terça-feira, 5 de novembro de 2024

O que explica possível aumento de apoio a Trump entre eleitores negros e latinos

Diferentes pesquisas indicam que o ex-presidente americano Donald Trump poderá se tornar nestas eleições o candidato republicano com o melhor desempenho entre eleitores negros e latinos nas últimas décadas.

Nos Estados Unidos, a maioria desses eleitores historicamente vota no Partido Democrata, e isso deve se repetir no pleito de 5 de novembro. No entanto, sondagens sugerem que a margem de vantagem dos democratas nesses grupos poderá diminuir.

Segundo o instituto de pesquisas Pew Research Center, em 2020 o democrata Joe Biden venceu a eleição com o voto de 92% dos eleitores negros e 59% dos latinos. Trump, que concorria à reeleição e perdeu, levou 8% dos votos de eleitores negros e 38% dos latinos.

Neste ano, Trump é novamente candidato e enfrenta a vice-presidente democrata, Kamala Harris, que poderá ser a primeira mulher negra eleita presidente nos Estados Unidos.

Ambos estão praticamente empatados nas pesquisas gerais, mas há expectativa de que Trump possa superar seu desempenho de 2020 entre eleitores não brancos.

Uma pesquisa do Siena College encomendada pelo jornal The New York Times e divulgada em 25 de outubro mostra Harris com preferência de 81% dos eleitores negros e 52% dos latinos, enquanto Trump tem 12% e 42% respectivamente.

Sondagem da Suffolk University para o jornal USA Today, que incluiu cinco candidatos, mostra Harris com 72% entre eleitores negros, e Trump com 17%. Essa pesquisa dá vantagem a Trump entre os latinos, com 49%, acima dos 38% de Harris.

Há sondagens que dão margem menor ao republicano, como a ABC News/Ipsos, que mostra Harris com 90% dos eleitores negros e 64% dos latinos, e Trump com 7% e 34%. Pesquisa YouGov para a CBS News dá a Harris 87% dos eleitores negros e 62% dos latinos, e Trump 12% e 36%, respectivamente.

O último candidato presidencial republicano a obter mais de 10% do voto de eleitores negros foi George W. Bush, em 2004.

Muitos analistas minimizam o significado dessas pesquisas, lembrando que várias têm amostras pequenas, o que poderia distorcer os resultados, e ressaltando que a ampla maioria desses eleitores continua fiel ao Partido Democrata.

Outros, porém, afirmam que esse movimento em direção ao Partido Republicano não é repentino e já ocorre há algum tempo, e questionam se os números atuais não apontariam para um realinhamento racial mais profundo na política americana.

·        Homens jovens

Os supostos ganhos de Trump nessas fatias do eleitorado parecem ser mais pronunciados entre homens e, especialmente, entre homens jovens. Pesquisa do New York Times mostra Trump com 27% dos homens negros e 55% dos latinos na faixa etária até 45 anos.

Segundo sondagem Reuters/Ipsos, Harris tem a preferência de 46% dos homens latinos, apenas dois pontos à frente de Trump e abaixo dos 19 pontos de vantagem de Biden em 2020. A mesma pesquisa dá a Trump 18% dos votos de homens negros.

No entanto, outras pesquisas mostram que, à medida que a eleição se aproxima, a vantagem de Trump pode estar caindo. Harris entrou na disputa apenas em julho, quando Biden desistiu de concorrer à reeleição.

“Acho que alguns dos números que surgiram recentemente em termos de pesquisas com homens negros são um pouco exagerados”, diz o cientista político Michael Fauntroy, professor da Universidade George Mason, na Virgínia.

Em um painel sobre a participação de eleitores negros nas eleições, organizado pelo think tank Brookings Institution, Fauntroy lembrou que levantamentos recentes, como um realizado pela Universidade Howard, mostram o apoio dessa fatia se aproximando “das normas históricas”.

Segundo a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), uma das principais organizações de direitos civis do país, entre agosto e outubro, o apoio a Trump entre homens negros na faixa abaixo de 50 anos caiu de 27% para 21%, enquanto a preferência por Harris saltou de 51% para 59%.

O cientista político Fredrick Harris, professor da Universidade Columbia, em Nova York, também participou do painel do Brookings e lembrou que “homens negros têm votado nos republicanos em (percentuais de) cerca de 15% desde a era Reagan, se não antes” e que a disparidade de gênero é maior em outros grupos demográficos.

A própria Harris já descreveu em entrevistas sua suposta perda de apoio entre homens negros como uma “narrativa da mídia”. Mas, em uma eleição que será decidida por margem apertada, o tema tem provocado reações entre líderes democratas nesta reta final.

“Ainda não vimos o mesmo nível de energia e participação (…) como quando eu estava concorrendo”, afirmou o ex-presidente Barack Obama no mês passado em visita a Pittsburgh, cidade no Estado da Pensilvânia, um dos mais decisivos nestas eleições.

“E você está pensando em ficar de fora?”, questionou o democrata, que em 2008 foi eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos com 95% dos votos de eleitores negros e 67% dos hispânicos.

“Parte disso me faz pensar — e estou falando diretamente com os homens — que você simplesmente não está confortável com a ideia de ter uma mulher como presidente”, disse Obama.

A ex-primeira-dama Michelle Obama tocou no assunto em Michigan, outro Estado decisivo. “Me perdoem se estou um pouco frustrada pelo fato de alguns de nós estarem escolhendo ignorar a incompetência grosseira de Donald Trump enquanto exigem que Kamala nos deslumbre”, disse.

Harris reconheceu que precisa se esforçar para conquistar os votos desse grupo, e sua campanha tem focado mais nesses eleitores em vários eventos recentes.

·        Possíveis motivos

A possibilidade de aumento do apoio a Trump nessa fatia do eleitorado surpreende, não apenas porque tradicionalmente são parte importante da coalizão democrata, mas também porque o republicano tem um histórico de declarações sobre esses grupos consideradas ofensivas.

Críticos costumam acusar Trump de racismo. No passado, o republicano já questionou se Obama era realmente americano e se referiu a imigrantes mexicanos como estupradores.

Nesta campanha, Trump prometeu a maior operação de deportação de imigrantes ilegais já feita e espalhou o boato infundado de que imigrantes haitianos estavam sequestrando e comendo animais de estimação na cidade de Springfield, no Estado de Ohio.

Em outubro, durante comício de Trump em Nova York, o comediante Tony Hinchcliffe fez uma piada em que descreveu o território americano de Porto Rico, onde a maioria da população é de origem hispânica, como “uma ilha flutuante de lixo no meio do oceano”.

Essa declaração, poucos dias antes da eleição, provocou condenações, inclusive por parte de republicanos, e levou a campanha de Trump a se distanciar dos comentários.

Mas, apesar de a maioria dos americanos negros e latinos votar no Partido Democrata, comumente identificado com a promoção de diversidade e igualdade racial, esses são grupos amplos e diversos, com diferentes opiniões políticas, onde nem todos rejeitam a retórica ou as propostas de Trump.

Em levantamento do jornal The New York Times em meados de outubro, antes dos comentários sobre Porto Rico, 20% dos eleitores negros e 40% dos latinos disseram que pessoas que se ofendem com Trump “levam suas declarações muito a sério”.

Pesquisas indicam que, entre os americanos considerados mais liberais, a maioria é branca e com alto nível de escolaridade. Muitos eleitores negros e latinos são mais moderados ou conservadores e também mais religiosos.

“Eu diria que homens não brancos tendem a ser um tanto conservadores em questões sociais, e acho que isso cria uma abertura para os republicanos”, diz à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da George Washington University, em Washington.

Segundo pesquisas, em temas como religião, aborto ou imigração, os democratas negros costumam ter opiniões mais conservadoras do que outros grupos demográficos que apoiam o partido.

No caso da população latina, o veterano em pesquisas políticas John Zogby ressalta que “40% se identificam como conservadores, mas não têm necessariamente votado dessa forma”.

“E a parcela de eleitores latinos que mais cresce são evangélicos e ultraconservadores de (países como) Venezuela, Nicarágua e Cuba”, ressalta Zogby, que participou de um painel com jornalistas sobre as pesquisas nestas eleições.

·        Economia

Nesse contexto, parte desses eleitores tem posições mais próximas do Partido Republicano do que da agenda democrata em temas como aborto, segurança na fronteira ou aborto.

Mais de 40% dos eleitores negros e latinos dizem apoiar a construção de um muro na fronteira com o México e favorecer a deportação de imigrantes ilegais. E quase metade considera a criminalidade nas grandes cidades um grande problema que está fora de controle.

Há quase cem anos os democratas começaram a ser identificados como o partido da classe trabalhadora, categoria na qual se enquadram muitos americanos negros e latinos, que não têm diploma universitário. As últimas décadas, porém, viram mudanças no eleitorado dos dois partidos.

A parcela mais rica e com maior escolaridade favorece cada vez mais os democratas, enquanto os republicanos ganham terreno na classe trabalhadora. Isso ocorre ao mesmo tempo em que, em vários países, eleitores da classe trabalhadora vêm rejeitando políticos convencionais.

Alguns analistas veem nesse movimento uma redução da polarização racial e um cenário no qual classe e nível de escolaridade teriam mais peso do que identidade racial na decisão sobre em quem votar.

Em março deste ano, quando Biden ainda era o candidato presidencial, o colunista John Burn-Murdoch, do jornal Financial Times, gerou debate ao publicar uma análise sobre as perdas dos democratas entre eleitores não brancos, principalmente jovens e da classe trabalhadora, que descreveu como um “realinhamento racial”.

Pesquisas indicam que latinos e negros que apoiam Trump dão menos importância à sua identidade étnica e racial do que os que apoiam Harris. Em sua campanha, o republicano costuma enfatizar a identidade desses eleitores como cidadãos americanos.

Outro fator às vezes citado é que muitos dos eleitores negros mais jovens cresceram depois do movimento dos direitos civis dos anos 1960, época em que seus pais e avós consolidaram sua lealdade ao Partido Democrata.

Alguns eram bebês quando Obama foi eleito com a promessa de mudança e esperança. Quase duas décadas depois, pesquisas sugerem que há entre parte desses jovens o sentimento de que as políticas do Partido Democrata não resolveram seus problemas.

Na sondagem do New York Times no mês passado, somente 63% dos entrevistados negros e 47% dos latinos disseram que o Partido Democrata é o melhor em termos de “cumprir suas promessas”.

“A economia é sempre a questão número um”, diz à BBC News Brasil Todd Belt, da George Washington University.

“Se você perguntar a alguns desses homens não brancos por que estão votando em Donald Trump, geralmente citam sua experiência empresarial e acham que ele será melhor na economia”, afirma. “E não acham que o Partido Democrata deva continuar a considerar seu voto como garantido.”

Os preços altos, principalmente de alimentos e moradia, estão no topo da lista de preocupações dos americanos neste ano. No caso dos eleitores negros, há ainda o agravante de disparidades históricas de salário, taxa de desemprego e acumulação de riqueza.

·        Indecisos

De acordo com as pesquisas, muitos eleitores negros e latinos ainda estão indecisos, e um dos riscos é o de que simplesmente resolvam não votar. John Zogby, o especialista em pesquisas, salienta que “tudo pode acontecer” nesta reta final.

“Duas ou três semanas atrás, eu diria que Trump tinha um desempenho superior entre eleitores latinos, particularmente da classe trabalhadora”, afirma. “Também diria que Harris precisaria estar particularmente preocupada com (o voto de) homens negros, especialmente os jovens.”

No entanto, segundo Zogby, pesquisas mais recentes parecem sinalizar que Harris está obtendo “o desempenho que precisa entre latinos, em torno de 60%”. No caso dos eleitores negros, ele lembra que, há alguns meses, Trump chegava a ter 32% na faixa de 18 a 34 anos, mas o percentual caiu.

“Ele se sai melhor entre homens negros jovens do que entre mulheres negras jovens, mas agora caiu para cerca de 17% a 19%, ressalta. “Supera em muito o que outros candidatos (republicanos) conseguiram. Mas não tenho certeza de que haja algum tipo de realinhamento.”

Mesmo que Trump tenha desempenho melhor do que candidatos republicanos anteriores nessa fatia do eleitorado, a maioria deve continuar votando nos democratas. Assim, as razões por trás dos possíveis ganhos de Trump se aplicariam somente à minoria desses eleitores.

“É um equívoco pensar que, porque os homens negros estão se desviando ligeiramente do apoio aos democratas, há algo acontecendo, algo está errado”, diz a cientista política Nadia Brown, professora da Universidade de Georgetown, em Washington.

Brown, que também participou do debate organizado pelo Brookings, diz que não vê uma lacuna tão grande entre o voto de homens e mulheres negras, e ressalta que ambos ainda representam a maior porcentagem de eleitores em qualquer grupo demográfico que vota nos democratas.

“Será uma surpresa se Donald Trump obtiver, digamos, 20% dos votos dos homens negros”, prevê. “E isso significaria que 80% deles ainda estão votando nos democratas.”

Fauntroy, da Universidade George Mason, diz que os esforços finais da campanha de Harris para motivar eleitores negros nesses dias às vésperas da votação podem fazer diferença.

“Embora o desempenho passado nem sempre seja um indicador de resultados futuros, a história nos diz que (no dia da eleição) provavelmente estaremos onde sempre estivemos (em termos do apoio dos eleitores negros aos democratas)”, afirma Fauntroy.

¨      Estratégia se concentra nas redes sociais e nos influenciadores para atrair eleitorado jovem

Eleições nos Estados Unidos: um desafio para os candidatos em campanha é atrair o eleitorado jovem. Para isso, a estratégia se concentra nas redes sociais e nos influenciadores.

Foi com um post nas redes sociais que o rumo da eleição americana de 2024 mudou: 21 de julho, 13h46. Naquele momento, acabava a campanha de Joe Biden à reeleição. Nos bastidores, correria.

A equipe à frente da candidatura de Joe Biden à reeleição tinha contratado quase 200 funcionários familiarizados com a linguagem e os algoritmos das redes sociais para um plano ambicioso: transformar um homem de 81 anos em meme. Mas o plano não deu certo.

Com Kamala Harris foi diferente. O primeiro sinal de que a campanha democrata online mudaria de rumo também veio em um post – naquela mesma tarde. As três palavras funcionaram como uma espécie de batismo da vice-presidente para a geração Z: “Kamala é brat”.

A mensagem curta foi publicada pela cantora pop inglesa Charli XCX, que em 2024 lançou um disco com o nome “Brat”. A palavra é uma gíria em inglês que significa “pirralha”. Mas, recentemente, se tornou sinônimo de “abrace suas imperfeições e seja do seu próprio jeito”.

A cópia dessa mensagem foi o primeiro post da conta rebatizada com o nome de Kamala Harris no TikTok – a rede social mais usada nos Estados Unidos. Em poucos dias, o número de seguidores do perfil dobrou e ultrapassou a marca de 1 milhão. Hoje, são quase 5 milhões de seguidores.

"Aquele momento é fundamental e mostra também para a campanha democrata como ter investimento e ter capacidade de investimento é importante, mas é importante também você ter candidatos que conseguem mais facilmente carregar essa agenda”, afirma Tiago Ventura, professor de Ciência Social Computacional na Universidade Georgetown.

A campanha de Kamala na internet é feita de memes. Vídeos dela dançando e rindo, usados pelos oponentes republicanos para atacá-la, se transformaram em armas a favor da candidata.

Enquanto a campanha democrata investiu US$ 400 milhões em anúncios nas plataformas digitais, a de Donald Trump gastou um terço desse valor e tem focado na rede social X, de Elon Musk. O bilionário é um apoiador declarado de Trump.

Transformar “likes” em resultado nas urnas é um desafio para estrategistas políticos no mundo todo. Nos Estados Unidos, o desafio é duplo. É preciso motivar o eleitor a sair de casa para votar, já que o voto não é obrigatório. Em uma disputa tão acirrada como a de 2024, o candidato que pretende ocupar a Casa Branca não pode abrir mão de nenhum eleitor.

E, no terreno digital, eles estão de olho em um grupo bem específico: a geração Z. São as pessoas que hoje têm entre 12 e 27 anos: 41 milhões de americanos desse grupo estão aptos a votar. Em uma pesquisa da Universidade de Harvard, 34% dos entrevistados da geração Z disseram que os memes de Kamala Harris afetaram positivamente a forma como viam a candidata. Em relação a Donald Trump, 13% disseram o mesmo.

Em agosto, durante a convenção que oficializou a candidatura de Kamala Harris, o Partido Democrata fez algo inédito: credenciou 200 influenciadores digitais para que produzissem conteúdo. Os influencers não receberam por isso e tiveram que arcar com os custos da viagem. Tinham à disposição uma sala de criação exclusiva, com comida e bebida liberadas, além de estrutura para gravação de vídeos.

Blair Imani é da Califórnia. A influenciadora é registrada como eleitora do Partido Democrata, tem mais de 818 mil seguidores nas redes sociais.

“Foi uma experiência incrível. Fico emocionada e honrada. Meus pais estão super animados. Minha avó faleceu recentemente e ela cresceu em uma época em que as mulheres negras não tinham o direito de votar, não tinham acesso a espaços como este”, diz Blair Imani.

Os marketeiros da campanha democrata avaliaram que o material produzido pelos influenciadores gerou uma exposição que teria custado US$ 800 milhões em propaganda digital.

"A cada eleição, as campanhas estão tentando entender tecnologias novas. E se na campanha de Obama foi basicamente esse o uso de dados sociais - e-mail, SMS, mensagens mais personalizadas -, na campanha de Trump foi basicamente o uso do Twitter para quebrar o monopólio dos grandes meios de comunicação. A campanha democrata deste ano é sobre o TikTok e essa é a nova tecnologia. Acho que as campanhas estão tentando entender e usar para conseguir o objetivo final, que é ganhar a eleição”, opina Tiago Ventura, professor de Ciência Sociail Computacional na Universidade de Georgetown.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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