Estudo com teste de DNA para detecção de
HPV tem resultado promissor
O rastreamento do HPV
no Brasil deve passar por uma transformação importante – o tradicional exame
citológico de rotina, conhecido popularmente como papanicolau, será
substituído, de forma escalonada, pelo teste de DNA. A incorporação da
tecnologia ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi anunciada em março, com base em
um estudo conduzido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no
município de Indaiatuba (SP).
A primeira rodada de
cinco anos do estudo mostra resultados promissores do programa de rastreamento
de câncer de colo de útero implementado no município entre outubro de 2017 e
setembro de 2022 por meio da utilização do teste de DNA para detecção do HPV.
Os números indicam um
aumento da detecção de lesões pré-cancerosas em até quatro vezes, enquanto 83%
dos casos de câncer foram detectados em estágio inicial.
O estudo foi realizado
pelo Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Unicamp e pela prefeitura
de Indaiatuba com o apoio da farmacêutica Roche. Foram rastreadas, ao todo,
20.551 mulheres, com 58,7% de cobertura e 99,4% de conformidade com a faixa etária
alvo do programa, de 24 a 65 anos. A cobertura sobe para 77,8% quando se exclui
o período de pico da pandemia de covid-19.
O teste de DNA-HPV foi
negativo em 87,2% das amostras, com 6,2% de encaminhamentos para colposcopia e
84,8% de colposcopias realizadas. Um total de 258 lesões precursoras de alto
grau e 29 cânceres cervicais (idade média de 41,4 anos, sendo 83% em estágio I)
foram detectados.
Como referência,
41.387 testes de citologia ou papanicolau realizados de 2012 a 2016 haviam
detectado 36 cânceres cervicais (idade média de 52 anos), sendo 67% em estágios
avançados.
Os resultados,
publicados na revista científica Nature, revelam que o diagnóstico de câncer de
colo de útero em mulheres rastreadas por DNA-HPV em Indaiatuba pôde ser
antecipado em dez anos em relação a testes de citologia, como o papanicolau.
Em entrevista à
Agência Brasil, o diretor de oncologia do Hospital da Mulher da Unicamp e
principal pesquisador do estudo, Júlio Cesar Teixeira, destacou que a
tecnologia, além de mais precisa, é "custo-efetiva".
LEIA A ENTREVISTA:
• Como o senhor avalia os resultados dessa
primeira rodada de cinco anos do estudo?
É um estudo de vida
real. Fizemos uma mudança na cidade, na rede pública, do papanicolau para o
teste de DNA para HPV. É um teste mais eficiente, que detecta mais e antecipa o
diagnóstico em até dez anos. O que acontece? Você detecta as pessoas que têm o
vírus do HPV – isso significa que ela tem o risco apenas, não que ela tem algum
problema, até porque a maioria das mulheres elimina esse vírus.
Só que o papanicolau
já detecta células alteradas pelo vírus, ou seja, quando há suspeita de lesões.
No teste de DNA, a gente antecipa, detecta essas mulheres de maior risco, que
fazem um seguimento diferenciado ou outros testes para ver se já há uma lesão
pré-câncer. Com isso, você trata e previne câncer. Esse é o mecanismo.
• Resultados parciais do estudo já haviam
sido publicados, com boas perspectivas?
Quando você faz um
teste de DNA para HPV, olha que interessante: ele vale por cinco anos. Esse é o
período a ser aguardado até que você precise repetir o teste – isso quando ele
dá negativo num primeiro momento. Então, o DNA-HPV dá uma segurança maior.
Com dois anos e meio
de estudo, a gente já tinha publicado resultados parciais e já tínhamos
demonstrado essa antecipação de dez anos no diagnóstico. Conseguimos, na cidade
de Indaiatuba, colocar uma cobertura para HPV na população muito elevada, acima
de 90% na época.
A gente fez também uma
análise custo-efetividade e ficou demonstrado que a testagem por DNA é mais
econômica.
Isso porque como você
não tem muito câncer de colo de útero pra tratar, o que é caro, mesmo que o
teste de DNA parta de um preço maior no início, ao longo de poucos anos você,
já começa a ter economia de recursos frente ao que se aplica. Baseado nisso, no
fim de 2021, já com esses resultados, o Ministério da Saúde começou a trabalhar
uma transição a nível nacional. Isso culminou agora com os resultados de cinco
anos da primeira rodada.
• Com a publicação de novos resultados,
quais os próximos passos para essa transição no Brasil?
Indaiatuba é uma
cidade de 250 mil habitantes, uma cidade bem organizada. Fizemos, de 2017 até o
fim de 2022, a primeira rodada de cinco anos. Estamos agora começando o ano
outro estudo e o terceiro ano da segunda rodada.
O que a gente observa:
depois que a gente já fez o teste em alta cobertura, detectamos as mulheres que
tinham câncer sem sintomas. Eram cânceres microscópios, a maioria deles. E, na
realidade do Brasil hoje, a maioria é câncer avançado. Invertemos esse panorama,
salvando mais mulheres.
Além disso, na segunda
rodada, depois que a gente fez esse clareamento na população, tratando as
lesões pré-câncer e os cânceres que já existiam, a gente espera ter muito menos
alterações. O que acontece: você vai ter uma sobrecarga menor de mulheres detectadas
com teste positivo para HPV. Isso vai demandar menos tratamentos adicionais,
menos exames complementares. Ou seja, vamos precisar de menos profissionais
atuando e menos custos para o sistema. A gente vai demonstrar, uma rodada na
frente, para gestores e para o Ministério da Saúde, o que acontece a cada
rodada do programa, para eles já irem se programando em termos de gestão e de
economia. Esse é o panorama. Vira uma espécie de estudo sentinela.
• Como fica a vacinação contra o HPV nesse
contexto?
Esse é o segundo ponto
importante: quando as mulheres que tomaram vacinas contra o HPV com menos de 15
anos, lá em 2014, chegarem, no ano que vem, aos 25 anos, idade em que se começa
a fazer o preventivo e o rastreamento para câncer de colo de útero, para essas
mulheres, o teste de DNA vai ser o indicado. Não o Papanicolau.
Essa necessidade de
troca de tipos de rastreamento, portanto, é iminente para o Brasil. Essas
mulheres já virão com menos casos de HPV porque tomaram a vacina. Elas terão
menos lesões.
Para esse grupo
especificamente, já estamos começando a preparar um estudo para avaliar a
autocoleta, ou seja, a mulher mesma colhe o material da secreção do colo do
útero, como se fosse um absorvente interno ou coisa parecida, envia para o
laboratório e vai ter o seu resultado. Se houver alguma sinalização de HPV, aí
sim, ela é encaminhada para uma avaliação médica.
Mas, atualmente, no
panorama da nossa realidade, 87% das mulheres rastreadas já dão negativo para o
primeiro teste, que garante cinco anos até que haja a necessidade de uma nova
testagem. Nesse novo cenário de mulheres que tomaram a vacina contra o HPV ou
já fizeram a primeira rodada de checagem, que deu negativo, o índice deve
aumentar em mais de 90%. Portanto, você vai poder fazer autocoleta em até 92%
da população-alvo. Isso vai simplificar a vida das mulheres e do sistema, de
maneira geral, para poder fazer outras ações de saúde que estamos precisando
bastante.
• A incorporação do teste de DNA para HPV
passou pela avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no
Sistema Único de Saúde (Conitec), que considerou a tecnologia mais precisa que
a atualmente ofertada no SUS.
Exatamente. E, para
ser ofertado no SUS, além de ser mais precisa, essa tecnologia precisa ser
custo-efetiva. Você precisa ter um aumento no custo que não seja impeditivo de
ser implementado. Como os estudos demonstram que ela acaba sendo mais econômico
pelos bons resultados, acabou sendo aprovado. Essa aprovação final aconteceu em
março deste ano. A partir daí, começou a contar um prazo de seis meses –
estamos vivendo agora o final dele – onde o primeiro passo é que o Instituto
Nacional do Câncer (Inca) defina novas diretrizes, qual a população-alvo, como
serão feitos os testes, o que vai ser feito com o resultado.
Já adianto, porque
faço parte de comissões que fazem consultoria pra essa produção: a princípio,
deve se replicar algo bem próximo do que está sendo feito em Indaiatuba. Um
programa bem simples, com fluxograma simples, fácil de entender e que, por meio
dele, você consegue resolver praticamente todos os casos de HPV que a gente tem
na nossa rotina.
• Do ponto de vista prático, com a saída
do papanicolau e a chegada do teste de DNA, o que muda no momento do exame?
Nada. A coleta, no
teste de DNA, é similar à do papanicolau e envolve a secreção do colo do útero.
A mulher precisa passar por um exame ginecológico da mesma forma.
Só execuções
envolvendo o coletor, a enfermagem e o médico é que mudam. No lugar de colocar
a secreção em uma lâmina, ela é colocada em um tubo com líquido conservante.
Esse tubo que vai para o laboratório, onde é feita a pesquisa do DNA do vírus.
Se for preciso, nesse mesmo líquido já colhido, é feita a citologia, que pode
ser indicada como teste adicional, para ajudar a esclarecer o risco daquela
paciente.
Para mulher, portanto,
não muda nada em termos de coleta.
O que muda é o
resultado que, quando vier, garante, com 100% de precisão, que, por cinco anos,
ela não vai ter uma lesão pré-câncer ou um câncer de colo de útero. É uma
segurança muito grande.
Essa mulher pode
comparecer ao médico periodicamente para outras ações de saúde, mas não será
necessário mais fazer a prevenção do câncer do colo do útero durante esse
período.
• Hoje, qual a garantia de proteção que o
papanicolau dá às mulheres contra o HPV?
O papanicolau dá uma
boa garantia também, tanto que a instrução é que ele seja repetido somente de
três em três anos. Tem um pouco menos de eficácia em relação ao teste de DNA.
Com essa nova
tecnologia, que é um pouco mais abrangente e específica, você acaba afastando o
risco por cinco anos. O papanicolau depende de várias etapas para gerar um
resultado, desde a coleta, o trabalho com a lâmina no posto de saúde, o
transporte, a chegada ao laboratório, o processamento e, depois, a leitura no
microscópio pelo citologista. Todas essas etapas têm um pouco de falha. Por
isso ele acaba sendo repetido de três em três anos.
Já o teste de DNA é
todo automatizado e não tem falha. É fácil de fazer, desde que você tenha o
frasquinho com o liquido adequado e o equipamento para detectar o HPV. Essas
são as grandes diferenças. Mas olha que interessante: o SUS remunera, todos os
anos, um total de exames papanicolau que seria capaz de cobrir 80% de todas as
mulheres até 64 anos – incluindo as da rede privada.
Sendo um teste bom,
com esse nível de cobertura, por que a mortalidade por câncer de colo de útero
não caiu nos últimos 40 ou 50 anos no Brasil? Permanece, na verdade, uma linha
horizontal. O teste é ruim? Não. Só que esses 80% de papanicolau pagos significam,
na verdade, entre 15% e 30% de cobertura. Por quê? Porque são sempre as mesmas
mulheres que vêm fazer o papanicolau. Elas vêm anualmente e são coletadas
amostras, desperdiçando testes e sem nenhum efeito na queda de casos de câncer.
Como o teste de DNA é
bem mais caro de partida, a gente não vai poder desperdiçar teste. Precisa
haver um controle da população: quem está fazendo o teste, quem está retornando
para fazer o teste, se a paciente está fora do período, se nunca fez o teste.
Isso evita desperdício. Isso é um programa organizado.
O papanicolau, hoje,
no Brasil, é um programa oportunístico. Se a mulher comparece à unidade de
saíde, ela faz; se não comparece, não faz. E acaba sendo feito sempre com as
mesmas, gerando, no máximo, 30% de cobertura. Qual o resultado: além das taxas
de câncer não caírem, 70% dos casos são de cânceres avançados.
As mulheres só
comparecem às unidades de saúde quando têm sintomas como dor, secreção e
sangramentos. Um câncer que não era para existir.
Sabe qual a sobrevida
média de um câncer avançado como o de colo de útero? 50% dessas mulheres vão
morrer, em média, em cinco anos.
Não temos parâmetro
nenhum para continuar a fazer o que estamos fazendo. O papanicolau é bom e
funciona – para quem está fazendo. O problema é quem não está fazendo.
• Se pensarmos em um cenário de vacinação
com alta cobertura para o HPV e rastreamento de casos por teste de DNA,
poderíamos virtualmente trabalhar com um Brasil sem câncer de colo de útero no
futuro?
Exatamente. É isso que
já está acontecendo em países que começaram a vacinar meninas contra o HPV em
fase escolar, com altas coberturas, acima de 80%, entre 2007 e 2008. São vários
países: Austrália, Reino unido, Inglaterra, Escócia. Lá, eles já estão fazendo,
inclusive, uma única dose de vacina contra o HPV até os 25 anos para todo
mundo. Com o intuito de eliminar mesmo a doença.
E esses países já usam
o teste de DNA como rastreamento. Começaram em 2017, na mesma época em que a
gente começou em Indaiatuba. Eles calculam que, a partir de 2038, casos de
câncer de colo de útero serão um evento raro na população local, baseados na queda
do vírus, das lesões pré-câncer e do câncer propriamente dito.
Cientificamente, é
possível erradicar o HPV. É um vírus muito estável, que ocupa um lugar
específico. Se você bloqueia isso com a vacina isso, ele fica inutilizado, não
consegue passar para outra pessoa nem para a célula ao lado. A vacinação
realmente é o caminho para eliminar o HPV.
Mas, como a vacinação
não engloba todos os tipos de HPV – temos 14 ou 15 tipos que causam 99% dos
casos de câncer, enquanto a vacina protege contra até sete tipos –, sempre será
necessário um teste de rastreamento. Até que a eliminação em todo o planeta realmente
esteja acontecendo. Se você somar a vacinação precoce e, ao chegar a idade do
rastreamento, fazer o exame periódico com o teste de DNA, esse câncer vai ser
eliminado.
Pode e deve acontecer
no Brasil. Por que não? A gente já tem o recurso. Ele só é usado, atualmente,
de forma descoordenada e com desperdício. Precisamos de pessoas com vontade
política. Não precisamos mais de ciência. É tudo política.
Fonte: Agência Brasil
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