Os 26 países onde mais se acredita em Deus;
Brasil domina o ranking
Só Deus sabe até onde
vai à fé do povo brasileiro. Mas, uma pesquisa publicada pela Global Religion
e, produzida pelo instituto Ipsos em 2023, pode nos ajudar a entender quais são
os países onde mais se acredita em Deus em todo o planeta.
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De acordo com dados da
pesquisa publicada pelo Global Religion, 89% dos brasileiros dizem crer em
Deus, o que colocou o país em primeiro lugar no ranking ao lado da África do
Sul, onde também 89% da população afirmou acreditar em Deus. Na sequência, vem a
Colômbia, com 86%. Nos três casos, entre aqueles que, além de crer em Deus, têm
também uma religião definida, o cristianismo é a principal religião, o que
reflete o impacto histórico da colonização europeia – portuguesa no Brasil,
holandesa na África do Sul e espanhola na Colômbia.
Dentre todos os países
que participaram da pesquisa, o Brasil ficou 28 pontos percentuais acima da
média na crença em Deus, que foi de 61%. Apenas 5% de toda a população
brasileira declarou não acreditar em Deus e em "forças maiores".
No Brasil, uma
pesquisa realizada pelo Censo 2022 e publicada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) mostra um fato curioso ligado à fé no Brasil. O
país tem mais estabelecimentos religiosos (igrejas, templos, terreiros,
sinagogas, entre outros) do que hospitais e escolas. Ou seja, são 286 igrejas
para cada 100 mil habitantes do país.
Ao mesmo tempo,
algumas crenças enfrentaram forte repressão. O Código Penal de 1890, por
exemplo, criminalizava práticas como magia, espiritismo e curandeirismo, e
resquícios dessas restrições só foram removidos da legislação em 1985.
<><> Veja
a lista dos países em que mais se acredita em Deus segundo a Global Religion
• Brasil – 89%
• África do Sul – 89%
• Colômbia – 86%
• México – 85%
• Peru – 84%
• Turquia – 82%
• Índia – 81%
• Chile – 76%
• Argentina – 76%
• Estados Unidos – 72%
• Singapura – 67%
• Polônia – 64%
• Canadá – 60%
• Itália – 60%
• Austrália – 57%
• Tailândia – 50%
• Hungria – 46%
• Alemanha – 45%
• Espanha – 44%
• França – 44%
• Reino Unido – 43%
• Bélgica – 42%
• Suécia – 41%
• Países Baixos – 40%
• Coreia do Sul – 33%
• Japão – 19%
• Por que Brasil está no topo de ranking
de países onde mais se acredita em Deus
"Vai com
Deus."
"Graças a
Deus!"
"Deus me
livre."
"Só Deus
sabe…"
Deus está sempre na
boca do brasileiro, um povo que vive em um país de maioria cristã onde cultura
e fé estão intimamente ligadas - das altas esferas de poder ao cotidiano do
cidadão comum - e no qual a vida religiosa muitas vezes preenche lacunas deixadas
pelo Estado.
Esses são alguns dos
fatores que explicam porque o Brasil se destaca quando o assunto é
espiritualidade.
Quase nove em cada dez
brasileiros dizem, por exemplo, acreditar em Deus, segundo a pesquisa Global
Religion 2023, produzida pelo instituto Ipsos.
O índice de 89% de
crença em um poder superior coloca o Brasil no topo do ranking de 26 países
elaborado pelo Ipsos, com base em uma plataforma online de monitoramento que
coleta informações sobre o comportamento destas populações.
O Brasil aparece
empatado com África do Sul, que teve os mesmos 89%, e Colômbia, com 86% - um
empate técnico dada a margem de erro de 3,5 pontos percentuais da pesquisa.
Holanda (40%), Coreia
do Sul (33%) e Japão (19%) foram os países onde a população menos crê em Deus
ou em um poder superior, de acordo com a pesquisa.
A Global Religion 2023
é baseada em dados coletados entre 20 de janeiro e 3 de fevereiro, com 19.731
entrevistados, aproximadamente mil deles no Brasil.
Na amostra, há apenas
um país de maioria islâmica, a Turquia, embora pessoas que seguem o islamismo
tenham sido consultadas em outros países.
Entre os países
pesquisados, o Brasil ficou 28 pontos percentuais acima da média na crença em
Deus, que foi de 61%.
"No cotidiano
brasileiro, as pessoas falam em Deus o tempo todo, é algo comum e normal, e é
estranho se alguém reage de forma negativa a isso", diz Ricardo Mariano,
sociólogo da Religião e professor da Universidade de São Paulo.
Mariano ressalta que o
Brasil costuma se destacar em pesquisas internacionais sobre religiosidade e fé
porque a crença em Deus e a espiritualidade estão profundamente intricadas na
nossa cultura, mesmo entre quem não tem compromisso com nenhuma religião específica.
De acordo com a
pesquisa do Ipsos, 70% dos brasileiros disseram que acreditam em Deus como
descrito em escrituras religiosas, como a Bíblia, o Alcorão, a Torá, entre
outros, e 19% acreditam em uma força superior, mas não em Deus como descrito em
textos religiosos.
Cerca de 5% dos
brasileiros disseram não acreditar em Deus ou em um poder maior, 4% afirmaram
que não sabem e cerca de 2% preferiram não responder.
"São dados que
estão de acordo com nosso histórico de um país onde a religião e a
religiosidade têm uma predominância tanto na cultura e na vida cotidiana quanto
nas esferas de poder", diz Helio Gastaldi, diretor de opinião pública da
Ipsos no Brasil.
• Vida religiosa
Mas acreditar em Deus
não significa necessariamente ser religioso - e o caso brasileiro demonstra bem
isso.
Enquanto 89% dos
entrevistados no país disseram crer em Deus ou um poder superior, só 76%
afirmaram seguir uma religião.
O índice nacional
ficou novamente acima da média global, que foi de 67% neste caso, mas bem
abaixo dos primeiros colocados: Índia (99%), Tailândia (98%) e Turquia (86%).
Entre os brasileiros
religiosos, 70% disseram ser cristãos (católicos, evangélicos e outras
denominações) e 5% são filiados a outras religiões, enquanto 20% disseram não
ter uma religião e 5% das pessoas preferiram não responder.
Os dados da Ipsos
mostram que a diferença na adesão dos jovens da geração Z (nascidos entre 1997
e 2012) e do resto da população adulta a uma religião é bem maior entre os
católicos do que entre os evangélicos.
Enquanto 38% dos
adultos se declararam católicos, somente 23% dos jovens da geração Z dizem
aderir à religião - uma diferença de 15 pontos.
Já entre os
evangélicos e outros cristãos, o índice geral entre adultos é de 29% e entre os
jovens é 26% - ou seja, além de existir uma diferença geracional menor, já há
mais jovens evangélicos do que católicos no Brasil hoje, aponta o estudo.
O índice dos sem
religião na medição da Ipsos ficou bem acima dos 8% registrados pelo Censo de
2010, que, por sua vez, detectou um aumento de 0,7 pontos percentuais em
relação ao levantamento anterior (7,3%).
"Apesar de
sabermos que a proporção de pessoas sem religião no Brasil tem aumentado -
dados do Datafolha de 2022 indicam 14% sem religião, entre população em geral,
e 34% sem religião entre os jovens -, o fato da pesquisa da Ipsos ser com
painel online pode inflar um pouco este número, supondo que entre os mais
pobres esta proporção dos sem religião seja um pouco menor", diz Gastaldi.
O Brasil acompanha,
mesmo que timidamente, uma tendência global de aumento do número de pessoas que
não tem religião, diz Mariano.
"É preciso
aguardar os dados do censo 2022, mas tudo aponta que esse número vai ter
aumentado", diz.
Enquanto no Brasil a
crença em Deus supera a religiosidade, em países como Índia e Tailândia, que
lideram o ranking de religiosos, e também onde a filiação a uma religião é
minoritária, como Coreia do Sul (44%) e Japão (42%), a situação se inverte e há
mais pessoas religiosas do que aquelas que acreditam em um poder superior.
Isso acontece por
causa das características particulares da fé nestes locais, segundo
especialistas.
Religiões como o
budismo e o xintoísmo - que são predominantes em alguns deles - são não
teístas, ou seja, não têm um conceito de Deus ou de um poder superior como nas
chamadas religiões abraâmicas, como o cristianismo, islamismo e o judaísmo,
explica Gastaldi.
O xíntoísmo é uma
reunião de tradições espirituais japonesas centradas no culto à natureza e aos
antepassados. Já o budismo trabalha com a ideia de iluminação espiritual
individual
Ao mesmo tempo,
explica Mariano, o conceito de Deus não consegue captar bem as crenças de
religiões politeístas (com múltiplas divindades) como o hinduísmo, que é
majoritário na Índia, e as religiões afro-brasileiras.
O Brasil tem, porém,
um índice alto de crença em Deus e de religiosidade mesmo se comparado a outros
países em desenvolvimento - e isso tem a ver com a história do país.
"A religião é uma
força fundamental no Brasil desde a época da colonização dos portugueses. O
catolicismo é a religião que nos foi imposta pelos portugueses e vai ter um
papel central nas identidades nacionais", afirma a professora de sociologia
da religião Nina Rosas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
• Ausência do Estado
Helio Gastaldi, do
Ipsos, explica que os dados da pesquisa de 2023 são consistentes com um
fenômeno muito estudado.
Entre os países
laicos, onde a religião é separada do Estado e não há uma religião oficial, a
vida religiosa tende a ter maior importância para a população onde o PIB per
capita (riqueza de um país em relação à quantidade de habitantes) é menor ou
onde há grande índices de desigualdade, aponta Gastaldi.
"São locais onde
a religião de certa forma supre a ausência do Estado. Ela traz perspectiva,
consolo, às vezes até assistência material - mas também pode ser usada como
forma de manipulação e ferramenta do poder", diz Gastaldi.
Na pesquisa do Ipsos,
por exemplo, 90% responderam que acreditar em Deus ou forças superiores ajuda a
superar crises, como doenças, conflitos e desastres.
O catolicismo sempre
operou no Brasil como uma espécie de extensão do Estado, mesmo depois da
proclamação da República, afirma Rosas.
Ao mesmo tempo, havia
uma forte perseguição a outras religiões, explica a pesquisadora - o Código
Penal de 1890, por exemplo, criminalizava magia, espiritismo e curandeirismo.
Havia resquícios disso na legislação até 1985, aponta Rosas.
"Então as
religiões mediúnicas, tanto espiritismo quanto as de matriz africana, tiveram
que se adaptar a essas pressões tentando se enquadrar em algo que era
considerado legítimo", diz Rosas.
Isso gerou o
surgimento de um sincretismo religioso que ultrapassa as barreiras das
religiões individuais.
"Apesar da
opressão da colonização ter vindo embutida com a religião para o Brasil, na
forma da religião imposta, de certa forma o povo soube separar Deus do
missionário e ficou com a figura de Deus", afirma Fernando Altemeyer,
professor do departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).
Altemeyer avalia ainda
que o alto índice de crença em Deus verificado pela pesquisa do Ipsos também é
provavelmente influenciado pelo contexto imediato da vida pós-pandemia no
Brasil, que foi especialmente atingido pela covid-19 e onde o governo foi criticado
pela falta de resposta adequada ao problema.
"Tivemos mais de
700 mil mortos, foram dois anos de depressão e sofrimento. E sabemos que depois
de uma grande crise, as religiosidades e espiritualidades aumentam, têm uma
explosão", diz ele.
"Foi assim no
Japão após a Segunda Guerra Mundial, após a bomba atômica, por exemplo."
• A força da fé
Ricardo Mariano, da
USP, explica que, historicamente, os movimentos que foram oposição ao poder ou
governo do período nunca tiveram um caráter de combater a religião ou
espiritualidade.
"Nós não temos
uma tradição iluminista, de movimentos políticos ideológicos anticlericais e
seculares", afirma ele.
A secularização é o
processo de afastamento de uma sociedade da religião.
"Mesmo a classe
média brasileira não é altamente secularizada", afirma o pesquisador.
Ele aponta que mesmo
movimentos de esquerda não fizeram uma oposição à religião em si - o PT, o
maior partido de esquerda do país, por exemplo, tem em suas origens o
catolicismo da Teologia da Libertação, corrente católica que defende a atuação
da Igreja em prol do combate à desigualdade social como prioridade.
No Brasil, movimentos
por direitos de grupos que historicamente sofreram opressão religiosa - como
mulheres e pessoas LGBT - não tendem a ser antirreligiosos, destaca Mariano.
Embora certos
movimentos façam oposição à influência de grupos religiosos no Congresso, diz
Mariano, raramente a oposição é em relação à ideia de religiosidade em si.
"Mesmo quando a
democratização do ensino superior avançou, isso não implicou na absorção de uma
cultura que faça oposição à crença religiosa, não houve esse embate", diz
Mariano.
Fonte: Exame
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