Em busca da centralidade: PT demorou a
perceber que o eleitorado de Lula sempre foi maior que o do partido
O resultado da eleição
municipal de 2024, com derrota dos extremos à direita e à esquerda - os
candidatos mais à extrema-direita, apoiados pelo ex-presidente Bolsonaro, assim
como os candidatos apoiados pelo PT (que nem teve condições de disputar o primeiro
turno de muitas capitais e cidades médias, cedendo a posição ao Psol, mais à
esquerda) saíram derrotados, com a emersão de siglas mais ao centro do espectro
democrático (PSD, MDB e União Brasil), lembra muito o genial cenário do romance
“Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que foi levado ao cinema nos
anos 60 em extraordinária realização de Luchino Visconti, com a participação de
Alain Delon como um jovem galante príncipe, e a então exuberante atriz tunisina
Cláudia Cardinalle, que interpretava Angélica, a bela filha do prefeito.
“Il Gattopardo narra a
história do ancestral do autor, Don Fabrizio Corbera, príncipe de Salina, e de
sua família, entre 1860 e 1910, na Sicília (em Palermo e no feudo de
Donnafugata). Don Fabrizio era um patriarca clássico, pai de sete filhos e
herdeiro de um sobrenome que por séculos "não fizera nada mais do que
adicionar das próprias despesas e subtrair das próprias dívidas". Um
típico “coronel” das antigas no Brasil. Ele assiste ao fim da aristocracia, a
partir do desembarque de Giuseppe Garibaldi, em maio de 1860, na Sicília, para
dar início ao fim dos pequenos reinos e à integração da Itália em uma
República. Don Fabrizio assiste com distância e melancolia ao final dos
combates. A classe aristocrática sente que está próxima do fim de sua
supremacia.
E um dos conselhos que
D. Fabrizio (interpretado por Burt Lancaster) dá ao jovem sobrinho Tancredi
(Alain Delon), que tinha aderido aos revoltosos, foi lapidar: “para que as
coisas permanecessem iguais, era preciso que tudo mudasse”. Ou seja, o
rearranjo que está sendo feito na política brasileira neste momento, com
antecipação da sucessão da Câmara dos Deputados e a provável mudança
ministerial (que previ aqui na coluna, antes do primeiro turno) visa abrigar
mais proporcionalmente, no governo Lula, representantes dos partidos que
ganharam mais força nas urnas.
Ou seja: como se o
próprio Lula posasse de D. Fabrizio, ele está buscando mais centralidade do
governo (de esquerda com viés democrático) para reagrupar as forças do centro
que querem se comprometer com o processo de seu governo e, ao isolar a extrema
direita, ganhar espaço para sobreviver com garantias de novas alianças com
partidos na Câmara e no ministério e nos nichos de poder, que incluem o
preenchimento de vagas no Tribunal de Contas da União (TCU).
No filme de Visconti,
ao lado da perda da influência da Igreja Católica e do prestígio da
aristocracia, era preciso compartilhar o poder com a burguesia. Significativo
foi o casamento de Tancredi (Delon) com Angélica (Cláudia), filha do prefeito
D. Calogero Sedara, rico burguês emergente. No consórcio, ele entra com o nome
ilustre e ela com o formidável dote. E a tirada melancólica de D. Fabrizio é
ainda mais lapidar: "Nós fomos os Leopardos, os Leões; quem nos
substituirá serão os pequenos chacais, as hienas; e todos — Leopardos, chacais
e ovelhas — continuaremos a acreditar que somos o sal da terra".
<><> As
novas alianças políticas
Os Arthur Lira, os
Hugo Motta (Republicanos-PB) - que virou o favorito nesta semana à sucessão de
Lira (em 1º de fevereiro de 2025) - são o sinal da mudança dos tempos. Para
continuar no poder, é preciso ceder espaço.
Até o PT já caiu em si
na política doméstica. Falta fazer autocrítica. Extensiva à política
internacional, na qual o presidente Lula e o Brasil acabam de ser desacatados
pela Venezuela, menos de uma semana após a executiva do partido dos
trabalhadores apoiar o país, que chegou a reconhecer, apressadamente, que era
uma democracia e que Nicolás Madura vencera um pleito do qual não se tem provas
até hoje.
Nelson Rodrigues dizia
que era melhor cair das nuvens do que do 12º andar. O PT demorou a perceber (e
a verdade das urnas doeu) que o eleitorado de Lula sempre foi maior que o do
partido e que o terceiro governo Lula ocorreu porque mais da metade da população
brasileira estava cansada do negacionismo de Bolsonaro, que causou mais de 720
mil mortes na pandemia de covid-19, e do seu radicalismo político, o que
culminou no frustrado golpe de 8 de janeiro de 2023.
O radicalismo político
foi encampado na eleição municipal pelo PL de Bolsonaro. O partido, que se
compôs com Lula em 2002, tendo o então senador (PL-MG) e empresário
(Coteminas), José Alencar Gomes da Silva, como vice-presidente na chapa, o que
se repetiu em 2006, agora foi alijado das principais capitais do país. Ganhou
no primeiro turno em Rio Branco (AC) e em Maceió (AL). No segundo turno, venceu
apertado em Cuiabá (MT), capital do agronegócio, e em Aracaju (SE). Sua
bandeira da anistia política foi reconhecida como um balido de lobo em pele de
cordeiro.
O domínio territorial
do país, expresso pela maioria de cinco capitais importantes (RJ, BH, Curitiba,
Floripa e São Luís), ficou com os moderados do PSD de Gilberto Kassab, que
conquistou 887 prefeituras. Superou os 853 municípios do então hegemônico MDB,
que, ao levar SP, Porto Alegre, Belém, Boa Vista e Macapá, ficou com pequena
vantagem de eleitores sobre o PSD. Juntos, PSD e MDB conquistaram 1743 dos
5.569 municípios (31,1% do total em todo o Brasil, pois Brasília elege
governador.
A terceira força, com
747 prefeituras, foi o PP, mas com apenas duas capitais João Pessoa (PB) e
Campo Grande (MS). Na quarta posição ficou o União Brasil, novidade que encarna
os velhos DEM (que era basicamente o antigo PFL) e o PSL (legenda usada por Bolsonaro
em 20218 e renegada em 2019).
O território
brasileiro não tem mais o domínio que o PT teve, com Lula, no Nordeste em 2022
(só ganhou em Fortaleza), e o PL no Sul e Centro-Oeste, na última eleição
presidencial. Ganhou, desta vez, em Maceió (AL) e Aracaju (SE) e em Cuiabá (MT)
capital do agronegócio, e em Rio Branco (AC).
O alto desempenho dos
partidos de centro e centro-direita nas eleições municipais de 2024 teve
variações por região. O PSD, partido com mais prefeitos eleitos, teve esse
número impulsionado pela região Sudeste; o MDB, por sua vez, lidera em número
absoluto nas regiões Nordeste e Norte.
Em resumo, este é o
quadro da hegemonia por região:
# Centro-Oeste –
liderança do União Brasil, com 155 prefeituras. O segundo lugar é o MDB, com
74.
# Nordeste – MDB
ganhou 280 cidades, seguido de perto pelo PSD, com 271. PP e PSB elegeram 214
prefeitos cada um.
# Norte – MDB lidera
com 110 prefeitos eleitos, seguido pelo União Brasil, com 101.
# Sudeste – o PSD elegeu 354 prefeitos. O PL é
o segundo, com 184, seguido por Republicanos (178), MDB (165), PP (149) e União
Brasil (116).
# Sul – PP elegeu 278
prefeitos, o maior número. É seguido por MDB, com 225, e PSD, com 217.
Quem encarnará o jovem
Tancredi a conquistar a bela Angélica em 2026?
¨ Lula tem oposição de esquerda. Por Eduardo Guimarães
Temos visto uma
interminável fila de analistas de todos os matizes político-ideológicos e
escolas quebrando suas cabeças laureadas para encontrar a razão pela qual,
mesmo com o país melhorando a passos largos, a popularidade do governo e de seu
titular não cresce.
No último sábado,
escrevi sobre o assunto, mas com foco na visão irracional de setores da
esquerda que atacam o governo que nos separa do neonazismo bolsonarista por
exigirem que o presidente Lula se acumplicie ao golpe eleitoral na Venezuela,
enquanto minimizam um risco que assombra a humanidade apenas porque Donald
Trump é amiguinho de Vladimir Putin.
Infelizmente, é muito
pior que isso. Parcela pequena, mas extremamente barulhenta do campo
político-ideológico de onde se originou o atual governo ajuda a extrema-direita
a sabotá-lo. E piora mais: faz isso achando que não está fazendo e que é sua
obrigação criticar o governo se este não seguir, ipsis litteris, a cartilha
ideológica de gente que crê em revolução socialista em pleno século 21.
O artigo "A Volta
das Burradas de Junho de 2013" gerou comentários dos que motivaram o
texto, que revelam que esse setor da esquerda não está apenas sendo turrão
porque não vê suas idiossincrasias sobre política externa ou sobre economia
contempladas; atua de forma sistemática para desmoralizar o governo Lula sem se
importar ou refletir sobre o fato de que está ajudando a extrema-direita.
Enquanto a
centro-esquerda e a centro-direita enxergam um risco inaceitável e ameaçador no
bolsonarismo, essa gente não está nem aí. Enquanto o Mundo Livre se assusta com
as sandices e ameaças de Donald Trump, os kamikazes de esquerda dizem que não
têm a menor preocupação com ele e que o barato deles mesmo é santificar Nicolás
Maduro, Vladimir Putin, Daniel Ortega e outros bichos.
Aliás, a relação
amistosa entre Trump, Bolsonaro e Putin levanta até uma certa simpatia pelo
nazista de cabelo amarelo. Putin é pop.
A oposição de esquerda
a Lula quer também um estelionato eleitoral de Lula contra a Frente Ampla que
lhe permitiu se eleger. Não aceita que os setores de centro-direita dessa rede
participem do governo, não aceita o Marco Fiscal, não aceita a Reforma Tributária,
não aceita responsabilidade fiscal, não aceita medidas que nos estão levando ao
Grau de Investimento.
A oposição de esquerda
a Lula é tão ou mais virulenta que a oposição bolsonarista. Usa insultos
parecidos ou idênticos, questiona sua capacidade decisória e já nutre esse
rancor desde que o presidente escolheu Geraldo Alckmin como seu vice.
A oposição a Lula acha
que ajuda o país ajudando a inflar seus índices de desaprovação nas pesquisas
ao responder com reprovação a ele nas sondagens dos institutos. Sondagens que
dão os números medíocres a um presidente e a um governo que tantos avanços têm
logrado, atraindo investimentos estrangeiros como nunca.
Se Lula, seu governo e
a Secom quiserem melhorar sua aprovação, devem criar alguma estratégia para
lidar com essa gente. Não são muitos, mas ajudam a difamar o presidente e a sua
administração. Talvez um bolsa-psicanalista ajude.
• Que fazer? A ressaca das esquerdas e os
desafios para 2026. Por Lier Pires Ferreira e Renata Medeiros de Araújo
As forças de
progressistas acordaram de ressaca na última segunda-feira. Se as eleições são
a festa da democracia, quem se esbaldou foram os conservadores, embriagados
pelo doce champanhe da vitória. O saldo das eleições municipais não deixa
dúvida: se o quinteto progressista formado por PT, PDT, PSB, PV e PCdoB elegeu
cerca de 745 prefeitos, só o PSD de Gilberto Kassab elegeu 887, cinco dos quais
em capitais.
Quer mais? O velho MDB
fez 853 prefeitos, o PP fez 747, o União fez 538 e o PL outros 516. O PSOL não
elegeu um mísero prefeitinho. Para piorar, em números aproximados, as forças
progressistas venceram em somente 13,1% dos municípios. Lendo de trás para frente,
significa que 86,9% dos municípios brasileiros escolheram forças políticas de
centro e de direita, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro.
Já nas eleições gerais
de 2022, se por um lado a vitória de Lula contra um ensandecido Bolsonaro, deu
certo alento às esquerdas na luta contra o fascismo histórico, por outro as
urnas sufragaram um Congresso Nacional conservador, que vende caro a tal governabilidade.
Bolsonaro, quando presidente, fez do Congresso um pote de ouro, dono de um
poder mesquinho, que só funciona na base da chantagem, da barganha, do “toma
lá, dá cá”. Assim, mais do que uma vitória das forças progressistas, a
conquista da presidência em 2022 deve muito ao carisma pessoal do Lula, um mito
de carne e osso, cuja biografia é um dos capítulos mais importantes da história
política do Brasil.
Mas, como diriam os
antigos, “uma andorinha não faz verão”. Lula está envelhecendo, na idade e no
discurso. Mais do que isso, o PT envelheceu. A fulgurante legenda que irrompeu
no cenário político dos anos 1980 articulando sindicatos e intelectuais para redefinir
os rumos do país, atingiu seu ápice entre 2003 e 2011, quando, em dois mandatos
sucessivos, Lula retirou o Brasil do mapa da fome e incorporou milhões de
pessoas ao mínimo existencial da cidadania, quer pelo acesso à educação, quer
pelos programas sociais.
Todavia, após três
décadas de neoliberalismo, as esquerdas já não dialogam com o povo.
Identidárias, perderam suas bases na Igreja Católica, sem conquistar os
evangélicos. Assistencialistas, não conseguem se comunicar com a juventude
empreendedora, precarizada, cujo “corre” se nutre da ilusão da prosperidade
rápida, do ganho imediato, sem patrão e sem Estado, sem amarras e sem direitos,
do puro suco de individualismo. Ademais, burocratizadas, as esquerdas perderam
contato com a realidade das ruas. Já não estão mais nos botecos, nas praças,
nas periferias. Não sabem como lidar com os trabalhadores “pejotizados”, com a
turma dos aplicativos, das vendas “on-line”, dos viciados em “bets”, dos que
vivem no fio da navalha da exclusão social, da insegurança alimentar e do
controle territorial das narcomilícias. Esses foram relegados pelas esquerdas,
cujos dirigentes prosperaram, viraram burgueses, que, no controle de suas
máquinas partidárias, tolheram novas lideranças.
Em meio ao rescaldo da
acachapante derrota, as forças progressistas já debatem seu futuro. A parada é
dura, em especial para 2026. Afinal, se por um lado as esquerdas perderam a si
e para si, por outro também perderam para o jogo sujo das emendas de bancada,
do fundo partidário, do fisiologismo barato, amorfo, sem projeto para o país,
sem outro sentido senão a rapina dos cofres públicos, o exercício acrítico do
poder. Será que o eleitor do PL sabe que o Bolsa Família que alimenta seus
filhos é oriundo das esquerdas? Que sua moradia vem do Minha Casa, Minha Vida,
que o SUS é uma conquista das forças progressistas e que sua sonhada
aposentadoria também? Pois é...
Nesta canção do
futuro, por um lado, haverá grupos que apostarão na radicalização do discurso,
no retorno aos movimentos sociais, nas lutas identitárias, nos enfraquecidos
sindicatos, enfim, num passado idealizado, quando, autênticas, as esquerdas
criticavam o “sistema”, mantinham sua coerência ideológica, mas não governavam.
Outros, por certo, apostarão na institucionalização dos partidos, nas disputas
pelos poderes Executivo e Legislativo, na ampliação das alianças, em caminhar
para o centro, em jogar o jogo, em conquistar o poder. O fato é que, sem as
forças progressistas, o país corre o risco de definhar sua pálida consciência
social, caminhando para uma distopia neoliberal. As esquerdas são importantes,
não irão desaparecer, pois, enquanto houver capitalismo, haverá desigualdade,
haverá luta. Mas, nesse momento, elas estão acuadas e postas numa encruzilhada.
Atônitas, se colocam a velha questão leninista: que fazer?
Fonte: Por Gilberto
Menezes Côrtes, no JB/Brasil 247
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