Eduardo Guimarães: ‘A volta das 'burradas'
de Junho de 2013’
Só não entende por que
o Brasil se idiotizou, radicalizou e endireitou tanto quem não consegue olhar e
enxergar, ouvir e escutar. Essa ausência de capacidade de atentar ao redor sem
usar os filtros da ideologia e do fanatismo nos trouxe ao ponto em que estamos.
O Brasil que vemos
hoje era um país progressista no mês anterior à eclosão das ditas
"jornadas de junho de 2013". No mês subsequente, era um país
radicalizado e entregue às perversões de uma extrema-direita que aguardara
pacientemente no armário a chance de voltar a nos atormentar tal qual um zumbi
redivivo.
No primeiro dia do
sexto mês do ano da graça de 2013, pesquisas sobre a popularidade da presidente
da República lhe davam números estratosféricos de aprovação -- entre 60 e 65
por cento. Ao final daquele mês infame, a aprovação quedava entre 29 e 32 por cento.
Dilma Rousseff não
matara ou roubara, não espancara nenhuma velhinha. E ninguém sabia explicar por
que sua popularidade despencara. O país ia bem: nível de desemprego próximo ao
pleno emprego, salários subindo, desigualdade e pobreza despencando, investimentos
(estrangeiros e nacionais) em nível historicamente recordista...
Ninguém entendia a
queda de popularidade. Exatamente como hoje. Na primeira página do jornal Folha
de São Paulo de domingo 3/11, chamada diz "Empresas fazem rodízio de
equipes por falta de mão-de-obra". Os empresários resistem, mas logo terão
que começar a aumentar salários para roubar trabalhadores um do outro.
E a surpresa: a
popularidade de Lula é medíocre. Empata com a reprovação. Mas o pior não é
isso. Se você entrar nos fóruns de discussão na internet, vai ver uma montanha
de esquerdistas revoltados com Lula porque ele não tem como passar o vexame
internacional de reconhecer uma das fraudes eleitorais mais escancaradas de que
se tem notícia.
Durante cerca de duas
décadas estive dezenas de vezes na Venezuela. Inclusive quando a tal María
Corina Machado e Pedro Carmona, presidente da "Fiesp" venezuelana, a
Fedecámaras, deram um golpe e sequestraram Hugo Rafael Chávez Frías, presidente
constitucional do país, que voltou três dias depois nos braços do povo...
Chávez, culto,
heróico, declamava, amiúde, "Por aquí pasó", poema de Alberto Arvelo
Torrealba feito ao Libertador Simón Bolívar:
"Por aquí pasó, compadre,
hacia aquellos montes lejos.
Por aquí vestida de humo
la brisa que cruzó ardiendo
fue silbo de tierra libre
entre su manta y sus sueños (...)"
Chávez foi um herói.
Enfrentou as forças do regime de Carlos Andrés Pérez para combater um massacre
de grandes proporções desencadeado após uma explosão social espontânea em
Caracas, na Venezuela, no dia 27 de fevereiro de 1989, em repúdio ao aumento do
preço do transporte coletivo com a população mergulhada na miséria.
Chávez ficou indignado
ao ver como milhares de manifestantes do povo foram massacrados pelas forças do
exército venezuelano, durante o Caracazo. Três anos depois (1992), tentou tomar
o poder do regime genocida e foi preso. Após dois anos de prisão, foi anistiado
pelo novo presidente, Rafael Caldera Rodríguez, e abandonou a vida militar,
passando a se dedicar à política.
Elegeu-se presidente
em 1999, desencadeou a Revolução Bolivariana e promoveu melhoras na vida do
povo jamais vista. Apesar dos atos violentos contra si, sempre foi um democrata
e um líder benevolente. Jamais violou direitos humanos, censurou a imprensa ou
impediu eleições, que sempre foram limpas.
Foi Chávez quem
colocou os boletins de urna eleitoral (actas electorales) na internet no dia
seguinte a todas as eleições, trazendo sempre observadores internacionais como
o Centro Carter e a ONU, que sempre atestaram suas reeleições limpas e
inatacáveis.
Nicolás Maduro herdou
esse costume e o praticou até a sua penúltima reeleição, mas neste ano tudo foi
diferente. Maduro sumiu com os boletins de urna. Pela primeira vez as eleições
venezuelanas perderam a transparência, ao ponto de que o Centro Carter, a ONU e
outros observadores questionaram a lisura do pleito.
Conto essa história
como pano de fundo para a volta dos insensatos ditos de esquerda que derrubaram
Dilma Rousseff "pela esquerda". Sim, foi um setor majoritário da
esquerda que derrubou Dilma Rousseff não em 2016, mas em 2013.
Com a economia indo
bem, salários em nível recorde, desemprego baixíssimo, economia com "grau
de investimento", desigualdade e pobreza no chão, a esquerda foi pras ruas
atacar Dilma por 20 centavos a mais que o então recém-empossado prefeito paulistano,
Fernando Haddad, impôs ao preço das passagens de ônibus.
Foi um
"Caracazo" verde-amarelo, ainda que sem a mesma virulência do
caraquenho. A polícia militar desceu a borduna nos manifestantes. E quem pagou
o pato nem foi tanto Haddad, mas Dilma Rousseff.
A esquerda das
"jornadas de junho" já vinha fustigando o governo dela sabe-se lá por
quê. Como hoje, não era por problemas do país, mas por causas identitárias e
exigência de transporte público gratuito em uma cidade, então, com 10 milhões
de habitantes.
O que Dilma tinha que
ver com as passagens em São Paulo? O mesmo que Lula tem a ver com os problemas
que herdou de Bolsonaro -- e que vem resolvendo um a um.
A mesma esquerda que
derrubou a popularidade de Dilma em junho de 2013, abrindo as portas para o
golpe de 2016, é a esquerda que critica Lula impiedosamente hoje porque ele não
se dispõe a perder a respeitabilidade em um mundo que condena veementemente a
patranha eleitoral de Nicolás Maduro.
A mesma esquerda
radicalizada que derrubou Dilma, agora ataca Lula sem parar em defesa não de
melhorias na Educação, na Saúde, no emprego etc., mas em defesa do ditador
venezuelano, que, segundo o Instituto Vox Populi, a maioria da esquerda rejeita
-- por razões de uma clareza solar.
Mas essa esquerda não
se contenta com isso. Não quer apenas derrubar o último político de esquerda
que tem votos para governar o país, quer também ferrar o mundo, mesmo que não
tenha voto nos Estados Unidos. Então fica espalhando que não se deve tomar partido
porque Kamala Harris e Donald Trump são exatamente a mesma coisa.
Pouco importa que
Trump tenha dirigido o bolsonarismo para fazer aqui em 8 de janeiro de 2023 o
que fez lá em 6 de janeiro de 2021. Pouco importa que o governo do qual Kamala
faz parte tenha impedido que os militares brasileiros barrassem a eleição de Lula
não só reconhecendo a vitória dele em primeiro lugar, mas ameaçando os
militares brazucas de rompimento de relações diplomáticas em caso de golpe.
Parcela importante da
reprovação alta a Lula, existente apesar das significativas melhorias que o
país vê, é resultado desses mesmos autoproclamados "esquerdistas" que
defendem, irracionalmente, o neonazista Donald Trump e o autocrata truculento
da Venezuela.
E que protagonizaram
junho de 2013.
• Novos contornos da direita após as
eleições municipais
Fortalecidos pelos
resultados das eleições municipais de 2024, os partidos de direita e centro
podem ditar os rumos do próximo pleito. Nesse cenário, com a inelegibilidade do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a ala conta com nomes de destaque, como o governador
de Goiás, Ronaldo Caiado (União), o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB),
e o presidente do PSD, Gilberto Kassab, que, apesar de não terem sido
candidatos neste ano, tiveram forte influência na escolha dos eleitos.
Caiado apoiou a
candidatura do prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (União), e de outros
importantes colégios eleitorais no estado. O prefeito eleito de Belém, Igor
Normando (MDB), contou com ampla aliança partidária do governador do Pará para
vencer nas urnas. Em São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos) foi o principal
cabo eleitoral de Ricardo Nunes (MDB), na corrida pela reeleição.
O PSD, de Kassab, foi
a agremiação que levou mais prefeituras, um total de 887. Entre as capitais,
ganhou no Rio de Janeiro, com Eduardo Paes, em Belo Horizonte, com Fuad Noman,
em São Luís, com Eduardo Braide, e, em Curitiba, com Eduardo Pimentel. O cientista
político André César, da Hold Assessoria Legislativa, destaca que o partido
transita bem entre a direita e a esquerda — funcionando como um
"coringa" nas articulações políticas.
A legenda tem os pés
nas duas canoas. Tanto no partido de Tarcísio, quanto no governo Lula, com os
ministros que são do PSD. Então, o partido pode virar o grande 'coringa' no
jogo", disse. "Kassab foi o grande vencedor dos dois turnos. Apesar de
não ser formalmente da direita, ele transita normalmente nessa ala e pode até
ser classificado como um centro-direita, mas moderado em comparação a outras
figuras", ressaltou.
O cientista político
Fabio Andrade, professor de relações internacionais da Escola Superior de
Propaganda e Marketing (ESPM), destacou o jogo político do PSD. "Ele tem
uma estratégia diferente de ascensão, que é chegar ao poder fazendo uma bancada
grande em 2026 e, com isso, ter a Presidência da Câmara dos Deputados",
observou.
• Fenômeno global
Segundo ele, essa nova
direita é um fenômeno mundial, com ligações nas mudanças econômicas e sociais.
"Há um movimento internacional que se define como nova direita, mais
organizado e sintonizado e que consegue se conectar com diversos setores da sociedade
dialogando, sobretudo, com mudanças no mundo do trabalho", explicou.
André César partilha
do mesmo entendimento. Segundo ele, os partidos de esquerda perderam espaço
pela falta de diálogo com pautas mais condizentes com a realidade atual.
"O petismo e a esquerda, em geral, perderam a conexão com a sociedade.
Estão sem o contato real com os eleitores e ainda, nos anos 1990, muito ligados
ao sindicalismo e aos trabalhos que a gente conhecia. Mas isso está acabando. É
uma outra realidade, e o PT ainda não entendeu", afirmou.
O PL elegeu quatro
prefeitos em capitais. Foram dois no primeiro turno e dois no segundo turno. A
sigla vai governar João Pessoa, com JHC, Rio Branco, com Tião Bocalom, Aracaju,
com Emília Corrêa, e Cuiabá, com Abílio Brunini. O PT venceu apenas em Fortaleza.
Evandro Leitão foi eleito prefeito da capital cearense com 50,38% dos votos,
contra 49,62% recebidos por André Fernandes, do PL. A diferença foi de apenas
0,76 ponto percentual.
• Racha entre aliados
A disputa pelas
prefeituras goianas colocou em lados opostos Ronaldo Caiado (União) e Jair
Bolsonaro (PL), dois aliados muito próximos e que andaram de mãos dadas desde
2019. Uma derrota do governador poderia esfriar as suas pretensões à cadeira do
Planalto e colocar em xeque essa dobradinha em um dos estados que mais deram
votos ao ex-presidente nas eleições que disputou.
Nessa quebra de braço,
Caiado saiu vencedor. Sandro Mabel (União) foi eleito prefeito de Goiânia, com
55,53% dos votos válidos. Ele derrotou Fred Rodrigues (PL), que foi fortemente
apoiado por Bolsonaro. O PL acreditava na influência do ex-chefe do Executivo
para garantir a vitória do aliado na cidade.
A situação gerou
mal-estar nos bastidores, pois Sandro Mabel já foi bem próximo de Jair
Bolsonaro no passado. Os dois foram contemporâneos na Câmara dos Deputados.
Em Aparecida de
Goiânia, segundo maior colégio eleitoral do estado, Leandro Vilela (MDB) foi
eleito prefeito com 63,60% dos votos válidos. Ele foi apoiado por Caiado e
derrotou o candidato de Bolsonaro, Professor Alcides (PL). Na cidade, o
ex-presidente tentou medir forças com o governador. Ele subiu em palanques,
participou de carreatas e condenou a interferência de "velhos
caciques", em clara alusão ao ex-aliado.
Em Anápolis, terceiro
maior colégio eleitoral de Goiás, o PL saiu vencedor. Márcio Corrêa (PL) saiu
vitorioso das urnas, com 58,56% dos votos. Na avaliação do cientista político
André César, da Hold Assessoria Legislativa, a conclusão é que os extremos perderam
e que há nova organização desse espectro político-ideológico com viés econômico
e social.
"A
extrema-direita que a gente conhece, a de Bolsonaro, perdeu muito. O eleitor
mostrou que caminha mais para convicções de centro. O eleitor médio está se
cansando da polarização. O ex-presidente, inclusive, mostrou-se uma figura de
pouca qualidade para transferir voto, para conseguir que seus aliados ganhassem
em localidades importantes", afirmou.
Segundo o cientista
político Paulo Ramirez, professor da ESPM, o cenário abre espaço para um novo
desenho político na próxima eleição. "Bolsonaro estar inelegível para 2026
faz com que haja um vácuo de lideranças políticas de direita — o que abre também
uma grande disputa para figuras de direita presidenciáveis", disse.
Na avaliação de André
César, as siglas devem se unir para 2026, com exceção do PL. "Temos uma
direita mais orgânica, que não é extremada. Poucos sobraram desses extremistas.
Foi uma ducha de água fria, e mostra que o eleitor médio está cansado de tudo
isso. Ele quer algo mais consistente, com menos gritaria. A consolidação desse
processo pode se dar, sim, a partir do avanço efetivo da união dos três
partidos: União Brasil, PSD e MDB", apontou.
• No que aposta Bolsonaro, e que tem tudo
para dar errado. Por Ricardo Noblat
Os afortunados e
ansiosos ocupantes da avenida Faria Lima, donos do PIB, têm mais é que se
entender com Bolsonaro para convencê-lo a dar passagem à candidatura de
Tarcísio de Freitas (Republicanos) à sucessão de Lula. Do contrário, Tarcísio
não irá se arriscar a largar o governo de São Paulo.
Bolsonaro disse à
revista Veja que será ele o candidato da direita a presidente daqui a dois
anos, e não Tarcísio:
– O Tarcísio é um
baita gestor. Mas eu só falo depois de enterrado. Estou vivo. Com todo o
respeito, chance só eu tenho, o resto não tem nome nacional. O candidato sou
eu.
Por ora, Bolsonaro
está inelegível até 2030. Foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral,
acusado de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. No
próximo ano, deverá ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa
de golpe e roubo de joias presenteadas ao Estado brasileiro.
Mesmo assim, ele
pretende se valer da receita de Lula para se manter à tona. Em 2018, condenado
e preso, Lula insistiu com sua candidatura. Liderou todas as pesquisas de
intenção de voto até setembro. E, só quando a Justiça o enquadrou na Lei da
Ficha Limpa, deu passagem à candidatura de Fernando Haddad.
Ocorre que Haddad não
precisou se afastar com antecedência de nenhum cargo público para disputar a
eleição. Tarcísio precisará. E o prazo de desincompatibilização se encerra em
março de 2026. Ele, então, ficará ao sol e à chuva, à espera de que Bolsonaro
acabe sendo obrigado pela Justiça a retirar-se de cena? Tem graça nisso?
Tarcísio é um amador,
mas bobo não é. Sua reeleição para o governo de São Paulo é dada como certa
desde agora, tanto por seus aliados como por seus adversários. De resto,
ninguém confia na palavra de Bolsonaro, que poderá abdicar em favor de qualquer
outro nome. Por que não em favor de um dos seus filhos Zero?
O destino dos filhos e
de Michelle, a ex-primeira-dama, já foi traçado por Bolsonaro, conforme ele
admite:
– O Flávio vai para a
reeleição, e quem lançou o Eduardo [ao Senado] foi o Valdemar Costa Neto, nosso
presidente [do PL]. Michelle deve concorrer ao Senado pelo Distrito Federal,
tem grande chance de se eleger. É o plano ideal para ela.
O plano ideal para
Bolsonaro tem tudo para dar errado, mas é o único que ele tem. A direita
chegará dividida em 2026 para a felicidade de Lula.
Fonte: Brasil
247/Correio Braziliense/Metrópoles
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