornadas de junho de 2013". No mês subsequente, era um país radicalizado e entregue às perversões de uma extrema-direita que aguardara pacientemente no armário a chance de voltar a nos atormentar tal qual um zumbi redivivo.

No primeiro dia do sexto mês do ano da graça de 2013, pesquisas sobre a popularidade da presidente da República lhe davam números estratosféricos de aprovação -- entre 60 e 65 por cento. Ao final daquele mês infame, a aprovação quedava entre 29 e 32 por cento.

Dilma Rousseff não matara ou roubara, não espancara nenhuma velhinha. E ninguém sabia explicar por que sua popularidade despencara. O país ia bem: nível de desemprego próximo ao pleno emprego, salários subindo, desigualdade e pobreza despencando, investimentos (estrangeiros e nacionais) em nível historicamente recordista...

Ninguém entendia a queda de popularidade. Exatamente como hoje. Na primeira página do jornal Folha de São Paulo de domingo 3/11, chamada diz "Empresas fazem rodízio de equipes por falta de mão-de-obra". Os empresários resistem, mas logo terão que começar a aumentar salários para roubar trabalhadores um do outro.

E a surpresa: a popularidade de Lula é medíocre. Empata com a reprovação. Mas o pior não é isso. Se você entrar nos fóruns de discussão na internet, vai ver uma montanha de esquerdistas revoltados com Lula porque ele não tem como passar o vexame internacional de reconhecer uma das fraudes eleitorais mais escancaradas de que se tem notícia.

Durante cerca de duas décadas estive dezenas de vezes na Venezuela. Inclusive quando a tal María Corina Machado e Pedro Carmona, presidente da "Fiesp" venezuelana, a Fedecámaras, deram um golpe e sequestraram Hugo Rafael Chávez Frías, presidente constitucional do país, que voltou três dias depois nos braços do povo...

Chávez, culto, heróico, declamava, amiúde, "Por aquí pasó", poema de Alberto Arvelo Torrealba feito ao Libertador Simón Bolívar:

"Por aquí pasó, compadre,

hacia aquellos montes lejos.

Por aquí vestida de humo

la brisa que cruzó ardiendo

fue silbo de tierra libre

entre su manta y sus sueños (...)"

Chávez foi um herói. Enfrentou as forças do regime de Carlos Andrés Pérez para combater um massacre de grandes proporções desencadeado após uma explosão social espontânea em Caracas, na Venezuela, no dia 27 de fevereiro de 1989, em repúdio ao aumento do preço do transporte coletivo com a população mergulhada na miséria.

Chávez ficou indignado ao ver como milhares de manifestantes do povo foram massacrados pelas forças do exército venezuelano, durante o Caracazo. Três anos depois (1992), tentou tomar o poder do regime genocida e foi preso. Após dois anos de prisão, foi anistiado pelo novo presidente, Rafael Caldera Rodríguez, e abandonou a vida militar, passando a se dedicar à política.

Elegeu-se presidente em 1999, desencadeou a Revolução Bolivariana e promoveu melhoras na vida do povo jamais vista. Apesar dos atos violentos contra si, sempre foi um democrata e um líder benevolente. Jamais violou direitos humanos, censurou a imprensa ou impediu eleições, que sempre foram limpas.

Foi Chávez quem colocou os boletins de urna eleitoral (actas electorales) na internet no dia seguinte a todas as eleições, trazendo sempre observadores internacionais como o Centro Carter e a ONU, que sempre atestaram suas reeleições limpas e inatacáveis.

Nicolás Maduro herdou esse costume e o praticou até a sua penúltima reeleição, mas neste ano tudo foi diferente. Maduro sumiu com os boletins de urna. Pela primeira vez as eleições venezuelanas perderam a transparência, ao ponto de que o Centro Carter, a ONU e outros observadores questionaram a lisura do pleito.

Conto essa história como pano de fundo para a volta dos insensatos ditos de esquerda que derrubaram Dilma Rousseff "pela esquerda". Sim, foi um setor majoritário da esquerda que derrubou Dilma Rousseff não em 2016, mas em 2013.

Com a economia indo bem, salários em nível recorde, desemprego baixíssimo, economia com "grau de investimento", desigualdade e pobreza no chão, a esquerda foi pras ruas atacar Dilma por 20 centavos a mais que o então recém-empossado prefeito paulistano, Fernando Haddad, impôs ao preço das passagens de ônibus.

Foi um "Caracazo" verde-amarelo, ainda que sem a mesma virulência do caraquenho. A polícia militar desceu a borduna nos manifestantes. E quem pagou o pato nem foi tanto Haddad, mas Dilma Rousseff.

A esquerda das "jornadas de junho" já vinha fustigando o governo dela sabe-se lá por quê. Como hoje, não era por problemas do país, mas por causas identitárias e exigência de transporte público gratuito em uma cidade, então, com 10 milhões de habitantes.

O que Dilma tinha que ver com as passagens em São Paulo? O mesmo que Lula tem a ver com os problemas que herdou de Bolsonaro -- e que vem resolvendo um a um.

A mesma esquerda que derrubou a popularidade de Dilma em junho de 2013, abrindo as portas para o golpe de 2016, é a esquerda que critica Lula impiedosamente hoje porque ele não se dispõe a perder a respeitabilidade em um mundo que condena veementemente a patranha eleitoral de Nicolás Maduro.

A mesma esquerda radicalizada que derrubou Dilma, agora ataca Lula sem parar em defesa não de melhorias na Educação, na Saúde, no emprego etc., mas em defesa do ditador venezuelano, que, segundo o Instituto Vox Populi, a maioria da esquerda rejeita -- por razões de uma clareza solar.

Mas essa esquerda não se contenta com isso. Não quer apenas derrubar o último político de esquerda que tem votos para governar o país, quer também ferrar o mundo, mesmo que não tenha voto nos Estados Unidos. Então fica espalhando que não se deve tomar partido porque Kamala Harris e Donald Trump são exatamente a mesma coisa.

Pouco importa que Trump tenha dirigido o bolsonarismo para fazer aqui em 8 de janeiro de 2023 o que fez lá em 6 de janeiro de 2021. Pouco importa que o governo do qual Kamala faz parte tenha impedido que os militares brasileiros barrassem a eleição de Lula não só reconhecendo a vitória dele em primeiro lugar, mas ameaçando os militares brazucas de rompimento de relações diplomáticas em caso de golpe.

Parcela importante da reprovação alta a Lula, existente apesar das significativas melhorias que o país vê, é resultado desses mesmos autoproclamados "esquerdistas" que defendem, irracionalmente, o neonazista Donald Trump e o autocrata truculento da Venezuela.

E que protagonizaram junho de 2013.

 

•        Novos contornos da direita após as eleições municipais

Fortalecidos pelos resultados das eleições municipais de 2024, os partidos de direita e centro podem ditar os rumos do próximo pleito. Nesse cenário, com a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a ala conta com nomes de destaque, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que, apesar de não terem sido candidatos neste ano, tiveram forte influência na escolha dos eleitos.

Caiado apoiou a candidatura do prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (União), e de outros importantes colégios eleitorais no estado. O prefeito eleito de Belém, Igor Normando (MDB), contou com ampla aliança partidária do governador do Pará para vencer nas urnas. Em São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos) foi o principal cabo eleitoral de Ricardo Nunes (MDB), na corrida pela reeleição.

O PSD, de Kassab, foi a agremiação que levou mais prefeituras, um total de 887. Entre as capitais, ganhou no Rio de Janeiro, com Eduardo Paes, em Belo Horizonte, com Fuad Noman, em São Luís, com Eduardo Braide, e, em Curitiba, com Eduardo Pimentel. O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, destaca que o partido transita bem entre a direita e a esquerda — funcionando como um "coringa" nas articulações políticas.

A legenda tem os pés nas duas canoas. Tanto no partido de Tarcísio, quanto no governo Lula, com os ministros que são do PSD. Então, o partido pode virar o grande 'coringa' no jogo", disse. "Kassab foi o grande vencedor dos dois turnos. Apesar de não ser formalmente da direita, ele transita normalmente nessa ala e pode até ser classificado como um centro-direita, mas moderado em comparação a outras figuras", ressaltou.

O cientista político Fabio Andrade, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), destacou o jogo político do PSD. "Ele tem uma estratégia diferente de ascensão, que é chegar ao poder fazendo uma bancada grande em 2026 e, com isso, ter a Presidência da Câmara dos Deputados", observou.

•        Fenômeno global

Segundo ele, essa nova direita é um fenômeno mundial, com ligações nas mudanças econômicas e sociais. "Há um movimento internacional que se define como nova direita, mais organizado e sintonizado e que consegue se conectar com diversos setores da sociedade dialogando, sobretudo, com mudanças no mundo do trabalho", explicou.

André César partilha do mesmo entendimento. Segundo ele, os partidos de esquerda perderam espaço pela falta de diálogo com pautas mais condizentes com a realidade atual. "O petismo e a esquerda, em geral, perderam a conexão com a sociedade. Estão sem o contato real com os eleitores e ainda, nos anos 1990, muito ligados ao sindicalismo e aos trabalhos que a gente conhecia. Mas isso está acabando. É uma outra realidade, e o PT ainda não entendeu", afirmou.

O PL elegeu quatro prefeitos em capitais. Foram dois no primeiro turno e dois no segundo turno. A sigla vai governar João Pessoa, com JHC, Rio Branco, com Tião Bocalom, Aracaju, com Emília Corrêa, e Cuiabá, com Abílio Brunini. O PT venceu apenas em Fortaleza. Evandro Leitão foi eleito prefeito da capital cearense com 50,38% dos votos, contra 49,62% recebidos por André Fernandes, do PL. A diferença foi de apenas 0,76 ponto percentual.

•        Racha entre aliados

A disputa pelas prefeituras goianas colocou em lados opostos Ronaldo Caiado (União) e Jair Bolsonaro (PL), dois aliados muito próximos e que andaram de mãos dadas desde 2019. Uma derrota do governador poderia esfriar as suas pretensões à cadeira do Planalto e colocar em xeque essa dobradinha em um dos estados que mais deram votos ao ex-presidente nas eleições que disputou.

Nessa quebra de braço, Caiado saiu vencedor. Sandro Mabel (União) foi eleito prefeito de Goiânia, com 55,53% dos votos válidos. Ele derrotou Fred Rodrigues (PL), que foi fortemente apoiado por Bolsonaro. O PL acreditava na influência do ex-chefe do Executivo para garantir a vitória do aliado na cidade.

A situação gerou mal-estar nos bastidores, pois Sandro Mabel já foi bem próximo de Jair Bolsonaro no passado. Os dois foram contemporâneos na Câmara dos Deputados.

Em Aparecida de Goiânia, segundo maior colégio eleitoral do estado, Leandro Vilela (MDB) foi eleito prefeito com 63,60% dos votos válidos. Ele foi apoiado por Caiado e derrotou o candidato de Bolsonaro, Professor Alcides (PL). Na cidade, o ex-presidente tentou medir forças com o governador. Ele subiu em palanques, participou de carreatas e condenou a interferência de "velhos caciques", em clara alusão ao ex-aliado.

Em Anápolis, terceiro maior colégio eleitoral de Goiás, o PL saiu vencedor. Márcio Corrêa (PL) saiu vitorioso das urnas, com 58,56% dos votos. Na avaliação do cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, a conclusão é que os extremos perderam e que há nova organização desse espectro político-ideológico com viés econômico e social.

"A extrema-direita que a gente conhece, a de Bolsonaro, perdeu muito. O eleitor mostrou que caminha mais para convicções de centro. O eleitor médio está se cansando da polarização. O ex-presidente, inclusive, mostrou-se uma figura de pouca qualidade para transferir voto, para conseguir que seus aliados ganhassem em localidades importantes", afirmou.

Segundo o cientista político Paulo Ramirez, professor da ESPM, o cenário abre espaço para um novo desenho político na próxima eleição. "Bolsonaro estar inelegível para 2026 faz com que haja um vácuo de lideranças políticas de direita — o que abre também uma grande disputa para figuras de direita presidenciáveis", disse.

Na avaliação de André César, as siglas devem se unir para 2026, com exceção do PL. "Temos uma direita mais orgânica, que não é extremada. Poucos sobraram desses extremistas. Foi uma ducha de água fria, e mostra que o eleitor médio está cansado de tudo isso. Ele quer algo mais consistente, com menos gritaria. A consolidação desse processo pode se dar, sim, a partir do avanço efetivo da união dos três partidos: União Brasil, PSD e MDB", apontou.

 

•        No que aposta Bolsonaro, e que tem tudo para dar errado. Por Ricardo Noblat

Os afortunados e ansiosos ocupantes da avenida Faria Lima, donos do PIB, têm mais é que se entender com Bolsonaro para convencê-lo a dar passagem à candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos) à sucessão de Lula. Do contrário, Tarcísio não irá se arriscar a largar o governo de São Paulo.

Bolsonaro disse à revista Veja que será ele o candidato da direita a presidente daqui a dois anos, e não Tarcísio:

– O Tarcísio é um baita gestor. Mas eu só falo depois de enterrado. Estou vivo. Com todo o respeito, chance só eu tenho, o resto não tem nome nacional. O candidato sou eu.

Por ora, Bolsonaro está inelegível até 2030. Foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, acusado de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. No próximo ano, deverá ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe e roubo de joias presenteadas ao Estado brasileiro.

Mesmo assim, ele pretende se valer da receita de Lula para se manter à tona. Em 2018, condenado e preso, Lula insistiu com sua candidatura. Liderou todas as pesquisas de intenção de voto até setembro. E, só quando a Justiça o enquadrou na Lei da Ficha Limpa, deu passagem à candidatura de Fernando Haddad.

Ocorre que Haddad não precisou se afastar com antecedência de nenhum cargo público para disputar a eleição. Tarcísio precisará. E o prazo de desincompatibilização se encerra em março de 2026. Ele, então, ficará ao sol e à chuva, à espera de que Bolsonaro acabe sendo obrigado pela Justiça a retirar-se de cena? Tem graça nisso?

Tarcísio é um amador, mas bobo não é. Sua reeleição para o governo de São Paulo é dada como certa desde agora, tanto por seus aliados como por seus adversários. De resto, ninguém confia na palavra de Bolsonaro, que poderá abdicar em favor de qualquer outro nome. Por que não em favor de um dos seus filhos Zero?

O destino dos filhos e de Michelle, a ex-primeira-dama, já foi traçado por Bolsonaro, conforme ele admite:

– O Flávio vai para a reeleição, e quem lançou o Eduardo [ao Senado] foi o Valdemar Costa Neto, nosso presidente [do PL]. Michelle deve concorrer ao Senado pelo Distrito Federal, tem grande chance de se eleger. É o plano ideal para ela.

O plano ideal para Bolsonaro tem tudo para dar errado, mas é o único que ele tem. A direita chegará dividida em 2026 para a felicidade de Lula.

 

Fonte: Brasil 247/Correio Braziliense/Metrópoles

 

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