quarta-feira, 6 de novembro de 2024

As cadeias alimentares curtas são mais sustentáveis do que as longas?

Em o “O Dilema do Onívoro: uma história natural de quatro refeições”, o escritor e jornalista Michael Pollan descreve como nossa sociedade vem encarando o desafio de escolher o que comer. Dado o vasto leque de possibilidades alimentícias, o autor nos convida a reconstituir o passeio dos alimentos de nossas mesas até suas origens. Nessa caminhada, percebemos o quão ignorantes somos a respeito do que comemos. Para além das questões problematizadas por Pollan em seu livro acerca do porquê alguns alimentos serem produzidos em larga escala enquanto outros, a despeito de mais nutritivos, não receberem tanta atenção, o que as evidências apontam para as emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) do que comemos? Por exemplo, há diferenças de emissões entre cadeias mais alongadas em relação as curtas?

Paralelamente as questões discutidas pelo autor, a identificação da origem geográfica dos produtos vem sendo cada vez mais valorizada nas novas tendências de consumo alimentar, pois possibilita ao consumidor escolher e valorizar a produção local. Nesse caso, a virtude da eficiência logística passou a ser vista, sobretudo por consumidores europeus, como fonte de desequilíbrios ambientais associados à pegada de carbono decorrente do transporte a longas distâncias. Ao mesmo tempo, tem-se que grandes conglomerados urbanos dependem fortemente do abastecimento alimentar em grande escala, o que implica às questões logísticas da participação decisiva no debate dos impactos ambientais do sistema alimentar. No âmbito dessas discussões, o tema das cadeias curtas de abastecimento alimentar e dos mercados locais e territoriais tem ganhado significativa relevância. Nos mercados e cadeias mais encurtados, os alimentos percorrem menores distâncias e os valores sociais co-compartilhados entre os agricultores e os consumidores são o que estruturam e ditam as dinâmicas de funcionamento.

Para responder à pergunta formulada no inicio da matéria, optou-se por analisar a pegada de carbono dos processos de food miles das cadeias alimentares, que podem ser definidas como as emissões de GEEs, que ocorrem durante a fase de distribuição dos alimentos no sistema alimentar (transporte). De maneira genérica, a literatura internacional demonstra que: a) são poucas as pesquisas e estudos existentes e todos são internacionais. Isso abre uma enorme relevância de pesquisas serem realizadas no Brasil, levando em conta nossas condições de distribuição, transportes e tipos de cadeias alimentares; b) os estudos e pesquisas são inconclusivos em relação aos efeitos dos dois tipos de cadeias em relação as mudanças climáticas e a sustentabilidade. Especificamente, em relação a emissão de carbono no processo de food miles, para a pergunta: as cadeias curtas emitem menos que as cadeias longas? Não se consegue respostas decisivas e completas na literatura, pois os estudos não possuem conclusões seguras e consistentes nesta direção.

Buscando contribuir com as discussões, em estudo inédito para o Brasil, a pesquisa “Gases de efeito estufa em cadeias alimentares curtas, médias e longas: uma análise comparativa do food miles de uma cesta de alimentos para o Brasil a partir dos dados do PROHORT/Ceasas” apresenta comparações entre cadeias curtas de abastecimento, médias e longas em relação às emissões de carbono (CO2) no transporte dos alimentos. A análise foi baseada na ideia do food miles, a partir da metodologia da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), no nível do produto, para efetuar estimativas para uma cesta de alimentos que faz parte da dieta comum do brasileiro (maçã, batata, tomate, cebola e laranja) e que circulam em diferentes tipos de cadeias (longa, média e curta).

Tomando a distância como principal variável para caracterização do tipo de cadeia de abastecimento, a pesquisa utilizou os dados do Programa de Modernização do Mercado de Horticultura do Brasil (PROHORT), das Centrais de Abastecimento (Ceasas), veiculada a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), dado que as Ceasas registram, por meio de notas ou registros de entrada (romaneios), o município de expedição da produção que chegam a seus entrepostos, permitindo a estimação da quilometragem percorrida pelos alimentos. Os dados são do ano de 2022 e tomando por base o total de kg comercializado nas Ceasas proveniente do banco de dados do PROHORT, juntos os cinco alimentos são responsáveis pela comercialização de 4,07 milhões de toneladas, o equivalente à 32,59% do total de kg comercializado nesses estabelecimentos.

Ao analisar os resultados encontrados de forma fracionada, o que significa que as emissões de gás carbônico referentes ao processo de transporte rodoviário dos alimentos nas cadeias alimentares foram divididas pela tonelagem de produtos transportados em cada uma das situações especificadas para as três cadeias, tem-se que as emissões acumuladas no ano de 2022 da cadeia curta são de 93,09 g CO2/tonelada (ton.) da cesta dos cinco alimentos. Enquanto, na cadeia média de abastecimento, as emissões são de 391,84 e, por fim, na cadeia longa de 1.434,98 g CO2 por tonelada de produto. Comparativamente falando, as emissões da cadeia média e longa de abastecimento alimentar são, respectivamente, 4,21 e 15,41 vezes maior que a cadeia curta de abastecimento. Dados que evidenciam as menores emissões de CO2 ligado ao processo de food miles (transporte) das cadeias curtas de abastecimento. Em relação a razão das emissões fracionadas da cadeia curta com a média e longa, enquanto na cadeia média para a curta esta razão, considerando-se uma média para os cinco alimentos analisados, é de 8 vezes, na razão entra a cadeia longa e a curta, esta chega a 22 vezes.

Sumarizando brevemente os principais achados da investigação empreendida, destacam-se três grandes frentes do estudo:

1.       a) As cadeias curtas de abastecimento emitem menos carbono nos processos de food miles que as cadeias médias e longas: este achado científico é uma novidade importante aos estudos brasileiros e contraria boa parte da literatura internacional publicada sobre o tema, nas quais as cadeias curtas emitem taxas iguais e/ou superiores de CO2 em relação as longas. Além disso, esta evidência científica é uma novidade para a área de sistemas alimentares e mudanças climáticas no país.

2.       b) As emissões da cesta dos cinco alimentos estão de acordo com os dados contidos na literatura sobre food miles: em termos dos cinco alimentos, os processos de emissões totais e médios do seu transporte rodoviário, nas cadeias alimentares investigadas, demonstram que o tomate é o alimento que mais emite CO2 da cesta. Em segundo lugar, estão laranja, cebola e maçã com emissões intermediárias em termos de valores e, com menores montantes, está a batata inglesa.

3.       c) É preciso pensar o planejamento das rotas, modal de transportes, tipos e tamanhos dos veículos utilizados para o transporte dos alimentos: todos os cinco alimentos componentes da cesta analisada, nos três tipos de cadeias alimentares, apresentaram emissões de carbono dos processos de food miles mais elevadas nas cadeias longas em relação as médias e, especialmente, em comparação com as curtas.

Com base nos resultados do estudo, são traçadas algumas recomendações de ações práticas e de políticas públicas a serem implementadas pelos atores sociais e pelo Estado (em vários níveis territoriais: municípios, regiões/territórios e Estados). As recomendações vão em seis frontes: 1) Incentivo à geração de pesquisas e dados acerca da sustentabilidade ambiental dos processos produtivos do país para desenvolvimento e coordenação de políticas públicas; 2) Incentivo à produção local de alimentos saudáveis, diversificados e sustentáveis; 3) Implementar políticas e programas públicos de apoio a produção alimentar local e regional; 4) (Re)conectar a produção local e regional com o consumo e os mercados alimentares de proximidade social e territorial; 5) Produção local e regional de alimentos atrelada ao aumento das compras públicas institucionais por Estados e municípios; 6) Descentralização do sistema Ceasas para os níveis locais e territoriais.

Lançado em 16/10/2024, Dia Mundial da Alimentação, o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato) e a terceira edição do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) lançam luzes sobre o atual sistema nacional de abastecimento alimentar. Combater a fome e fortalecer a soberania alimentar são elementos centrais. O documento advoga que “o abastecimento alimentar conecta a produção e disponibilidade de alimentos com o acesso, e permite influenciar diretamente na dieta da população e nos sistemas alimentares, sendo fundamental a promoção de hábitos alimentares saudáveis, práticas sustentáveis e a sustentação da produção local e regional”. Nesse aspecto, interessa avançar nas interconexões entre distribuição e comercialização de alimentos saudáveis, através de seus programas e ações novos, sem esquecer a produção, enquanto origem e ponto de partida daquilo que chega às mesas dos brasileiros.

É muito bem-vinda a proposta de criação da Rede Varejo Saudável e sua intenção de requalificar e aproximar estruturas de comercialização (mercearias, quitandas, açougues e peixarias) para ofertarem alimentos saudáveis. Pretende-se que estes varejistas sejam identificados e credenciados pela Conab e abastecidos por agricultores familiares do entorno ou pelas Ceasas. Dessa forma, será preciso ir muito além dos atuais esforços e avançar em estruturas que permitam a organização da produção lá na origem, onde o alimento é produzido. Somente assim será possível estabelecer relações sólidas e duradouras com os agricultores familiares e suas entidades representativas nos âmbitos sociais, econômicos e políticos fortalecendo a cooperação que inclui.

 

Fonte: Por Joelson Santos, Marcelo Conterato e Marcio Gazolla, no Le Monde

 

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