terça-feira, 5 de novembro de 2024

Em busca da centralidade: PT demorou a perceber que o eleitorado de Lula sempre foi maior que o do partido

O resultado da eleição municipal de 2024, com derrota dos extremos à direita e à esquerda - os candidatos mais à extrema-direita, apoiados pelo ex-presidente Bolsonaro, assim como os candidatos apoiados pelo PT (que nem teve condições de disputar o primeiro turno de muitas capitais e cidades médias, cedendo a posição ao Psol, mais à esquerda) saíram derrotados, com a emersão de siglas mais ao centro do espectro democrático (PSD, MDB e União Brasil), lembra muito o genial cenário do romance “Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que foi levado ao cinema nos anos 60 em extraordinária realização de Luchino Visconti, com a participação de Alain Delon como um jovem galante príncipe, e a então exuberante atriz tunisina Cláudia Cardinalle, que interpretava Angélica, a bela filha do prefeito.

“Il Gattopardo narra a história do ancestral do autor, Don Fabrizio Corbera, príncipe de Salina, e de sua família, entre 1860 e 1910, na Sicília (em Palermo e no feudo de Donnafugata). Don Fabrizio era um patriarca clássico, pai de sete filhos e herdeiro de um sobrenome que por séculos "não fizera nada mais do que adicionar das próprias despesas e subtrair das próprias dívidas". Um típico “coronel” das antigas no Brasil. Ele assiste ao fim da aristocracia, a partir do desembarque de Giuseppe Garibaldi, em maio de 1860, na Sicília, para dar início ao fim dos pequenos reinos e à integração da Itália em uma República. Don Fabrizio assiste com distância e melancolia ao final dos combates. A classe aristocrática sente que está próxima do fim de sua supremacia.

E um dos conselhos que D. Fabrizio (interpretado por Burt Lancaster) dá ao jovem sobrinho Tancredi (Alain Delon), que tinha aderido aos revoltosos, foi lapidar: “para que as coisas permanecessem iguais, era preciso que tudo mudasse”. Ou seja, o rearranjo que está sendo feito na política brasileira neste momento, com antecipação da sucessão da Câmara dos Deputados e a provável mudança ministerial (que previ aqui na coluna, antes do primeiro turno) visa abrigar mais proporcionalmente, no governo Lula, representantes dos partidos que ganharam mais força nas urnas.

Ou seja: como se o próprio Lula posasse de D. Fabrizio, ele está buscando mais centralidade do governo (de esquerda com viés democrático) para reagrupar as forças do centro que querem se comprometer com o processo de seu governo e, ao isolar a extrema direita, ganhar espaço para sobreviver com garantias de novas alianças com partidos na Câmara e no ministério e nos nichos de poder, que incluem o preenchimento de vagas no Tribunal de Contas da União (TCU).

No filme de Visconti, ao lado da perda da influência da Igreja Católica e do prestígio da aristocracia, era preciso compartilhar o poder com a burguesia. Significativo foi o casamento de Tancredi (Delon) com Angélica (Cláudia), filha do prefeito D. Calogero Sedara, rico burguês emergente. No consórcio, ele entra com o nome ilustre e ela com o formidável dote. E a tirada melancólica de D. Fabrizio é ainda mais lapidar: "Nós fomos os Leopardos, os Leões; quem nos substituirá serão os pequenos chacais, as hienas; e todos — Leopardos, chacais e ovelhas — continuaremos a acreditar que somos o sal da terra".

<><> As novas alianças políticas

Os Arthur Lira, os Hugo Motta (Republicanos-PB) - que virou o favorito nesta semana à sucessão de Lira (em 1º de fevereiro de 2025) - são o sinal da mudança dos tempos. Para continuar no poder, é preciso ceder espaço.

Até o PT já caiu em si na política doméstica. Falta fazer autocrítica. Extensiva à política internacional, na qual o presidente Lula e o Brasil acabam de ser desacatados pela Venezuela, menos de uma semana após a executiva do partido dos trabalhadores apoiar o país, que chegou a reconhecer, apressadamente, que era uma democracia e que Nicolás Madura vencera um pleito do qual não se tem provas até hoje.

Nelson Rodrigues dizia que era melhor cair das nuvens do que do 12º andar. O PT demorou a perceber (e a verdade das urnas doeu) que o eleitorado de Lula sempre foi maior que o do partido e que o terceiro governo Lula ocorreu porque mais da metade da população brasileira estava cansada do negacionismo de Bolsonaro, que causou mais de 720 mil mortes na pandemia de covid-19, e do seu radicalismo político, o que culminou no frustrado golpe de 8 de janeiro de 2023.

O radicalismo político foi encampado na eleição municipal pelo PL de Bolsonaro. O partido, que se compôs com Lula em 2002, tendo o então senador (PL-MG) e empresário (Coteminas), José Alencar Gomes da Silva, como vice-presidente na chapa, o que se repetiu em 2006, agora foi alijado das principais capitais do país. Ganhou no primeiro turno em Rio Branco (AC) e em Maceió (AL). No segundo turno, venceu apertado em Cuiabá (MT), capital do agronegócio, e em Aracaju (SE). Sua bandeira da anistia política foi reconhecida como um balido de lobo em pele de cordeiro.

O domínio territorial do país, expresso pela maioria de cinco capitais importantes (RJ, BH, Curitiba, Floripa e São Luís), ficou com os moderados do PSD de Gilberto Kassab, que conquistou 887 prefeituras. Superou os 853 municípios do então hegemônico MDB, que, ao levar SP, Porto Alegre, Belém, Boa Vista e Macapá, ficou com pequena vantagem de eleitores sobre o PSD. Juntos, PSD e MDB conquistaram 1743 dos 5.569 municípios (31,1% do total em todo o Brasil, pois Brasília elege governador.

A terceira força, com 747 prefeituras, foi o PP, mas com apenas duas capitais João Pessoa (PB) e Campo Grande (MS). Na quarta posição ficou o União Brasil, novidade que encarna os velhos DEM (que era basicamente o antigo PFL) e o PSL (legenda usada por Bolsonaro em 20218 e renegada em 2019).

O território brasileiro não tem mais o domínio que o PT teve, com Lula, no Nordeste em 2022 (só ganhou em Fortaleza), e o PL no Sul e Centro-Oeste, na última eleição presidencial. Ganhou, desta vez, em Maceió (AL) e Aracaju (SE) e em Cuiabá (MT) capital do agronegócio, e em Rio Branco (AC).

O alto desempenho dos partidos de centro e centro-direita nas eleições municipais de 2024 teve variações por região. O PSD, partido com mais prefeitos eleitos, teve esse número impulsionado pela região Sudeste; o MDB, por sua vez, lidera em número absoluto nas regiões Nordeste e Norte.

Em resumo, este é o quadro da hegemonia por região:

# Centro-Oeste – liderança do União Brasil, com 155 prefeituras. O segundo lugar é o MDB, com 74.

# Nordeste – MDB ganhou 280 cidades, seguido de perto pelo PSD, com 271. PP e PSB elegeram 214 prefeitos cada um.

# Norte – MDB lidera com 110 prefeitos eleitos, seguido pelo União Brasil, com 101.

#  Sudeste – o PSD elegeu 354 prefeitos. O PL é o segundo, com 184, seguido por Republicanos (178), MDB (165), PP (149) e União Brasil (116).

# Sul – PP elegeu 278 prefeitos, o maior número. É seguido por MDB, com 225, e PSD, com 217.

Quem encarnará o jovem Tancredi a conquistar a bela Angélica em 2026?

 

¨      Lula tem oposição de esquerda. Por Eduardo Guimarães

Temos visto uma interminável fila de analistas de todos os matizes político-ideológicos e escolas quebrando suas cabeças laureadas para encontrar a razão pela qual, mesmo com o país melhorando a passos largos, a popularidade do governo e de seu titular não cresce.

No último sábado, escrevi sobre o assunto, mas com foco na visão irracional de setores da esquerda que atacam o governo que nos separa do neonazismo bolsonarista por exigirem que o presidente Lula se acumplicie ao golpe eleitoral na Venezuela, enquanto minimizam um risco que assombra a humanidade apenas porque Donald Trump é amiguinho de Vladimir Putin.

Infelizmente, é muito pior que isso. Parcela pequena, mas extremamente barulhenta do campo político-ideológico de onde se originou o atual governo ajuda a extrema-direita a sabotá-lo. E piora mais: faz isso achando que não está fazendo e que é sua obrigação criticar o governo se este não seguir, ipsis litteris, a cartilha ideológica de gente que crê em revolução socialista em pleno século 21.

O artigo "A Volta das Burradas de Junho de 2013" gerou comentários dos que motivaram o texto, que revelam que esse setor da esquerda não está apenas sendo turrão porque não vê suas idiossincrasias sobre política externa ou sobre economia contempladas; atua de forma sistemática para desmoralizar o governo Lula sem se importar ou refletir sobre o fato de que está ajudando a extrema-direita.

Enquanto a centro-esquerda e a centro-direita enxergam um risco inaceitável e ameaçador no bolsonarismo, essa gente não está nem aí. Enquanto o Mundo Livre se assusta com as sandices e ameaças de Donald Trump, os kamikazes de esquerda dizem que não têm a menor preocupação com ele e que o barato deles mesmo é santificar Nicolás Maduro, Vladimir Putin, Daniel Ortega e outros bichos.

Aliás, a relação amistosa entre Trump, Bolsonaro e Putin levanta até uma certa simpatia pelo nazista de cabelo amarelo. Putin é pop.

A oposição de esquerda a Lula quer também um estelionato eleitoral de Lula contra a Frente Ampla que lhe permitiu se eleger. Não aceita que os setores de centro-direita dessa rede participem do governo, não aceita o Marco Fiscal, não aceita a Reforma Tributária, não aceita responsabilidade fiscal, não aceita medidas que nos estão levando ao Grau de Investimento.

A oposição de esquerda a Lula é tão ou mais virulenta que a oposição bolsonarista. Usa insultos parecidos ou idênticos, questiona sua capacidade decisória e já nutre esse rancor desde que o presidente escolheu Geraldo Alckmin como seu vice.

A oposição a Lula acha que ajuda o país ajudando a inflar seus índices de desaprovação nas pesquisas ao responder com reprovação a ele nas sondagens dos institutos. Sondagens que dão os números medíocres a um presidente e a um governo que tantos avanços têm logrado, atraindo investimentos estrangeiros como nunca.

Se Lula, seu governo e a Secom quiserem melhorar sua aprovação, devem criar alguma estratégia para lidar com essa gente. Não são muitos, mas ajudam a difamar o presidente e a sua administração. Talvez um bolsa-psicanalista ajude.

 

•        Que fazer? A ressaca das esquerdas e os desafios para 2026. Por Lier Pires Ferreira e Renata Medeiros de Araújo

As forças de progressistas acordaram de ressaca na última segunda-feira. Se as eleições são a festa da democracia, quem se esbaldou foram os conservadores, embriagados pelo doce champanhe da vitória. O saldo das eleições municipais não deixa dúvida: se o quinteto progressista formado por PT, PDT, PSB, PV e PCdoB elegeu cerca de 745 prefeitos, só o PSD de Gilberto Kassab elegeu 887, cinco dos quais em capitais.

Quer mais? O velho MDB fez 853 prefeitos, o PP fez 747, o União fez 538 e o PL outros 516. O PSOL não elegeu um mísero prefeitinho. Para piorar, em números aproximados, as forças progressistas venceram em somente 13,1% dos municípios. Lendo de trás para frente, significa que 86,9% dos municípios brasileiros escolheram forças políticas de centro e de direita, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro.

Já nas eleições gerais de 2022, se por um lado a vitória de Lula contra um ensandecido Bolsonaro, deu certo alento às esquerdas na luta contra o fascismo histórico, por outro as urnas sufragaram um Congresso Nacional conservador, que vende caro a tal governabilidade. Bolsonaro, quando presidente, fez do Congresso um pote de ouro, dono de um poder mesquinho, que só funciona na base da chantagem, da barganha, do “toma lá, dá cá”. Assim, mais do que uma vitória das forças progressistas, a conquista da presidência em 2022 deve muito ao carisma pessoal do Lula, um mito de carne e osso, cuja biografia é um dos capítulos mais importantes da história política do Brasil.

Mas, como diriam os antigos, “uma andorinha não faz verão”. Lula está envelhecendo, na idade e no discurso. Mais do que isso, o PT envelheceu. A fulgurante legenda que irrompeu no cenário político dos anos 1980 articulando sindicatos e intelectuais para redefinir os rumos do país, atingiu seu ápice entre 2003 e 2011, quando, em dois mandatos sucessivos, Lula retirou o Brasil do mapa da fome e incorporou milhões de pessoas ao mínimo existencial da cidadania, quer pelo acesso à educação, quer pelos programas sociais.

Todavia, após três décadas de neoliberalismo, as esquerdas já não dialogam com o povo. Identidárias, perderam suas bases na Igreja Católica, sem conquistar os evangélicos. Assistencialistas, não conseguem se comunicar com a juventude empreendedora, precarizada, cujo “corre” se nutre da ilusão da prosperidade rápida, do ganho imediato, sem patrão e sem Estado, sem amarras e sem direitos, do puro suco de individualismo. Ademais, burocratizadas, as esquerdas perderam contato com a realidade das ruas. Já não estão mais nos botecos, nas praças, nas periferias. Não sabem como lidar com os trabalhadores “pejotizados”, com a turma dos aplicativos, das vendas “on-line”, dos viciados em “bets”, dos que vivem no fio da navalha da exclusão social, da insegurança alimentar e do controle territorial das narcomilícias. Esses foram relegados pelas esquerdas, cujos dirigentes prosperaram, viraram burgueses, que, no controle de suas máquinas partidárias, tolheram novas lideranças.

Em meio ao rescaldo da acachapante derrota, as forças progressistas já debatem seu futuro. A parada é dura, em especial para 2026. Afinal, se por um lado as esquerdas perderam a si e para si, por outro também perderam para o jogo sujo das emendas de bancada, do fundo partidário, do fisiologismo barato, amorfo, sem projeto para o país, sem outro sentido senão a rapina dos cofres públicos, o exercício acrítico do poder. Será que o eleitor do PL sabe que o Bolsa Família que alimenta seus filhos é oriundo das esquerdas? Que sua moradia vem do Minha Casa, Minha Vida, que o SUS é uma conquista das forças progressistas e que sua sonhada aposentadoria também? Pois é...

Nesta canção do futuro, por um lado, haverá grupos que apostarão na radicalização do discurso, no retorno aos movimentos sociais, nas lutas identitárias, nos enfraquecidos sindicatos, enfim, num passado idealizado, quando, autênticas, as esquerdas criticavam o “sistema”, mantinham sua coerência ideológica, mas não governavam. Outros, por certo, apostarão na institucionalização dos partidos, nas disputas pelos poderes Executivo e Legislativo, na ampliação das alianças, em caminhar para o centro, em jogar o jogo, em conquistar o poder. O fato é que, sem as forças progressistas, o país corre o risco de definhar sua pálida consciência social, caminhando para uma distopia neoliberal. As esquerdas são importantes, não irão desaparecer, pois, enquanto houver capitalismo, haverá desigualdade, haverá luta. Mas, nesse momento, elas estão acuadas e postas numa encruzilhada. Atônitas, se colocam a velha questão leninista: que fazer?

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB/Brasil 247

 

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